5 Espaço-Tempo de Minkowski O propósito deste capítulo é fazer uma breve incursão na geometria e na nomenclatura do espaço-tempo quadri-dimensional de Minkowski, onde as leis físicas baseadas na Relatividade Restrita encontram uma formulação matemática adequada. No contexto da Relatividade Restrita e da equivalência dos referenciais inerciais, o conhecimento das propriedades de transformação das grandezas físicas sob as transformações gerais de Lorentz entre são de importância fundamental para que a invariança das grandezas físicas derivadas e a covariança das equações de movimento possasm ser facilmente estabelecidas. 5.1 Espaço euclidiano tridimensional Por habirar um mundo tri-dimensional cuja geometria é, pelo menos localmente, euclidiana, a geometria mais conhecida é a euclidiana. No espaço tridimensional, um ponto é de…nido através de três números ou coordenadas, que podem ser as coordenadas (x; y; z) no sistema de coordenadas cartesianas ou retangulares. As grandezas físicas são, em geral, funções de…nidas neste espaço, e as leis físicas relacionam as diversas grandezas físicas através de equações ou sistemas de equações. Como todos os referenciais inerciais devem ser equivalentes, as equações que descrevem as leis físicas devem ser covariantes nas transformações que relacionam os diversos referenciais inerciais entr si. Dentre estas transformações, há os que envolvem apenas as coordenadas espaciais, os sistemas de referenciais …xos uns em relação a outros, tais como as translações, x0i = xi ai ; (1) Rij xj ; (2) e as rotações, x0i = 3 X j=1 (índices variando de 1 a 3). O interesse no momento são as rotações e, por questões de simplicidade, serão consideradas apenas as rotações ao redor do eixo z. Uma rotação de ângulo ao redor do eixo z é dada pelo conjunto de transformações de equações 8 0 < x = x cos + y sin y 0 = x sin + y cos (3) : 0 z =z 44 que pode ser indicado na forma matricial 0 1 0 0 1 x x @ y 0 A = R3 @ y A ; z0 z onde (4) 0 sin cos 0 (5) A transposta desta matriz, 0 1 0 0 A : 1 sin cos 0 1 0 0 A ; 1 (6) cos @ sin R3 = 0 cos T @ sin R3 = 0 é a matriz da transformação inversa, como pode facilmente ser veri…cado. Esta é uma propriedade geral das matrizes de rotação, que sempre pode ser obtido pela composição de rotações ao redor dos três eixos de coordenadas, (7) R = R1 R2 R3 ; de modo que RRT = RRT = I () RT = R 1 : (8) Esta propriedade está ligada à invariança por rotação da distância entre dois pontos, p (9) d = (x2 x1 )2 + (y2 y1 )2 + (z2 z1 )2 : Tomando um dos pontos na origem, resulta P3 P3 P3 P3 P3 T 0 0 j=1 k=1 Rij xj Rik xk = i;;j;k=1 xj Rji Rik xk i=1 i=1 xi xi = = P3 T ;j;k=1 xj (R R)jk xk = P3 (10) 2 ;j=1 xj xj = r ; que mostra a invariança do módulo do vetor posição. Na física newtoniana é comum a representação vetorial das grandezas físicas, indicadas genericamente por A = Ax ex + Ay ey + Az ez = 3 X i=1 tendo por padrão o vetor posição 45 Ai ei ; (11) r = xex + yey + zez = 3 X xi ei ; (12) i=1 onde ei são os três versores nas direções dos eixos coordenados. Por rotação as componentes dos vetores transformam-se da mesma forma que as coordenadas do vetor posição (equação 2), Ai ! A0i = 3 X (13) Rij Aj : i=1 Deste modo, assim como a distância, os produtos escalares entre vetores são invariantes por rotação, P P A0 B0 = 3i=1 A0i Bi0 = 3i;j;k=1 Rij Aj Rik Bj (14) P3 P3 T = ;j;k=1 Aj (R R)jk Bk = ;j=1 Aj Bj = A B : A distância r 2 = x2 + y 2 + z 2 ; na sua forma in…nitesimal dr2 = dx2 + dy 2 + dz 2 ; (15) de…ne a métrica euclidiana, positiva de…nida. A física newtoniana é de…nida para um espaço métrico euclidiano. 5.2 Espaço-tempo pseudo-euclidiano As transformações de Lorentz tem a característica de misturar as coordenadas do espaço e do tempo. Por exemplo, para uma transformação de Lorentz entre referenciais inerciais R e R0 com movimento relativo uniforme V ao longo do eixo comum xx0 , 8 0 x = (x V t) > > < 0 y =y ; (16) z0 = z > > : 0 ct = (ct x) para = V e c =p 1 46 1 2 ; as coordenadas do espaço e do tempo misturando-se de forma simétrica como coordenadas de um espaço-tempo quadri-dimensional. Os pontos deste espaço-tempo de…nem os eventos, localizados pelas coordenadas (x; y; z; ct) : A separação entre dois eventos é dado pelo intervalo s212 = c2 (t2 t1 )2 2 r12 ; (17) que de…ne a medida (ou métrica) deste espaço-tempo. Em forma in…nitesimal, ds2 = c2 dt2 dr2 : (18) A métrica assim de…nida é invariante por transformações de Lorentz, como facilmente pode ser veri…cado. No entanto, ao contrário da métrica espacial euclidiana (15), a métrica do espaço-tempo não é positiva de…nida, de modo que a sua geometria não é euclidiana. Para mascarar o sinal negativo da métrica (18), pode-se de…nir as coordenadas x1 = x ; x2 = y ; x3 = z ; x4 = ict (19) de modo que a expressão formal da métrica …ca 2 ds = 4 X dxi dxi = (dx1 )2 + (dx2 )2 + (dx3 )2 + (dx4 )2 ; (20) i=1 aparentemente euclidiana. É aparentemente euclidiana porque a métrica continua não sendo positiva de…nida, como requer a métrica euclidiana. Por esta razão diz-se que a geometria do espaço-tempo de…nido por estas coordenadas é pseudo-euclidiana. Usando as coordenadas do espaço-tempo pseudo-euclidiano, as transformações de Lorentz (16) podem ser expressas na forma 8 0 x = x1 cos x4 sin > > < 10 x2 = x2 ; (21) x03 = x3 > > : 0 x4 = x4 cos + x1 sin formalmente idêntica a uma rotação, de ângulo coordenadas x1 e x4 , 8 < cos = > 1 e : : sin = i 47 , do plano de…nido pelas (22) Veja que embora a identidade trigonométrica seja satisfeita, cos 2 a condição cos imaginária), + sin 2 > 1 somente é possível se =i 5.3 (para (23) =1; for uma variável complexa (ou real). (24) Espaço-tempo de Minkowski O espaço-tempo quadri-dimensional de Minkowski é de…nido pelas coordenadas (x0 ; x1 ; x2 ; x3 ) (com índices superiores) identi…cados por x0 = ct ; x1 = x ; x2 = y ; x3 = z : (25) São as coordenadas contravariantes. Em termos destas coordenadas contravariantes, a métrica …ca ds2 = c2 dt2 dr2 = (dx0 )2 (dx1 )2 (dx2 )2 (dx3 )2 : (26) Além das coordenadas contravariantes, de…ne-se as coordenadas covariantes (x0 ; x1 ; x2 ; x3 ) (com índices inferiores) identi…cados por x0 = x0 = ct ; x1 = x1 = x ; x2 = x2 = y ; x3 = x3 = z : (27) Combinando as coordenadas contravariantes e covariantes, a métrica …ca ds2 = dx0 dx0 + dx1 dx1 + dx2 dx2 + dx3 dx3 ; (28) que possibilita a notação compacta, ds2 = dx dx ; (29) usando a convenção de soma dos índices repetidos. Por esta convenção, índices repetidos superior e inferior devem ser somados, variando de 0 a 3 para os índices gregos ( ; ; ; etc..), e de 1 a 3 para os índices latinos (i; j; k; etc.). 48 Para as coordenadas contravariantes, as transformações de Lorentz (16) …cam 8 00 x = (x0 x1 ) > > < 01 x = (x1 x0 ) ; (30) 02 2 x =x > > : 03 x = x3 ou, usando a variável , 8 00 x = x0 cosh x1 sinh > > < 01 x = x0 sinh + x1 cosh ; (31) x02 = x2 > > : 03 x = x3 onde 8 < cosh observando-se a identidade : = >1 e sinh = cosh 2 ; sinh 2 = 1 : A matriz de transformação da equação (30) é 0 1 0 0 B 0 0 C C ; L=B @ 0 0 1 0 A 0 0 0 1 (32) (33) (34) a condição (33) correspondendo a det L = 1: (35) As coordenadas covariantes, equação (27), transformam-se de forma inversa das contravariantes, 8 0 > > x00 = (x0 + x1 ) < x1 = ( x1 + x 0 ) ; (36) x02 = x2 > > : 0 x3 = x3 sendo que a matriz da transformação inversa pode ser obtida fazendo-se a substituição ! na matriz da transformação direta (34) 0 1 0 0 B 0 0 C C : L 1=B (37) @ 0 0 1 0 A 0 0 0 1 49 É possível de…nir uma representação invariante dos quadri-vetores que, numa notação similar à dos vetores usuais, …ca s = x0 e 0 + x1 e 1 + x2 e 2 + x3 e 3 : (38) Para ser invariante, os versores-base e devem transformar-se de forma inversa das coordenadas contravariantes, isto é, 8 0 e = (e0 + e1 ) > > < 00 e1 = (e1 + e0 ) : (39) e02 = e2 > > : 0 e3 = e3 As denominações covariante (e contravariante) signi…cam coordenadas que se transformam da mesma forma (e de forma inversa) que os elementos da base fe g. 5.3.1 Quadri-vetores Os quadri-vetores são grandezas com quatro componentes que se transformam da mesma maneira que as coordenadas. No caso particular das transformações (30), 8 00 A = (A0 A1 ) > > < 01 A = (A1 A0 ) ; (40) A02 = A2 > > : 03 A = A3 para as componentes contravariantes (A ) = (A0 ; A1 ; A2 ; A3 ): (41) As componentes covariantes são de…nidas da mesma maneira que as coordenadas covariantes, (A ) = (A0; A1; A2; A3 ) = (A0 ; A1 ; A2 ; A3 ) ; (42) transformando-se também de maneira inversa das contravariantes. As grandezas físicas usuais são representadas, em geral, pelas componentes contravariantes dos quadri-vetores (com índices superiores), e muitas vezes é conveniente explicitar as suas componentes temporal e espacial, (A ) = (A0 ; Ai ) = (A0 ; A) : (43) Para as componentes covariantes, (A ) = (A0 ; Ai ) = (A0 ; Ai ) = (A0 ; A) : 50 (44) Como as componentes covariantes transformam-se de forma inversa das contravariantes, o produto escalar entre dois quadri-vetores A e B de…nido como (A ; B ) = A B = A B ; (45) com a convenção de soma dos índices superior e inferior repetidos, como no caso da métrica (29), é claramente invariante pelas transformações de Lorentz. A ligação matemática formal entre as componentes contravariantes e covariantes é feita usando o tensor métrico 8 ; < 0 se 6= 1 se = = 0 e g =g = (46) : 1 se = = i (i = 1; 2; 3) ; através das relações de abaixamento e levantamento de índices tensoriais, respectivamente A =g A e A =g A : (47) Deste modo o produto escalar pode assumir várias formas equivalentes, A B =g A B =A B ; (48) e para a métrica, que também é um produto escalar, ds2 = dx dx = g dx dx = dx dx ; (49) etc.. 5.4 Transformações Gerais de Lorentz As transformações gerais de Lorentz são representados como x0 = x +a ; (50) onde estão incluídas as translações (de…nidas pelos parâmetros a ), as rotações espaciais e as transformações especiais de Lorentz (entre referenciais inerciais em movimento relativo uniforme), além das inversões espaciais e temporais. Na forma acima, com as translações, são conhecidas como transformações gerais de Lorentz não homogêneasde ou, simplesmente, transformações Poincaré. Sem as translações, são as transformações de Lorentz homogêneas, x0 = x ; 51 (51) contendo rotações espaciais e transformações especiais de Lorentz (entre referenciais inerciais em movimento relativo uniforme), além das inversões espaciais e temporais. As transformações especiais de Lorentz ao longo dos três eixos coordenados tem como matrizes de transformação, 0 1 0 0 1 1 1 B 0 0 C 1 1 1 C : L1 = B (52) @ 0 0 1 0 A 0 0 0 1 para deslocamentos relativos ao longo do eixo x, 0 0 2 2 2 B 0 1 0 L2 = B @ 2 2 0 2 0 0 0 equação (34), 1 0 0 C C ; 0 A 1 para deslocamentos relativos ao longo do eixo y e 0 0 0 3 3 3 B 0 1 0 0 L3 = B @ 0 0 1 0 0 0 3 3 3 1 C C ; A (53) (54) para deslocamentos relativos ao longo do eixo z, onde i = Vi c e i =p 1 1 2 i (i = 1; 2; 3) : (55) As componentes contravariantes e covariantes de quadri-vetores devem se transformar como A0 = A (56) e A0 = (57) A ; respectivamente. Deste modo o produto escalar transforma-se como A0 A0 = A A = a condição de invariança do produto escalar, A0 A0 = A A ; 52 A A ; impondo a condição (58) = sobre as matrizes das transformações Lorentz. Para as componentes = = 0, resulta 0 0 ) = 0 0 0 0 0 0 + i i i 0 0 0 0 =1 0 i 0 = 1; isto é, 2 0 0 i =1+ i 0 1: 0 (59) Quando 0 0 1 a transformação é ortócrona (o sinal do tempo é mantido), e quando 0 0 1 a transformação é não-ortócrona (com inversão temporal). Usando o fato de que g g =g = (60) ; a equação (58) pode ser escrita na forma matricial g = () g g T =g : (61) Desta relação matricial pode-se extrair condições sobre o determinante de , (det )2 = 1 ) det = 1: (62) No caso det = 1 a transformação diz-se própria (sem re‡exão espacial ou inversão temporal) e no caso det = 1 a transformação é imprópria (contém re‡exão espacial e ou inversão temporal). Como na transformação identidade det =1 e 0 0 =1; (63) as transformações contínuas, que podem ser obtidas por uma sucessão in…nita de transformações in…nitesimais a partir da identidade, devem ser próprias e ortócronas. 5.5 Tensores de Minkowski Os quadri-vetores são grandezas cujas componentes contravariantes e covariantes transformam-se da mesma maneira que as coordenadas contravariantes e covariantes, equações (56) e (57), respectivamente. 53 Na nomenclatura dos tensores, quadri-vetores são tensores de primeira ordem e os escalares são tensores de ordem zero. Tensores de segunda ordem são de…nidos de tal maneira que componentes contravariantes (dois índices superiores), covariantes (dois índices inferiores) ou mistos transformem-se, índice a índice, como as componentes contravariantes ou covariantes dos quadrivetores, T ; (64) T ! T0 = considerando apenas os índices superiores, por comodidade. A generalização para tensores de ordem mais alta é imediata, as componentes contravariantes de tensores de ordem n transformado-se como T ::: ::: ! T0 :::T = ::: : (65) O tensor métrico, com componentes contravariantes g de…nidos pela equação (46), é um tensor de segunda ordem, com a propriedade especial de ser invariante de Lorentz, isto é, g0 = g =g ; (66) como resultado da condição (61). Esta invariança vem do próprio princípio da relatividade, pois a métrica deve ser a mesma em todos os referenciais inerciais. As regras de abaixamento e de levantamento de índices são válidas para cada índice do tensor, por exemplo, T =g T : (67) Para o tensor métrico, 8 < g =g g =g = : : g g = ; etc:: (68) Há um outro tensor especial, invariante de Lorentz, conhecido como símbolo ou tensor de Levi-Civita, , completamente antissimétrico nos seus quatro índices, que pode ser de…nido atribuindo o valor para uma das componentes, 0123 = +1 : (69) Os demais elementos, pela propriedade de antissimetria por permutações entre dois índices quaisquer, somente podem assumir os valores 1; 0 ou 1. As permutações pares de…nem os elementos, 0123 = 0231 = 54 0312 = +1 ; por exemplo, e as permutações ímpares de…nem os outros elementos não nulos, 1230 = 1302 = 1 ; por exemplo. Os elementos com índices repetidos, devido à antissimetria, são identicamente nulos, = 0 ; etc.: = Sendo invariante, = : Veja também que = (70) : No formalismo tensorial as grandezas físicas tem propriedades de transformação conhecidas, as equações de movimento são explicitamente covariantes e as quantidades invariantes podem ser obtidas através de produtos escalares. 5.5.1 O símbolo de Levi-Civita O variante tridimensional do tensor completamente antissimétrico de LeviCivita, ijk = 0ijk , tem um papel importante no formulismo tensorial, sendo muito utlilizado em operações matemáticas envolvendo composições antissimétricas entre componentes tensoriais. Nesta variante tri-dimensional, as permutações pares dos índices de ijk relacionam as componentes com índices em ordem cíclica, de modo que 123 = 231 = 312 = +1 ; e as permutações ímpares de…nem os outros elementos não nulos de valor 132 = 321 = 1, 1, etc.. Os elementos com índices repetidos, devido à antissimetria, são. Um exemplo típico de composição antissimétrica de componentes tensoriais é o produto vetorial de dois vetores, A B, cujas componentes resultam i C = (A i B) = 3 X ijk Aj Bk (71) Aj Bk x bi : (72) j;k=1 ou, se preferir a notação vetorial, C=A B= 3 X 3 X j=1 k=1 55 ijk Outro exemplo é o rotacional de um vetor, rotA = 3 X ijk ^ (73) @j Ak xi : j;k=1 Neste formalismo as identidades matemáticas envolvendo os operadores diferenciais, div rot 0 e rot grad 0 ; podem ser facilmente veri…cadas, lembrando que os índices repetidos devem ser somados e que neste caso tri-dimensional não se está fazendo distinção entre índices vetoriais superiores e inferiores, div:rot = @i ijk @j = ijk @i @j 0; assim como (rot:grad)i = ijk @j @k Uma maneira prática para determinar as vetorial é a regra do determinante, 0 ^ ^ x y A B = det @ Ax Ay Bx By 0: componentes de um produto ^ 1 z Az A : Bz Esta representação é possível justamente porque o determinante de uma matriz quadrada n n é de…nido como det A = ijk::: A1i A2j A3k ::: = 1 n! ijk::: lmn::: Ail Ajm Akn ::: : (74) Se n = 3, logicamente det A = ijk A1i A2j A3k : Feitas as substituições ^ A1i ! xi ; A2j ! Aj e A3k ! Bk ; resulta a expressão do produto vetorial A B em forma de determinante. As seguintes igualdades são úteis em operações envolvendo produtos dos símbolos de Levi-Civita: 8 ijk 123 > ijk = 3! 123 = 6 > < ijk = 2! ijm km = 2 km : ijk > ilm = ( jl km jm kl ) > : ijk lmn = il ( jm kn jn km ) im ( jl kn jn kl ) + in ( jl kn jm kl ) (75) 56 5.5.2 Quadri-velocidade e aceleração Para que o formalismo tensorial seja útil, é necessário que as grandezas físicas sejam representadas como quantidades tensoriais, que nem sempre correspondem às quantidades usuais. Considere as grandezas cinemáticas como a velocidade e a aceleração às quais correspondem, no espaço-tempo quadridimensional de Minkowski, os quadri-vetores velocidade e aceleração. O quadri-vetor velocidade, ou quadri-velocidade, é de…nido de maneira similar à velocidade. É a derivada do quadri-vetor posição em relação ao tempo próprio, dx : (76) U = d A derivada em relação ao tempo próprio, que é uma invriante relativística, garante que seja um quadri-vetor. De fato, derivando ambos os lados da transformação (51) em relação ao tempo próprio, resulta d x d d 0 x = d =) U 0 = U ; (77) que é justamente a transformação de Lorentz de um quadrivetor, no caso a quadri-velocidade. As componentes do quadri-vetor velocidade podem ser identi…cadas em função das variáveis usuais, pois U = dx dx dt dx = = d dt d dt v ; isto é, U = v (c; v i ); (78) onde v i são as três componentes do vetor velocidade tridimensional v e v =p 1 1 v 2 =c2 (79) onde v 2 = v v. Para o caso das transformações especiais de Lorentz, equação (30), as transformações das componentes da quadri-velocidade são 8 00 U = (U 0 U 1) > > < 01 U = (U 1 U 0) : (80) 02 2 U =U > > : 03 U = U3 57 A transformação da componente temporal é 0 vc = ( vc v vx ) ) 0 v V vx ) c2 = (1 v ; (81) a partir do qual pode-se obter as transformações das componentes espaciais, ou a lei de adição das velocidades, vx0 = vx V ; 1 vx V =c2 vy0 = (1 vy vx V =c2 ) (1 vz vx V =c2 ) vz0 = r 1 r 1 V2 ; c2 (82) V2 : c2 Uma quantidade importante de…nida pelo quadri-vetor velocidade é a invariante relativística U U = c2 : (83) Derivando a quadri-velocidade em relação ao tempo próprio resulta o quadri-vetor aceleração (quadri-aceleração), A = dU d2 x = ; d d 2 (84) cuja componente temporal é A0 = c v d v v a = = dt c (1 v 2 =c2 )2 4v v a c (85) e as componetes espaciais, vi 0 A ; (86) c onde a é o vetor aceleração tridimensional e ai as suas três componentes. Sendo um quadri-vetor, as suas componentes transformam-se como 8 00 A = (A0 A1 ) > > < 01 1 A = (A A0 ) ; (87) A02 = A2 > > : 03 A = A3 Ai = 2 i va + 58 resultando, para as suas componentes espaciais usuais, 3 V 2 =c2 ) 2 ax ; vx V =c2 )3 a0x (1 = (1 a0y (1 V 2 =c2 ) vy V = ay + 2 ax 2 c (1 vx V =c2 ) (1 vx V =c2 ) ; (1 V 2 =c2 ) vz V az + 2 ax 2 c (1 vx V =c2 ) (1 vx V =c2 ) : a0z = (88) No referencial onde a partícula se encontra instantaneamente em repouso, U = (c; 0; 0; 0) e A = (0; ao ) ; onde ao é a aceleração neste referencial. Pode-se observar, de imediato, as invariantes relativísticas U A =0 (89) e A A = a2o : (90) (o sinal negativo deve-se à escolha da métrica). A invariante (??) pode ser obtida, também, derivando a equação (83) em relação ao tempo próprio. d (U U = c2 ) = 2U A = 0 : d 5.5.3 Operadores diferenciais As derivadas em relação às coordenadas do espaço-tempo tem propriedades independentes das funções sobre as quais atuam. São os operadores diferenciais, @ @ @ = e @ = ; (91) @x @x Considerando as transformações de Lorentz x0 = x e x0 = x =( 59 1 ) x para as componentes contravariantes e covariantes.respectivamente, pode-se determinar as transformações dos operadores diferenciais, @ @ @x @ @ = = ( 1) = ; 0 0 @x @x @x @x @x mostrando que as derivadas em relação às componentes contra-variantes das coordenadas, @ , transformam-se como componentes covariantes, @0 = @0 = @ ; (92) enquanto que as derivadas em relação às componentes covariantes das coordenadas, @ , transformam-se como componentes contravariantes, @0 = @ : (93) Para as transformações especiais de Lorentz (30), as transformações dos operadores diferenciais …cam 8 0 @ = (@0 + @1 ) > > < 00 @1 = (@1 + @0 ) (94) @20 = @2 > > : 0 @3 = @3 para as componentes covariantes e 8 00 @ = (@ 0 > > < 01 @ = (@ 1 > @ 02 = @ 2 > : 03 @ = @3 @ 1) @ 0) (95) para as contra-variantes. A notação tensorial permite escrever equações e expressões matemáticas extremamente compactas, além de mostrar claramente as suas propriedades de covariança ou de invariança sob as transformações de Lorentz. Considere, por exemplo, a equação de continuidade, @ +r j=0 : @t Em notação tensorial, assume a forma compacta @ j =0; escrita em forma de um produto escalar de dois quadri-vetores, explicitando claramente a sua invariança relativística. 60 Pode-se ver também que o operador laplaciano 2 = @2 c2 @t2 r2 ; (96) presente nas equações de onda, pode ser expresso como um produto escalar, 2 (97) =@ @ =@ @ ; explicitando o fato de ser uma invariante relativística. 5.5.4 Quadri-vetor de onda As equações de Maxwell, na ausência de fontes, podem ser reduzidas a equações de onda, que no vácuo …ca 1 @2 c2 @t2 r2 A (x; t) = 0 (98) mais a condição de gauge @ A = 0, com as soluções na forma A (x; t) = A0 eik:r i!t ; (99) satisfeita a relação !2 k2 = 0 : (100) c2 Representa uma onda eletromagnética propagando-se no espaço com a velocidade da luz c e frequência !=2 . Independente da natureza da função A (x; t) que representa o campo (potencial) eletromagnético, como a luz se propaga da mesma maneira em todos os referenciais inerciais, a fase k r !t deve ser uma invariante relativística, uma propriedade que vem naturalmente se considerar como um produto escalar, k r !t = k x ; (101) entre o quadri-vetor de onda ! k = (k 0 ; k i ) = ( ; k i ) ; c (102) e o quadri-vetor de posição. Sendo um quadri-vetor, as componentes k devem transformar-se como 8 00 k = (k 0 k1) > > < 01 1 k = (k k0) ;: (103) k 02 = k 2 > > : 03 k = k3 61 ou, em termos de variáveis mais familiares, a frequência angular ! e vetor de onda k, 8 0 ! =c = (!=c kx ) > > < 0 kx = (kx !=c) : (104) ky0 = ky > > : 0 kz = kz 5.6 Efeito Doppler As transformações relativísticas do quadri-vetor de onda estão diretamente ligadas às alterações das frequências de recepção em relação às de emissão da radiação eletromagnética devido ao movimento relativo fonte observador, o efeito Doppler. Se for o ângulo formado pelo vetor de onda k em relação ao eixo x, ! cos ; c kx = k cos = (105) resultando na relação entre as frequências angulares ! 0 = !(1 ou != cos ) (106) : (107) !0 (1 cos ) Em termos das frequências, lembrando que = 0 (1 cos ) = !=2 , resulta (108) ; fórmula que expressa o efeito Doppler relativístico. Aqui, 0 representa a frequência de emissão por uma fonte em movimento com velocidade uniforme V ao longo do eixo x, a frequência de recepção por um observador em repouso e o ângulo de incidência em relação ao eixo x visto pelo mesmo observador. Se 0 for o ângulo de emissão, considerando como ocorrendo no plano xy, então ky0 = tan 0 : 0 kx Por outro lado, pelas transformações de Lorentz, ky0 ky k sin = = 0 kx (kx k0 ) (k cos 62 k0 ) = 1 sin (cos ) ; resultando na equação que descreve o efeito da aberração dos ângulos de emissão 0 e de recepção , tan 5.6.1 0 = 1 sin (cos ) : (109) Efeito Doppler longitudinal O efeito Doppler longitudinal ocorre quando a emissão e a recepção da luz ocorrem ao longo da linha de movimento relativo dos mesmos, de modo que a fonte e o observador estão ou se aproximando ou se afastando. O efeito Doppler relativístico depende apenas do movimento relativo entre a fonte e o observador. A seguir, os dois casos (para V > 0): 1. Fonte e observador aproximando-se com velocidade relativa V : neste caso, = 0 ( 0 = 0), de modo que o efeito Doppler resultante é p 0 1 V 2 =c2 ; (110) = (1 V =c) a frequência observada é maior que a frequência de emissão, acarretando o desvio do espectro para o azul. > 0 , 2. Fonte e observador afastando-se com velocidade relativa V : neste caso, = 1800 ( 0 = 1800 ), resultando p 0 1 V 2 =c2 = ; (111) (1 + V =c) a frequência de observação é menor que a frequência de emissão, acarretando o desvio do espectro para o vermelho (red shift). < 0 , O espectro eletromagnético de fontes astrofísicas como o sol é contínua e a parte visível corresponde a uma luz branca. No entanto, ao atravessar a camada atmosférica, formada por gases menos quentes, os elementos químicos ali presentes absorvem parte da radiação proveniente do interior do astro, formando raias de absorção características. Comparando com as raias espectrais dos elementos químicos obtidas nos laboratórios terrestres, pode-se identi…car os elementos químicos presentes no sol ou nas estrelas, por exemplo. Quando se analisa o espectro eletromagnético proveniente de objetos astrofísicos distantes, observa-se que há um desvio sistemático para 63 o vermelho (red shift) destas raias espectrais, indicando que estes objetos estão se afastando. O parâmetro de red shift, de…nido pelo desvio do comprimento de onda em relação ao comprimento de onda emitida, 0 z= 0 (112) ; resulta, para velocidades não relatívisticas, z = V =c. As observações indicam que o parâmetro z é proporcional à distância, z= V H0 = r; c c (113) que leva à lei de Hubble (114) V = H0 r : Signi…ca que os objetos astrofísicos distantes afastam-se com velocidade V proporcional à distância. Como isto deve ser verdade para observações feitas em qualquer ponto do universo, de acordo com o princípio da relatividade, sinaliza que o universo, em escala cosmológica (quando a atração gravitacional torna-se tênue) encontra-se em expansão. O valor atual da constante de Hubble é dado por H0 = 100 h km=s=M pc ; (115) onde 0; 4 < h < 1 de…ne a incerteza do seu valor verdadeiro e M pc = 106 pc (pc = 3; 2615anos luz = 3; 0856 1013 km) é uma unidade de distância usada em distâncias cosmológicas. Lembrando que = c= e portanto 0 (1 + V =c) = =p 1 V 2 =c2 0 s (1 + V =c) ; 1 V =c para velocidades relativísticas o parâmetro de red shift resulta s 1 + V =c) z= 1; 1 V =c (116) (117) que pode ser invertida como V (z + 1)2 1 = ; c (z + 1)2 + 1 de modo que V < c para qualquer valor de z. 64 (118) 5.6.2 Efeito Doppler transversal O efeito Doppler relativístico ocorre mesmo no caso de fonte e observador estar se movendo transversalmente em relação à linha de observação. Neste caso, = =2, resultando r V2 1 0 0 = : 1 = c2 A frequência de observação é menor que a frequência de emissão, sendo identi…cado como consequência da dilatação do tempo, considerando = 1 , = 0 : Exercícios 1. Para a quadri-velocidade U , mostre que U U = c2 . 2. Se de…nirmos o tensor métrico g com as componentes diagonais (1,1,1,1), mostre que resulta U U = c2 . 3. Obtenha as componentes do quadri-vetor aceleração A em função das variáveis usuais velocidade e aceleração. 4. Obtenha a lei de transformação da aceleração, por derivação direta da transformação de Lorentz das coordenadas. : 5. Demonstre as identidades U A = 0 e U A = tado do primeiro exercício. A2 a partir do resul- 6. Mostre que o tensor métrico tem a propriedade g 0 formações de Lorentz. =g por trans- 7. Mostre que o operadores diferenciais @ = @ @ e@ = @x @x de…nem as componentes covariantes e contravariantes, respectivamente, de um quadri-vetor. 8. Mostre que @ 2f r2 f = 0 ; c2 @t2 para uma função arbitrária f (x; y; z; t) é uma equação relativisticamente covariante. 65 9. Mostre que @ @ = @2 @2 = 2 2 @x @x c @t r2 10. Obtenha a lei de transformação para a velocidade e a aceleração para movimentos unidimensionais (ao longo do eixo x). 11. Considerando o resultado anterior, escreva a relação entre a aceleração no referencial próprio e a aceleração no referencial de laboratório. 12. Dois objetos aproximam-se em linha reta, cada qual com velocidade 32 c, visto no referencial de laboratório. Qual é a velocidade de aproximação dos dois objetos para o observador no referencial de laboratório? Qual é a velocidade relativa entre os objetos? Bibliogra…a 1. H. A. Lorentz, A. Einstein e H. Minkowski, Textos Fundamentais da Física Moderna, I volume - O Princípio da Relatividade (3a: edição), Editora da Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa (1958). 2. Richard A. Mould, Basic Relativity, Springer, NY, 1994. 3. C. Moller, The Theory of relativity (second edition), Oxford University Press (1972). 4. L. Landau and E. L. Lifshitz, The Classical Theory of Fields, Pergamon Press, Oxford (1976). 5. P. G. Bergmann, Introduction to the Theory of Relativity, Dover Publications, NY, (1976). 66