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ANO 21
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tiragem:
Nº 2
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ABRIL/2013
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18 000 exemplares
Crise do euro abala o projeto
E mais...
da unidade europeia
A
teoria econômica diz que uma zona
monetária perfeita é um espaço econômico unificado e relativamente homogêneo
do ponto de vista das estruturas produtivas
e dos níveis de produtividade. A definição,
tomada rigorosamente, implica a imperfeição da maior parte das zonas monetárias do
mundo. De acordo com ela, a zona do euro
é uma zona monetária imperfeita, na qual
coexistem potências altamente produtivas,
como a Alemanha, e economias muito
menos produtivas, como Grécia e Portugal.
Contudo, nem mesmo os Estados Unidos,
a “zona do dólar”, atendem aos requisitos
teóricos da zona monetária perfeita.
A diferença está mais na política que
na economia. Os Estados Unidos são uma
nação – e o governo nacional, eleito pelos
cidadãos, exerce o direito de tributar e
conserva pleno controle sobre o orçamento
federal e a dívida pública. A zona do euro,
em contraste, é uma coleção de nações que
A crise do euro, que se arrasta há cinco anos, levou ao fundo do poço a economia
compartilham a mesma moeda – mas não o
italiana – a quarta maior da Europa ocidental – e ameaça desagregar a União Europeia
mesmo governo. A decisão original de criar
uma união monetária sem união política está na raiz da crise atual, que ultrapassou o estágio de crise financeira para ameaçar os
fundamentos do projeto político da União Europeia.
A crise política da Europa se expressa com uma miríade de crises políticas nacionais. De um lado, os sistemas partidários experimentam implosões. De outro, em alguns países, é a própria unidade nacional que sofre a contestação de movimentos separatistas.
Veja as matérias nas págs. 6 a 9
● Revista Pangea 2013 – Questões e visões do mundo contemporâneo – A partir da segunda
quinzena de março e a cada
quinze dias, os interessados poderão receber por e-mail textos
sobre assuntos da atualidade.
Para receber esses textos, acesse
ao nosso site e se inscreva
(www.clubemundo.com.br).
“C
Depois de Hugo Chávez
hávez une o que é diverso: o povo”, explicou Aristóbulo Istúriz, um alto
dirigente do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV). Istúriz queria
dizer que o caudilho era a síntese de toda a nação venezuelana, um conceito
perigoso, que aponta na direção da supressão da pluralidade política.
Evidentemente, o líder que desapareceu não unia todos os venezuelanos,
mas representava a solda entre as divergentes facções de seu próprio movimento
político. Nomeado por Chávez como sucessor, Nicolás Maduro simboliza a
unidade chavista possível nesse período de transição. Mas ele não é Chávez:
não une o que é diverso. Eis a fonte principal das turbulências que a Venezuela
conhecerá.
Págs. 10 e 11
O legado nazista
© Coleção particular
● Visite nossa página no
Facebook. Ali você encontrará
indicações de textos, livros,
filmes e atividades. Basta acessar
ao link: www.facebook.com/
JornalMundo
© Andreas Solaro/AFP
● Editorial – O nome do
prefeito do Rio de Janeiro
deve ser escrito no caderno de todos os estudantes
do 6º ano do ensino fundamental. É que Eduardo
Paes não respeita a lei nem
a escola.
Pág. 3
● Na superfície, é uma guerra civil. Abaixo dela, o
conflito na Síria desenrola-se, cada vez mais, como
uma guerra regional.
Pág. 3
● Forças combatentes norte-americanas invadiram
Bagdá em abril de 2003.
Dez anos depois, o Iraque
está longe de figurar como
aliado dos Estados Unidos
no Golfo Pérsico.
Pág. 4
● Argo, o vencedor do Oscar, apresenta-se como
obra de arte. Mais apropriado é interpretá-lo
como peça de propaganda utilitarista.
Pág. 5
● A escolha de um papa argentino evidencia o recuo
do catolicismo na Europa
– e a vontade da Igreja de
deflagrar uma nova onda
de evangelização.
Pág. 12
Escreva e se
inscreva!!!
18º Concurso Nacional de
Redação­ de Mundo e H&C
2013
Regulamento
■ Quem poderá participar?
Todos os alunos do ensino médio das escolas assinantes
de Mundo.
■ Qual é a forma de participação?
Cada escola poderá enviar até cinco redações. Tomamos a liberdade de sugerir que as escolas realizem
um concurso interno de seleção. Todos os leitores
de Mundo podem participar, mas apenas mediante
a intermediação das escolas. Por razões pedagógicas,
não aceitaremos redações enviadas sem a anuência da
escola.
■ Qual é o prazo para o envio das redações?
Serão aceitas redações recebidas na sede da Pangea,
em São Paulo (nosso endereço pode ser encontrado
nesta página, no Expediente), impreterivelmente até
6 de julho de 2012.
■ Quais devem ser as características das redações?
As redações devem ter no máximo 40 linhas e, obrigatoriamente, conter título. Cada escola receberá,
durante o mês de maio, cinco folhas pautadas e
numeradas para a transcrição dos textos selecionados.
As folhas preenchidas deverão ser remetidas à sede da
Pangea. Este formato é obrigatório, inclusive para
garantir o sigilo: a Comissão Julgadora não terá acesso
ao nome dos autores ou das respectivas escolas.
■ Quem julgará os trabalhos?
As redações serão avaliadas por uma Comissão Julgadora integrada por professores de Comunicação e
Expressão de reconhecido saber e experiência no ensino
médio.
■ As redações serão publicadas?
A redação vencedora será publicada e comentada na
edição de outubro de 2013 de Mundo. Outras redações
poderão, eventualmente, ser publicadas. Importante:
os autores, ao participarem do concurso, concedem
a Mundo o direito de publicar suas redações, sem remuneração autoral, no próprio boletim ou sob outra
forma. As redações enviadas não serão devolvidas.
■ Haverá prêmios para os melhores trabalhos?
Sim. Os autores das dez melhores redações serão
premiados por Pangea e empresas patrocinadoras do
concurso. O 1º colocado receberá um aparelho de
som no valor de R$ 800. Do 2º ao 5º, todos receberão
um aparelho MP4 no valor de R$ 200. Do 6º ao 10º
colocado, serão ofertados prêmios em livros.
Mais informações: veja “O tema da
redação” na pág. 2 do Boletim Mundo
nº 1 – março/2013
Para os leitores de Mundo, o tema da redação
do Enem 2012 não foi nenhuma surpresa
A prova de redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) de 2012 teve como tema as novas dinâmicas da
imigração no Brasil e a contribuição dos imigrantes para nossa história e identidade cultural. Trata-se, precisamente,
do assunto abordado às páginas 2 e 3 do nosso suplemento História & Cultura, edição de setembro de 2012.
Confira em nosso site (http://www.clubemundo.com.br/pdf/2012/mundo0512hc.pdf )
Mundo não tem como objetivo acompanhar os exames vestibulares do país. Nossa maior ambição é preparar
os leitores para a compreensão, de alguns dos principais acontecimentos da conjuntura política e cultural nos
cenários brasileiro e internacional. Queremos fornecer um instrumental composto de informações e análises
originais que contribuam para
uma visão mais crítica da realidade
por parte de nossos leitores.
O fato de termos acertado o
tema proposto pelo Enem apenas
demonstra que estamos bem “antenados” e avaliamos corretamente
a hierarquia dos fatos.
Curta nossa página no
Facebook: www.facebook.com/
JornalMundo
MUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDO
E X P E D I E N T E
PANGEA – Edição e Comercialização de
Material Didático LTDA.
Redação: Demétrio Magnoli, José Arbex Jr.,
Nelson Bacic Olic (Cartografia)
Jornalista Responsável: José Arbex Jr. (MTb 14.779)
Revisão: Jaqueline Rezende
Pesquisa Iconográfica: Odete E. Pereira e Etoile Shaw
Projeto e editoração eletrônica: Wladimir Senise
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Assinaturas: Por razões técnicas, não oferecemos
assinaturas individuais. Exemplares avulsos podem ser
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Infelizmente não foi possível localizar os autores de
todas as imagens utilizadas nesta edição.
Teremos prazer em creditar os fotógrafos,
caso se manifestem.
2013 ABRIL
E
D
I
T
O
R
I
A
L
O prefeito na apostila
A Matemática
é uma curiosa disciplina nas
apostilas distribuídas aos alunos do
6º
ano da
Rio de Janeiro. No
livro utilizado no primeiro bimestre, surgiu uma
rede municipal de ensino do
questão relativa às eleições municipais do ano
passado.
Ela
apresenta um gráfico circular, em
formato de pizza, com a distribuição dos votos
obtidos pelos diferentes candidatos. O detalhe é
que nenhum número aparece no gráfico. Os jovens
estudantes devem apontar e responder, com base
nele, o nome do prefeito eleito.
Eduardo Paes, o
tal do prefeito eleito, talvez se delicie com a visão
de centenas de milhares de alunos escrevendo
seu nome no caderno escolar.
Aconselhado por
seus marqueteiros, ele provavelmente enxerga
nisso uma estratégia estupenda de “divulgação de
marca”. Talvez também seja, mas, em outro planos, a
Janeiro reagiu rapidamente à denúncia, orientando
coisa tem dois nomes: imoralidade e crime.
os professores a não usarem as páginas consagradas
O artigo 37 da Constituição define como crime
o uso de nomes de políticos na publicidade oficial,
que é financiada com recursos públicos. Os governantes brasileiros – todos eles, dos mais diversos
partidos – circundam a proibição por meio de logomarcas que, repetidas à exaustão, funcionam como
referências indiretas a nomes de políticos ou de partidos. Paes, contudo, ultrapassou as fronteiras da
“criminalidade admitida”: a sua publicidade pessoal
mira menores de idade e articula-se ao sistema oficial
de ensino. Por que ele não encomenda um hino em
sua homenagem e obriga os estudantes a entoá-lo
diariamente antes do início das aulas?
A Secretaria Municipal de Educação do Rio de
à propaganda do chefe.
Mas
não se trata de um
caso isolado. Junto com as apostilas, chegaram
às salas de aula da cidade cerca de 20 mil jogos
“Banco Imobiliário: Cidade Olímpica”, fabricados
pela Estrela, que destacam as obras do prefeito. Os
jogos foram adquiridos pela prefeitura em um investimento superior a R$ 1 milhão e encaminhados
às escolas como prêmios destinados a alunos com
bom desempenho. Paes, pelo visto, quer os melhores
como seus cabos eleitorais mirins.
Num
país sério , os episódios provocariam
processos de impeachment do prefeito. Não acontecerá: a turma da oposição só espera a sua vez
para fazer o mesmo.
Ataque de Israel à Síria evidencia risco
de guerra regional
V
© Syrian Arab News Agency (SANA)
inte e nove de janeiro, terça-feira à noite:
as grandes potências pelo controle geopolítico do
quatro aviões militares israelenses invadem o
Oriente Médio. A Rússia depende do governo Asespaço aéreo sírio e bombardeiam as instalações do
sad para manter a sua única base militar no MediCentro de Pesquisas Militares situado em Jamraya,
terrâneo, instalada na cidade portuária de Tartus. A
cidade próxima a Damasco. Israel alega ter atacado
China depende do petróleo e do gás fornecido pelo
um comboio militar sírio que, supostamente, transIrã, aliado incondicional de Damasco. Além disso,
portava armas destinadas ao Hezbollah (Partido de
ambos, Rússia e China, não querem que a Casa
Deus), que atua no sul do vizinho Líbano, integraBranca controle um eventual governo-fantoche que
do por uma maioria xiita e apoiado pelo Irã e pela
seria empossado após a queda de Assad.
Síria. Damasco nega e acusa Israel de ter praticado
Os Estados Unidos, em contrapartida, fazem
uma ação que, potencialmente, pode levar a um
uma guerra de desgaste contra a ditadura síria:
novo confronto entre os dois países.
financiam, treinam e organizam alguns dos grupos
O Irã soma-se à Síria na condenação de Israel,
rebeldes, enquanto articulam, nos bastidores, a
seguido pela Rússia e China. Até aqui, é o esperado:
estrutura de um novo governo capaz de assegurar
todos são tradicionais aliados de Damasco. Mas até
o controle sobre a região. Os ataques de Israel posmesmo os governos da Turquia, da Arábia Saudita,
sivelmente atendem aos interesses da Casa Branca.
do Egito e da Liga dos Estados Árabes, que normalAo mesmo tempo, porém, criam uma situação
insustentável para os governos árabes que se demente criticam a ditadura síria de Bashar al-Assad,
condenam o ataque e a “inoperância” do secretárioclaram antissionistas (incluindo a Arábia Saudita).
geral das Nações Unidas Ban Ki-Moon.
O cenário se tornou pouco tolerável mesmo para
Se o ataque de Israel não gerou uma consequêna Turquia – que, nos últimos anos, adotou uma
cia militar imediata, serviu para iluminar o que está
rota “islamizante” e cujo primeiro-ministro, Recep
em jogo na “questão síria”: o perigo da regionalização
Erdogan, multiplica declarações em que equipara
da guerra civil. O ataque israelense foi a primeira
o sionismo a uma forma de racismo.
intervenção direta de um país estrangeiro contra o
A Síria já é o palco de uma guerra regional indigoverno sírio, desde o início da guerra civil no país,
reta, que se desenrola sob a superfície. A eclosão de
que ocorre há dois anos.
uma guerra regional direta, com todas essas forças
A Arábia Saudita e a Turquia dão apoio indireto
operando a céu aberto, poderia levar à paralisação
O ditador sírio Bashar al-Assad, de confissão alauíta (seita
à oposição, fornecendo armas e dinheiro aos rebeldes
do fornecimento de parte do petróleo destinado
xiita), ora por dias melhores em uma mesquita, em Damasco
que tentam depor o ditador Assad. Entre os rebeldes,
ao consumo mundial, agravando a crise econômica
ao lado da oposição secularista, perfilam-se correnglobal. Mesmo se essa perspectiva catastrófica for
tes fundamentalistas de sunitas moderados associados à a destruição total da “entidade sionista” (o Estado de Israel). contornada, o colapso do regime de Assad ameaça converIrmandade Muçulmana egípcia, radicais financiados pelo A incursão israelense colocou um ingrediente estranho e ter o território sírio numa colcha de retalhos de entidades
Qatar e pela Arábia Saudita, e também grupos jihadistas contraditório na receita do bolo.
geopolíticas controladas por potências estrangeiras, como
ligados à Al-Qaeda. Acontece que quase todos esses grupos
A estranha aliança entre Israel e seus aparentes arqui- a Turquia, a Arábia Saudita e o Irã.
desenvolvem uma retórica extremista, cuja meta explícita é inimigos só pode ser entendida à luz do jogo maior entre
ABRIL 2013
MUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDO
estados unidos
Há dez anos, começava a “guerra estúpida”
A invasão norte-americana no Iraque, um retumbante triunfo militar, converteu-se em custosa derrota política. Uma década depois, o
Iraque parece se dividir em esferas de influência do Irã e da Turquia
A
invasão do Iraque pelos Estados UniIRAQUE: GRUPOS ETNO-RELIGIOSOS
dos, deflagrada em março de 2003, foi
TURQUIA
um fato de crucial importância na definição
da política internacional do início do século
XXI. A operação militar de Washington deve
SÍRIA
Mossul
ser compreendida no contexto gerado pelos
Tikrit
atentados terroristas da Al-Qaeda contra as
IRÃ
Al-Ramadi
Torres Gêmeas e o Pentágono, em setembro
Bagdá
de 2001.
JORDÂNIA
I R A Q U E
Meses após os atentados, enquanto se desenrolava a ação militar norte-americana no
Basra
Afeganistão, o governo de George W. Bush
ARÁBIA
SAUDITA
anunciou a estratégia da “guerra preventiva”:
KUWAIT GOLFO
PÉRSICO
a Doutrina Bush, que, em síntese, proclamava
ÁREAS DE POVOAMENTO
o direito da maior potência de atacar qualquer
DOMINANTEMENTE XIITA
PAÍSES ÁRABES
país que ameaçasse sua segurança. A nova douPAÍSES NÃO ÁRABES
DOMINANTEMENTE SUNITA
trina também identificava a Coreia do Norte,
DOMINANTEMENTE CURDO
TRIÂNGULO SUNITA
o Irã e o Iraque como ameaças à segurança
MISTO
norte-americana: os países do “Eixo do Mal”
poderiam ser os primeiros alvos da “guerra
Número de civis mortos na Guerra do Iraque
(2003/2011)
preventiva”.
As razões alegadas por Bush para o ataque
ao Iraque articulavam-se ao redor da suposição
de que o regime de Saddam Hussein teria em seu poder
armas de destruição de massa, cuja tecnologia poderia ser
repassada a terroristas inimigos dos Estados Unidos. Nessa
linha, Washington também afirmava, contra o diagnóstico
geral dos especialistas, que o Iraque mantinha ligações
com grupos extremistas islâmicos. O tempo demonstrou
a falácia das duas alegações.
Outros interesses estavam por trás das justificativas as instituições do antigo regime. A invasão foi fácil, mas a
oficiais, como a garantia de acesso às reservas de petróleo ocupação transformou-se em longo pesadelo.
O Iraque é uma entidade política criada artificialmente
iraquiano, que estão entre as maiores do mundo, e a criação de um regime aliado para conter a influência crescente pelos britânicos em 1920, quando foram acopladas, em
do Irã no Oriente Médio. Mais ainda, tratava-se de exercer um mesmo território, três antigas províncias otomanas:
uma influência direta no Golfo Pérsico, no contexto de Mossul, no norte, Bagdá, no centro, e Basra, no sul. O
país que emanou da prancheta britânica era uma colcha
crescente instabilidade interna na Arábia Saudita.
O conflito teve início em março de 2003, quando as de retalhos, reunindo grupos étnicos e históricos distintos,
forças dos Estados Unidos, apoiadas por contingentes com longo passado de rivalidades. Atualmente, no Iraque,
britânicos, invadiram o território iraquiano. A ofensiva cerca de 60% da população é formada por árabes xiitas,
não tinha o aval das Nações Unidas e realizava-se em meio 20% são árabes sunitas e quase 20% são curdos. O norte
a críticas generalizadas da comunidade internacional. A é majoritariamente curdo, o sul é xiita e o centro-oeste é
maior parte do efetivo militar – cerca de 150 mil soldados dominantemente sunita (veja o mapa).
Após a rápida vitória, as forças ocupantes tiveram
– partiu do sul, através da fronteira com o Kuwait, rumo a
de enfrentar a realidade política de um país dividido
Bagdá, a capital e centro político do regime iraquiano.
Colunas de blindados avançaram celeremente para pelos interesses conflitantes dos três grandes grupos
Bagdá, sem encontrar resistência significativa, até ocupar etno-religiosos. Desde a criação do país, o poder estava
a cidade e derrubar o regime. A rápida vitória foi facilitada concentrado nas mãos dos sunitas. A ditadura clânica
pelo total domínio aéreo, pela condição quase plana do de Saddam Hussein cristalizava essa tradição, excluindo
relevo da região e, também, pelas novas tecnologias bélicas os xiitas e os curdos dos postos mais altos da burocracia
empregadas, que se adaptaram bem aos climas semiárido pública, das forças armadas e dos serviços de inteligência.
e desértico dominantes no país. Só uma forte tempestade A desmontagem do antigo aparato estatal pelas forças
de areia atrasou, por algumas horas, o avanço dos atacan- ocupantes, com o banimento do Partido Baath, núcleo
tes. No início de maio, os Estados Unidos declararam do antigo regime, destruiu a ordem política tradicional.
encerradas as principais operações de combate no país e Seguiu-se uma escalada de violência que fugiu ao controle
nomearam uma administração provisória que aboliu todas das forças de ocupação.
200 Km
Fonte: SELLIER, André; SELLIER, Jean. Atlas des peuples d’Orient. Paris: La Découverte, 2004. p 73.
(número de civis mortos)
32000
28000
24000
20000
16000
12000
8000
4000
0
2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010
2011
Fonte: Departamento de Defesa dos EUA e Iraq Body Count.
MUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDO
Sob o patrocínio de Washington, elegeu-se uma Assembleia Nacional Provisória, de maioria xiita e expressiva
representação curda. Os sunitas boicotaram o pleito,
afastando-se do processo político e optando por uma
insurgência que se voltaria contra as forças norte-americanas e os xiitas. Uma nova Constituição, referendada
pelo voto popular em outubro de 2005, desagradou
profundamente as lideranças sunitas. Na sequência, os
iraquianos foram às urnas e escolheram o parlamento e
um governo definitivo. Uma coalizão de partidos xiitas
obteve maioria, formou o governo e nomeou o xiita Nouri
al-Maliki para primeiro-ministro e o curdo Jalal Talabani
para a presidência do país.
As milícias sunitas, atuantes por todo o território,
organizavam correntes ainda leais ao antigo regime e
grupos de jihadistas estrangeiros, associados à Al-Qaeda.
Entre 2006 e 2007, alastraram-se os conflitos sectários
entre sunitas e xiitas, que geraram cerca de 4,4 milhões de
refugiados, tanto internos como os que se deslocaram para
países vizinhos, especialmente Síria e Jordânia. Naqueles
dois anos terríveis, o número de vítimas iraquianas fatais
ultrapassou a marca de 50 mil. Entre 2003 e 2011, o total
de vítimas iraquianas chegou a quase 110 mil. Ao longo de
todo o conflito, 1,5 milhão de militares norte-americanos
passaram pelo Iraque e cerca de 4,5 mil deles morreram
em combate (veja o gráfico).
O desgaste político gerado pelo conflito acirrou, na
sociedade norte-americana, o debate sobre a validade da
presença militar no Iraque. A crise econômica que eclodiu
em 2008 inviabilizou, politicamente, a continuidade da
aventura militar. Barack Obama, então candidato democrata à presidência, classificou, uma vez mais, a invasão do
Iraque como a “guerra estúpida”, distinguindo-a da “guerra
necessária” no Afeganistão. Um esboço de plano de retirada foi rascunhado ainda no governo Bush, prevendo um
cronograma de desocupação até o horizonte de 2011.
O saldo da “guerra estúpida” não poderia ser pior. Os
desmandos cometidos por soldados norte-americanos
contra prisioneiros iraquianos, além do enorme número
de vítimas civis, macularam a imagem internacional dos
Estados Unidos, especialmente no mundo árabe-muçulmano. A guerra produziu atritos com aliados tradicionais
e dividiu a sociedade norte-americana. A aventura militar
atraiu para o Iraque grupos extremistas islâmicos, abrindo
uma nova frente na “guerra ao terror”, e desviou soldados
e recursos do teatro de guerra do Afeganistão.
O Iraque que emergiu da ocupação não é um país
pacificado, mas o palco de uma disputa de poder regional
entre o Irã e a Turquia. Ironicamente, o governo xiita
iraquiano, formado à sombra das forças norte-americanas
de ocupação, inclina-se na direção do Irã. Por outro lado,
numa ironia simétrica, a região autônoma curda no norte
iraquiano inclina-se na direção da Turquia, que ensaia um
acordo de paz com o movimento separatista curdo atuante
na porção meridional deste país.
2013 ABRIL
estados unidos
Argo, baseado em fatos (quase) reais
Axé Silva
Especial para Mundo
O filme de Ben Affleck, vencedor do Oscar, narra a história do resgate de norte-americanos
no Irã durante a “crise dos reféns” de 1979-80. Pode não parecer, mas ele fala mais sobre o
presente do que sobre o passado
ABRIL 2013
Divulgação
odos os anos, os apaixonados ou meros admiradores
do cinema estabelecem uma desenfreada corrida em
direção às salas de projeção para ver os filmes concorrentes
ao Oscar, o maior prêmio da sétima arte. Na cerimônia
realizada em fevereiro, Argo (2012), película dirigida,
produzida e estrelada por Ben Affleck, foi o vencedor na
categoria de Melhor Filme na 85ª edição de entrega das
estatuetas da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood.
Com aproximadamente duas horas de duração, a trama
se passa no Irã, entre 1979 e 1980. Naqueles anos, o país
persa vivia o auge da Revolução Iraniana. O levante de
massas destituiu do poder o xá (imperador) Mohammed
Reza Pahlavi, um aliado da Casa Branca desde o início
da década de 1950. A revolução envolveu forças políticas
laicas e religiosas, mas seu principal beneficiário foi o
aiatolá xiita Ruhollah Khomeini. A ascensão de Khomeini
explodiu a aliança com os Estados Unidos. As relações
diplomáticas entre Washington e Teerã tornaram-se cada
vez mais conturbadas e antagônicas.
Sob o lema “Morte à América”, Khomeini comandava
a radicalização, aproveitando-a como instrumento para
golpear as correntes laicas iranianas e consolidar o poder
da elite religiosa xiita na nova República Islâmica do Irã.
Em 4 de novembro de 1979, militantes xiitas invadiram
a embaixada dos Estados Unidos em Teerã e tomaram
52 funcionários como reféns. Entretanto, seis norteamericanos encontraram refúgio na casa do embaixador
canadense Ken Taylor. Para solucionar tal situação, Tony
Mendez, um agente do Serviço de Inteligência dos Estados
Unidos, a CIA (interpretado por Ben Affleck), sugere e
monta uma mirabolante operação de resgate destinada a
retirá-los do país.
Além do Oscar, Argo recebeu diversos prêmios de
importantes órgãos e associações ligadas à indústria cinematográfica. No entanto, apesar de toda a notoriedade e
honrarias, é alvo de severas críticas. O suspense articulase como dinâmica narrativa tradicional, impregnada de
situações típicas e, inclusive, lugares-comuns presentes
nos thrillers hollywoodianos. Além disso, o filme encerra
em toda a sua estrutura grande dose de ufanismo, uma
constante em filmes de temática política produzidos pela
indústria norte-americana do cinema. Nesse contexto, até
a própria Hollywood passa, literalmente, a desempenhar
papel fundamental no resgate dos seis funcionários em
perigo na capital iraniana. Ironicamente, Hollywood
poderia ter sido candidata ao prêmio de melhor atriz
coadjuvante...
Argo não ficou só em um ano marcado pelos “filmes
políticos”. Lincoln, de Steven Spielberg, e A hora mais
escura, de Kathryn Bigelow, também retratam – e interpretam! – momentos históricos cruciais na história dos
Estados Unidos. O engajamento político de Hollywood
está longe de ser inédito. Contudo, tais intervenções
artísticas no palco da política parecem ocorrer com frequência maior quando o país atravessa crises de valores.
Reprodução
T
Argo, de Ben Affleck, vencedor do Oscar 2013
de melhor filme, faz uma defesa sofisticada da
ação imperialista norte-americana no Irã
Nesses períodos, acentua-se a demanda por novos heróis,
sejam eles indivíduos ou instituições. Trata-se de um movimento de reafirmação moral e histórica que se realiza
pela intermediação de tramas apoiadas em eventos reais,
mas reinterpretadas cinematograficamente e adaptadas às
finalidades desejadas. Os anos finais da Guerra do Vietnã
foram um desses períodos. Agora, os Estados Unidos atravessam a ressaca da “guerra ao terror”, que é apimentada
pela crise econômica.
No filme de Ben Affleck, o embaixador canadense foi
reduzido a um mero hóspede de refugiados em desespero.
Como se não bastasse, tem-se a impressão, ao final da
exibição, que os Estados Unidos, presididos à época por
Jimmy Carter, cederam as honras e glórias do episódio
ao governo canadense, como agradecimento pela hospedagem aos refugiados cedida por Taylor. Contudo, em
nenhum momento do filme registra-se explicitamente a
importância do diplomata canadense e de outras figuras
ligadas à embaixada do Canadá, como o primeiro-secretário John Sheardown, que foram fundamentais para o
andamento do processo de resgate, arquitetando ao longo
de meses a fuga dos refugiados.
Filmes históricos não deixam de ser filmes – ou seja,
obras de ficção. Argo cria “livremente” algumas cenas que
nunca ocorreram, como a visita dos seis representantes
da embaixada dos Estados Unidos a um mercado em
Teerã. Obviamente, o episódio fictício criado pelo diretor
funciona como mecanismo para elevar o grau de tensão,
prendendo o espectador. De fato, em um país em ebulição política como o Irã, tal visita produziria dramáticas
consequências – e um final nada feliz. Outra “licença
poética” é a sequência do aeroporto, com o interrogatório
da Guarda Revolucionária e, finalmente, a desenfreada
perseguição de policiais e militares a um avião em pleno
movimento para decolar.
Affleck, artista anteriormente
premiado pelo Oscar de melhor
roteiro original por Gênio indomável (1997), em coautoria com o
ator Matt Damon, expressa valores
singulares, nem sempre alinhados
aos do mainstream hollywoodiano.
Defende a liberdade de expressão,
engaja-se em causas humanitárias e
liberais. Assim como George Clooney, também produtor de Argo, destaca-se por uma militância política
contrária às propostas da ala mais
conservadora do Partido Republicano. Affleck, além disso, tem uma
formação acadêmica focada no tema
do filme: realizou estudos sobre o
Oriente Médio na Universidade de
Vermont, em Burlington (Estados Unidos). Talvez por
isso, sob a bandeira da “liberdade criativa”, tenha cortado
e ocultado passagens relevantes da história na organização
de sua trama cinematográfica.
Filme artístico aclamado e premiado, Argo desempenha
também a função de peça de propaganda ideológica e
utilitarista, empapada de ufanismo imperial e distribuída
nas salas de cinema de quase todo o mundo. Nesse sentido,
o vencedor do Oscar não é inovação, mas reiteração de
uma extensa tradição hollywoodiana. É ver para crer...
Ou não.
Axé Silva é geógrafo formado pela Universidade de São
Paulo, professor e coautor do material didático do Sistema
Anglo de Ensino
MUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDO
união europeia
“Ditadura da troika” en
O projeto da união monetária também pode ser entendido, como tantas outras coisas na história da integração europeia, como um compromisso francoPor insistência da Alemanha (...), o Banco Central Europeu seria um Bundesbank em larga escala, ferozmente independente dos governos (ao contrário da tradição francesa) e dedicado com fervor protestante ao único Deus verdadeiro, o da estabilidade de preços (...). Kohl queria que a união monetária fosse complementada por uma união fiscal e política, a fim de assegurar o controle dos gastos públicos e a coordenação da política econômica entre os
Estados (...). Mas a França não queria nada disso. O ponto, para ela, era obter algum controle sobre a moeda alemã, não conceder à Alemanha o controle
sobre o orçamento francês. (...) Assim, (...) uma criança enferma foi concebida.
alemão.
O
(Timothy Garton Ash, “The crisis of Europe”. Foreign Affairs, edição de setembro/outubro 2012)
primeiro-ministro alemão Helmut
Kohl contrariou o Bundesbank,
banco central de seu país, ao ceder à
proposta francesa da união econômica e
monetária. O ano era 1990, o Muro de
Berlim caíra meses antes e a Alemanha se
reunificava. A moeda comum serviria para
soldar os destinos alemães aos da França e
da União Europeia, um objetivo geopolítico que valia o preço da renúncia ao marco.
Aquela renúncia está na origem da atual
crise do euro, que já se transformou em
crise da própria União Europeia.
Kohl antevia o perigo e tinha uma
solução. Dirigindo-se ao Bundestag, o
parlamento alemão, em novembro de
1991, expôs sua visão, pela qual a união
monetária seria complementada por uma
união política e fiscal. “A união política é a
contrapartida essencial da união econômica
e monetária”, explicou. “A história recente,
e não apenas da Alemanha, ensina-nos que
é absurdo imaginar que se possa manter
a união econômica e monetária, a longo
prazo, sem uma união política.” Por “união
política” ele designava a ideia de criação
de um organismo europeu de fiscalização
e controle dos orçamentos dos governos
nacionais. Mas a ideia sofreu o veto de
François Miterrand, presidente da França
na época. Hoje, em meio à crise, o lugar
da união política é ocupado pela chamada
troika (União Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional).
O Tratado de Maastricht, de 1992,
foi fruto do veto francês à união política.
Os governos nacionais conservaram plena
soberania sobre seus orçamentos, mas se
comprometeram a respeitar os “critérios
de convergência” definidos no tratado.
Basicamente, o déficit orçamentário não
poderia superar a marca de 3% do PIB e a
dívida pública deveria ter como teto a marca de 60%. Eram apenas palavras escritas
em um papel. O euro foi introduzido em
1999. Pouco depois, Alemanha e França
violaram os “critérios de convergência”,
abrindo caminho para a estratégia de crescimento por endividamento adotada pelos
mais diversos países europeus ao longo da
última década. No ponto de partida da
crise do euro, em 2010, Portugal tinha
o euro, por meio
da emissão de moeda, que permitiria
Crescimento do PIB em países da zona do euro (por trimestres)
uma recuperação
% 2,5
2
menos traumática
1,5
dos países endivi1
dados.
0,5
0
Inflação é uma
-0,5
palavra
maldita
-1
-1,5
na Alemanha. A
-2
memória histórica
2011/T1 2011/ T2 2011/T3 2011/ T4 2012/T1 2012/ T2 2012/ T3 2012 /T4
alemã está marcada
Portugal
Zona do euro
Itália
Espanha
Irlanda
Fonte: União Europeia, Eurostat. Disponível em: http://epp.eurostat.ec.europa.eu/portal/page/portal/eurostat/home/. Acesso em: mar. 2013
pela hiperinflação
dos anos 1920, que
Gráfico 2
destruiu a República de Weimar e
Crescimento do PIB da Grécia
6
pavimentou a estra%
4
da para a ascensão
2
de Adolf Hitler.
0
Sem as saídas da
-2
desvalorização e da
-4
inflação, sobrou aos
-6
-8
países endividados
2007
2008
2009
2010
2011
2012
2013
2014*
o caminho da deGrécia
Zona do euro
flação – ou seja,
Fonte: União Europeia, Eurostat. Disponível em: http://epp.eurostat.ec.europa.eu/portal/page/portal/eurostat/home/. Acesso em: mar. 2013
* Projeção
de rigorosos planos de austeridade
que reduzem gastos
um déficit orçamentário de 9,3% do PIB,
públicos, salários,
o déficit da Espanha era de 11,2% e os da rendas e aposentadorias, provocando proIrlanda e da Grécia ultrapassavam 12%. longada recessão. A zona do euro merguNo mesmo ano, a dívida pública italiana lhou na recessão no terceiro trimestre de
atingiu 115% do PIB.
2011. Itália e Espanha acompanharam sua
Antes da união monetária, o recurso à trajetória, mas mergulharam mais fundo. A
desvalorização cambial funcionava como Irlanda, que implantou mais cedo um plano
estratégia dos países europeus para recu- radical de austeridade, voltou à superfície
perar competitividade frente à Alemanha antes, evitando a recessão atual. Portugal,
e enfrentar crises financeiras. O advento do que tentou um ajuste mais brando, coneuro suprimiu a flutuação cambial, provo- denou-se a uma recessão mais longa (veja
cando perda crescente de competitividade o gráfico 1).
dos países da “periferia” europeia – e, tamUma tragédia ainda maior desenvolvebém, da França. A Alemanha acumulou se na Grécia, que não divulga informações
vastos saldos comerciais com seus parceiros macroeconômicas trimestrais há mais de um
da zona do euro. Por uma dessas ironias da ano. A recessão grega começou em 2008,
história, a maior potência do bloco bene- entra em seu sexto ano e produz contrações
ficiou-se da concessão representada pela do PIB de dimensões registradas apenas
renúncia à sua moeda nacional. Na hora da em casos de guerra. As projeções da União
crise, porém, o governo alemão de Angela Europeia dizem que o país emergirá à suMerkel rejeitou a ideia de uma “união da perfície em 2014, mas é prudente desconfiar
dívida”, que significaria cobrar parte do de tais profecias (veja o gráfico 2).
prejuízo dos contribuintes alemães. Merkel
A crise do euro converteu-se em crise
rejeitou também a proposta de inflacionar política devastadora. Os planos de austeriGráfico 1
MUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDO
2013 ABRIL
dade não foram desenhados pelos governos
nacionais, mas pela troika, que os impõem
como contrapartida dos empréstimos aos
países endividados. Nas eleições, os grandes partidos, comprometidos com o projeto europeu, estão praticamente obrigados a
defender os planos que implementarão. O
efeito disso é a derrota inevitável do partido
que ocupa o governo, seja ele qual for, com
sua substituição pelo grande partido da
oposição – que está quase fadado a perder
as eleições seguintes. Grécia, Portugal,
Irlanda, Espanha e França seguiram esse
roteiro, cuja consequência é a desmoralização dos sistemas políticos nacionais.
A aceleração doentia do revezamento
de partidos no poder é o aspecto menos
dramático da crise política. Mais grave é a
emergência, nos extremos do espectro político, de partidos que denunciam a “Europa”
– isto é, a União Europeia e, especialmente,
a Alemanha. Na França, o discurso antieuropeu contribuiu para o crescimento
assustador da Frente Nacional, um partido
de inspiração fascista. Na Grécia, partidos de
extrema-esquerda (Syriza) e extrema-direita
(Amanhecer Dourado) surfam na onda da
revolta contra a “Europa”. Na Itália, a crise
gerou um governo não eleito, constituído
por tecnocratas, e uma eleição espantosa na
qual emergiu como liderança política um comediante que propõe retirar o país da União
Europeia (veja a matéria na pág. 8).
À sombra da crise do euro, reativam-se
nacionalismos regionais adormecidos. A
Catalunha é o caso mais óbvio, mas não
o único. Os líderes nacionalistas catalães
acusam Madri de extorquir tributos excessivos da região – e prometem um plebiscito
sobre a independência (veja a matéria
na pág. 9). Por essa via, a crise do euro
converte-se, na Espanha, em uma crise da
própria unidade nacional.
Kohl não podia, evidentemente,
imaginar que a união monetária sem
união política provocaria uma crise de
tais proporções apenas uma década após
a introdução do euro. Mas suas palavras
naquela longínqua sessão do Bundestag,
em 1991, sintetizam a natureza do desafio
que a Europa enfrenta.
nvenena as democracias europeias
A zona monetária imperfeita
C
% do PIB
% do PIB
riar moeda parece fácil, às vezes é mesmo. Um
tos religiosamente, encara com desconfiança o grego,
Gilson Schwartz
país que alcança enorme poderio econômico em
o espanhol ou o português que usa a mesma moeda,
Especial para Mundo
geral é também emissor de uma moeda forte, confiável
mas trabalha na repartição de controle de passaportes
a ponto de ser usada no comércio e nos investimentos de muitos outros países pela no aeroporto que permanece às moscas.
O país europeu periférico ganhou a capacidade de se endividar em euros, que
simples razão de que o poder econômico do país emissor envolve outros países em
usou mal, enquanto perdia a liberdade de desvalorizar sua própria moeda. Substituir
relações de comércio, investimento e finanças.
A libra, no século XIX, e o dólar, no século XX, são exemplos cristalinos dessa a desvalorização cambial pela dívida pública como combustível para acelerar o crescilógica: quem domina o mundo militar econômica, comercial e financeiramente im- mento econômico é péssima ideia. Que funcionou apenas enquanto o próprio dólar,
põe a sua moeda. É possível fazer o caminho inverso, ou seja, criar uma moeda forte supostamente a moeda global “inimiga”, tornava-se ainda mais hegemônico na hora
que teria então o dom de tornar poderosos os governos e economias que adotarem da queda do Muro de Berlim e do fim da União Soviética, e difundia-se a euforia
esse padrão monetário? Essa é a sina do euro que, a julgar pelos acontecimentos, nos mercados de capitais e a especulação nas bolsas de valores. O ciclo encerrou-se
no momento da crise do sistema financeiro norte-americano, a partir da quebra do
permanece uma hipótese, uma aposta de risco crescente.
Qual é a vantagem de criar e emitir uma moeda? A mágica da criação de um setor de crédito imobiliário e dos colapsos bancários de 2008.
Como sustentar a ciranda financeira do euro se o próprio dólar também excedeu
ícone que todos aceitam como representação de valor? A grande vantagem é o poder
de criar também dívida. Com o sistema de crédito, o governo e as empresas dire- os limites do poder mágico de endividamento associado a uma moeda hegemônica?
cionam a riqueza criada pela sociedade, e mesmo pelo mundo todo, quando uma A crise do euro, que deve muito ao uso e ao abuso do crédito e da dívida, assim
moeda (e as dívidas contraídas com base nessa moeda) de um país alcança o status como às diferenças de produtividade no interior do bloco europeu, é também uma
de moeda mundial.
consequência da crise financeira norte-americana.
Se, após a Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos dominaram o mundo
Como sair do atoleiro? Tudo estará bem quando a necessidade de financiar as
e o dólar (e as dívidas em dólar) tornou-se o centro de todo o desenvolvimento principais empresas e centros financeiros dos Estados Unidos tiver passado e os consumundial, qual a razão para a criação do euro no final do século XX? O euro nasceu midores norte-americanos voltarem a comprar, viajar e consumir produtos europeus?
do compromisso franco-alemão que propiciou a reunificação da Alemanha (veja a Quantas empresas e bancos (e governos) europeus serão sacrificados no processo?
matéria na pág. 6). Mas também expressou um impulso de expansão econômica
Os planos de austeridade aplicados nos países endividados resultaram em proeuropeia. Vetores geográficos continentais, interesses comuns em grandes obras de longadas recessões. Em tese, esse caminho penoso produziria um ajuste das contas
infraestrutura em transporte, energia e minérios, além de interesses militares con- públicas e um retorno aos “critérios de convergência” de Maastricht. Contudo, no
vergentes explicam o pulsar ainda intenso
início do quarto ano da crise do euro, os
da pretensão europeia de contestar a hegedéficits orçamentários de Espanha, Irlanda
monia global dos Estados Unidos.
e Grécia permanecem distantes de 3% do
Balanço orçamentário trimestral em países da zona do euro
5
A aposta política racional e legítima na
PIB, o número mágico de Maastricht. O
0
criação de uma moeda, no entanto, pode
percurso das dívidas públicas é ainda mais
-5
afinal se amparar numa estratégia econômipreocupante. Elas continuam a aumentar
ca errada. Criar moeda é sinônimo de criar
em todos os países endividados. E a dívida
-10
dívida. A dívida que, a partir do advento do
grega voltou a crescer após uma brusca
-15
euro, foi criada pelos governos beneficiados
redução propiciada pelo calote parcial do
-20
pela integração no mercado europeu e
ano passado (veja os gráficos).
-25
tornou-se impagável. Ficou insustentável o
Muitos advogam o fim do euro, re-30
uso do euro como combustível para tornar
conhecendo afinal que o erro econômico
-35
2011/T1
2011/T2
2011/T3
2011/T4
2012/T1
2012/T2
2012/T3
menos heterogêneas as condições de escocriado por ambição política é também um
Grécia
Portugal
Irlanda
Espanha
Zona do euro
Itália
laridade, produtividade e competitividade
juízo equivocado politicamente. Cada país
Fonte: União Europeia, Eurostat. Disponível em: http://epp.eurostat.ec.europa.eu/portal/page/portal/eurostat/home/. Acesso em: mar. 2013
nas sociedades europeias.
teria que se virar com sua própria moeda.
A Alemanha, que escapou da desinMas o risco disso é gerar uma guerra camDívida pública em países do euro (por trimestres)
dustrialização forçada quando os Estados
bial e protecionista sem precedentes. Com
180
Unidos e a União Soviética embarcaram
desvalorizações brutais nos países periféri160
na Guerra Fria, tornou-se o maior polo
cos, os credores experimentariam amplos
140
de inovação e competitividade num siscalotes e até os vendedores de máquinas e
tema em que a capacidade de produção é
tecnologias do norte da Europa acabariam
120
heterogênea e que abrange uma Grécia ou
prejudicados.
100
um Portugal. Hoje, a expansão da dívida
O caminho do meio é conservar o euro
80
pública e seu direcionamento para projetos
e fazer juras de nunca mais usar o dinheiro
60
que não aumentam a produtividade de um
público em vão, continuar investindo em
40
país se tornaram insustentáveis. Quem vai
educação e produtividade, conter o impulso
2011/T1
2011/T2
2011/T3
2011/T4
2012/T1
2012/T2
2012/T3
pagar a conta dos aeroportos construídos
ao crédito fácil e aos estímulos ao consumo
Grécia
Portugal
Irlanda
Espanha
Zona do euro
Itália
em vilarejos espanhóis? O cidadão que,
com euros. Enfim, o virtuoso discurso proFonte: União Europeia, Eurostat. Disponível em: http://epp.eurostat.ec.europa.eu/portal/page/portal/eurostat/home/. Acesso em: mar. 2013
na Alemanha, trabalha numa indústria de
testante de Angela Merkel nesses últimos
ponta em mecânica fina e paga seus imposanos de sangue, suor e lágrimas.
ABRIL 2013
MUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDO
união europeia
Voto italiano expressa a rejeição à Europa
As eleições de março representaram um golpe na União Europeia, no Banco Central Europeu e na Alemanha de Angela Merkel. Em busca
de um governo estável, a Itália voltará às urnas no futuro próximo
“Q
© Niccoló Caranti
ue venham os palhaços”. Foi essa a manchete de
capa da revista britânica The Economist quando a
apuração das eleições italianas evidenciou as dimensões da
crise política na terceira maior economia da zona do euro.
Os “palhaços”, estampados na capa, são Silvio Berlusconi,
o magnata das comunicações e líder de centro-direita que
governou o país entre 2008 e novembro de 2011, e Beppe
Grillo, um palhaço de verdade, comediante profissional,
novato na política e líder do Movimento Cinco Estrelas.
Somados, Berlusconi e Grillo obtiveram mais de 55% dos
votos populares, bem mais que o resultado combinado
das coalizões de Pier Luigi Bersani, de centro-esquerda, e
de Mario Monti, de centro, os candidatos “europeístas”
(veja o gráfico 1).
Os italianos votaram contra a dor e a austeridade. A
coalizão organizada em torno de Mario Monti, chefe do
governo tecnocrático formado após a queda de Berlusconi,
sofreu uma derrota fragorosa. Monti é a face política italiana da União Europeia: o fracasso eleitoral do economista
convocado para reformar a Itália, segundo
as prescrições europeias, reativa o temor de
O grande número de votos obtido pelo
uma implosão da zona do euro.
humorista
Beppe Grillo reflete a rejeição dos
A União Europeia previa a derrota de
eleitores
aos políticos tradicionais
seu preferido – e tinha uma segunda opção.
Gráfico 1
Bersani, líder do Partido Democrático, o
Eleição italiana: distribuição dos votos populares
sucessor social-democrata do antigo Partido
Comunista Italiano, prometia dar continuidade às reformas deflagradas por Monti,
29,5%
29,1%
mas queria se juntar ao primeiro-ministro
25,5%
socialista francês François Hollande em uma
cruzada para reorientar a política econômica
europeia na direção do crescimento. A ex10,5%
pectativa era de um triunfo de sua coalizão
– ou, ao menos, de um resultado suficiente
para a formação de uma aliança majoritária
Pier Luigi Bersani Silvio Berlusconi
Beppe Grillo
Mario Monti
entre Bersani e Monti. Mas a promessa de
Gráfico 2
seguir a cartilha europeia custou caro ao
porta-bandeira de centro-esquerda.
Crescimento do PIB da Itália
% 4
Os “palhaços” venceram, mas não go3
2
vernarão, pois Grillo descartou a hipótese
1
de uma aliança com Berlusconi. A coalizão
0
-1
de Berlusconi, formada pelo Povo da Liber-2
dade, partido do magnata, e pela Liga do
-3
-4
Norte, organizou sua campanha em torno
-5
-6
da denúncia da austeridade. A mensagem
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
populista do antigo primeiro-ministro,
Zona do euro
Itália
principal responsável pelo agravamento da
Fonte: União Europeia, Eurostat. Disponível em: http://epp.eurostat.ec.europa.eu/portal/page/portal/eurostat/home/.Acesso em: mar.2013
crise econômica italiana, evitou uma derrocada eleitoral definitiva, que estava inscrita
em quase todos os prognósticos. Na sua
campanha estridente contra a “ditadura do Banco Central especialmente, jovens de classe média desencantados com
Europeu”, Berlusconi conseguiu reduzir as repercussões a elite política italiana. Numa vertente nacionalista, ele
dos escândalos de corrupção que o cercam. Segundo a promete suspender o pagamento da dívida italiana, o que
revista The Economist, o programa desse “palhaço” sinte- equivaleria a retirar o país da zona do euro, e realizar um
tiza-se na meta de “ficar fora da cadeia”.
plebiscito sobre a participação da Itália na União Europeia.
Grillo é um “palhaço” de outra cepa – e seria apropria- Contudo, ao contrário do nacionalismo de inspiração
do levá-lo a sério. O Movimento Cinco Estrelas reúne, fascista da Frente Nacional francesa, não recorre a um
MUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDO
discurso xenófobo, anti-imigrantes. Além disso, crucialmente, promete reformar o sistema político e eleitoral
italiano, uma proposta que lhe assegurou um lugar destacado no novo cenário eleitoral do país. O comediante
elogia o Irã, no confronto com os Estados Unidos, sugere
abolir os sindicatos e implantar uma semana de trabalho
de 20 horas. Muitos de seus companheiros de movimento
discordam abertamente das ideias mais “malucas” da nova
estrela da política italiana.
A loucura eleitoral da Itália não é um fenômeno aleatório, mas o fruto de uma enfermidade econômica e social
de longa duração. No pós-guerra, durante quase quatro
décadas, a Itália cresceu por meio da inflação e de cíclicas
desvalorizações da lira, a antiga moeda nacional. O expediente, que assegurava a competitividade seus produtos de
exportação, esgotou-se uma década antes da introdução
da moeda comum europeia. Então, o país recorreu ao
endividamento, que forneceu o fôlego necessário para um
derradeiro impulso econômico. O segundo expediente
parou de funcionar desde o advento do euro, convertendose na fonte da crise que, desde 2010, ameaça desconstruir
o castelo de cartas das finanças italianas. Agora, na hora
da verdade, a crise econômica assume a forma de crise
política: uma revolta contra as elites dirigentes e suas
agremiações partidárias. Grillo nasce desse chão histórico
contaminado pela desesperança e pelo rancor.
O fracasso econômico da Itália não deve ser minimizado. Ao longo dos 13 anos de existência do euro, o PIB
real per capita do país encolheu. Na última década, sua
performance foi sempre inferior à da sofrível média da
zona do euro (veja o gráfico 2). Sem poder desvalorizar
sua moeda, a Itália perde competitividade na Europa,
acumula saldos negativos no seu comércio externo e não
consegue atrair investimentos produtivos. A “doença
italiana” deriva da regulação excessiva dos mercados de
trabalho, que reflete a força dos sindicatos e dos mercados de produtos, que retrata a força dos interesses dos
grupos empresariais tradicionais. O sistema político do
país funcionou como escudo protetor desses interesses,
empresariais e sindicais. A crise atual é fruto de uma
prolongada inércia. Há um paradoxo evidente na mensagem dos eleitores, que expressam sua frustração com
os políticos enquanto rejeitam as propostas de reforma
de uma economia esclerosada.
No momento da dissolução do governo Berlusconi,
há 16 meses, os grandes partidos do país aceitaram apoiar
um governo não eleito, comandado por Monti, que
funcionava quase abertamente como ferramenta de uma
“intervenção europeia” no país. A solução durou apenas
o tempo suportável em um sistema político democrático.
Contudo, as eleições de março não conseguiram produzir
um governo estável. Inevitavelmente, em um horizonte
de curto prazo, os italianos serão convocados de volta às
urnas. Nesse meio tempo, a crise econômica só se agravará
– e provocará ondas de choque por toda a zona do euro.
Depois – quem sabe? – será a vez de Grillo.
2013 ABRIL
união europeia
Bloco europeu reativa os nacionalismos
regionais e étnicos
ABRIL 2013
Ingresso da Croácia na União Europeia aponta um horizonte de estabilidade para as
pequenas nações balcânicas. Ao mesmo tempo, a crise estimula os separatismos na Espanha,
na Grã-Bretanha e na Bélgica
Mapa 1
O bloco europeu funciona como moldura geopolítica e econômica capaz de
viabilizar a existência de pequenas nações
Países da zona do euro
ISLÂNDIA
relativamente ricas no sistema internacioda zona do euro em
✪ Países
séria crise econômica (PIIGS)
nal da “era da globalização”. A perspectiva
Países que eventualmente
NORUEGA
FINLÂNDIA
poderão se juntar
de ingresso na União Europeia, com suas
à zona do euro
R Ú S S I A
MAR
SUÉCIA
instituições supranacionais, seu mercado
Países que optaram em
DO
ficar fora da zona do euro
NORTE DIN.
unificado e sua moeda comum, oferece
IRLANDA GRÃPaíses não integrantes da UE
BRETANHA
horizontes para os pequenos países oriundos
POLÔNIA BELARUS
Integrará à UE em 1/7/2013
ALEMANHA
da implosão da antiga Iugoslávia. O mesUCRÂNIA
FRANÇA
mo fator, contudo, reativa nacionalismos
HUNGRIA
OCEANO
étnicos tradicionais em países da Europa
CROÁCIA ROMÊNIA
MAR NEGRO
ATLÂNTICO PORTUGAL ESPANHA
SÉRVIA
BULGÁRIA
ocidental. No contexto da crise econômica
ITÁLIA
TURQUIA
GRÉCIA
que se desenvolve na Europa desde 2009,
MAR MEDITERRÂNEO
movimentos separatistas ganharam alento
SÍRIA
Á F R I C A
na Catalunha, na Espanha, na região belga
de Flandres e na Escócia.
Mapa 2
Separatismos europeus:
A Catalunha é uma das 17 comunidades
Catalunha, Escócia e Flandres
autônomas que dividem a Espanha (veja o mapa 2). A
ESCÓCIA
economia catalã gera pouco mais de 20% do PIB espanhol
MAR
e o PIB per capita regional é o maior do país. Os velhos
DO
NORTE
ideais separatistas catalães reemergiram sob a forma de
IRLANDA
DO NORTE
REINO
uma disputa fiscal entre o governo regional e o governo naFLANDRES
UNIDO
Dublin
cional. Os nacionalistas catalães, organizados em partidos
IRLANDA
HOLANDA
INGLATERRA
de centro e de esquerda que têm maioria no parlamento
Londres
Bruxelas
regional, contestam o sistema de distribuição de tributos
BÉLGICA
a
ch
LUXEMBURGO
an
M
e acusam Madri de “explorar” a Catalunha. O governo da
a
ld
na
Paris
Ca
região promete realizar um plebiscito sobre a independência, algo que violaria a Constituição espanhola.
SUÍÇA
FRANÇA
OCEANO
ATLÂNTICO
Na Escócia, ao menos superficialmente, desenrola-se
processo similar. Os nacionalistas escoceses pretendem
promover um referendo sobre a independência em ouANDORRA
tubro de 2014. O paralelo com a Catalunha, contudo,
CATALUNHA
não é inteiramente adequado, pois a Escócia é definida
Barcelona
ESPANHA
como uma das nações constitutivas da Grã-Bretanha,
Madri
Lisboa
e a legislação britânica admite a hipótese da separação,
MAR MEDITERRÂNEO
que exigiria apenas uma nítida manifestação da vontade
majoritária dos escoceses.
ÁFRICA
Escala: 1:11.100.000
A União Europeia funciona como o grande argumento
Regiões separatistas
dos líderes separatistas. Quase todos eles sugerem aos
potenciais eleitores que, uma vez independentes, os novos
O caso da Turquia é mais complicado. Há quatro países se integrariam, automaticamente, ao bloco europeu.
décadas, o país apresentou sua candidatura. De lá para As coisas, porém, são bem mais complicadas. Segundo os
cá, alegações geográficas, históricas e culturais têm sido tratados da União Europeia, no caso da fragmentação de
utilizadas para justificar a recusa da União Europeia em Estados, apenas os “Estados sucessores” conservariam o esadmitir a Turquia. No fundo, as resistências decorrem tatuto de membros do bloco. A Espanha permaneceria na
de uma circunstância cultural e religiosa: o país mu- União Europeia após uma hipotética secessão catalã, assim
çulmano não faria parte da “civilização europeia”. Com como a Grã-Bretanha depois de uma separação escocesa.
cerca de 75 milhões de habitantes, a Turquia seria o Mas Catalunha, Escócia ou Flandres teriam que solicitar
país mais populoso do bloco tendo, por conseguinte, adesão e enfrentar o mesmo processo de candidatura pelo
o maior número de representantes nas instituições da qual passou a Croácia.
União Europeia.
Caminhos e descaminhos da UE
ITÁLIA
o primeiro dia de julho, a Croácia se tornará o 28º
integrante da União Europeia. O processo de incorporação do país balcânico, que até 2001 fazia parte da
antiga Iugoslávia, iniciou-se em 2003 e arrastou-se ao sabor
dos ajustes dos critérios de adesão impostos pelo bloco. O
Parlamento Europeu aprovou a entrada do país em dezembro
de 2011. Em referendo, realizado no mês seguinte, cerca de
dois terços dos eleitores croatas votaram pela adesão.
O tratado da União Europeia estabelece que qualquer país do continente pode se candidatar à entrada no
bloco, desde que respeite seus valores democráticos e se
comprometa a promovê-los. Em linhas gerais, os critérios
de adesão estão ligados a aspectos políticos, econômicos e
jurídicos. No âmbito político, a União Europeia estabelece
que o país candidato tenha instituições capazes de garantir
a democracia, o Estado de direito e o respeito aos direitos
humanos. No plano econômico, o candidato deverá ter
uma economia de mercado e contas públicas estáveis. Por
fim, juridicamente, deverá se enquadrar na legislação do
bloco no que se refere aos objetivos da união política,
econômica e monetária.
Desde 1957, quando foi criada a Comunidade Europeia, embrião do bloco atual, os países-membros definiram
dois grandes objetivos. O primeiro era o de aprofundar
o relacionamento entre si, e o segundo, o de ampliar o
número de seus integrantes. A integração vertical conheceu
um forte avanço em 1992, quando o Tratado de Roma,
documento básico original do bloco, foi substituído pelo
Tratado de Maastricht – que, entre outros aspectos, definiu
a adoção de uma moeda comum, que hoje circula em 16
países da União Europeia.
A ampliação do número de membros foi gradativa,
a partir do núcleo original formado pelos signatários do
Tratado de Roma (França, Alemanha Ocidental, Itália,
Holanda, Bélgica e Luxemburgo). No início da década de
1970, Grã-Bretanha, Irlanda e Dinamarca foram incorporadas ao bloco. Na década seguinte, foi a vez de Portugal,
Espanha e Grécia, a “periferia mediterrânica”. Nos anos
1990, ingressaram a Áustria, a Suécia e a Finlândia.
Com a queda do Muro de Berlim e o encerramento
da Guerra Fria, o alargamento deu um grande salto. Em
2004, dez países foram incorporados, incluindo nações que
haviam pertencido ao bloco soviético da Europa oriental
(Polônia, Hungria, República Tcheca e Eslováquia), as três
repúblicas bálticas da antiga União Soviética (Estônia, Letônia e Lituânia), a antiga república iugoslava da Eslovênia,
além dos pequenos Estados insulares de Chipre e Malta
que, até 1960, eram colônias britânicas. Três anos mais
tarde, ingressaram a Romênia e a Bulgária, antigos satélites
soviéticos. Meio século depois, a Europa dos Seis de 1957
se transformou na Europa dos 27 (veja o mapa 1).
Atualmente, cinco países – Turquia, Islândia, Sérvia, Macedônia e Montenegro – têm o estatuto de candidatos oficiais
à adesão à União Europeia. É provável que a Islândia seja a
próxima candidata aprovada, já em 2014. Sérvia, Macedônia
e Montenegro, que, como a Croácia, fizeram parte da Iugoslávia, podem ser incorporadas entre 2015 e 2017.
PORTUGAL
N
MUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDO
hugo chávez (1954-2013)
Depois do caudilho,
uma “direção político-militar”?
Newton Carlos
Da Equipe de Colaboradores
Gabriel Garcia
Márquez classificou
Chávez como um
“personagem dual”,
de esquerda e, às
vezes, de direita; de
fato, foi um líder
complexo, muitas
vezes tratado de
forma caricatural
pela mídia
© ABr
N
o ativo jogo de xadrez da Venezuela, existe algo que
não se entende muito bem, no caso, o apoio do
ministro da Defesa ao chavismo. É o que especialistas, em
situações politicamente conflitivas em países de instituições frágeis, chamam de “fator militar”. Já vieram à tona
inquietações com a “excessiva” presença militar cubana,
manifestadas por um ex-integrante da cúpula do regime
chavista. Antonio Rivero foi do alto comando do chavismo
até 2008, e também homem da confiança de Hugo Chávez
como diretor dos serviços de segurança, e deve-se levá-lo
em conta. Quando a bandeira cubana foi hasteada em um
forte da Venezuela, ele disse que “a presença cubana está
além do que deve ser permitido”. Compara-se Chávez
com Evita, a primeira esposa do caudilho argentino Juan
Domingo Perón: na hora da morte de Evita, logo após
um golpe fracassado contra Perón, descobriu-se que os
militares argentinos a odiavam. O poder estava com os
sindicatos, não com eles.
Fala-se entre chavistas de alto nível, inclusive o sucessor
indicado Nicolás Maduro, que já é realidade uma “alta
direção político-militar”. A Venezuela tem um passado
trágico de intervenções militares. A ditadura do general
Juan Vicente Gómez durou três décadas, entre 1908 e
1935, sustentada pelo petróleo. Gómez passou à História
como o “tirano dos Andes”. Em 1953, com dois grandes
partidos já em campo – a Ação Democrática (AD), dita
socialista, e o Copei, comitê social-cristão –, o “fator
militar” ressurgiu na forma do general Marcos Pérez Jiménez. Como major, ou jovem oficial, ele participara da
campanha contra Gómez. Jiménez se tornou ditador e foi
derrubado em 1958, ponto de partida do que passou a ser
na história venezuelana uma “longevidade democrática”,
a mais extensa no continente. O poder se concentrou,
então, no monopólio de dois partidos, a AD e o Copei,
que se revezavam no governo. Também o chavismo estaria
a caminho de mutações históricas, como se deram antes na
Venezuela, pela entrada em cena do “fator militar”?
Para entender o fenômeno Chávez, é preciso saber
o que foi a “longevidade democrática”, com eleições
regulares desde 1958. O número de pobres ultrapassou a
metade da população. Alargou-se o abismo entre a opulência do Estado, saqueado por uns poucos, e a miséria
da grande maioria. Os favelados eram 60% da população
de Caracas e a criminalidade tornou-se um flagelo (que,
por sinal, abate-se uma vez mais sobre a capital, agora
sob o chavismo).
A miséria tinha raízes políticas. Entre 1976 e 1995, o
petróleo colocou US$ 270 bilhões nos cofres do Estado.
A estatal Petróleos de Venezuela S.A. (PDVSA) tornara-se
a quinta maior produtora mundial. No imediato pósguerra, o Plano Marshall recarregou a Europa com US$
13 bilhões. A Venezuela do bipartidarismo tinha recursos
financeiros vinte vezes maiores. Mas a pobreza disparou, o
desemprego superava a marca de 20%, nada se fazia pela
Estabilidade do regime venezuelano dependia da liderança de Chávez. Sua morte deixa
um perigoso vazio no tabuleiro político do país
infraestrutura e não se investia na industrialização.
A AD e o Copei usaram o petróleo para criar privilégios, corromper, oferecer subsídios e isenções fiscais.
Quando os preços do petróleo desabaram, em meados da
década de 1980, o bipartidarismo oligárquico entrou em
colapso. Foi desse colapso que emergiu o coronel Chávez,
de início golpista fracassado e anistiado, depois eleito presidente e líder político de uma Assembleia Constituinte
estabelecida para “refundar a república”. A velha política
e os velhos partidos “estão mortos, só falta sepultá-los”,
garantiu o caudilho.
Chávez empunhou a bandeira de um “poder moral”,
mas também colocou a questão social na agenda política e
acabou aprovando eleições presidenciais sem limitações de
mandatos. No começo, as reações foram ferozes. O presidente chegou a enfrentar uma média de cem manifestações
mensais contra ele e uma tentativa de golpe em 2002. Com
tais alicerces históricos, com suas obras sociais e o “patriotismo bolivariano”, será o chavismo capaz de sobreviver à
morte do caudilho? A verdade é que ainda não se sabe.
O “império”, como Chávez e os seus se referem ao
governo norte-americano, teria algo a ver com a articulação do golpe de 2002? Os chavistas disseram que sim – e
agora, de modo quase delirante, dizem até suspeitar de que
a doença e morte do líder resultou de alguma “inoculação”
fatal organizada em Washington.
Há quem diga que o fenômeno Chávez não existiria
se não fosse o comportamento de Washington – ou o
seu silêncio – diante daquela tentativa de golpe. George
W. Bush não foi o presidente apropriado para se entender com uma América Latina mais “à esquerda”. Mas o
próprio Bush, à época, confessou ter se chocado com as
hostilidades que sofreu em uma conferência de cúpula
em Mar del Plata, na Argentina, e pediu “novas ideias” no
trato de Washington com as nações latino-americanas. A
persistência do chavismo deveu-se também, em parte, às
MUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDO
suas projeções externas: a aliança estratégica com Cuba e
com Equador, Nicarágua e Bolívia, membros da Aliança
Bolivariana para as Américas (Alba); a estranha aproximação com o Irã; a Rússia como fornecedora de armas.
Essa dimensão internacional do chavismo aprofundou as
tensões com Washington.
No governo Bush, prevaleceu no Departamento de Estado uma “linha dura” nas relações com a América Latina. Eram
os tempos do secretário-assistente de Estado Otto Reich,
um dos animadores das guerras centro-americanas dos anos
1980. Até hoje, suspeita-se que Reich orientou as ações dos
golpistas. “Novas ideias” começaram a entrar em campo com
sua substituição por Thomas Shannon, agora embaixador
no Brasil. São “expressões válidas”, disse Shannon sobre os
governos “de esquerda” ou “populistas” da América Latina,
procurando encontrar um caminho de diálogo. E, agora, sem
Chávez, qual será a opção de Barack Obama?
Gabriel García Márquez classificou Chávez como um
“personagem dual”, de esquerda e, às vezes, de direita.
Fazia discursos populistas muito longos, no estilo de Fidel
Castro, e cercou-se da velha guarda comunista dos anos
1960. Teodoro Petkoff, um ex-guerrilheiro que hoje faz
oposição ao chavismo, diz que, no caudilho, “coexistiam
um forte dogmatismo com o mais puro idealismo”. Era
um “comunicador nato”. Não escondia “uma certa atração
pelo formato cubano”. Falava de um “socialismo do século
XXI”, que “ninguém sabe o que seria na prática”. Mero populismo de esquerda “com espasmos antiamericanos”?
São perguntas que deixa sem respostas. Teve o mérito
de colocar a questão social na agenda política, mas, ainda
segundo Petkoff, “o fato é que, sob o chavismo, não se
alterou, de modo significativo, a estrutura da sociedade
venezuelana”. A partir de agora resta saber quais serão as
peças de reposição de um chavismo disposto a continuar
mandando. Sem Chávez.
2013 ABRIL
10
Hugo chávez (1954-2013)
E a revolução não foi televisionada
José Arbex Jr.
Editor de H&C
“E
Em 14 anos, o líder da “revolução boliviariana” e articulador de um discurso
enganadoramente simples mudou o seu país e criou novas perspectivas políticas e ideológicas
para a América Latina
11
© Ronaldo Schemidt/AFP
então, como estão as coisas no Brasil?”, pergunta Hugo Chávez em uma bela tarde ensolarada, em 25 de julho de 2004 – data do aniversário
ção, a um só tempo, executivo e
de Caracas, fundada em 1567. Chávez acaba de
legislativo. Em 15 de dezembro
encerrar a 199ª edição do programa dominical
de 1999, o povo venezuelano
Aló presidente, quando instala o seu governo em
referendou a nova Constituição
alguma praça pública de uma cidade qualquer da
Bolivariana. Em 30 de julho de
Venezuela para ali ouvir críticas, queixas, elogios
2000, Chávez foi reeleito à pree promover debates, tudo transmitido ao vivo
sidência, com 59% dos votos.
pela rede de TV pública e por emissoras de rádios
A consagração veio, paracomunitárias. Alguns programas duram até seis
doxalmente, na forma de um
horas, mas batem recordes de audiência, em grande
golpe articulado para tirá-lo do
parte porque o seu principal animador é uma figura
poder, em 11 de abril de 2002.
extraordinária: Chávez faz análises políticas, conta
Por iniciativa dos donos das
anedotas, declama poesias, canta, recomenda a
principais redes de TV e jornais
leitura de livros, conversa por telefone com gente
impressos, e com apoio logístico
que liga de todas as partes do país.
do serviço secreto dos Estados
“Como estão as coisas no Brasil?” Quase nove
Unidos, a CIA, militares e emanos após o encontro com Chávez, quando ele
presários venezuelanos depuseconcedeu uma entrevista à revista Caros Amigos,
ram e sequestraram o presidente,
O socialismo do século XXI, motor ideológico do chavismo, foi inspirado por
eu teria que responder que algumas coisas mudaque foi conduzido preso a uma
uma mescla cujos ingredientes foram o mito do “libertador” Simón Bolívar e
ram, mas nada comparável ao processo que ele,
ilha perto de Caracas. Todos os
uma perspectiva social igualitarista, em oposição ao capitalismo
Chávez, impulsionou na Venezuela. Os números,
veículos divulgaram a versão de
reconhecidos por agências da Organização das Naque ele havia renunciado. Na
ções Unidas são impressionantes: em 14 anos, seu
prisão, com o apoio de soldados
governo reduziu a pobreza em 75%, permitiu que 98% dos diálogo, pluralismo e trabalho em equipe. Era brincalhão que o admiravam como líder militar, Chávez conseguiu
26 milhões de venezuelanos tenham três refeições diárias, e falava a linguagem de gente simples, mas ainda assim passar a informação de que não havia renunciado. Dois
criou 22 universidades e erradicou o analfabetismo. Entre- permanecia de alguma maneira inacessível. Alto para o dias depois, manifestações gigantescas tomavam as ruas
vistei vários favelados em Caracas que foram atendidos por padrão médio venezuelano (cerca de 1,80 metros), tinha de Caracas para exigir a volta do presidente. O episódio
médicos cubanos, no âmbito do programa Bairro Adentro, um corpo forte e troncudo, treinado em exercícios mili- está bem documentado no vídeo A revolução não será
e todos foram unânimes ao dizer que nunca antes haviam tares: foi várias vezes campeão de beisebol em disputas televisionada (2003), disponível na internet.
sequer visto um médico pela frente, muito menos tinham internas das Forças Armadas e sua fisionomia sugeria
Depois disso, Chávez enfrentou e venceu duas eleições
recebido um em suas próprias casas. Cuba enviou cerca de a presença genética de índios e negros. Tinha obsessão presidenciais e um plebiscito revogatório, medida prevista
20 mil médicos à Venezuela em troca de petróleo e gás. pelo trabalho, dormia poucas horas por dia. Chávez era pela Constituição que permite à oposição depor um preNa última década, foram realizadas, em média, mais de enganadoramente óbvio.
sidente, se após a conclusão da primeira metade de seu
60 milhões de consultas médicas anuais.
No interior das Forças Armadas, onde seguiu carreira mandato houver um número majoritário de descontentes.
Mas nem tudo foram flores em seu governo. Dotado militar, Chávez criou um movimento político inspirado Em 2004, lançou o projeto da Aliança Bolivariana para as
de uma personalidade carismática, o presidente era pouco em Símon Bolívar, o “libertador” da América Latina. Em Américas (Alba), em oposição à Área de Livre Comércio
dado a dividir o poder ou a delegar funções. Exercia um 1992, apoiado por cerca de 300 paraquedistas, liderou a das Américas (Alca), proposta defendida por Washington e
enorme centralismo, e exibia publicamente um grande tentativa de derrubar o governo de Carlos Andrés Pérez. que, segundo Chávez, significaria a anexação dos mercados
apreço por algumas figuras polêmicas – para dizer o mínimo Mesmo com o fracasso da operação, antes de ser preso, latino-americanos aos interesses dos Estados Unidos. E
– do cenário mundial, incluindo os presidentes Mahmoud Chávez falou em rede nacional de TV e desde então formulou a proposta de “socialismo do século XXI”, uma
Ahmadinejad, do Irã, e Bashar al-Assad, da Síria. Seu gover- passou a ser a principal opção política de caráter popular mistura difusa de ideais igualitários, nacionalistas e anti-imno conduziu a economia da Venezuela à beira da anarquia, no país. Ao sair da prisão, Chávez fundou o Movimento perialistas. Em julho de 2012, obteve uma de suas últimas
com uma inflação estimada em 30% ao ano, em 2012, a V República (MVR), uma vasta frente de movimentos grandes vitórias políticas: conseguiu associar a Venezuela
maior da América Latina. Mas ele não era um ditador, como sociais, grupos e organizações de tipo partidário vincula- ao Mercosul, graças à suspensão do Paraguai, motivada
equivocadamente foi considerado por boa parte da mídia. dos aos setores mais miseráveis da sociedade. À frente do pelo golpe parlamentar que afastou o presidente Fernando
Ao contrário, Chávez foi “o político mais eleito do planeta, MVR, foi eleito presidente da República, em dezembro Lugo do poder. O senado do Paraguai obstava a entrada da
em eleições livres, transparentes e democráticas, muito mais de 1998, dando início ao projeto qualificado por ele de Venezuela, sob a alegação de que o governo Chávez desreslimpas do que as realizadas nos Estados Unidos”, declarou “revolução bolivariana”.
peitava a “cláusula democrática” do Mercosul.
o ex-presidente norte-americano Jimmy Carter.
Chávez assumiu o cargo em fevereiro de 1999 e
Sua morte, menos de seis meses após a última vitória
Filho de professores, Hugo Rafael Chávez Frías nasceu convocou uma Assembleia Constituinte para “refundar a eleitoral contra Henrique Capriles, em de outubro de
em 1954. Tinha um aspecto “duro”, embora estivesse república”, referendada pelo voto de 88% da população. O 2012, deixa muitas indagações sobre o futuro das ideolosempre sorrindo. Transmitia a sensação de um barril de presidente eleito, fiel ao seu programa e aos compromissos gias que defendeu e dos movimentos sociais sobre os quais
pólvora prestes a explodir, mesmo quando falava em paz. de campanha, colocou o próprio cargo à disposição da construiu o seu poder.
Era personalista, ainda que advogasse a necessidade de Assembleia – que, assim, tornou o poder supremo da naABRIL 2013
MUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDO
igreja católica
Eixo da Igreja desloca-se para o Terceiro Mundo
Catolicismo retrocede nas sociedades europeias, enquanto se alastra na África e na Ásia. A América Latina, de onde saiu o novo papa,
concentra quase dois quintos dos católicos do mundo
© David Iliff
João Batista Natali
Especial para Mundo
H
á apenas oito anos, e três pontificados atrás, João
Paulo II (1978-2005) atraía respeitáveis multidões
durante suas viagens e transmitia a imagem da perenidade
religiosa. Mas a Igreja Católica já estava murchando. Os fiéis
europeus a abandonavam ou se distanciavam dela. Foi o que
disse, na época, o padre e teólogo suíço Hans Küng, um
liberal com pesado histórico de trombadas com o Vaticano.
Seu texto, que virou um clássico de reflexão, saiu na revista
alemã Der Spiegel. Desde então, os escândalos de pedofilia
apressaram a crise do catolicismo ladeira abaixo.
É uma crise no número de fiéis e outra crise pela queda
vertiginosa no número de novos padres europeus. Não há
estatísticas unificadas sobre a Igreja, instituição de 20 séculos e que reúne ao redor do mundo cerca de 1,1 bilhão de
pessoas (contra 1,5 bilhão de muçulmanos e 600 milhões
de protestantes). Em 1991, na Irlanda, o mais católico
dos países europeus, 84% da população iam à missa aos
domingos. Pouco mais de 30 anos depois, esse número
caiu para 50%. Na Espanha, por mais que 81% se digam
católicos, dois terços não frequentam mais as igrejas.
O desaquecimento religioso chegou até mesmo à
Polônia, onde o catolicismo funcionou a partir do século
XVIII como cimento da nacionalidade, em um país que
estava territorialmente dividido entre a Prússia, a Rússia e
o Império Austro-Húngaro e, no final do século XX, atuou
com dimensão militante no desmoronamento do comunismo. Pesquisa recente indica que apenas 44% dos jovens
poloneses assistem às missas aos domingos, contra 62%
em 1992. Outros 42% dizem não seguir as recomendações
quanto à abstinência sexual antes do casamento.
Os seminários poloneses são os únicos na Europa que
demonstram vitalidade. Têm em torno de 6 mil alunos. O
país virou o grande exportador de clérigos na Europa. Abastece
parte da demanda da França, da Alemanha (1,4 mil paróquias
alemãs têm padres poloneses) e até dos Estados Unidos. Mas
isso não compensa o declínio alhures. Na Inglaterra e no País
de Gales, onde os católicos são minoria diante dos anglicanos,
em apenas 13 anos os fiéis nas missas caíram de 1,3 milhão para
960 mil, enquanto em duas décadas a celebração de casamentos
e o número de clérigos caíram em um quarto.
A Igreja tende a acabar? A resposta é obviamente negativa. Mas ela está deslocando seu eixo de maior vitalidade
para o Terceiro Mundo. Há cem anos, 65% dos católicos
do mundo eram europeus; hoje, são apenas 24%, contra
39% na América Latina (veja o gráfico). Contudo, a
proporção de católicos na população total experimenta
redução também na América Latina, enquanto cresce
aceleradamente na África Subsaariana e na Ásia. A partir
de 1978, o número de fiéis quase triplicou nos países
africanos, onde padres e bispos ainda são porta-vozes dos
oprimidos. Entre os países asiáticos, nesse mesmo período,
o número de padres cresceu 74%.
Um diagnóstico sumário atribui a crise da Igreja Católica à pedofilia. O que especialistas dizem, no entanto,
O “mundo” católico em dois tempos
1910
Europa 65%
(188.960.000)
América Latina
24%
(70.650.000)
Ásia/Pacífico
5%
(13.880.000)
Oriente Médio/
Norte da África
0,5%
(1.440.000)
África Subsaariana
0,5%
(1.220.000)
América do Norte
5%
(15.150.000)
2010
América Latina
39%
(424.490.000)
Europa 24%
(257.160.000)
Oriente Médio/
Norte da África
1%
(5.600.000)
Ásia/Pacífico
12%
(130.520.000)
África Subsaariana
16%
(171.480.000)
América do Norte
8%
(88.550.000)
Fonte: Pew Research Center. Disponível em: http://www.pewresearch.org/. Acesso em mar. 2013
é que, se esse fator foi um poderoso acelerador, a coisa já
ocorria bem antes. As dubiedades de Paulo VI e o franco
conservadorismo de João Paulo II e Bento XVI fecharam
as portas entre a Igreja e a sociedade durante o Concílio
Vaticano II (1962-1965).
Reforçou-se a condenação do aborto e do casamento
entre pessoas do mesmo sexo. Digamos que mudanças
nesses pontos seriam inesperadas. Mas e a camisinha? E
a ordenação de mulheres? E o celibato clerical? Diarmaid
MacCulloch, professor de História da Igreja na Universidade de Oxford, na Inglaterra, lembra que o catolicismo é
a única religião cristã que proíbe o casamento dos clérigos.
Com isso, criam-se padres arrogantes, porque foram produzidos pela ideia de que a castidade é uma diferença. Isso,
claro, quando a castidade não é contornada, conforme insinuações de publicações católicas, pelas “governantas” de
MUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDOPANGEAMUNDO
muitos padres poloneses ou por mulheres e filhos
assumidos por outros tantos padres africanos.
Seria também injusto afirmar que a Igreja
sempre erra. Há questões em que suas reiteradas
posições geram extrema adesão, como a oposição
ao armamentismo e às guerras, a defesa dos direitos
humanos e a condenação às ditaduras. Mas, ao não
enxergar as raízes de problemas como os ligados à
sexualidade e à vida íntima dos fiéis, prevaleceu
no Vaticano o dogmatismo doutrinário. Milhões
de católicos, à revelia do papa, passaram a definir
comportamentos teologicamente aceitáveis. É
a conjugalidade oficiosa entre jovens e o uso de
preservativos. Trata-se de uma rebelião surda e fragmentada. Ela não ameaça a Igreja como instituição,
mas tende a bagunçá-la nas bases, nas dioceses,
onde são frequentes os conflitos entre “liberais” e
grupos do conservadorismo organizado (Opus Dei
e Renovação Carismática, por exemplo).
Isso também ocorre no Brasil, o país de maior população católica do mundo, onde os fiéis eram 73,8%
em 2000 e hoje são 64,6%, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em 2007,
uma pesquisa do Datafolha mostrou que 94% dos
católicos aprovam o uso da camisinha, 56% defendem
o casamento na igreja entre divorciados e 46% apoiam
o casamento entre pessoas do mesmo sexo.
Os escândalos de pedofilia fizeram estragos
imensos. O semanário católico The Tablet, editado
em Londres e influente em uma centena de países,
publicou uma pesquisa recente segundo a qual 55%
dos católicos acreditam que os abuso sexuais foram
mal conduzidos pela hierarquia. Sob João Paulo II, o
cardeal Ratzinger, que seria seu sucessor, privilegiou
a repressão à Teologia da Libertação em detrimento
das denúncias de estupros a crianças e adolescentes.
A escritora inglesa Madeleine Bunting, especialista
em catolicismo e colunista do jornal The Guardian,
diz que um dos efeitos nefastos da pedofilia foi o
trincamento de uma relação de respeito e deferência que
existia entre padres e fiéis. O padre não é mais aquele a quem
se procura para um aconselhamento moral. Não porque ele
seja suspeito de pedofilia. Mas a instituição representada
por ele pecou seriamente por omissão.
Enquanto isso, informações esparsas sobre a crise são
verdadeiramente assustadoras. Na Alemanha, há três anos,
181 mil católicos abandonaram a Igreja. Sabe-se disso
porque deixaram de pagar um imposto que o Estado
recolhe e repassa. Na França, dos 41 mil padres que havia
por volta de 1960, restam hoje apenas 15 mil. Para cada
jovem padre ordenado, morrem oito de velhice.
João Batista Natali é jornalista, colaborador da Folha de
S. Paulo, professor de ética na Faculdade Cásper Líbero e na
PUC-Cogeae e comentarista da TV Gazeta
2013 ABRIL
12
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