Maria Clara Ribeiro da Costa A AMÉRICA DE WOLFGANG KOEPPEN: AS VIAGENS DE UM OBSERVADOR Dissertação de Mestrado em Estudos Alemães apresentada à Faculdade de Letras da Universidade do Porto Porto 1998 AGRADECIMENTOS À Professora Doutora Maria Marques de Almeida pelo interesse, empenho e dedicação prestados na concretização deste trabalho. Ao Professor Doutor Gonçalo VilasBoas por me ter motivado para a descoberta da obra de Wolfgang Koeppen e pelo apoio bibliográfico dispensado. Aos meus familiares e amigos pelo carinho, compreensão e paciência ao longo desta tarefa. A um amigo muito especial pelo incentivo e ânimo que me deu durante a elaboração desta tese. 2 ÍNDICE GERAL PREFÁCIO .............................................................................................................. 5 I - CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICO-LITERÁRIA ..................................... 8 A. Os relatos viagísticos no contexto da obra koeppeniana ..................................... 9 B. O relato viagístico koeppeniano no contexto da literatura de viagens .................11 C. Os EUA como objecto de estudo por parte de outros autores alemães ...............16 D. Recepção da obra viagística koeppeniana ..........................................................21 II - PRESSUPOSTOS TEÓRICOS SOBRE A LITERATURA DE VIAGENS ....26 A. Problemática da designação “literatura de viagens” ............................................27 B. Lugar dos textos viagísticos na literatura ...........................................................31 C. Literatura viagística e autobiografia ..................................................................34 D. As instâncias de comunicação na literatura viagística .........................................39 E. O conceito das Fremde vs. das Eigene ..............................................................46 III - AMERIKAFAHRT ............................................................................................49 A. A viagem ..........................................................................................................50 1. As circunstâncias da escrita de Amerikafahrt ...............................................50 2. O percurso pelos Estados Unidos da América ...............................................53 3. Elementos pessoais em Amerikafahrt ...........................................................60 3 B. Linhas temáticas dominantes .............................................................................66 1. Turismo vs. anti-turismo ...............................................................................66 2. Confronto entre das Eigene e das Fremde ....................................................70 3. Visão crítica da América ...............................................................................74 4. Alguns motivos recorrentes ..........................................................................77 4.1. Alojamento e alimentação ......................................................................77 4.2. Bibliotecas e universidades ....................................................................81 4.3. Vastidão do continente americano .........................................................83 4.4. Questão racial ........................................................................................84 5. Simbolismo da viagem ..................................................................................87 5.1. Viagem “literária” ..................................................................................88 5.2. Viagem “histórico-política” ....................................................................92 5.3. Viagem “artística” .................................................................................94 5.4. Viagem “filosófica” ...............................................................................95 5.5. Viagem “religiosa” .................................................................................98 C. Análise estrutural e estilística .......................................................................... 100 1. Estrutura e situação narrativa .................................................................... 100 2. Elementos linguísticos recorrentes e recursos estilísticos ............................ 105 CONCLUSÃO ....................................................................................................... 108 BIBLIOGRAFIA ................................................................................................. 111 4 PREFÁCIO 5 Viver! Perder países! Ser outro constantemente, Por a alma não ter raízes De viver de ver somente! Não pertencer nem a mim! Ir em frente, ir a seguir A ausência de ter um fim. E a ânsia de o conseguir. Fernando Pessoa O presente trabalho pretende, como o próprio título sugere, explorar a obra viagística de Wolfgang Koeppen intitulada Amerikafahrt. Não coube no âmbito desta dissertação o estudo das outras duas narrativas de viagens koeppenianas, Nach Ru? land und anderswohin e Reisen nach Frankreich, pois tal exigiria uma abordagem mais ampla que não se esgotaria com certeza numa dissertação de mestrado. No entanto, também me referirei a essas obras ao longo do trabalho, esperando aguçar o apetite e a curiosidade de todo o leitor apaixonado pela escrita de Koeppen. Também farei por vezes referências à sua obra romanesca, não pretendendo de modo algum apresentar uma análise da mesma, mas apenas na medida em que se impuser um confronto entre os dois tipos de escrita do autor. O relato Amerikafahrt foi, entre todos, o que mais me fascinou, por se ocupar de problemas tão actuais como a situação de minorias étnicas, o sonho americano e as suas anomalias, mas não só. A viagem que Koeppen empreende pela América não parece poder resumir-se a uma viagem só, concretizada entre Abril e Junho de 1958, transmitida pela rádio em Dezembro do mesmo ano e editada em forma de livro em 1959. São várias as viagens de Koeppen, fazendo lembrar as palavras de Almeida Garrett, no capítulo II das Viagens na minha terra: Estas minhas interessantes viagens hão-de ser uma obra-prima, erudita, brilhante de pensamentos novos, uma coisa digna do século. Preciso de o dizer ao leitor, para que ele esteja prevenido; não cuide que são quaisquer dessas rabiscaduras da moda, que, com o título “Impressões de Viagem”, ou outro que tal, fatigam as imprensas da Europa sem nenhum proveito da ciência e do adiantamento da espécie. As viagens que Koeppen realiza não são só deslocações a nível físico, mas são também deambulações e reflexões a nível histórico, filosófico e principalmente literário. Não são, pois, como afirma Garrett, “impressões de viagem”, objectivas, morosas e 6 enfadonhas, mas são “literatura de viagem”, reunindo todas as condições para serem apelidadas de obras literárias. No capítulo I pretendo contextualizar a obra viagística de Koeppen, não só na produção literária do autor mas também na literatura de viagens, apresentando ainda outras visões da América por parte de diferentes autores alemães. Koeppen é essencialmente conhecido pela sua trilogia do pós-guerra e a dissertação de doutoramento do Professor Doutor Vilas-Boas, que constitui sem dúvida um estudo aprofundado da mesma - A Trilogia de Wolfgang Koeppen. Um Discurso de Resistência -, é certamente uma leitura obrigatória na germanística portuguesa. Todavia, não podemos descurar o talento de Koeppen como escritor de relatos viagísticos, se bem que os motivos que o levaram a tal tarefa tenham sido bastante peculiares, como explicitarei no capítulo III. No capítulo II apresentarei os pressupostos teóricos sobre a literatura de viagens, problematizando em primeiro lugar esta designação de modo a encontrar o seu devido lugar no contexto literário e relacionando-a com aspectos tão essenciais como a escrita autobiográfica e as instâncias de comunicação na obra literária. Passarei à análise propriamente dita da obra Amerikafahrt, no capítulo III, referindo primeiramente a viagem que Koeppen realizou, ligando-a aos motivos que o levaram a escrever esse relato viagístico. Traçarei também o percurso feito através dos Estados Unidos e salientarei os elementos autobiográficos presentes na obra. Também dedicarei a minha atenção ao estudo das linhas temáticas dominantes e da linguagem e estilo. Hermann Schlösser afirmava: «Wenn die Welt ein Buch ist, dann ist das Reisen ihre Lektüre» (Schlösser, 1987: 190). Eu diria que o inverso também é verdade: se o livro contém em si um mundo inteiro, lê-lo será como viajar... Viajar não só no sentido de conhecer ou reconhecer locais mais ou menos longínquos, mas viajar também no sentido do sonho, da libertação. Podemos tentar “ser outro constantemente”, como afirma Fernando Pessoa, um pouco na linha da atitude de Koeppen como observador, estranho e estrangeiro. Espero, assim, proporcionar também ao leitor viagens interessantes e variadas, além de oferecer uma visão geral da obra viagística koeppeniana que possa fomentar o interesse pela leitura da produção deste autor. 7 I - CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICO-LITERÁRIA 8 A. OS RELATOS VIAGÍSTICOS NO CONTEXTO DA OBRA KOEPPENIANA Wolfgang Arthur Reinhold Koeppen, um dos escritores alemães mais ilustres do nosso século, nascido a 23 de Junho de 1906, é talvez mais conhecido pela sua trilogia do pós-guerra, que inclui Tauben im Gras (1951), Das Treibhaus (1953) e Der Tod in Rom (1954). Em Tauben im Gras, a acção situa-se num só dia na cidade de Munique do pós-guerra, onde as diversas personagens se encontram e desencontram em trajectos carregados de alienação, isolamento, medo, agressão. Das Treibhaus conta a história de um deputado exilado que, perante o mundo corrupto da política, opta pelo suicídio. Der Tod in Rom narra a história de um grupo de homens que se encontram em Roma e cujo passado de guerra se impõe sobre as suas memórias, pondo a nu as incongruências e atrocidades da guerra. A julgar pela recepção da crítica, podemos afirmar que estes romances “incomodavam”, pois Koeppen, não se integrando nas práticas literárias do seu tempo, mostrou uma Alemanha dos anos 50 através de uma luz negativa, envolta em resignação e pessimismo. Autor marginalizado e incompreendido, essencialmente pela crítica dos anos 50, Koeppen volta-se, a partir de 1958, para outro tipo de escrita, os relatos de viagens. Inicialmente, estes relatos eram destinados à difusão por rádio, tarefa de que Koeppen fora incumbido por Alfred Andersch em 1955, quando este o mandou para Espanha, seguindo-se depois viagens para Roma em 1956, para a União Soviética, Varsóvia, Haia e Londres em 1957, para uma viagem de oito semanas aos EUA em 1958, para França em 1959 e finalmente para a Grécia em 1961. Assim, surge em 1958 a primeira colectânea de viagens sob o título Nach Ru? land und anderswohin, em 1959 Amerikafahrt e em 1961 Reisen nach Frankreich. Segundo Reich-Ranicki, um dos maiores críticos da obra koeppeniana, estes relatos são obras secundárias face aos romances, são “Seitensprünge des Romanciers” (Reich-Ranicki, 1976: 106). Aliás, o próprio autor se refere aos livros de viagens como “Umwege zum Roman”, “Ansätze zu Erzählungen”, “Studien, Vorstudien zu anderen Produkten”, “Kulissenbeschreibungen” ou ainda “Wegstrecken zum Roman” (apud Buchholz, 1987: 143). Para muitos críticos esta viragem de Koeppen para a literatura viagística representa um corte radical com os romances, indiciando um posicionamento mais 9 comedido e resignado por parte do autor. Karl Korn afirma, por exemplo, no Frankfurter Allgemeinen Zeitung: Geistig und politisch bedeutet es für den Autor und vielleicht für die Lage der Intelligenz überhaupt eine symptomatische Wendung. Der Koeppen, der das Treibhaus schrieb... ist in dem Reisebuch kaum noch wiederzuerkennen. Er ist mild geworden und scheint sich, was den politischen Anspruch des Intellektuellen angeht, zu den Entsagenden geschlagen zu haben. (apud Uhlig, 1972: 60) Também Marcel Reich-Ranicki constata uma mudança de posição de Wolfgang Koeppen. Os seus romances, todos dos anos 50, teriam apresentado uma crítica contundente à Alemanha da época, sendo preteridos e rejeitados por círculos mais conservadores. As obras viagísticas, continua Reich-Ranicki, pouparam a Alemanha, o que levou os críticos a afirmar aliviados: Endlich ist der Koeppen vernünftig geworden! Er beschäftigt sich nicht mehr mit dieser widerlichen deutschen Misere. Er nörgelt nicht an Deutschland rum, sondern zeigt uns, wie gut der Wein in Frankreich ist und wie schön die Weite Ru? lands. (in Hermann, 1994: 169) Koeppen parece não se ocupar mais com a realidade alemã, com a miséria reinante na Alemanha do pós-guerra e com as atitudes do povo alemão. Os seus temas são menos incisivos em termos de crítica social, mostrando o autor também as belezas e os costumes gastronómicos dos países que visita. Depois dos relatos de viagens, Koeppen parece ter escolhido o silêncio, não tendo escrito grandes obras, como o público teria esperado. Na análise de Amerikafahrt destacarei as características peculiares da literatura de viagens, restituindo-lhe um valor próprio e contrariando as concepções da obra viagística como obra secundária ou produto derivado do romance. 10 B. O RELATO VIAGÍSTICO KOEPPENIANO NO CONTEXTO DA LITERATURA DE VIAGENS Den Zusammenhang zwischen Roman und Reisebericht, zwischen Fiktion und Faktum, Erzählung und Reportage hat der Autor selbst immer wieder betont, indem er die Reisebücher als »Umwege zum Roman«, »Ansätze zu Erzählungen«, »Studien, Vorstudien zu anderen Produkten«, »Kulissenbeschreibungen« oder »Wegstrecken zum Roman« apostrophierte. Hartmut Buchholz (1987: 143) Sendo ainda hoje polémica a designação “literatura de viagens”, dada a sua especificidade, abrangendo simultaneamente a realidade e a ficção, o foro objectivo e o subjectivo, importa analisar o surgimento e evolução do relato viagístico, de modo a enquadrar a obra viagística de Koeppen. Assim, na Idade Média, pode-se falar já em “Reisekultur” a propósito dos movimentos e flutuações dos peregrinos que viajavam essencialmente por motivos religiosos, tratando-se na maior parte das vezes de viagens de penitência. As condições em que tais viagens se realizavam foram melhorando, com o apoio das próprias igrejas e conventos que albergavam os peregrinos para Jerusalém, Santiago de Compostela e Roma. No século XVI, com a época dos descobrimentos e exploração do Novo Mundo, as viagens revestem uma função mais informativa. Deste modo, com as viagens ao Novo Mundo, pretendia-se recolher informações geográficas e etnográficas para a Europa, surgindo um grande interesse pelos relatos de viagens. Aumenta, assim, o interesse comercial e pré-científico. Há nestes relatos uma grande dose de subjectividade, aliada ao facto de não haver informações concretas. O problema da autenticidade não se punha e os relatos baseavam-se essencialmente na fantasia e no dogma bíblico, uma vez que um dos intuitos principais seria a propagação da fé. Nota-se, mais tarde, uma posição mais secularizada, tornando possível uma abordagem mais ligada à natureza, à fauna e à flora. Verifica-se uma preocupação em listar vocabulário dos países visitados, pertencentes essencialmente à Europa do Sul e ao Oriente, como prova de presença nesses lugares, 11 pondo-se em confronto as diferentes culturas. O exotismo é um factor sempre presente. Assiste-se também a uma dessacralização ou secularização da viagem em si, havendo uma dualidade de factualidade e posição subjectiva, e uma maior preocupação com o uso estético da linguagem. No século XVIII nota-se nos relatos um carácter híbrido de guia turístico e divagação lírica. Como reflexo da sociedade sob influência da Aufklärung, predomina uma mentalidade burguesa e dá-se um enfoque especial às viagens exploratórias de James Cook, por exemplo, conferindo-se-lhes um carácter mais científico, de grande importância para os domínios da cartologia, zoologia, geografia, antropologia, sociologia, entre outros. Era importante educar o homem; daí a viagem ter uma função formativa. A viagem tem também parcialmente um carácter recreativo, associado ao espírito de aventura e um dos objectivos subjacentes prende-se com a destruição dos preconceitos interrácicos. Com as expedições do século XIX surge a preocupação em fazer o levantamento topográfico do mundo. Os pressupostos históricos, metódicos e literários dos relatos viagísticos científicos assentam depois do século XVIII em dois extremos: por um lado, sernte-se a influência dos Reisebilder de Heinrich Heine que se baseiam em tradições críticas da Aufklärung, mas também em tradições subjectivas da Empfindsamkeit e do Romantismo; por outro lado a descrição viagística científica, que durante a Aufklärung se transformara em género, surge como forma institucionalizada, sistemática e planeada, contribuindo em muito para o alargamento do saber empírico. A relação entre a realidade da viagem e a literatura de viagem é bilateral, uma vez que o relato viagístico não é só produto da viagem mas opera também (como “elemento imaginativo”) sobre os preparativos, a realização e a exploração das próprias viagens, preparando um conjunto de preconceitos pelos quais os viajantes se deixam influenciar consciente ou inconscientemente. As investigações nunca são, assim, resultado de uma só viagem, mas sim de um complexo de iniciativas individuais motivadas pela curiosidade e pelo espírito aventureiro. Gerhard Schulz analisou a transição da história da viagem da Aufklärung para o século XIX com base no exemplo de três investigadores-exploradores - Forster, Humboldt e Chamisso -, mostrando que a história viagística deste tempo pode ser entendida como fase de mudança radical, não se tratando somente de um fenómeno histórico-viagístico mas pressentindo-se uma nova orientação teórico-filosófica nas experiências do mundo e da história. 12 No século XIX assiste-se também a uma viragem para o continente americano, acompanhada por massas migratórias, atraídas pelo conceito do “bom selvagem” corporizado no índio, e pela ideia de a América representar o país do futuro, a civilização. O motivo para as viagens deixa de ser exclusivamente religioso. Nos inícios do século XX é marcante a presença do exotismo, como por exemplo nas obras de Robert Louis Stevenson, Rudyard Kipling e Joseph Conrad, ou ainda Gauguin no domínio da pintura. Palavras-chave desta época são, por exemplo, Jugendund Wandervogelbewegung, Freikörperkultur, Naturschutzbewegung, Okkultismus. Aparecem obras como por exemplo Notizen über Mexico (1898) de H. G. Kessler, Augenblicke in Griechenland (1908) de Hugo von Hofmannsthal, Fahrten ins Blaue (1912) de Oscar A. H. Schmitz, ou ainda Das unruhige Asien (1926) de Arthur Holitscher, obras essas que remetem para o improviso e para uma predilecção pela forma de diário ou carta. A partir dos anos 20 do mesmo século, verifica-se uma nova forma de viajar ligada ao fenómeno do turismo em massa, cujas origens se podem aliás encontrar já nos inícios do século anterior, como nas viagens de Thomas Cook, por exemplo. Esta nova forma de viajar vai reflectir-se no próprio relato viagístico e assiste-se igualmente ao aparecimento de variantes da literatura de viagens mais ligadas propriamente ao turismo, a saber: guias turísticos, artigos de revista ou programas televisivos. Hans-Werner Prahl e Albrecht Steinecke estudaram as diversas facetas da viagem turística sob o ponto de vista sociológico e outros estudiosos dedicaram-se à investigação desta temática da viagem, a saber: Heinz Rico Scherrieb, Margit Berwing, Hans Magnus Enzensberger, Konrad Köstlin, Horst W. Opaschowski, Hermann Schlösser, Peter Baumgarten e KlausPeter Klein, para citar apenas alguns. Paralelamente ao aparecimento de formas consideradas pouco ou não literárias, surgem subgéneros que se baseiam não tanto na viagem em si mas mais em motivações do foro da literatura interior, de causas políticas e desenvolvimentos sociais, dando origem à prosa viagística expressionista, entre cujos autores podemos citar Norbert Jacques, Alfons Paquet, Karl Otten, Waldener Bonsels, Hermann Bahr, Arthur Holitscher e René Schickele, por exemplo. Com a Primeira Guerra Mundial dá-se um corte na literatura viagística expressionista e aparecem novos tipos de viagem e de relato viagístico, como por exemplo viagens na frente de batalha, de espionagem, de transporte de tropas, prisioneiros ou feridos, e os motivos são marcadamente políticos e 13 relacionados com a guerra. Com a Revolução de Outubro de 1917, surge um interesse crescente pela União Soviética. Autores como Alfons Goldschmidt, Wilhelm Herzog e Max Barthel deixam transparecer nos seus escritos a euforia pela União Soviética, com traços dominados pelo cunho político. Os Estados Unidos da América, destino escolhido por milhares de emigrantes, com apogeu no século XIX, são também o destino de escritores alemães da década de 20, não tanto na qualidade de emigrantes mas antes de visitantes. A destacar, neste campo, os estudos de Theresa Mayer Hammond, Sara Markham e Erhard Schütz de obras tão variadas como, por exemplo, Paradies Amerika (1929) de Egon Erwin Kisch, Atlantis de Gerhart Hauptmann, Yankee-Land (1925) e New York und London (1923) de Alfred Kerr, Amerikana (1906) de Karl Lamprecht, Kultur im Werden (1924) de Alice Salomon, Ein Frühling in Amerika (1924) de Roda Roda, Rundherum (1929) de Erika e Klaus Mann, Amerika ist anders (1926) de Arthur Rundt, Amerika-Europa (1926) de Arthur Feiler, Eine Frau reist durch Amerika (1928) de Martha Karlweis, Die dritte Eroberung Amerikas (1929) de Alfons Goldschmidt, Wiedersehen mit Amerika (1930) de Arthur Holitscher, Amerikanische Reisebilder (1930) de Ernst Toller, Eine Frau reist durch die Welt (1932) de Maria Leitner, Auslandsrätsel (1922) de Friedrich Dessauer, Feldwege nach Chicago de Heinrich Hauser. No próximo capítulo aflorarei resumidamente as perspectivas apresentadas por algumas destas e outras obras sobre a América, de modo a apresentar a imagem da América por parte de alguns escritores alemães, que depois poderá ser comparada com a imagem do mesmo país apresentada por Koeppen em Amerikafahrt. Comum às obras anteriormente citadas é uma imagem bipolar da América: por um lado positiva, atendendo ao aspecto económico, dado o desenvolvimento da tecnologia e progresso presentes; e, por outro lado, negativa, essencialmente em termos culturais, de corrupção dos valores e degradação nas relações humanas, de discriminação e preconceitos relativamente a minorias rácicas. Com o “Terceiro Reich”, acaba abruptamente o interesse pelo relato viagístico, embora se calcule ter havido alguns relatos com uma função e forma específicas. O conceito de Kraft durch Freude da época tinha como objectivo tornar a viagem acessível às classes trabalhadoras, de forma a proporcionar-lhes não só o descanso mas principalmente de forma a fortalecer o sentimento de comunidade e a ligação às organizações nacional-socialistas. 14 Depois da Segunda Guerra Mundial não surgem influências novas no desenvolvimento do relato viagístico. Com a divisão da Alemanha e surgimento das duas Alemanhas em 1949, verifica-se uma predilecção por parte dos autores da República Democrática Alemã pela União Soviética e outros países socialistas, e por parte dos autores da República Federal Alemã pelos Estados Unidos da América. Os acontecimentos históricos parecem desempenhar um papel marcante, aparecendo a viagem muitas vezes como sinónimo de viagem ao passado recente, como podemos verificar, por exemplo, no diário de guerra de Curt Hohoff ou nas passagens viagísticas do relato autobiográfico de Gottfried Benn, Doppelleben. A literatura de reportagem desenvolve-se a partir das necessidades do tempo do pós-guerra, sendo um dos assuntos recorrentes os processos de Nuremberga. Pretende-se não somente descrever a situação do pós-guerra, mas muito mais fazer realçar e mesmo criticar os aspectos morais, políticos, históricos ou sociais. Podemos neste âmbito mencionar a obra Reisebilder aus Deutschland (1947) de Erich Kästner e as reportagens de Alfred Andersch e Hans Werner Richter. Estas tendências de interiorização, de busca do mundo interior, partindo da realidade empírica, tornam-se mais acentuadas nos anos 50 e, mais especificamente, em autores como Wolfgang Koeppen, Heinrich Böll e Alfred Andersch. Existem elementos do domínio subjectivo e elementos não ficcionais, havendo uma fricção entre ficcionalidade e autenticidade, uma relação diferente do Eu com o mundo, uma nova concepção do Eu e do alheio (das Fremde). Embora a escolha dos países visitados e subsequentes relatos viagísticos sejam fortemente influenciados por interesses políticos, encontram-se simultaneamente outros textos em que os destinos de viagem seguem a tradição clássica - como por exemplo Roma -, ou as influências exóticas da viragem do século - como por exemplo a Índia. Na opinião do crítico Hermann Schlösser, a literatura de viagens fica votada ao esquecimento depois de Koeppen e de Rolf Dieter Brinkmann. De facto, o livro de Brinkmann, Rom. Blicke. (1979), foi o último relato viagístico que despertou atenção e provocou grande celeuma na Alemanha. Se Schlösser apontava já para sinais de crise da literatura de viagens, Peter Brenner não preconiza grande futuro para este subgénero literário, considerando que ele permanece à margem no mercado livreiro e só é representado numa das suas formas, o guia turístico (vd. 1990: 660-666). 15 C. OS EUA COMO OBJECTO DE ESTUDO POR PARTE DE OUTROS AUTORES ALEMÃES Sem pretender ser exaustiva na listagem ou na análise de obras, viagísticas ou não, que versem a temática dos EUA, penso ser pertinente referir o facto de a América ter sido sempre motivo de fascínio e alvo de escrita por parte de inúmeros autores alemães, que tanto destacam aspectos mais positivos da América, como enfatizam as anomalias do sobejamente conhecido “sonho americano”, em facetas diferenciadas. Baseando-me nos estudos de Peter Brenner (1990: 596-627; 648-660), vou deter-me apenas em algumas obras produzidas no período de Weimar (1918-1933) e nos anos 60 e 70. Obras escritas no período de Weimar Como primeiro exemplo, podemos referir o relato viagístico de Friedrich Dessauer, Auslandsrätsel, publicado em livro em 1922, onde é visível o louvor da América como país da tecnologia e do sucesso, que Dessauer atribui a factores como a reconciliação de classes e o liberalismo económico. Também Heinrich Hauser tece um louvor à América na obra Feldwege nach Chicago. Hauser vê a técnica como um substituto de Deus, e parece conseguir rehumanizar metaforicamente a desumanização da realidade dominada pela técnica que se sente violentamente nos Estados Unidos da América. Como contraste desta visão eufórica do capitalismo americano, podemos mencionar Paradies Amerika (1929) de Egon Erwin Kisch que, segundo o crítico Rudolf Geissler, peca pela sua tendência linear anti-americana, faltando-lhe a capacidade de colocar sob uma perspectiva dialéctica e histórica as suas conjecturas sobre as condições de vida e de trabalho do proletariado americano. Este pessimismo presente na obra de Kisch é reiterado pela crítica Sara Markham, que o vê como paradigma do cepticismo relativamente aos EUA. É a imagem sombria de uma sociedade dominada pela mecanização do trabalho, pela divisão de raças e exploração dos negros, especialmente nos estados do Sul, pela discrepância entre a imagem da mulher e a realidade por ela 16 vivida que Kisch nos transmite, ressaltando como únicas figuras positivas as de Charlie Chaplin e de Upton Sinclair. No seu relato viagístico Yankee-Land (1925), Alfred Kerr apresenta uma imagem da América sob um cunho pessoal e eufórico. Vê a América não apenas como exemplo de tecnologia e maravilha da economia, mas essencialmente como uma natureza orgânica, com uma vitalidade sem limites que lhe concede um lugar de destaque e de excepção. Também na sua obra New York und London (1923), Kerr apresenta uma imagem optimista e positiva da América, o que coloca este autor numa posição à margem nas discussões da época, uma vez que a maior parte dos autores realçavam aspectos como a variedade de nacionalidades e grupos étnicos nas cidades americanas, a decadência dos valores e costumes, a violência e a corrupção, a desumanização como resultado da mecanização do trabalho. Como exemplos de autores que reflectem sobre grupos marginalizados e minorias étnicas, são de referir Karl Lamprecht, que apresenta fortes coloridos rácicos na sua obra Amerikana (1906), Arthur Holitscher e Fritz Kummer, que tratam a problemática dos judeus americanos. Por exemplo, em Wiedersehen mit Amerika (1930), Holitscher critica fortemente as relações humanas injustas, o racismo e a pretensão dos americanos em assumirem a liderança do mundo. A visão veiculada pelo escritor Sándor Friedrich Rosenfeld, que publicou Ein Frühling in Amerika em 1924 sob o pseudónimo Roda Roda, é bastante interessante, pois oscila entre os extremos, apresentando a América tanto como o país do capitalismo dominador, como o país do progresso democrático. No relato de viagens pelo mundo inteiro, Rundherum (1929), metade do qual é dedicado ao continente americano, os irmãos Erika e Klaus Mann têm uma visão bastante positiva da América, apresentando-a como uma sociedade jovem, virada para o futuro, sedenta de cultura e praticamente sem problemas sociais. Arthur Rundt, em Amerika ist anders (1926), e Arthur Feiler, em AmerikaEuropa (1926), focam os problemas das “massas”. Arthur Rundt aponta para o surgimento de uma “massa”, referindo-se a fenómenos como a indústria radiofónica, o Ku Klux Klan e o fascismo, e criticando a sociedade, ainda que ao de leve, por uma certa passividade. De um modo geral, a visão da América que apresenta é positiva, visionando-a como terra do bom-senso. Arthur Feiler, tal como o título da sua obra indica, procede a uma comparação da realidade americana com a realidade europeia, 17 pretendendo demonstrar desigualdades na evolução dos dois continentes. De realçar seria uma certa crítica à situação dos negros e uma referência, ainda que esporádica, à submissão da mulher americana. O tema da situação e papel da mulher na sociedade americana é o enfoque dado por escritoras como Martha Karlweis e Adele Schreiber. O relato de Karlweis, Eine Frau reist durch Amerika (1928), procura dar, numa mescla de imaginação e relato, um panorama geral da vida da mulher americana, tomando como exemplo a descrição de sete mulheres. O artigo de Schreiber faz parte integrante de uma colectânea que visa retratar a vida da mulher em todo o mundo nos campos social e público. O relato viagístico de Maria Leitner, Eine Frau reist durch die Welt (1932), também se centra na visão da mulher americana, baseando-se, neste caso, em vivências e experiências directas com o mundo do trabalho das mulheres americanas. Particular realce é dado às condições de trabalho nos EUA e à cultura, especialmente à religião dos negros e às suas condições de vida nos estados do Sul. A imagem que Leitner tem dos EUA é fortemente influenciada pelas consequências da Grande Depressão, mas Leitner antevê também um futuro melhor para o país, no que diz respeito à tolerância entre as classes sociais de diferentes raças, nacionalidades e etnias, e à situação da mulher. Com a Grande Depressão dos anos 30, a imagem da América torna-se, portanto, mais sombria. A crise iminente do país é, por exemplo, descrita no relato de Alfons Goldschmidt, Die dritte Eroberung Amerikas (1929), onde Goldschmidt tece uma forte crítica ao capitalismo, reportando-se essencialmente às condições de vida e de trabalho das classes mais baixas. Ernst Toller, na obra Amerikanische Reisebilder (1930), publicada em 1930 na colectânea Quer durch, também critica fortemente as relações humanas americanas, dando particular ênfase a aspectos como a discriminação, a brutalidade, a manipulação de massas e a injustiça legalizada. Os trabalhadores são, na sua opinião, as vítimas do poder ilegítimo e do capitalismo; a situação dos negros é objecto de análise bastante profunda na relação destes com as igrejas e na sua representação nos filmes; a visão da mulher é ambivalente: se por um lado Toller critica a imagem da mulher prostituída apresentada nos filmes, por outro lado desaprova a posição dominante que a mulher detém na sociedade americana. Parece-me pertinente notar um aspecto comum a estes autores: em todos transparece uma comparação entre a sociedade americana e a sociedade alemã. 18 Salientam ainda nos EUA características que esperam não se infiltrem na sua própria sociedade. Assim, mostram-se, na generalidade dos casos, impressionados pela técnica americana, cujo elevado nível de desenvolvimento é entendido como sinal da mobilidade americana e, acrescentando este aspecto à igualdade de oportunidades, vêem os EUA como símbolo máximo da prosperidade. De um modo geral, os aspectos negativos e o cepticismo dos autores surgem fundamentalmente depois da crise económica de 1929. Obras escritas nos anos 60 e 70 Durante a República de Weimar (1918-1933), verificava-se uma polarização entre os EUA e a então União Soviética como destinos de viagens preferidos. Depois da Segunda Guerra Mundial, e com a divisão da Alemanha em 1949 em República Federal Alemã e República Democrática Alemã, sente-se uma divisão mais marcada entre estes dois destinos: a União Soviética aparece como domínio exclusivo dos escritores da RDA e os EUA como destino dos escritores da RFA. Wolfgang Koeppen foi, aliás, um dos poucos escritores da RFA a viajar pela União Soviética a convite da Associação dos Escritores Soviéticos. A imagem da América por parte dos autores dos anos 60 e 70 é também, como já concluímos em parágrafos anteriores, bipolar, oscilando entre a euforia e a disforia. Como exemplos de visões disfóricas, podemos referir Horst Krüger na sua obra OstWest-Passagen (1975), Günter Kunert em Andere Planeten (1975), Jürgen Federspiel em Museen des Hasses (1969) e Jürgen Lodemann em Phantastisches Plastikbild und rollendes Familienhaus (1977), os quais apresentam uma imagem da América sob traços caricaturais, na qual eles vêem reflectido o futuro apocalíptico da Europa. Por seu lado, Hans Egon Holthausen remete para perspectivas optimistas do futuro americano no seu relato Indiana Campus (1969). Podemos também ver os EUA retratados em romances contemporâneos. Peter Handke, por exemplo, em Kurzer Brief zum langen Abschied (1972), preso a idealizacões utópicas na linha de Kafka e Wedekind, apresenta uma América sob um prisma mais pessoal, partindo de clichés tradicionais, o que o torna uma excepção entre os autores alemães que tomaram os EUA como objecto temático das suas obras. Era mais comum os autores deixarem transparecer ou mesmo tecerem uma crítica à 19 sociedade americana, afirmando ser esta uma nação definida pelo capitalismo e pela falta de cultura, ou, pelo menos, exprimindo a sua desilusão relativamente ao grande continente americano. Pertencem a este grupo autores como Herbert Heckmann, Joachim Seyppel, Ulrich Pothast ou Gerhard Roth. Uwe Johnson, segundo o crítico Manfred Durzak, apresenta em Jahrestage uma imagem diferenciada e reflectida da América (vd. Brenner, 1990: 652). Muitos outros autores contemporâneos abordaram a temática dos EUA ou de traços da sociedade americana, como são exemplos os dramas de Bertolt Brecht, desde Dickicht der Städte a Mahagonny, romances e dramas de Thomas Mann e Carl Zuckmayer ou ainda o Tagebuch 1966-1971 de Max Frisch. Vimos, assim, as diferentes imagens da América apresentadas por vários autores alemães. Tomando por base as ideias aqui tratadas, poderemos, aquando da análise de Amerikafahrt de Koeppen, tomar uma posição crítica relativamente à América que ele nos apresenta. 20 D. RECEPÇÃO DA OBRA VIAGÍSTICA KOEPPENIANA Os livros de viagens de Koeppen que, relativamente à trilogia do pós-guerra, representaram uma grande viragem na escrita deste autor, obtiveram uma aceitação geral por parte do público alemão. De notar, no entanto, que estes textos foram inicialmente escritos para programas radiofónicos, tendo sido encomendados por Alfred Andersch para o Süddeutscher Rundfunk. Koeppen explica em entrevista a Marcel Reich-Ranicki que encontrara Andersch por acaso numa rua de Hamburgo. Andersch, que passara da Norddeutscher Rundfunk para o Süddeutscher Rundfunk, era responsável pelos ensaios radiofónicos. Pediu então a Koeppen que viajasse e escrevesse relatos viagísticos para a rádio, ao que Koeppen responde entusiasmado: „Ja!” Denn ich wollte immer reisen, hatte aber gar nicht die Mittel dazu. Wenn sich hinter Andersch der Süddeutsche Rundfunk bereit erklärte, die Reise zu bezahlen, so war ich begeistert, es zu tun. So bin ich auf Reisen gegangen. Die erste Reise ging nach Spanien. (in Hermann, 1994: 165) O seu desejo ou sonho de viajar, que não pudera realizar por falta de meios financeiros, podia então ser concretizado. Parte em primeiro lugar para Espanha, mas depois visita também Roma, a União Soviética, Varsóvia, Londres, os Estados Unidos da América, França e Grécia, entre Setembro de 1955 e Setembro de 1961. Assim, à medida que ia viajando, nasciam as três obras viagísticas de Koeppen: Nach Ru? land und anderswohin (1958), Amerikafahrt (1959) e Reisen nach Frankreich (1961). Koeppen deveria ainda ter ido para a Índia, China e Japão, mas não o quis por dois motivos: por um motivo pessoal (não podia partir devido a uma pessoa que lhe era muito próxima) e porque receava que viajar se tornasse rotina: Ich hätte ein Land nach dem anderen bereisen können. Wenn ich gesagt hätte, ich möchte nach Japan, ich möchte nach Australien, ich möchte zum Nordpol fahren - irgendein Sender hätte sich gefunden und gesagt: „Es freut mich, fahren Sie hin!” Und da fürchtete ich: Das wird dir zur Routine. (in Hermann, 1994: 166) Conhecendo nós Koeppen como observador exímio que quer “absorver” tudo como se fosse a primeira vez e que se opõe ao turismo de massas, criticando-o severamente, podemos entender a sua preocupação e receio de as suas viagens e relatos se tornarem rotina. Perder-se-ia toda a beleza e riqueza dos escritos, como geralmente 21 acontece quando, por exemplo, uma experiência se repete muitas vezes e de modo semelhante. A obra viagística de Koeppen foi vista pela crítica como simpática e em parte entusiástica («freundlich, zum Teil enthusiastisch», in Hermann, 1994: 169), atingindo um eco enorme («ungeheuren Echo», in Hermann, 1994: 165). Para muitos, porém, que a viam como «sehr interessant und (...) sehr bedeutsam» (Krüger, in Treichel, 1995: 37), não seria senão «Umwege des Romanautors» (Krüger, in Treichel, 1995: 37). O próprio Koeppen diz, em entrevista a Horst Bienek: Ich will vorläufig keine neuen Reisebücher, ich will Romane schreiben, und die Reisebücher waren für mich Umwege zum Roman, Kulissenbeschreibungen. (in Treichel, 1995: 26) Os relatos serviriam, deste modo, de apontamentos para produtos futuros, para romances que o escritor pretenderia escrever. No entanto, a verdade é que não surgiram romances resultantes das suas viagens, embora a sua produção romanesca inclua também muitas viagens. As suas narrativas têm, pois, um lugar privilegiado na literatura alemã, neste caso na literatura viagística e não devem ser vistas, como Koeppen afirma a Mechthild Curtius, como pretextos para escrever romances - «Ja, das hoffte ich damals. Zum Teil stimmt es auch. Aber nicht ganz! Es sind Ausreden vor dem Roman. Ja!» (entrevista in Treichel, 1995: 235) -, mas, na minha opinião, valem por si próprias. A opinião do autor deixa-nos perplexos, dando azo a interpretações tão diversas sobre a mudança na sua escrita como as apresentadas, por exemplo, por Walter Jens e Marcel Reich-Ranicki. Enquanto o primeiro vê a passagem de Koeppen de romancista a autor de livros de viagens como um progresso, Reich-Ranicki é mais crítico, falando de retrocesso e de emudecimento. De um modo geral, e para alívio de muitos, chegara-se à conclusão de que Koeppen se tornara menos crítico, interpretando-se a sua reacção como amadurecimento literário, por oposição ao tumulto e celeuma que havia acendido com a sua trilogia do pós-guerra. Os livros de viagens, em comparação com os romances do pós-guerra - Tauben im Gras (1951), Das Treibhaus (1953) e Der Tod in Rom (1954) - obtiveram, então, um maior sucesso editorial inicial e os prémios literários atribuídos a Koeppen deveram-se, na sua grande maioria, às obras viagísticas. 22 Quanto a trabalhos académicos sobre Koeppen e a sua obra, são bem conhecidos críticos e estudiosos como, por exemplo, Dietrich Erlach, Manfred Koch, Hartmut Buchholz, Bernhard Uske ou Marcel Reich-Ranicki. O enfoque destes, no entanto, situase essencialmente na obra romanesca de Koeppen e não nos relatos viagísticos. Estudiosos que se debruçaram directamente sobre a obra viagística koeppeniana são, por exemplo, Hermann Schlösser em Reiseformen des Geschriebenen, de 1987 e Almut Todorow, num artigo intitulado Publizistische Reiseprosa als Kunstform: Wolfgang Koeppen, inserido na colectânea Wolfgang Koeppen do editor Eckart Oehlenschläger. Depois da morte do autor, a 15 de Março de 1996, e com o desenvolvimento das novas tecnologias como, por exemplo, a Internet, muito se tem feito no sentido de recolha de material e maior acesso a demais obras e escritos do e sobre o autor. O espólio de Koeppen, que se encontra de momento ainda em Francoforte, onde será ordenado e catalogado pela editora Suhrkamp, passará brevemente para a cidade natal do autor, Greifswald, em Mecklemburgo-Pomerânia Ocidental. Já no Outono de 1996, a Universidade de Greifswald recebeu a biblioteca e os móveis da casa de Koeppen em Munique. Nas imagens seguintes podemos ver um exemplo da (des)organização da biblioteca de Koeppen, antes de ser levada para Greifswald, e o esboço da reconstrução da casa natal do autor, atrás da qual se planeia a construção do arquivo de Koeppen. Eine von über 100 Detailaufnahmen der Bibliothek von Wolfgang Koeppen. Diese Fotos wurden aufgenommen, bevor die Bücher und der gesamte vorhandene Hausrat zum Transport nach Greifswald vorbereitet wurden (Oktober 1996). (Internet: Koeppenarchiv) 23 Skizze zur geplanten Rekonstruktion des Geburtshauses von Wolfgang Koeppen in der Bahnhofstra? e 4 in Greifswald (das niedrige Hause an der Stra? e). Dahinter das ebenfalls geplante Koeppenarchiv, das neben Fördermitteln durch eine zu gründende Koeppen-Stiftung finanziert werden soll. (Aus: Ostsee-Zeitung / Greifswalder Zeitung, 23.10.97, S. 14, in Internet: Koeppenarchiv) Actualmente são muitos os investigadores e colaboradores da obra koeppeniana, que preparam, a partir da Universidade de Greifswald, Universidade Ernst-Moritz Arndt, um arquivo de Koeppen na Internet: Professor Dr. Gunnar Müller-Waldeck, Dr. Roland Ulrich, Dr. Michael Gratz, Anja Sieger, Dagmar Baumann, Bert Lingman e Anne Siebörger, por exemplo. Fazem já parte do arquivo: o espólio manuscrito de Koeppen, que inclui manuscritos, fragmentos, cartas, cerca de três mil folhas de correspondência, documentos, fotografias, notas, recepção da imprensa, recensões críticas; a biblioteca de cerca de dez mil volumes; e ainda objectos pessoais de Koeppen como, por exemplo, os móveis (principalmente do seu escritório) e quadros. Prevê-se ainda reunir material para a criação de um arquivo de filmes, de cassetes, de notícias de imprensa, de recensões, de literatura secundária, de imagens e de traduções. É também lançado um apelo a todos os “net-users” que se interessem pela obra koeppeniana para contribuírem para a construção deste arquivo: Zur Zeit ist die Situation so, daß die zur Verfügung gestellten Landesmitteln ausreichen, den Nachlaß von der Suhrkampstiftung zu kaufen ,der Universität Greifswald zur Verfügung zu stellen und den Start der Archivarbeit zu ermöglichen (freilich ohne jede Raum-und Sachmittelzuweisung ). (...)In diesem Sinne sei an all jene appelliert, denen das Werk des Autors , die Erinnerung an den Menschen Wolfgang Koeppen und die Förderung der alten vorpommerschen und ältesten preußischen Universität in Greifswald und des Fallada-Vereins am Herzen liegt, ihre Möglichkeiten zu prüfen, den Aufbau des Koeppen-Archivs und der Koeppenforschungsstelle zu unterstützen. 24 (...) Wir Initiatoren des im Aufbau begriffenen Koeppenarchivs/ der Koeppenforschungsstelle Greifswald sind für jede Hilfe, Unterstützung, Weiterempfehlung und Anregung dankbar. An Leben und Werk Koeppens interessierten Forschern wird - nach den Möglichkeiten während des Archiv-Aufbaus - Einsicht in aufgefundenes Material ermöglicht. Prof. Gunnar Müller - Waldeck Archiv-Beauftragter (Internet: Koeppenarchiv) Até à conclusão desta dissertação surgirão com certeza mais informações e iniciativas no sentido não só da constituição do espólio de Koeppen mas também em termos de novos estudos sobre a obra koeppeniana, a que teremos talvez um acesso mais rápido através da Internet. Não queria ainda terminar este capítulo referente à obra de Koeppen sem mostrar uma das últimas fotografias que lhe foram tiradas, a partir da qual o leitor poderá também especular sobre o tipo de homem que se nos apresenta, o olhar profundo e quase desiludido e o cansaço talvez não só físico mas que parece indiciar também um cansaço e desencanto da própria vida. Foto: Hans-Joachim Dieme (Greifswald) 25 II - PRESSUPOSTOS TEÓRICOS SOBRE A LITERATURA DE VIAGENS 26 A. PROBLEMÁTICA DA DESIGNAÇÃO “LITERATURA DE VIAGENS” Alles, was der Schriftsteller herausbringt, kommt aus seinem Leben (...) aus Enttäuschung, Rücksto? ung und Schmerz entsteht dann das Werk und wird vielleicht zu einer Spiegelung des Lebens. Wolfgang Koeppen (in Treichel, 1995: 136) Irgend jemand, ein Schriftsteller (...) hat einmal gestanden, die Romane eines Schriftstellers sind eine Autobiographie in Fortsetzung. Mag sein. Wie lesen wir’s später? Wolfgang Koeppen (in Treichel, 1995: 196) Dada a sua especificidade, a “literatura de viagens” tem sido um termo tão problemático quanto polémico. Se por um lado a “literatura de viagens” toma como referencial o mundo exterior e se baseia na narração e descrição mais ou menos morosa, mais ou menos pormenorizada de factos, acontecimentos, objectos, pessoas e paisagens assemelhando-se a um guia turístico -, por outro lado apresenta marcas de “literariedade”, marcas da subjectividade e elementos que a afastam de um simples relato ou enumeração e descrição exaustiva. Atentemos, pois, na palavra “literariedade”, vocábulo criado por Roman Jakobson para designar a especificidade da literatura: «Assim, o objectivo da ciência da literatura não é a literatura, mas a literariedade, isto é, o que faz de uma determinada obra uma obra literária» (apud Aguiar e Silva, 1988: 15). Podemos também afirmar com Mário Carmo e M. Carlos Dias que o texto literário é «todo o texto em que podemos registar uma linguagem essencialmente conotativa e, em maior ou menor grau, a ausência do referente, o fechamento e a criatividade» (Carmo e Dias: 67). Relativamente ao primeiro elemento, a ausência do referente, os autores esclarecem-no ao dizer que o texto literário tem um referente fictício ou imaginário que muitos linguistas designam por “simulacro de referente” e, se muitos textos literários têm “aparentemente” um referente real, isso só prova que o signo 27 linguístico, como afirma Ferdinand Saussure, une não um objecto (referente) a um nome, mas um conceito a uma imagem acústica ou visual. Daí que os signos do texto literário não possam identificar, na opinião dos autores, o referente, real ou fictício. É aliás ainda a possibilidade da existência de vários referentes pertinentes a melhor prova da ausência dum referente propriamente dito, pois a existência de um referente real reduziria o texto a uma função meramente informativa. Quanto ao fechamento ou delimitação, os autores afirmam não ser o índice mais importante da literariedade de um texto, apresentando-se até como característica bastante equívoca, uma vez que os textos literários tanto podem ser abertos como fechados. A linguagem conotativa é das características mais importantes de um texto literário, pois é através da conotação que os termos se revestem de um outro significado, diferente, impregnado de um estilo próprio, desviando-se da norma na realização da língua. Assim, conotação é «uma realização peculiar do sistema em que os significantes adquirem um significado particular, inerente a um indivíduo ou a um determinado grupo da comunidade linguística» (Carmo e Dias: 56). Opõe-se à denotação como «realização do sistema com recurso a significantes cujo significado tem o consenso da comunidade linguística» (Carmo e Dias: 56). A criatividade, que constitui outra das características do texto literário, refere-se às múltiplas realizações individuais de um escritor que, na busca incessante da linguagem de conotação textual e expressiva, altera constantemente as regras da própria criatividade literária. O texto literário apresenta-se então como desvio ou transgressão à norma, transgressão essa que acaba por se generalizar e produzir novas regras. Ao desviar-se da norma, procurando sons, palavras e construções que tornem bela a forma da mensagem e aumentem o seu conteúdo emocional ou valor expressivo, o escritor recorre a variadíssimos artifícios, como sejam as figuras de retórica. De entre estas, podemos destacar as seguintes: repetição ou reiteração (anáfora, aliteração, onomatopeia, paralelismo, pleonasmo), comparação, metáfora, alegoria, metonímia, sinédoque, sinestesia, ironia, eufemismo, personificação (prosopopeia ou animismo), hipérbole, perífrase, supressão, assíndeto, polissíndeto, inversão (anástrofe, hipérbato, sínquise), anacoluto, antítese ou contraste, paradoxo, invocação ou apóstrofe, gradação, interrogação. Importante seria ainda notar que a “comunidade literária” é indissociável de um contexto histórico e social, assistindo-se frequentemente a alterações do sistema de normas aceites por essa mesma comunidade. No entanto, Vitor Aguiar e Silva sublinha 28 que, «quando se redescobre e se reavalia como literário um texto até então assim não considerado, se desocultam, se iluminam, se fazem avultar elementos, propriedades ou valores que o próprio texto comporta e que não resultam de uma mera projecção da capacidade criativa dos seus leitores» (Aguiar e Silva, 1988: 38). Por isso, Vitor Aguiar e Silva admite uma espécie de escala de literariedade, variável de um para outro contexto histórico e sociocultural. Como exemplo refere que, de acordo com o código literário do romantismo, seriam centrais nessa escala textos como poemas líricos, romances, novelas, dramas, e como tendencialmente periféricos textos como memórias, biografias, ensaios, crónicas de viagem, discursos parlamentares, etc. (vd. Aguiar e Silva, 1988: 38) Será, pois, um dos objectivos deste trabalho mostrar marcas de literariedade presentes no texto Amerikafahrt de Koeppen, podendo falar-se clara e seguramente de literatura de viagens. A literatura é, de facto, a expressão verbal artística de uma experiência humana, é a arte que cria, pela palavra, uma imitação da realidade. Atentemos na afirmação seguinte de Bernardo Santareno: Arte é o mundo visto de um certo ângulo, organizado de uma certa maneira. Maneira e ângulo específicos de um certo artista. No complexo fenómeno da criação artística intervêm motivações conscientes e outras inconscientes. (...) O artista é - tem de ser - um homem em conflito social, um homem que protesta. Um homem cuja solidão é mais viva que a dos seus semelhantes. Um homem mais amante que os outros. Mais frustrado no amor que os outros. Para um artista autêntico, criar é viver. (apud Carmo e Dias: 204) Como veremos, Koeppen também organiza o seu mundo, o que vê e experiencia nas suas viagens, de um modo muito próprio, e parece ser um homem em conflito social, que protesta. Os seus relatos são produto de vivências pessoais, singulares, nascendo uma obra literária pautada por elementos estéticos e recursos estilísticos que emprestam à obra uma beleza e significados singulares. É que a arte literária, como afirma Fidelino de Figueiredo, é uma forma de compreensão do mundo e baseia-se fundamentalmente na intuição do artista, nos seus meios do conhecimento artístico: A literatura seria, assim, uma forma de conhecimento ou, melhor, de compreensão, aplicada ao homem e às suas relações com o universo, à sua luta pela assimilação desse universo (...). Todos os meios do conhecimento científico se multiplicam, progridem e aperfeiçoam; só os meios do conhecimento artístico são inalteravelmente os mesmos desde o primeiro dia: as armas rudimentares da intuição. A 29 profundidade dessa intuição é que tem aumentado, como se têm complicado os meios da expressão artística. Os sentidos não ganharam agudezas novas; as técnicas da expressão musical, escultórica ou linguística é que se enriqueceram prodigiosamente. Deste conceito rapidamente apontado, extraem-se vários corolários: arte literária é, verdadeiramente, a ficção, a criação duma supra-realidade com os dados profundos, singulares e pessoais da intuição do artista; a sensação da beleza ou a emoção estética provém da harmonia entre a originalidade do fundo ou conjunto de dados intuitivos novos e o relevo expressivo da forma. (apud Carmo e Dias: 205) Além disso, Koeppen é, segundo W. M. Lüdke, o “anarquista calado” (1981: 211)1, “o escritor miserável”, cuja escrita, incompreendida na sua generalidade na época, é prenúncio da literatura moderna: Was bleibt: ein „elender Skribent”, nicht am Erfolg, noch immer an der Wahrheit orientiert, kein „Astlochgucker”, sondern ganz anachronistisch ein Dichter, ohne Tonband und Kamera. (Lüdke, 1981: 215) 1 O adjectivo “calado” ou “reservado” refere-se claramente ao tão falado “Caso Koeppen”: depois dos romances do pós-guerra e das narrativas viagísticas, Koeppen ter-se-ia votado ao silêncio absoluto, não escrevendo mais nenhuma obra. E o substantivo “anarquista” remete para a vertente de intervenção social, de crítica social pungente que Koeppen tece essencialmente na sua produção romanesca, mas que deixa também transparecer em qualquer escrito ou entrevista. O termo “anarquista” pode ainda apontar para uma certa marginalidade, para uma fuga à indústria literária. 30 B. LUGAR DOS TEXTOS VIAGÍSTICOS NA LITERATURA Die Reisebeschreibung ist eine der subtilsten literarischen Künste. (...) Die Kunst der Reisebeschreibung besteht in der subjektiven Darstellung von objektiven Vorkommnissen, kurz: Literatur und Reportage. Nur wenige vermögen diese beiden Formen zu einer neuen, eben der Reisebeschreibung zu verschmelzen. Zu ihnen gehört Wolfgang Koeppen. Rheinischer Merkur, I.IV.1966 (apud Uhlig, 1972: 54) Depois de uma breve incursão aos termos “literariedade” e “texto literário”, resta-nos discutir qual o lugar que os textos viagísticos ocupam na literatura, se constituem um género em si ou não. Hermann Schlösser (vd. 1987: 9-17) defende que não existe nem pode existir o género “literatura de viagens”, preferindo a expressão “literatura do viajante”. Baseando-se na divisão apresentada por Joseph Strelka, conclui que os quatro tipos sugeridos nunca poderão ser incluídos num género, dado o aspecto de ficcionalidade presente em cada um dos tipos. Os quatro grupos ou tipos apresentados por Joseph Strelka são: 1. guias turísticos; 2. publicações informativas científico-populares; 3. diários de viagens, relatos, descrições, cuja organização obedece a princípios literários mas que na realidade descrevem apenas viagens realizadas; 4. novelas e romances de viagens como géneros ficcionais puros (apud Schlösser, 1987: 9). Alguns autores e críticos opõem-se à divisão tradicional da literatura em lírica, narrativa e drama, concedendo uma grande importância e valor aos escritos viagísticos como literatura. Jost Hermand, por exemplo, escreve: Was könnte nicht alles zur Literatur gehören, wenn wir endlich mit jenem Ästhetizismus brechen wollten, der nur das Gattungserfüllte, nur das Lyrische, Epische, Dramatische und Artistische als ‘literaturhaft’ anerkennt? Reiseberichte, Memoiren, Tagebücher, Biographien, Aphorismen, Briefe, Chansons, Essays, ja alle Arten der Zweck- und Gebrauchsliteratur würden damit endlich aus ihrer babylonischen Verbannung erlöst und zu ebenso wichtigen Dokumenten des menschlichen Geistes erhoben wie eine epigonenhafte Ode oder ein halbgelungener Roman. (apud Schlösser, 1987: 12) Os relatos viagísticos, as memórias, os diários, as biografias, os aforismos, as cartas, os ensaios deveriam encontrar o seu justo lugar na literatura, como expressão 31 estética do espírito humano, como produto da experiência humana. Nessa mesma linha de valorização da descrição viagística, o polaco Zlatko Klátik afirma: die Reisebeschreibung eines begabten Künstlers bedeutet ein tieferes Eindringen in das Wesen als der Roman eines schlechten Autors. (apud Schlösser, 1987: 12) E ainda Egon Erwin Kisch, grande escritor viagístico, escreve em 1928 numa recensão dos relatos viagísticos de Alfons Paquet: Das ahnen ja die Herren Akademiker nicht, da? es die grö? te Dichtung ist, aus Monaten des Erlebens im Eisenbahnzug, auf dem Schiff, auf der Hotelsuche, der zufälligen Bekanntschaften, der ma? losen Einsamkeit, einen scharfen Satz der Unumstö? lichkeit niederzuschreiben. (apud Schlösser, 1987: 13) Rejeitando a filiação da literatura de viagens num género literário, Thomas Bleicher enumera uma série de aspectos que podem servir de base para o estudo e análise dos textos viagísticos. São eles: a viagem como elemento estrutural, como tema, como problema de género, o estilo dos textos viagísticos, a figura do escritor como viajante, e os conteúdos da percepção da viagem (vd. Schlösser, 1987: 14). Hans-Joachim Possin também não pretende descobrir ou criar um género viagístico, mas fala de “literatura do viajar”, o que sugere que neste tipo de literatura se fala em “viajar” (vd. Schlösser, 1987: 14-15). O relato viagístico é, assim, uma forma artística, a expressão de um viajante escritor, que também é uma figura artística, que o escritor cria através da sua viagem e da sua escrita. Assim, «“Literatur des Reisens” wird so zum Ausdruck eines Erfahrungs- und Gestaltungsprozesses, in dem Reisen und Schreiben einander bedingen» (Schlösser, 1987: 15). Este complexo, ou antes, esta unidade viagem-escrita-leitura representa para Michel Butor quase uma constante antropológica: je voyage pour écrire, et ceci non seulement pour trouver des sujets, matières ou matériaux, comme ceux qui vont du Pérou ou en Chine pour en rapporter conférences et articles de journaux (je le fais aussi; pas encore en ce qui concerne précisément ces deux pays, malheureusement; cela viendra), mais parce que pour moi voyager, au moins voyager d’une certaine façon, c’est écrire (et d’abord parce que c’est lire), et qu’écrire c’est voyager. (apud Schlösser, 1987: 16) 32 Há assim uma forte ligação entre a viagem, a escrita e a leitura: se por um lado, viajar é de certo modo escrever e em primeiro lugar ler, isso significa que ao viajar faz-se uma leitura do mundo, uma interpretação do que se vê, registando-se todas as sensações, novidades e experiências da viagem; por outro lado, escrever é viajar, pois através da escrita não só se apresentam viagens várias efectuadas de facto ou no imaginário, mas também se parte para uma nova aventura, para uma nova viagem que será posteriormente “oferecida” ao público leitor. Esta relação entre a viagem, a escrita e a leitura vem levantar ainda outra questão fundamental, a saber: o horizonte de expectativas do leitor e a fusão dos horizontes do autor e do leitor, conceitos fundamentais da chamada “estética da recepção”. Assim , o receptor de um texto viagístico ou leitor encontra-se normalmente sob a acção de um determinado “horizonte de expectativas”, que pode representar um poderoso factor condicionante da estratégia e da dinâmica da leitura (vd. Aguiar e Silva, 1988: 322). O conceito de “horizonte de expectativas” (Erwartungshorizont) foi introduzido e difundido na teoria da literatura contemporânea por Hans Robert Jauss, mas as fontes desse conceito foram Mannheim e Karl Popper. Este define o termo do modo seguinte: Com esta expressão, aludo à soma total das nossas expectativas conscientes, subconscientes ou, inclusive, enunciadas explicitamente numa linguagem. (...) Os diversos horizontes de expectativas diferem, evidentemente, não só pelo seu maior ou menor grau de consciência, mas também pelo seu conteúdo. Em todos estes casos, porém, o horizonte de expectativas desempenha a função de um quadro de referência: as nossas experiências, acções e observações só adquirem significado pela sua posição neste quadro. (apud Aguiar e Silva, 1988: 111, nota 154) Assim, o leitor, ao ler um texto viagístico, já sabe que lhe vão ser apresentadas descrições e percepções ou vivências de viagens realizadas, com tudo o que elas implicam, com um grau maior ou menor de ficcionalidade. E o acto de leitura de um texto literário realiza-se precisamente quando ocorre a fusão de dois horizontes: o horizonte implícito no texto e o horizonte representado pelo leitor no acto de leitura desse texto (vd. Aguiar e Silva, 1988: 314). Veremos adiante o que um texto viagístico encerra, ou seja, as linhas temáticas dominantes - que não se confinam de modo algum à descrição de uma viagem física real, mas abordam outros campos, como por exemplo a viagem pela literatura, pela história, a viagem simbólica, as reflexões filosóficas. 33 C. LITERATURA VIAGÍSTICA E AUTOBIOGRAFIA Das Autobiographische ist bei gewissen Schreibenden immer irgendwie vorhanden, der Schreibende kann sich ja gar nicht völlig von seinem Text lösen. Wolfgang Koeppen (in Treichel, 1995: 151) Falar-se de literatura viagística implica de certa forma falar-se de escrita autobiográfica, quando o Eu viajante se identifica com o autor, como é o caso das obras viagísticas de Koeppen. Não só sabemos que Koeppen de facto realizou as diversas viagens, como também encontramos nas suas obras inúmeras marcas autobiográficas, portanto do autor real, e até da sua companheira Marion, na viagem a Espanha, por exemplo. Através de Almut Todorow, sabemos que Koeppen esteve em Espanha vinte dias em Setembro de 1955, em Roma em Dezembro de 1956, na União Soviética e em Varsóvia entre Junho e Julho de 1957, em Londres em Setembro de 1957, nos Estados Unidos entre Abril e Junho de 1958, em França entre Abril e Maio de 1959 e na Grécia em Setembro de 1961(vd. Todorow, 1987: 163). Quanto às marcas autobiográficas nos relatos viagísticos e em especial em Amerikafahrt, apresentá-las-ei e discuti-las-ei posteriormente, quando tratar da problemática da identificação entre o narrador, o autor abstracto e o autor real. Para já, interessa-me discutir alguns pressupostos que fundamentem a minha afirmação inicial de que as narrativas viagísticas são geralmente escritos autobiográficos. A autobiografia é, como podemos deduzir da etimologia da própria palavra, a escrita ou o relato da vida da própria pessoa (auto-bio-grafia). Embora não se tratando do relato da vida completa do Eu, da pessoa que escreve, a narrativa viagística relata partes da vida desse sujeito, ou seja, as viagens por ele empreendidas e as experiências vividas. Mas aqui levantam-se questões tão críticas como, por exemplo, os problemas estruturais da escrita autobiográfica, a saber: a identidade do eu, a questão da verdade e sinceridade, a função da memória, as noções de tempo e espaço e o uso dos pronomes pessoais. 34 Quanto às questões da identidade do eu e da verdade e sinceridade, que me parecem as mais relevantes no âmbito deste trabalho, é interessante notar que geralmente o escritor autobiográfico tem a preocupação de se afirmar como tal, de assegurar ao leitor a sua identidade e a verdade dos factos que irá narrar. Por exemplo, Max Frisch, no prefácio à obra Montauk, afirma: «Denn ich bin es, den ich darstelle. Meine Fehler wird man hier finden, sowie sie sind. (...) So bin ich selber» (Frisch, 1975: 5). O leitor fica logo avisado de que se trata da narrativa de um episódio da vida do próprio autor, o que não chega, todavia, para tornar a obra uma obra autobiográfica, uma vez que podia tratar-se de um artifício do escritor. Ou seja, o facto de o escritor afirmar que irá falar sobre si próprio terá de ser confirmado por estudos sobre a biografia do autor ou, se não houver elementos que a atestem, caberá simplesmente ao leitor a decisão de acreditar ou não no escritor. Aliás, como afirma Barrett John Mandel, é precisamente a fusão dos horizontes do autobiógrafo e do leitor que concede a aura de veracidade ao texto: «But it is this very overlapping of the autobiographer’s and the reader’s horizons that adds to the undeniable aura of truthfulness surrounding the text» (Mandel, 1980: 68). Também são conhecidas as palavras de Jean-Jacques Rousseau, no início das suas “confissões”: «Voici le seul portrait d’un homme, peint exactement d’après nature et dans toute sa vérité» (Rousseau, 1963/65: 16). Ou ainda Michel de Montaigne, em Essais: «Je veux qu’on m’y voie en ma façon simple, naturelle et ordinaire, sans contention et artifice: car c’est moi que je peins» (Montaigne, 1964: 3). A preocupação de todos estes autobiógrafos é, sem dúvida, a questão da verdade e da sinceridade, querendo esclarecer o receptor dos seus escritos sobre o objecto da sua produção. Outros há no entanto que se ocultam por detrás do disfarce de uma terceira pessoa. É o caso, por exemplo, de Alfred Andersch na obra Der Vater eines Mörders, como é afirmado no posfácio: Warum berichte ich von mir in der dritten Person, nicht in der ersten? (...) warum zum Teufel halte ich mir dann eine Maske vors Gesicht, diesen Kien, einen Namen, nichts weiter? Eine Antwort darauf wei? ich nicht. (Andersch, 1982: 129) O próprio autor não sabe a razão pela qual não escreveu na primeira pessoa, mas vem também asseverar tratar-se de um escrito autobiográfico que, neste caso, abrange apenas uma curta fase da sua vida. No caso de Koeppen, só o acesso a outras fontes de informação referentes às circunstâncias da produção das suas obras nos mostra tratar-se de uma escrita autobiográfica, pois o próprio texto não nos diz directamente, à maneira de prefácio ou 35 posfácio, de que tipo de escrita se trata. No entanto, por toda a obra domina a figura de um Eu que, através de descrições factuais, se revela também subjectivamente. Tratando-se geralmente de um contexto espacial e temporal diferente e normalmente muito distante relativamente aos factos que serão narrados, a memória tem uma função importante enquanto responsável pela selecção de determinados factos em detrimento de outros, pela mistura propositada ou não de acontecimentos diversos, pela maior ênfase dada a certos aspectos. Reportando-se, de um modo geral, a um acontecimento passado, muitas vezes de grande importância para o presente e com grandes potencialidades de influenciar o futuro do sujeito, é natural que algumas datas se apresentem difusas, e que os relatos tendam para um tratamento exagerado, dependendo do impacte que tiveram, principalmente a nível psicológico, no sujeito da enunciação e ainda do facto de se apoiarem ou não em anotações (quanto às informações factuais). Relativamente a Koeppen, e atendendo ao propósito das suas viagens, seria de esperar que ele tomasse notas a fim de redigir os relatos radiofónicos. Além disso a distância temporal entre a vivência e o seu registo escrito não é tão grande como é usual em escritos autobiográficos, uma vez que as datas das transmissões radiofónicas, assim como o aparecimento das narrativas em forma de livro, estão muito próximas das viagens que lhes deram origem. As transmissões na rádio dos relatos de Nach Ru? land und anderswohin foram efectuadas nas seguintes datas: Ein Fetzen von der Stierhaut a 13 de Abril de 1956, Neuer römischer Cicerone a 28 de Maio de 1957, Herr Polevoi und sein Gast a 12 de Novembro de 1957, Zauberwald der roten Autobusse a 5 de Setembro de 1958. Amerikafahrt, então intitulada Amerikafahrt: Die Früchte Europas, foi transmitida nos dias 29 e 30 de Dezembro de 1958. De Reisen nach Frankreich, o relato intitulado Reise in die französische Provinz foi transmitido nos dias 20 e 27 de Outubro de 1959 e o relato Bonjour Paris a 16 de Maio de 1961. O relato Die Erben von Salamis ou Die ernsten Griechen, respeitante à sua viagem à Grécia (e do qual não surgiu nenhum livro) foi transmitido a 13 de Fevereiro de 1962 (vd. Basker, 1995: 587, nota 2). Enquanto o tempo da escrita é relativamente próximo do tempo da viagem, variando entre quatro meses e dois anos, o espaço é completamente diferente, ou antes, o local da escrita parece invariável - a Alemanha -, enquanto o objecto da escrita é muito diversificado. Num outro nível podemos também afirmar que estas obras não se prendem ao tempo e ao espaço em que surgiram, dada a sua dimensão literária e o seu carácter 36 universal. Refiro-me aqui às deambulações de cunho literário, político e histórico referentes a diversas épocas e lugares. Quanto ao uso de pronomes pessoais, já referi que, embora seja mais usual o uso do pronome pessoal na primeira pessoa do singular, e muitas vezes o pronome pessoal da segunda pessoa como interlocutor ao qual o Eu se dirige directamente como que para credibilizar o seu texto autobiográfico, esse facto não justifica necessariamente o carácter autobiográfico da obra. Obras há que são narradas na primeira pessoa, mas que estão longe de serem autobiográficas, como por exemplo refere Alfred Andersch na sua última obra (vd. 1982: 131) relativamente ao seu romance Efraim. Mas, de um modo geral, podemos afirmar ser mais frequente o uso da primeira pessoa e o uso ainda de deícticos. Em Amerikafahrt, a primeira pessoa do singular está bem presente desde o início até ao fim, assim como os possessivos na primeira pessoa: «Ich fühlte mich hier zu Hause. Ich hatte gelesen (...) hier war ich Europäer, und ich wollte es bleiben» (A: 8), «Das gro? e Amerika vertraute mir. (...) Es erwartete, da? ich mit meinen Augen die Staaten als Gottes eigenes Land erkennen würde» (A: 13). Em Amerikafahrt, quando Koeppen usa o pronome pessoal da primeira pessoa do plural, não o faz para incluir companheiros de viagem, uma vez que viaja sozinho, mas antes ou porque se sente um entre os outros, nas mesmas situações que eles, ou porque se reporta à humanidade em geral, aos potenciais visitantes do continente americano e até aos receptores dos seus textos. Quando está por exemplo numa igreja em Nova Iorque, sente-se parte da comunidade que louva Deus: «Wir standen dann alle auf und lobten Gott, und es war ein sehr wohlklingender, sehr inniger Chor» (A: 36). Também no comboio expresso se funde na multidão e é “parte da massa” («Ich war Teil eines Teiges geworden», A: 40): «Wir standen und schwitzten (...) erreichten wir Central Station, die Stadtmitte und eine andere Welt» (A: 40). Ao chegar a Washington, atravessam uma tempestade, o que o transporta para questões quase metafísicas, referindo-se o pronome pessoal “nós” em primeiro lugar aos passsageiros do comboio mas sendo passível também de se referir a todos nós, à humanidade: «Was begriffen wir von der Erde, über die unsere Fahrt ging, von der Atmosphäre aus Finsternis, Nässe, Elektrizität und bangendem Leben (...)?» (A: 46). Também muitas vezes se refere a “nós” para incluir o motorista do táxi que o transporta, como por exemplo: «Wir fuhren über die Bowery, zwei graue Häuserfronten siechten wie von Buffet gemalt» (A: 29). O pronome pessoal da segunda pessoa do singular reporta-se a 37 um sujeito indefinido e generalizado, como se o leitor estivesse a pensar fazer as mesmas viagens. Koeppen acaba por nos dar conselhos ou avisos sobre o que nos espera no lugar em questão: «du bist schon angekommen, bevor du abgeflogen, so vieler Verführung ist nicht zu widerstehen» (A: 8), «Welche Sprache du auch sprichst, und sei es keine, der Dollar reiht dich ein, macht dich gleich. (...) Du bist Konsument (...)» (A: 27). Outra questão polémica no âmbito da autobiografia e que tem sido discutida por críticos é o seu carácter de ficcionalidade ou não ficcionalidade, uma vez que tem um carácter referencial e grande parte das autobiografias se limitam a memórias ou registos factuais e por vezes enfadonhos da vida daquele que escreve. A questão de se poder falar de “literatura” autobiográfica aproxima-se da questão da designação de “literatura de viagens”, que já discuti anteriormente. Há, pois, que analisar o artefacto que é a obra literária, todas as suas características inerentes e não compartimentar textos e etiquetálos de modo estanque. A meu ver, Amerikafahrt integra-se na “literatura de viagens” e na “literatura autobiográfica”. Como referia o próprio Koeppen em diversas entrevistas, toda a escrita é basicamente autobiográfica, os romances de um escritor são uma autobiografia em processo. 38 D. AS INSTÂNCIAS DE COMUNICAÇÃO NA LITERATURA VIAGÍSTICA Abordei já a problemática da designação “literatura de viagens”, apontando para a sua especificidade e para aspectos que asseguram essa especificidade, remetendo para conceitos como “literariedade” e para as suas marcas no texto. Baseando-me nos estudos do Prof. Doutor Vilas-Boas (vd. 1987: 60-109), apresentarei de seguida pressupostos teóricos e metodológicos que me permitirão posteriormente fazer a análise de Amerikafahrt, sobretudo no que diz respeito à questão da identidade ou fusão do narrador e autor real. Toda a obra literária participa num processo complexo de comunicação, em que o autor e o destinatário ou leitor (no caso de Amerikafahrt, numa primeira fase, o destinatário era o ouvinte da rádio) não estão presentes nem espacial nem temporalmente e os seus contextos também diferem. O texto escrito tem a sua origem no autor, mas só se concretiza como obra literária através da sua publicação e posterior leitura, pelo que se torna premente estudar as duas instâncias autor / leitor para entendermos o texto como objecto e factor de comunicação. Assim, é necessário ter em conta não só o momento da escrita ou o nível da produção mas também o nível da recepção. O autor, no momento da produção, é condicionado pelo autor real, pelo ser social e individual que é, influenciado por factores tão diversos como os factores individuais (o processo de sociabilização, a situação social, a psicologia individual, as vivências, o nível cultural, a sua experiência como leitor, a consciência individual e opções ideológicas) e factores colectivos, ou seja, a consciência colectiva, a realidade histórica, cultural e social do seu tempo e a literatura como instituição. O seu projecto para uma obra pode partir de uma ideia, vivência ou leitura. No momento da produção, o autor é ainda condicionado por factores como a sua intenção, a imagem de leitor que tem, o domínio das técnicas e a capacidade de selecção de materiais e a sua reorganização. Encontra-se sob determinadas influências literárias e reage sempre de modo mais ou menos directo à crítica, além de estar consciente das condições do mercado literário. O trajecto da escrita faz-se com maior ou menor desvio face ao projecto inicial, surgindo finalmente o texto literário que será publicado e chegará ao leitor através do mercado e instituições, de escolas e será objecto de críticas e recensões literárias ou poderá ainda granjear prémios. É no momento da leitura que o 39 leitor concretiza o texto, atribuindo-lhe um certo sentido, constituindo um determinado mundo. Esta concretização do texto, embora parta de uma reconstrução do texto ou artefacto, implica também a projecção dos horizontes do próprio leitor como sujeito social (tal como o é o autor), atribuindo um sentido mais ou menos pessoal ao texto, dependendo da margem de manobra dada pelo texto e da capacidade de interpretação e de envolvimento ou projecção do próprio leitor no texto literário. Pode portanto haver, deste modo, comunicação não só entre o texto e o leitor mas também entre o próprio autor e o leitor, num processo que se realiza em dois tempos, através da mediatização pelo texto. Os campos referenciais do autor, do texto e do leitor participam no mesmo processo comunicativo e encontram-se relacionados havendo intersecções entre eles. A nível do texto narrativo, há vários níveis de comunicação, os quais permitem entender a relação entre as várias instâncias narrativas. Apresento de seguida o esquema proposto por Vilas-Boas para explicitar o processo comunicativo e que se baseia nos modelos de Dieter Janik e Aleksandra Okapién-Slawiñska (vd. Vilas-Boas, 1987: 74): Níveis Intratextuais Nível 1 EMISSOR - PERSONAGEM RECEPTOR - PERSONAGEM Nível 2 EMISSOR - NARRADOR RECEPTOR - NARRATÁRIO Nível 3 EMISSOR - AUTOR ABSTRACTO LEITOR IMPLICITO Nível 4 AUTOR NO ACTO DA ESCRITA LEITOR NO ACTO DA LEITURA Nível 5 AUTOR COMO SUJEITO SOCIAL LEITOR COMO SUJEITO SOCIAL Níveis Extratextuais Este esquema distingue claramente os dois domínios da comunicação narrativa: o domínio externo e o domínio interno, relativo ao texto. Vejamos sucintamente cada um dos níveis. No nível 1, a comunicação é realizada entre as personagens, desempenhando estas na maior parte das vezes o papel simultâneo de emissores e receptores, quer explicita quer implicitamente, num tempo e espaço delimitados no mundo narrado. No nível 2, o objecto da comunicação entre o narrador e o narratário é o mundo narrado. De notar que o narrador é uma “peça” da estratégia narrativa do autor real, 40 estando hierarquicamente subordinado a este. Não se deverá confundir, neste contexto, “narrador” com “autor”, sendo o primeiro uma instância narradora textual e o último uma instância extratextual. No entanto, muitas vezes há uma grande semelhança e quase identificação entre os dois. O narrador é frequentemente o porta-voz textual do autor e no caso da obra viagística de Koeppen podemos afirmar que há uma identificação entre o narrador, o viajante, o observador das viagens empreendidas e o próprio Koeppen como autor real e sujeito individual e colectivo, dado o cariz autobiográfico da literatura viagística. É importante neste contexto analisar os tipos de narrador e modos de narração. Gérard Genette, em Discurso da Narrativa estabelece a sua tipologia a partir da posição do narrador face ao narrado, distinguindo assim os narradores intradiegéticos e extradiegéticos, consoante fazem parte ou não do mundo narrado e os narradores homodiegéticos e heterodiegéticos (e ainda autodiegéticos se se tratar da personagem principal), consoante eles são ou não objecto de narração. Tendo em conta ao mesmo tempo os dados de modo (respondendo à pergunta quem vê?) e voz (quem fala?), Genette estabelece uma tipologia de três termos ou três “situações narrativas” que a seguir esquematizo (Genette: 187): “Situações narrativas” Narrador > Personagem - Focalização omnisciente - visão por trás -? Narrador = Personagem - Focalização interna - visão “com” -? Narrador < Personagem - Focalização externa - visão de fora -? ? diz mais do que aquilo que qualquer personagem sabe. ? apenas diz aquilo que certa personagem sabe. ? diz menos do que sabe a personagem. Uma vez que não encontramos as narrativas viagísticas povoadas de personagens, mas vemos e lemos aquilo que o Eu viajante nos relata, poderemos concluir tratar-se, baseando-nos na tipologia de Genette, de um narrador intradiegético quanto ao seu nível narrativo, e homodiegético - ou antes, autodiegético, uma vez que é a personagem principal - pela sua relação à história ou diegese. Quanto à ciência ou perspectiva, uma 41 vez que o narrador narra as suas próprias experiências de viagem, contendo um forte cunho autobiográfico, poderíamos afirmar tratar-se de uma “visão com”, na terminologia de Pouillon ou de Narrador = Personagem, na fórmula de Todorov. No entanto, debruçar-me-ei sobre esta questão mais tarde quando me ocupar da análise de elementos autobiográficos em Amerikafahrt. Franz K. Stanzel distingue três tipos de “situações narrativas” romanescas: auktoriale Erzählsituation, que é a do autor “omnisciente”, estando numa posição de transcendência relativamente ao universo diegético; Ich-Erzählsituation, em que o narrador é uma das personagens; e personale Erzählsituation, narrativa conduzida na terceira pessoa mas sendo a visão a de uma personagem. A partir desta distinção, Stanzel estabelece um sistema de situações narrativas baseadas em três oposições. Uma das oposições refere-se à identidade ou não identidade entre o narrador e personagens, entre a primeira e terceira pessoas (Ich / Er Grenze). Uma segunda oposição tem a ver com a perspectiva interna ou externa, ou seja, segundo a sua origem (Innen- / Au? enperspektive Grenze). E por último Stanzel distingue entre Erzählerfigur e Reflektorfigur, baseando-se na oposição telling / showing. O primeiro caracteriza-se por um grande grau de presença do narrador omnisciente, que manipula a história, enquanto no segundo o narrador esconde-se atrás da perspectiva de uma personagem, surgindo a realidade reflectida através dessa perspectiva ainda que a voz não seja a da personagem (vd. Stanzel, 1989: 70-89). Do que foi dito, é fácil concluir que o narrador tem importantes funções como a de narrar, de comentar e de reger ou orientar a diegese. Jaap Lintvelt refere sete funções do narrador, as quais podem aparecer de forma muito variada e ter uma presença mais ou menos marcada. São elas as funções comunicativa, metanarrativa, explicativa, analisadora, generalizante, emotiva e modalizante (apud Vilas-Boas, 1987: 81). Quanto ao narratário, o alocutário abstracto do discurso do narrador, ele é uma figura sem discurso próprio explícito, é uma entidade fictícia ou, como diz Roland Barthes, um “ser de papel” (apud Carlos Reis e Ana Lopes, 1990: 259) com existência meramente textual e dependendo directamente de outro “ser de papel”, ou seja, do narrador que se lhe dirige de forma expressa ou tácita. 42 Na literatura viagística de Koeppen é clara a presença do narratário, quando o sujeito da enunciação convoca por exemplo expressamente a atenção de um destinatário intratextual, usando até pronomes pessoais na segunda pessoa (vd. A: 27) ou expressões como «wie man wei? » (A: 26). E, tal como defendo uma grande aproximação ou identificação do narrador de Amerikafahrt com o autor Koeppen, também penso haver a mesma identificação entre o ouvinte e posteriormente leitor do discurso viagístico, dadas as circunstâncias em que estas obras viagísticas foram escritas e a sua especificidade. Voltando aos níveis do processo comunicativo, o nível 3 é um nível intermediário, abstracto, não sendo nem um nível discursivo (como o são os níveis 1 e 2), nem um nível extratextual (como os níveis 4 e 5). O autor abstracto é a instância emissora, a consciência estruturante do texto, mas não tem marcas discursivas próprias, sendo a sua presença detectável apenas através das estratégias textuais. Neste nível não há um receptor propriamente dito, pois ele só existe na mente do autor abstracto. Tratase, pois, de um receptor “ideal”, uma ideia de receptor, daí a seta a tracejado a ligar o emissor-autor abstracto ao leitor implícito no esquema anteriormente apresentado. Relativamente aos níveis extratextuais, é importante analisar por um lado a interrelação entre as instâncias emissoras dos vários níveis e, por outro lado, as inter-relações entre o leitor real e o leitor fictício. Assim, podemos constatar que o autor real tem grande importância como origem do texto literário e, se não há identificação, como defende Vilas-Boas entre, por exemplo, o autor real e o autor abstracto por se tratarem de níveis ontologicamente distintos (vd. 1987: 92-93), há, no entanto, traços no nível 3 que apontam para dimensões do emissor extratextual. De igual modo, o autor real também se pode projectar na figura do narrador ou de uma ou mais figuras do mundo narrado, uma vez que nos níveis 1 e 2 encontramos sempre traços do autor real, escolhidos conscientemente ou projectados inconscientemente. Por sua vez, a actividade do autor no acto da escrita ou nível 4 é condicionada por um determinado número e tipo de experiências e vivências do autor como sujeito social (nível 5), como podemos ver no seguinte esquema (vd. Vilas-Boas, 1987: 93): 43 PESSOA REAL (EMISSOR 5) AUTOR REAL (EMISSOR 4) SELEÇÃO DODO MATERIAL SELECÇÃO MATERIAL CONSTRUÇÃO DOS MUNDOS LITERÁRIOS FICTÍCIOS TEXTO (CONSCIÊNCIA GERAL) (NÍVEL 3) PROJECÇÃO DO AUTOR REAL NARRADOR (NÍVEL 2) EM e/ou FIGURAS FICTÍCIAS DO MUNDO NARRADO (NÍVEL 1) Assim, a pessoa real (nível 5) é o sujeito individual e social com todas as suas condicionantes, características e personalidade, modelado pela cultura e sociedade em que está inserido. No momento da escrita ou da produção, o autor real (nível 4) selecciona o material e cria mundos literários fictícios, que o autor abstracto irá organizar como consciência geral (nível 3), projectando-se deste modo o autor real nos níveis discursivos intertextuais, a nível do narrador (nível 2) e/ou das figuras fictícias do mundo narrado (nível 1). A nível das instâncias receptoras dos diferentes níveis não podemos detectar equivalências e influências visto não haver uma relação directa entre os receptores extratextuais e o leitor implícito, que é uma instância forçosamente anterior à leitura. No entanto, como defende Vilas-Boas (1987: 94-95), é possível o leitor real influenciar o leitor implícito através do autor, influência essa que não se repercute na obra lida mas na produção subsequente do autor, como pretende o esquema seguinte esclarecer (vd. Vilas-Boas, 1987: 95): E5 - E4 E3 TEXTO 1 R4/R5 Recepção crítica expressa em público (jornais, revistas, etc.) E = Emissor R = Receptor E5 - o autor real lê a recepção crítica relativa ao texto 1 E4 E3 de texto 2 44 No acto da leitura, o leitor não tem um papel totalmente passivo ou reprodutivo do discurso narrativo; tem também um papel activo ou produtivo, pois projecta-se no discurso que recria. E na leitura de um texto, ou na “concretização”2 de um texto, intervêm factores intertextuais, como por exemplo os hábitos de leitura, o ambiente cultural e literário, os contextos políticos, etc. Aliás, como define Aguiar e Silva: o receptor (...) é uma entidade semiótica que se constitui ao longo do tempo, modelada e replasmada no decurso de múltiplas leituras, estruturada pela aquisição de diversificados conhecimentos e pela fruição ou pelo sofrimento de multímodas experiências vitais. O leitor não é o efeito da leitura de um único texto, nem se configura ex nouo e de raiz em virtude da leitura de cada texto, embora se modifique como entidade semiótica, em grau variável, em cada leitura que perfaz. (Aguiar e Silva, 1988: 314-315) Não devemos, todavia, descurar o propósito das emissões radiofónicas sobre as viagens de Koeppen e também o seu primeiro público: surgiram em primeiro lugar como relatos transmitidos por via radiofónica aos ouvintes de uma rádio alemã onde trabalhava o escritor Alfred Andersch. Koeppen, como autor e sujeito real, partiu para as suas viagens com a clara intenção de escrever sobre elas para o público alemão. Neste sentido, podemos ver uma identificação entre o leitor implícito, o narratário e o leitor real. A partir do momento em que os relatos foram compilados sob a forma de três livros, o receptor torna-se uma instância extratextual mais difícil de definir com precisão, enquadrada num outro contexto histórico-social e com outros condicionalismos mas, se estiver informado sobre estas obras em particular, criará por certo um horizonte de expectativas e aproximar-se-á (ou talvez ainda não) do leitor implícito ou do leitor pretendido por Koeppen. 2 O conceito de “concretização”, proposto por Roman Ingarden, designa «o modo como um leitor, através de múltiplos actos cognitivos, através de complexas operações subjectivas e vivências, realiza a apreensão da obra literária» (in Aguiar e Silva, 1988: 318-319). Daí um texto literário permanecer imutável como “artefacto” mas “concretizado” em diversos “objectos estéticos”. 45 E. O CONCEITO DAS FREMDE VS. DAS EIGENE Antes de nos atermos à definição destes dois conceitos opostos, parece-me interessante acompanhar a evolução do termo das Fremde ao longo dos tempos e em várias perspectivas. Assim, perspectivando o termo das Fremde em várias dimensões, Dietrich Krusche, na obra Literatur und Fremde, traça a própria história da “cultura alheia” (Fremdkultur) desde a Antiguidade, passando pela Época dos Descobrimentos, à qual confere grande importância, até aos séculos XVIII, XIX e XX. A sua abordagem é uma abordagem antropológica e etnológica, assistindo-se a um confronto entre culturas diferentes, formas de apreensão do real diversificadas e nem sempre aceites pela cultura alheia. Nas grandes viagens marítimas, por exemplo, assistia-se a duas tendências de aproximação do alheio: por um lado, a conquista, a exploração económica e a tarefa dos missionários de “salvar” os pagãos e de lhes mostrar o caminho da fé cristã; por outro lado, a tendência de aceitar a experiência empírica, seguindo o princípio esclarecido de Francis Bacon de que “o saber é poder”. No século XVIII começa-se a reconhecer a cultura alheia como cultura autónoma e tão válida quanto a europeia, ou seja, não mais se confrontam a cultura e natureza europeias com a cultura e natureza não europeias apontando-se para um predomínio daquelas sobre estas -, mas dá-se valor a tradições culturais diferenciadas e autónomas. O início do século XX está pautado por aquilo a que Krusche chama “dúvidas da Europa sobre si mesma”. Nas duas primeiras décadas do nosso século, a literatura de viagens e de emigrantes retrata o mal-estar resultante de uma organização da sociedade industrializada, burocratizada e capitalista. A partir dos anos 60, o motivo da glorificação da natureza na lírica é substituído pelo motivo da destruição da natureza, o que se prende com a ideia de que o sucesso da Europa no mundo não pára. O progresso da Europa em relação ao resto do mundo, principalmente às regiões mais pobres, surge como um desejo ou ilusão a ser imposto. A função utópica parece, assim, estar posta em causa. Como refere D. Krusche: Resignation vor der Fremde? Resignation vor sich selbst? Das Bewu? tsein des Europäers, keine Alternative zu sich selbst zu finden in dieser Welt, lä? t die Verzweiflung an sich selbst, auch wenn sie selbstironisch kontrolliert ist, nur um so unerträglicher erscheinen. So deutet sich in der Geschichte des Motivs der Fremde europäische Tragik an: Der Zwang alles verstehen zu müssen, der weltgeschichtlich einmalige Erfolg europäischer Wissenschaft und Technologie (die Unvermeidlichkeit, sich überall selbst zu begegnen), die Zweifel daran, ob 46 die Folgen eigener Weltbearbeitung (Umweltschäden, Bedrohung durch atomaren Holocaust), noch kontrollierbar sind, haben nicht nur die Möglichkeit der Utopiebildung in Frage gestellt, sondern auch die Allotopie an ihre Grenze gebracht. (Krusche, 1985: 38) Voltemos agora à questão da definição dos conceitos das/die Fremde e das Eigene que, aliás, não é tão linear como parece. De um modo geral, podemos afirmar que o “alheio” se opõe ao “próprio”, referindo-se a ou incluindo tudo aquilo que o sujeito não conhece ou não reconhece como fazendo parte da sua cultura, das suas vivências. A apropriação do “alheio” leva geralmente a uma confrontação com o “próprio”, mas uma vez apropriado, torna-se difícil uma divisão nítida do que é conhecido, do que já fazia parte do sujeito e do que lhe era desconhecido ou alheio. Assim, Dietrich Krusche afirma: Fremde ist keine Eigenschaft, die ein Objekt für ein betrachtendes Subjekt hat: sie ist ein Verhältnis, in dem ein Subjekt zu dem Gegenstand seiner Erfahrung und Erkenntnis steht. (Krusche, 1985: 13) O alheio surge, portanto, da sua relação com o sujeito, e as fronteiras entre o novo e o conhecido diluem-se a pouco e pouco. Uma das circunstâncias mais propícias para este confronto Fremde / Eigene é sem dúvida a viagem. Viajando, visitando outros países, conhecendo outras pessoas, hábitos e costumes, outro idioma e maneiras de pensar ou de apreender o real, somos levados a comparar o que se nos depara com todo o nosso repertório de experiências, o nosso ser, moldado pelas influências contínuas, mais ou menos marcantes, a que somos expostos. Mas é também verdade que quanto mais estamos expostos a outras influências ou estímulos, menos nítida é esta confrontação entre o que conhecíamos e possuíamos e o que conhecemos e apreendemos. No caso de Koeppen, esses sentimentos de estar em casa, rodeado pelo que lhe é “próprio”, e de estar no estrangeiro, em confronto com o alheio, são ainda mais difíceis de destrinçar, uma vez que o escritor afirma sentir-se bem e estranho tanto no estrangeiro como em casa: 47 Ich war in Amerika angekommen. Ich stand in New York. Ich hatte dies oft geträumt, und es war nun wie ein Traum. Der Traum, hier zu sein, hatte sich erfüllt, und wie ein Traum gab es keine Fremde. Ich war auch hier zu Hause, und Amerika lag vor mir wie ein fester Besitz. (A:3 14) No sonho não há estranheza, tudo é familiar e por isso o sentimento é de conforto, de segurança. Koeppen sonhara já, como afirma, com a América, talvez através da leitura de um dos seus escritores favoritos e que mais o influenciou: Kafka e o seu romance Amerika. Além do mais, para viajar e melhor apreender o estranho, Koeppen adoptava a postura do observador, do estrangeiro que viaja sempre pela primeira vez, estando assim habituado a encontrar-se em situações novas mas nem por isso constrangedoras ou difíceis de ultrapassar. Para um viajante como Koeppen, que viaja não só para as diferentes regiões do mundo mas também pelos romances e obras de autores diversos que sempre o acompanharam desde a sua infância, não parece haver fronteiras rígidas entre a viagem e o sentir-se em casa. A sua própria vida, como muitas vezes afirmou em entrevistas, é um romance, e ele é a figura que povoa esse romance, tendo a literatura a função de tornar o mundo desconhecido e conhecido ao mesmo tempo, como afirma Schlösser: Es besteht also keine strenge Grenze zwischen Reisen und Zuhausesein, wenn man sich zu Hause fremd und auf Reisen daheim fühlt. (...) Da Koeppen nicht nur Bücher, sondern auch sein Leben nach Ma? gabe der Kunst entwirft, ist beides, reisen wie dableiben, der Welt fremd wie ihr vertraut sein, Funktion des Literarischen. (Schlösser, 1987: 23) Outro aspecto pertinente é a acepção de “viagem” como metáfora. Dito de outro modo, a viagem não se refere apenas a uma viagem física empreendida numa dada altura e sob determinadas condições, mas engloba muitas outras acepções, como por exemplo a viagem na literatura, na história, na filosofia, a viagem simbólica e incursões variadas, que são abundantes na obra koeppeniana. 3 Sigla utilizada neste trabalho para referir a obra de Wolfgang Koeppen, Amerikafahrt, Frankfurt/Main, Suhrkamp, 1992. 48 III - AMERIKAFAHRT 49 A. A VIAGEM 1. AS CIRCUNSTÂNCIAS DA ESCRITA Ich wünsche mir ein Flugbillet, das mich für immer berechtigt, jederzeit überallhin zu fliegen, von New York nach Moskau, von Ru? land nach Dakar, zu einer Karusselfahrt zum Hamburger Dom vor dem Abflug nach Peking, zum Start nach Paris. Wolfgang Koeppen (apud Hielscher, 1988: 117) O que levou Wolfgang Koeppen a escrever relatos viagísticos? Por que motivo se virou para este tipo de escrita? Pouco depois dos romances do pós-guerra - Tauben im Gras (1951), Das Treibhaus (1953) e Der Tod in Rom (1954) -, que o tornaram conhecido no mundo literário alemão e internacional, Koeppen inicia outra série de três livros, escritos numa óptica totalmente diferente. Assim surgem Nach Ru? land und anderswohin (1958), Amerikafahrt (1959) e Reisen nach Frankreich (1961). E é o próprio Koeppen que em entrevista a Ekkehart Rudolph nos dá a resposta à pergunta sobre as circunstâncias da escrita dos relatos viagísticos: Und so kam ich darauf, nein, das ist falsch, ich kam nicht darauf, Reisebücher zu schreiben, weil ich mir von ihnen einen besseren materiellen Gewinn versprochen hätte, aber es war so, da? die Reisebücher mir die Möglichkeit gaben, mir einen Wunsch zu erfüllen, nämlich den, zu reisen. Und die ersten Reisemanuskripte erschienen auf Anregung von Alfred Andersch, der damals Leiter des Radioessays am Süddeutschen Rundfunk war und der mich dazu anregte und mir diese ersten Reisen finanzierte. Ich wollte die Welt sehen, habe sie gesehen, es hat mich beschäftigt, ich habe darüber geschrieben, und ich habe manchmal diese Reisen als eine Materialsammlung für spätere Romane auch empfunden, als ein Notizbuch. (in Treichel, 1995: 50-51) O único motivo que o levou a escrever estes relatos de viagens não teria sido, assim, o facto de ter encontrado um material melhor sobre o qual pudesse escrever, mas tão somente a possibilidade de realizar um sonho tão querido como o de viajar pelo mundo inteiro, sonho esse que não tinha ainda podido realizar por falta de meios financeiros. Via os relatos como possível material a ser usado no futuro para a produção de romances o que, no entanto, não aconteceu. Não foi todavia apenas a viagem e o 50 contacto com novos países que o fascinou. Também essa nova forma de escrita parece ter agradado a Koeppen, como afirma em entrevista a Heinz Ludwig Arnold: Nicht nur das Reisen, das Kennenlernen anderer Länder, auch das Schreiben über die Reise, der Versuch, eine neue Form des Berichts zu finden, das Experiment machten mir Spa? . (in Treichel, 1995: 108) Koeppen começa então a escrever relatos viagísticos para a rádio. Daí talvez a necessidade de incluir tantos detalhes sobre os lugares visitados, de tal modo que leva as pessoas a viajar com ele, a experienciar tudo de um modo mais próximo da realidade possível. As descrições são vivas, o confronto com a realidade é marcante e surge também muitas vezes o apelo ao público, ao interlocutor. Helmut Hei? enbüttel procura, em Hörtext und Lesetext Amerika (vd. 1976: 9598) , responder a uma pergunta resultante do facto de Amerikafahrt ter sido em primeiro lugar escrito com a finalidade de ser transmitido pela rádio: deverá um texto destinado a emissões pela rádio ter características específicas e quais? Ou, dito de outro modo, haverá características que distinguem os textos radiofónicos dos textos para leitura? Analisando a obra, Hei? enbüttel afirma que Amerikafahrt é essencialmente um texto radiofónico e a sua apresentação e capacidade de despertar e manter a atenção do ouvinte dependem em grande parte do modo como foi escrito, ou seja, de uma enumeração e série de impressões, factos, observações e afirmações. Nesta obra são fundamentais as palavras-chave e as ideias que apelam à capacidade de imaginação do próprio ouvinte ao serem apresentadas, misturadas, registadas, criando o que Hei? enbüttel chama um sonho colectivo artificial. Os motivos pelos quais Koeppen deixa em certo momento de viajar e também de escrever literatura de viagens são-nos explicados também pelo próprio escritor e já os referi anteriormente. Tratava-se de um motivo pessoal, pois não poderia viajar devido a uma pessoa que lhe era chegada, e um motivo diria profissional: não queria que se tornasse rotina (vd. Hermann, 1994: 166). A sua viragem para a prosa viagística foi considerada por muitos um amadurecimento literário, uma deposição das armas com as quais causara tanto tumulto 51 anos atrás, ou, como resumiu Karl Korn, «Koeppen ist sanft geworden». No entanto, e apesar de estar contente por não ter de se ocupar com acontecimentos da Alemanha, Koeppen não concorda com a frase de Karl Korn, isto é, não considera ter-se tornado mais calmo e menos crítico: Es hat über eines dieser Bücher in Ihrer Zeitung eine Rezension von Karl Korn gegeben, der ungefähr das Schlüsselwort brachte: »Koeppen ist sanft geworden.« Ja, das stand wörtlich da. Darüber habe ich mich etwas geärgert, weil ich nicht das Gefühl hatte, sanft geworden zu sein. Ich wollte auch nicht sanft werden. Aber man hat es verschiedentlich so aufgefa? t. (in Hermann, 1994: 170-171) Relativamente à trilogia do pós-guerra podemos, de facto, afirmar tratar-se de um Koeppen mais calmo mas nem por isso menos crítico. As suas incursões pela literatura, pela política, pela história, pela filosofia, a sua escrita pujante e o seu olhar observador, que nada deixa escapar, acusam, de um modo mais ou menos claro e directo, marcas do seu espírito crítico, atento e por vezes sarcástico. Mas vejamos em primeiro lugar o percurso de Koeppen através da América. 52 2. O PERCURSO PELOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA (Microsoft® Encarta® 98 Encyclopedia) Amerikafahrt começa com a descrição da travessia transatlântica do continente europeu para o continente americano, momento esse que é descrito de um só fôlego, ocupando um parágrafo de quase duas páginas. São feitas alusões a autores como Faulkner, Sartre, Mauriac, Zola, Hermann Melville ou ainda Franz Kafka, e Koeppen convida-nos a desembarcar também na América, avistando a ilha de Manhattan com os seus famosos arranha-céus e a Estátua da Liberdade, representando os ideais tão celebrados mas nem sempre respeitados de liberdade, de igualdade de direitos e respeito pelos outros. Logo desde as primeiras páginas vemos dois pólos opostos em confronto: o pólo eufórico, representando toda a grandiosidade e vastidão do continente, a imponência dos seus edifícios, o predomínio do “American way of life” sobre o mundo; por outro lado, o pólo disfórico que retrata as anomalias do sonho americano, a pobreza, a miséria, a luta constante pela sobrevivência e o desprezo por minorias étnicas. 53 Koeppen sente a cidade de Nova Iorque através do olfacto. Nova Iorque cheira a mar, a navios, mas também a relva e a pradarias. Em Nova Iorque, tal como em Paris, Londres ou Berlim, é notório o provincialismo e o orgulho dos habitantes pelo seu quarteirão e, contrariamente à ideia que os europeus têm da América, não havia pressa: «keine Eile, nichts von amerikanischem Tempo» (A: 15). Nesta metrópole do mundo, Koeppen encontra os famosos teatros da Broadway, perto do Times Square, o Rockefeller Center, as lojas da Quinta Avenida, Madison Square, Washington Square, Greenwich Village, Washington Arch, a bolsa de valores de Wall Street, Harlem, Columbus Circle, o centro de exposições New Yorks Coliseum, a Rua 86 que aloja o bairro alemão, Pennsylvannia Station. Mas mais do que a cidade e os seus lugarescomuns, Koeppen descreve as suas contradições e contrastes. Uma rua no meio de um quarteirão elegante é assim descrita: «Diese Stra? e inmitten des eleganten Ladenviertels von New York war eine schwarze, zumindest graue Börse, über die Ostwind wehte» (A: 19-20). Nova Iorque é a cidade da liberdade, onde se espera porém a cada momento uma catástrofe: «Wieder empfand ich, da? man in Amerika in jedem Augenblick eine Katastrophe erwartet» (A: 17). Em Madison Square pululam os desempregados e a miséria nos bancos de jardim: Madison Square war wie eine künstlich befruchtete Wüste, Armut auf den Bänken, erschöpft Schlafende, traurige Arbeitslose und die fröhlichen freien Arbeitsverneiner, und ringsherum die Stra? en billiger Läden. (A: 27) A miséria reinante torna as pessoas cinzentas, assemelhando-se a pó, e a cidade está povoada de fantasmas: Leute, denen es nicht gut ging in New York, die sehr grau aussahen, wie zu Staub geworden, suchten in den öffentlichen Papierkörben Nahrung oder Verdienst im Abfall; sie glichen Schemen, und man konnte sich die gro? e gigantische Metropole von allen Menschen verlassen und nur noch von Gespenstern bewohnt vorstellen (A: 42) O dólar tem um poder quase mágico: «Welche Sprache du auch sprichst, und sei es keine, der Dollar reiht dich ein, macht dich gleich» (A: 27). A vontade de se tornar americano leva a um desprezo pelas raízes até por parte dos próprios descendentes: Egal deine Hautfarbe, gleichgültig dein Bekenntnis. Dein Vaterland vergi? t du, bald verlernst du den Mutterlaut. Du möchtest Amerikaner sein. Deine Kinder sind es, stolze Kinder, die dich verachten, der du aus Rostock, aus Lodz, aus Messina, Nagasaki, aus irgendeiner Ferne kamst (A: 27) 54 O racismo está sempre presente, afectando principalmente as pessoas de raça negra: «die Neger sind hier nur Türsteher und Stiefelputzer und Abwäscher und bringen das Eis für die Zinkwannen der Bars» (A: 34), «Warum hatte man keine schwarzen Puppen in die Schaufenster gestellt?» (A: 37). Também a mulher é discriminada, especialmente se for de raça negra: Die Frau war die typische ältere amerikanische Bürgerin, sehr eifrig, sehr gutwillig, sehr freundlich und sehr, sehr moralisch. Sie war von Amerika geprägt, nur war sie die schwarze Seite der Münze. (A: 36) Este “lado negro da moeda”, embora se refira aqui directamente à cor da mulher que Koeppen encontra na igreja, pode também remeter para outros sentidos, ou seja, para um sentido mais geral, incluindo todas as contradições do sonho americano ou as injustiças praticadas. Assim, o lado negro da moeda teria como reverso toda a exaltação da tecnologia e do progresso representado pelos Estados Unidos. As minorias étnicas residindo em Nova Iorque parecem também perder o contacto com as suas raízes, não se encaixando em nenhum dos sistemas sociais, no seu sistema de origem ou no sistema social americano: Die deutsche Literatur, die deutsche Kunst, unsere Gegenwart, unser Leben, die deutschen geistigen Bemühungen, selbst der deutsche Kulturattaché in Washington existierten für die Bewohner der deutschen Stra? e in New York nicht. (...) Die Sechsundachtzigste Stra? e war ein deutscher Alptraum. (A: 3940) Em seguida, Koeppen parte para a cidade de Washington num comboio que parece uma série de latas de conserva, mas que oferece todo o conforto para viajar, assemelhando-se os seus assentos a mesas de operação - «und wirklich, man wurde operiert, wenn man zum erstenmal durch Amerika fuhr - das Land saugte einen aus» (A: 43). O fascínio e o poder de sedução da América é tal que as pessoas parecem ser operadas e sugadas, passando por uma lavagem cerebral, so sentido de criar um homem novo, de um “renascimento” do homem, esquecendo as suas origens e deixando-se influenciar pelo novo país que o acolhe. No percurso Nova Iorque - Washington começa o Sul e sente-se a divisão entre as raças - «Schwarze Siedlungen, wei? e Siedlungen, sie bildeten eine helle und dunkle Kette, sie lagen umeinander wie die Igelstellungen, wie die in Bewegung geratenen Fronten eines schrecklichen Krieges» (A: 45). Na capital mais famosa e mais cara do mundo ocidental, é imperativa uma visita ao Capitólio, ao 55 Congresso, à Casa Branca, ao Lincoln Memorial, ao Pentágono, ao Arlington National Cemetery. Sobre o seu relato referente à capital americana paira uma aura de mistério e uma imagem de imponência, corroborada pelo predomínio de adjectivos no grau superlativo, como por exemplo: «in der berühmtesten und teuersten Herberge der Hauptstadt der westlichen Welt» (A: 48), «Der Kongre? , das vielleicht mächtigste Parlament der Welt» (A: 53), «liegt einer der immensesten, der nobelsten Friedhöfe der Welt, der Arlington National Cemetery» (A: 59). Está também subjacente a esta descrição e apresentação de pormenores - como a rotina diária, o preço exorbitante de um simples quarto, os hábitos alimentares e as horas de ponta - uma crítica à pretensão americana de dominar o mundo, de ser o exemplo e também o polícia para o mundo, uma crítica ao consumismo e aos ideais americanos: Die alltägliche Verführung war ungeheuer: Angebote, Angebote, Angebote. Komischerweise fingen die meisten Anpreisungen mit dem Satz an: Du kannst Geld sparen. Vor lauter Sparen wurde dem armen Geldverdiener die Brieftasche leer. (A: 61) Die Zimmer zeigten keinen protzigen Reichtum, sondern bezeugten die natürliche Vornehmheit, die gute Menschenart und die auf Unabhängigkeit, Freiheit, Bürgerrechten, Revolutionsidealen ruhende Tradition des besten Amerikanertums (...) nicht nur die amerikanische Nation, sondern eine bessere Menschheit zu schaffen. (A: 63) Wieder war hier stark die Einsamkeit zu spüren, die besondere amerikanische Einsamkeit, vor der sich Amerikaner fürchten und die sie hassen. (A: 65-66) No trajecto para Nova Orleães passa pelos estados da Carolina, Georgia, Alabama e Mississipi e a divisão entre a raça branca e a raça negra torna-se ainda mais acentuada. Os negros são como uma mercadoria - «um sie zu besitzen wie eine tote Sache, sie zu peitschen wie einen geha? ten, bezwungenen Feind» (A: 68-69) -, sem dignidade nem direitos - «Wartesäle, Speiseräume für diese oder jene Haut, Pervertierungen der menschlichen Würde» (A: 69), «Sie waren ein Teil des Staubes» (A: 69). E aqui é ainda mais mordaz a crítica social que Koeppen tece: Vollkommene Trennung herrschte, wei? e Taxifahrer für wei? e Leute, schwarze für schwarze. Wer mochte von Unterdrückung sprechen? Es herrschte Gerechtigkeit und Gott wohlgefällige Sitte. (A: 73) Onde está então a tão aclamada justiça americana? Que exemplos havia de respeito pelos direitos do Homem? A própria cidade reflecte essa injustiça, essa tristeza, 56 essa podridão: «In New Orleans war etwas verdorben worden, in New Orleans stimmte die Stra? e traurig» (A: 74). Já nem se encontrava o jazz que aí nascera:«Ich suchte den New Orleans Jazz. Es gab ihn nicht, es gab ihn nicht mehr» (A: 76). Os brancos sentamse à frente e os negros atrás, segundo a lei vigente (cf. A: 72); a rua principal da cidade chama-se Canal Street; a prostituição pulula na rua do striptease (cf. A: 75); o Garden District é o velho quarteirão dos ricos (cf. A: 80). E embora Nova Orleães tenha também os seus arranha-céus e auto-estradas, as suas pontes de aço e betão e portos, as suas fábricas, a sua actividade e futuro (cf. A: 80), é o período marcante da guerra civil americana que ocupa páginas e páginas da literatura. Novamente o viajante utiliza o comboio como meio de deslocação, mas agora sob um calor intenso e insuportável. Koeppen imagina-se morto e enterrado em Baton Rouge, a capital do estado de Louisiana, que pertencera aos índios mas era agora um repositório e fonte de petróleo. Em Houston, no estado do Texas, muda de comboio e apanha o expresso da Santa Fé, rumo ao oeste selvagem, passando pelo rio Grande e pelo rio Colorado, pelos estados do Texas, Novo México e Arizona. O comboio pára à noite durante duas horas na cidade de Winslow e chega finalmente a Los Angeles, no estado da Califórnia, um paraíso americano, a terra prometida, o sonho de todos os americanos, asiáticos ou mexicanos: Los Angeles ist ein amerikanisches Paradies, es ist der Garten Eden in letzter Perfektion. (...) ist die amerikanische Zukunft, ist eine Stätte der Verhei? ung. (...) Los Angeles ist der Platz, zu dem alle in den Vereinigten Staaten, die Völker aus Asien, und die Leute aus Mexiko streben. (A: 90) Koeppen tece um grande elogio a esta cidade que tanto o fascina, em que as pessoas se destacam das de todos os estados americanos: «von Menschen, die sich Amerikaner nannten und doch anders waren als die Amerikaner der übrigen Vereinigten Staaten» (A: 97). A fusão de raças é aqui completa, surgindo um novo povo, uma nova raça, imperando o bem, a reconciliação, a tolerância, a amizade (cf. A: 93-94). Compara ainda a Broadway de Nova Iorque com a rua das lojas de Los Angeles, não como domínio exclusivo dos ricos, mas antes acessível e pertença do povo: «Der Broadway von Los Angeles war keine Stra? e für Vorurteile, die Menge bot keinen Raum für den Hochmut, der Himmel schenkte Freude» (A: 94). Em Venice, encontra o que não encontrara em Nova Orleães: o jazz e a revolta dos escravos através da música. Só 57 quando fala de Hollywood Boulevard, Sunset Boulevard, Wilshire Boulevard e Beverly Hills é que o seu encanto parece esmorecer, e a grande e famosa Hollywood, capital mundial do cinema, é para ele «der langweiligste (...) der anstrengendste Teil des schönen Los Angeles» (A: 101). E depois de deixar a “cidade das sombras”, como ele apelida Hollywood, visita o “reino dos mortos”, ou seja, o cemitério de Forest Lawn e ainda o reino da Disneylândia, que faz esquecer todos os problemas e nos transporta para o maravilhoso mundo da fantasia. A próxima estação é São Francisco, a “rainha do Oceano Pacífico”, como se autoproclama. Aqui se encontra não só Chinatown, mas também o local onde nasceu a “beat generation”, um café de homens de letras, a universidade, a Baía e a ilha de Alcatraz (que albergava a mais terrível penitenciária de sempre), os quarteirões dos pobres, o jazz ao estilo de São Francisco. O viajante gostaria de ficar e viver a sensação da vida nocturna e do turismo - «Ich schied ungern von San Francisco; es war ein Ort, um zu bleiben» (A: 122) -, mas tem de partir para a cidade portuária de Oakland, de onde seguirá em direcção a Chicago. Novamente vive grandes experiências na linha do expresso São FranciscoChicago, que demora quarenta e oito horas a atravessar o continente da costa do Oceano Pacífico ao Lago Michigan. Pára em Salt Lake City, capital do Utah e a cidade da Igreja Mórmon, onde se encontra ainda o parque nacional de Zion. Para seu espanto, e apesar das temperaturas altíssimas, dizem-lhe que se está no Inverno (cf. A: 126) e que para se beber álcool tem de passar-se por um processo um tanto moroso e invulgar (cf. A: 127). Um general, que fizera questão em mostrar-lhe a cidade, diz-lhe orgulhoso: «Salt Lake City sei eine feine Stadt, eine Gemeinde ohne Slums und mit nur siebenundfünfzig Negern» (A: 129). Pelo contrário, a impressão que colhe da cidade de Denver, no estado do Colorado, numa paragem do comboio, não é muito favorável: Die Stadt, soweit sie vom Bahnhof aus zu sehen war, wirkte an diesem Abend wie der Schauplatz eines grausamen Kriminalromans. Die Häuser waren hä? lich und schienen einander feind zu sein. (A: 131) Finalmente chega a Chicago, no estado do Illinois, na margem sudoeste do Lago Michigan. A imagem da cidade lembra a ilha de Manhattan pelos seus arranha-céus, rivalizando com a linha do horizonte de Nova Iorque. Chicago é uma cidade repleta de 58 parques mas existem também slums, que a população procura eliminar, segundo um cidadão de Chicago, que Koeppen considera “idealista”. Chicago «ist eine wei? e und eine schwarze Stadt» (A: 132), onde as diferenças rácicas estão claramente demarcadas. A herança de Al Capone ainda pesa, o que leva o “idealista” a afirmar: «wir sind nicht die Stadt Al Capones, wir sind nicht das Feld der Spekulation, wir haben nicht nur Schlachthöfe» (A: 133). No dia seguinte à sua chegada comemorava-se o Memorial Day, em memória de todos os que morreram nas guerras. No Maxwell Street Market dominava a miséria, a necessidade, o que o distingue de mercados como o de Londres ou Paris, os quais primam pela sua arte pictórica, pela sua beleza arquitectónica (cf. A: 139). Koeppen visita também a editora da revista Ebony, cujo chefe de redacção parece um grande senhor mas um pouco limitado, pois não se interessa por outra parte do mundo a não ser a América (cf. A: 145). Koeppen segue ainda a Michigan Avenue, atravessa a ponte do rio Chicago e vê o Wrigley Building, que lhe parece um castelo do rei Luís II da Baviera. A viagem segue em direcção à costa leste, ponto de chegada ao continente americano e de partida no regresso à Europa. Passa por Massachussetts, na Nova Inglaterra, terra dos “Pilgrim Fathers” e do “Mayflower”. Pára, por fim, na capital de Massachussetts, Boston (cf. A: 150-158), a cidade da tradição e da grande revolução americana. Os heróis de Boston, Benjamim Franklin e Paul Revere, eram dois artesãos, «aber der Geist dieser Männer hatte einen König besiegt und über all seine Ratgeber und Feldherren triumphiert» (A: 151). Comparativamente ao resto da América, em Boston havia mais ardinas e menos solidão, menos tristeza e menos medo de que algo de mau acontecesse. Boston é a sede da Universidade de Harvard (a mais antiga dos Estados Unidos da América), o que leva Koeppen a afirmar que, ao contrário de cidades europeias como Heidelberga, Göttingen e Jena, que são cidades com uma universidade, «Cambridge, Massachussetts, aber ist eine Universität, der eine kleine Stadt gehört» (A: 155). A igreja de Boston parece-se com a Basílica de São Pedro em Roma, conquanto esta esteja num mundo morto (cf. A: 156). Finalmente, Koeppen regressa a Nova Iorque, onde revisita alguns lugares para se despedir da cidade que nunca dorme, da noite mágica nova-iorquina e da América e americanos em geral, e parte para a Europa. 59 3. ELEMENTOS PESSOAIS EM AMERIKAFAHRT Jeder Schriftsteller (...) arbeitet mit allem, was er schreibt, auch an seiner Biographie. Alles, was der Schriftsteller hervorbringt, kommt aus seinem Leben. Wolfgang Koeppen (in Treichel, 1995: 136) Partindo dos pressupostos teóricos apresentados no capítulo II sobre as instâncias de comunicação na literatura viagística, pretendo agora analisar os papéis das instâncias emissoras do discurso narrativo nos vários níveis para defender a minha proposta de identificação muito próxima, se não total, entre o narrador do texto viagístico, o autor abstracto e o autor real4. O autor real desempenha um papel fundamental enquanto criador da obra literária, sendo ele o sujeito do discurso e responsável por todos os níveis comunicativos textuais. Através das várias entrevistas dadas por Wolfgang Koeppen, dos seus escritos autobiográficos ou até de textos críticos sobre a sua produção literária, podemos não só encontrar traços autobiográficos na sua obra viagística, mas também constatar que estes textos nasceram do pedido expresso de Alfred Andersch para que Koeppen escrevesse manuscritos de viagem para o programa radiofónico. Koeppen não precisa, assim, de inventar histórias ou figuras narrativas. É lógico que se pode pôr aqui a questão da verdade ou veracidade dos factos que relata, mas penso que não é tão fundamental saber-se se o percurso real foi exactamente o que nos apresenta. Não há dúvida de que Koeppen fez essas viagens e terá feito esta viagem em particular de Abril a Junho de 1958, como refere Todorow (vd. 1987: 193, nota 31). Também se sabe que o relato foi transmitido pelo Süddeutscher Rundfunk sob o título de Amerikafahrt: die Früchte Europas, a 29 e 30 de Dezembro do mesmo ano (vd. Basker, 1995: 587, nota 2). A questão da memória também se poderia colocar, mas o espaço de tempo que dista entre a realização da viagem e a sua apresentação escrita não é tão grande como o que geralmente existe nos escritos de cunho exclusivamente autobiográfico. Além do mais, Amerikafahrt é acima de tudo, como alguns afirmam, uma “viagem literária”. O próprio Koeppen afirma, por exemplo, em entrevista a Monika Ammermann-Estermann e Alfred 4 Veja-se também esta temática em Uske, 1984, onde se debate a identidade literária entre o protagonista e o narrador (vd. 53-59) e, em específico, o narrador dos relatos viagíticos (vd. 102-113). 60 Estermann: «Ich bin auf der Suche nach einer Romanfigur, die ich selbst bin» (in Treichel, 1995: 151). Ou ainda, em entrevista a Horst Krüger: Ich glaube, ich reise etwa wie eine Romanfigur, wenn ich das sagen darf. Und statt einer Romanfigur, bin dann ich es, der das erlebt und reflektiert, über den berichtet wird. (in Treichel, 1995: 37-38) Koeppen identifica-se assim claramente com o narrador e de certo modo até com o receptor, havendo quase uma simultaneidade entre aquilo que é vivido, o momento da escrita e a reflexão sobre a própria escrita, um pouco na linha do que H. James afirma num prefácio a The American: «The teller of a story is primarily, none the less, the listener to it, the reader of it, too» (apud Stanzel, 1989: 190). Koeppen é quem viaja pelos Estados Unidos da América e é quem escreve as suas experiências e as lê, dependendo o resto da sua escrita da sua reacção como leitor e “ouvinte”, num processo dinâmico emissor / receptor. Numa outra entrevista, a Karl Prümm e Erhard Schütz, reitera a sua ideia de figura romanesca: «Ich komme mir selber sehr oft als eine Romanfigur vor» (in Treichel, 1995: 164). Esta ideia repete-se nas entrevistas. A Linder, afirma :«Ich lebe literarisch (...) Und dann lebe ich etwas wie eine Romanfigur» (in Treichel, 1995: 61); ou ainda «Ich lebe in einem Roman, und das mindert meinen Willen, ihn zu schreiben, zehrt auch an meiner Kraft» (in Treichel, 1995: 63). A Prümm e Schütz diz: «Ich komme mir selber sehr oft als eine Romanfigur» (in Treichel, 1995: 164), ou a Kulessa: «Aber Schriftsteller hin, Schriftsteller her, ich halte mich manchmal für eine Romanfigur» (in Treichel, 1995: 196). A ideia de a sua própria vida ser um romance está ancorada na sua juventude e infância, altura em que já nutria uma paixão avassaladora pela literatura e também pelas viagens (a todos os níveis): Als Kind wollte ich in meinem Zimmer und immer woanders sein. Obwohl ich in China, auf Samoa, zu den Quellen des Nils, im Wilden Westen Amerikas, auf hoher See in grandiosen Stürmen reiste und Schiffbruch litt, geno? ich Abenteuer, Gefahren und Sindbads Freundschaft im Bett... Was ich, Bücher verschlingend, empfand, war grenzenlos. Was ich mir, den Atlas studierend, vorstellte, war das Herz der Fremde, die Seele des Windes, der Geist des Meeres und der Leib der Küsten, war die Wahrheit der Länder und Klimate, der wei? en, schwarzen, roten und gelben Menschen, japanischer als Japan selbst... ich ahnte bald, da? man nicht in Indien gewesen sein mu? te, um von Indien zu erzählen. (apud Hielscher, 1988: 109-110) 61 Deste modo, como afirma o próprio Koeppen, não é necessário sair do quarto para se viajar, para se viver aventuras e emoções. De facto, Koeppen parece ter começado a ler muito cedo, com sete ou oito anos (vd. Hermann, 1994: 23-24) e lia todos os jornais que o tio assinava mas também contos de fadas e literatura juvenil, como por exemplo Cooper. A sua ocupação favorita era deitar-se na cama e ler. A leitura era para ele mais importante do que as aulas e lia de tudo. Durante a puberdade admirava os poetas do expressionismo e lia Kafka, Trakl, Heym, Brecht e Toller. Durante o curso leu as grandes “descobertas”: Marcel Proust, James Joyce, toda a obra de Kafka, Döblin, Musil, Thomas Mann, Heinrich Mann. Mais tarde voltou-se para Faulkner e para os americanos em geral (vd. Treichel, 1995: 144-145). Não admira, pois, o jogo que faz nas suas obras com as figuras literárias e escritores. Os seus modelos são tão variados como Franz Kafka, James Joyce, Marcel Proust, John Dos Pasos, Ernest Hemingway, William Faulkner, Gertrude Stein, Alfred Döblin. Eram tantos que, à questão de Arnold sobre as suas preferências literárias, Koeppen responde: «Da gab es viele. Ich mochte alle. Ich verirrte mich im Wald. Keine Bibliothek in der Stadt war vor mir sicher» (in Treichel, 1995: 90). Em Amerikafahrt também fala do seu deslumbramento pela biblioteca do Congresso (vd. A: 54-55). Também não admira que num inquérito (vd. Treichel, 1995: 132) afirme ser Karl no romance Amerika de Kafka o seu herói romanesco favorito. Aliás o mundo de Kafka parece assombrar Koeppen, que a ele se refere várias vezes. Em Amerikafahrt, por exemplo: Und Franz Kafka, der Amerika nie erreichte, doch von Amerika den wahrsten Traum hatte. (A: 11) Die Halle war Amerika und war doch wie von Kafka aus Prag, ein Raum so schwingenden Daches, so weitgestreckter Ma? losigkeit. (A: 13) All dies beunruhigte mich alten Kafkaleser nicht wenig. (A: 49) und ich hatte das nur von Kafka zu beschreibende Empfinden, in Salt Lake City bleiben zu müssen. (A: 125) Ich hatte es geahnt, ich war der K aus dem “Proze? ”, ich war der Landvermesser aus dem “Schlo? ”. (A: 128) und alles glich einem Kapitel aus dem Amerika-Roman von Kafka. (A: 141) Além da literatura, também a história e a mitologia gregas o influenciaram muito: «Dagegen hat mich die alte griechische Geschichte sehr beeindruckt» (in Hermann, 1994: 62 24). Todas estas marcas estão presentes em Amerikafahrt, como já demonstrei no capítulo anterior. Outro aspecto que ressalta da biografia de Koeppen é a marginalidade, a vontade e necessidade de estar só, a incapacidade de se integrar na sociedade, situação que o marcou desde muito cedo, desde os tempos da escola: «Nein. Ich galt nicht als Besserwisser. Aber ich galt als Au? enseiter» (in Hermann, 1994: 25). Nunca foi um homem sociável, como afirma em entrevista a Heinz Ludwig Arnold: «Ich war kein Gemeinschaftsmensch, ich war kein Team-Arbeiter; ich war immer ein Au? enseiter, und zwar ganz bewu? t» (in Treichel, 1995: 96). Aliás essa sua marginalidade está intimamente ligada com a sua necessidade de estar só para escrever e ainda com o seu papel de observador. Antes de escrever ou começar a escrever um livro, gostava de andar sozinho pela cidade e, sem participar na vida da cidade, vagueava pelas ruas, sentava-se nos cafés e observava as pessoas (cf. entrevista a Anne Andresen e Hans Georg Brenner, in Treichel, 1995: 17). Goza nas cidades a alegria de estar só na multidão, como Poe ou Baudelaire (vd. entrevista a Müller-Waldeck, in Treichel, 1995: 262) ou, segundo um axioma de Victor Hugo que Koeppen gostava de citar, «die Einsamkeit in der Menge» (entrevista a Mauranges, in Treichel, 1995: 120). Essa sua marginalidade contribuíu portanto também para se tornar escritor, como confessa a Heinz Ludwig Arnold: «Ich bin menschenscheu. Das trug dazu bei, da? ich Schriftsteller wurde, ein Mensch allein vor einem Blatt Papier (in Treichel, 1995: 111). Koeppen viaja assim essencialmente sozinho: «Allein wieder» (A: 119). A presença de sua esposa Marion é clara por exemplo no relato sobre Espanha em Nach Ru? land und anderswohin: «Marion ist jung; sie glaubt noch, da? Amtspersonen lachen können» (NR:5 15). Em Amerikafahrt encontra poucas pessoas ou, quando as encontra, pouco conversa com elas. 5 Sigla utilizada neste trabalho para referir a obra de Wolfgang Koeppen, Nach Ru? land und anderswohin, Frankfurt/Main, Suhrkamp, 1995. 63 Outro aspecto marcante da biografia de Koeppen é a vontade de viajar, a paixão de conhecer outros mundos, de se sentir estrangeiro: «Ich reise gern, bin gern in fremden Ländern, sehr gern Ausländer. Das entspricht meinem Wesen, der Haltung des Beobachters» (Koeppen em entrevista a Krüger, in Treichel, 1995: 31). Vimos já anteriormente que Koeppen aceitou de bom grado viajar em trabalho, ou seja para escrever relatos para a rádio onde trabalhava Andersch. Ele confessa também, em entrevista a Monika A.-Estermann e Alfred Estermann, que a primeira razão pela qual escreveu os relatos viagísticos foi o gosto pela viagem ou, mais ainda, a possibilidade de viajar, uma vez que, de outro modo, não o poderia fazer por dificuldades económicas (vd. Treichel, 1995: 150). A intenção dele, ao viajar e cumprir a tarefa encomendada, não foi confirmar informações de livros técnicos, mas dar largas à sua fantasia, como diz o próprio em entrevista a Müller-Waldeck: «Ich versuchte nicht, die Sachbücher zu bestätigen. Ich finde die Wahrheit in meiner angeregten Phantasie, wenn ich dort bin» (in Treichel, 1995: 267). Aliás, as suas obras viagísticas não são guias turísticos: «Das sind ja auch keine Reiseführer» (em entrevista a Arnold, in Treichel, 1995: 105), o que vem comprovar também o cariz literário de tais obras. Uma última característica do autor, também visível em Amerikafahrt, que gostaria de abordar é a sua dificuldade em tomar decisões, visível no facto de estar sempre a relativizar as suas afirmações concedendo-lhes um carácter vago, impreciso, ahistórico. São abundantes as questões que coloca, as comparações nem sempre são claras ou rigorosas, o que confere também uma maior veracidade aos relatos, uma certa verosimilhança. Embora esteja bem informado e seja uma pessoa altamente instruída, as suas dúvidas e perguntas emprestam aos seus relatos um cunho mais próximo da realidade. Na opinião de Vilas-Boas, esta característica koeppeniana, por certo mais presente nos romances do pós-guerra, está ligada com a sua vivência literária do mundo; dito de outro modo, a tensão entre os mundos real e ficcional dificulta a sua integração e a sua capacidade de agir (vd. 1987: 522). Como afirma Koeppen a Le Rider: «La seule solution pour moi consistait en construire un autre monde, à vivre dans l’imaginaire» (apud Vilas-Boas, 1987: 522). Por vezes assume até posições pouco claras como, por exemplo, quando, por um lado, parece arrepender-se ter escrito tais obras viagísticas: «ich wei? auch heute noch nicht recht, ob ich sie hätte schreiben sollen oder nicht» (em entrevista a Mauranges, in Treichel, 1995: 119), mas por outro lado reconhece valor, 64 quase diria terapêutico, da viagem: «Später lernte ich, da? ein Aufenthalt irgendwo in der Welt, es leichter machte, von sich zu sprechen» (apud Hielscher, 1988: 110). Parece haver, assim, uma relação entre a viagem e a autodescoberta ou revelação de si mesmo. Viajar, estar em confronto com outras culturas e relacionar-se com outras pessoas faznos pensar sobre nós próprios, as nossas próprias convicções, os nossos hábitos e vícios, a nossa cultura. Além disso, conhecer outros lugares e pessoas implica também conhecer-se melhor a si próprio e falar, talvez mais abertamente, de si próprio. Em Amerikafahrt, como já salientei, também Koeppen se dá a conhecer, assim como em Nach Ru? land und anderswohin e em Reisen nach Frankreich. Koeppen marcou profundamente os seus textos, sendo possível encontrar neles traços do autor real. Ele próprio afirma em entrevista a Kulessa: «Kein Buch von mir ist autobiographisch und keines ist es nicht. Ich nehme mir ja jede Freiheit» (in Treichel, 1995: 197), ou ainda em entrevista a Linder: «bis zu einem gewissen Grade tut das ja jeder Schriftsteller, seine Werke sind eine Art fortlaufender Biographie» (in Treichel, 1995: 61). O elemento autobiográfico é, assim, na opinião de Koeppen, uma constante em cada escritor, mas é ao próprio autor que cabe decidir a quantidade de informação autobiográfica que irá incluir, implícita ou explicitamente. No caso particular de Amerikafahrt e das obras viagísticas koeppenianas, tal como elas surgiram, é inevitável falarmos de uma forte presença autobiográfica, com as variações conscientes do próprio autor no que diz respeito à organização ou sequência das visitas efectuadas, o que corrobora a minha afirmação anterior de identificação entre as instâncias emissoras dos vários níveis de comunicação que expus anteriormente: o autor real, o autor abstracto e o narrador e personagem. 65 B. LINHAS TEMÁTICAS DOMINANTES Já vimos nos subcapítulos anteriores em que situação e porquê Koeppen começa a escrever relatos viagísticos. Também foi traçado o roteiro da viagem física empreendida pelos Estados Unidos e foram explorados elementos pessoais na obra Amerikafahrt, tendo sido proposta uma ligação entre o narrador das viagens e o autor real. Pretendo neste capítulo apresentar as linhas temáticas dominantes que fazem destes escritos viagísticos obras de verdadeiro valor literário, e não uma mera descrição de lugares e impressões, à semelhança de um simples guia turístico. Assim, e depois de vermos que tipo de turista - ou devo antes dizer viajante? Koeppen é, e de sublinhar o seu papel de observador atento que se baseia nas suas impressões e sentidos, tentarei entrar no domínio do simbolismo da viagem, a que já tive oportunidade de aludir anteriormente. 1. TURISMO VS. ANTI-TURISMO Neste contexto de literatura de viagem, será talvez mais apropriado falar-se de “viajante” do que de “turista”. Segundo Vicente Jorge Silva, a diferença entre um turista e um viajante reside no seguinte: um turista desloca-se em bando e um viajante aprecia a solidão. O primeiro contenta-se em seguir rotas estereotipadas e programas prontos a consumir, enquanto o segundo procura os acasos originais de um trajecto solitário. O turista não dispensa, em princípio, o conforto do “previsível” e do “conhecido” - mesmo daquele “conhecido” que é suposto não o ser - ao passo que o viajante se expõe aos acidentes do desconforto em troca das revelações do imprevisto (vd. 1996: 1). Ora é precisamente o viajante que vemos em Koeppen, que não segue as rotas prescritas nem se prende a clichés culturais, mas prefere explorar ele próprio outros lugares, cultivando uma espécie de anti-turismo (se bem que em certa altura admita que há sítios que obrigam a uma visita, como por exemplo o Kremlin em Moscovo, afirmando que não o ver seria como ir ao Egipto e não ver as pirâmides - cf. NR: 195). Demonstra ainda uma predilecção pelos rejeitados da sociedade, pelos incompreendidos, por relações e objectos inferiores e “não dignos de serem vistos”: 66 Doch neben den Stra? en des Handels und des Wandels gab es überall Hintergassen, merkwürdig vernachlässigte Notausgänge des Geschäftslebens. Die Fassaden waren dort schwarz, die Feuerleitern strebten begräbnisschwarz oder angstrot, und auf dem Pflaster lag Abfall. (A: 133) Os relatos viagísticos reúnem observações sem ordem ou segundo uma ordem anti-hierárquica, pois para Koeppen não interessam tanto os museus e as construções mas antes os sonhos e os medos do homem (vd. Todorow, 1987: 182). Koeppen vive os locais onde pára através da fantasia, de experiências de leitura, associações e alusões, criando assim um mundo a partir do ponto de vista de um erudito muito instruído. A sua posição de observador nato, que baseia as suas percepções nos sentidos, tornam-no um escritor “sentimental” e “impressionista”. Como afirma Karl Heinz Kramberg: So genau sieht Koeppen hin. Seine Netzhaut, seine Nase und sein Sensorium für flüchtig wahrgenommene erotische Reize lassen nichts aus. (apud Uhlig, 1972: 55) Também Walter Jens se refere à plasticidade da linguagem de Koeppen e à sua capacidade apurada de observação: Ein Bild, ein plastisches Eigenschaftswort, und schon ist der Eindruck fixiert! Koeppen beobachtet scharf, er wartet und drängt sich nicht auf, seine Diktion verrät Bedachtsamkeit, das Schwergewicht liegt auf den Nomina, die Verben sind leicht, eher konventionell als barock. (apud Uhlig, 1972: 19) Veste o papel de observador, de testemunha, torna-se estranho para melhor entender e apreender o real: In dieser Spannung, fremd werden, um besser zu begreifen, zeigt sich also nicht allein Distanz zur Welt, die sich Koeppen schreibend verschafft, sondern auch die Vertrautheit, durch die ihm Phänomene der Welt zugänglich werden. Lesend wird angeeignet, schreibend wird geäu? ert, was an Literatur im Schriftsteller ist. In der Reisebewegung vermischt sich beides, und in beides mischt die Reisebewegung sich ein. (Schlösser, 1987: 23-24) A leitura e a escrita estão intimamente ligadas no processo de apropriação da realidade, daí a oposição desconhecido / conhecido, a capacidade de se distanciar do mundo e ao mesmo tempo de o tornar comum. Christian Linder afirma em entrevista com Koeppen que o olhar deste é como o olhar puro de uma criança que, precisamente por ser inocente e transparente, serve ainda 67 para denunciar os maiores horrores: «Der Blick des Kindes macht vieles transparent, auch die unsichtbaren Ungeheuer» (in Treichel, 1995: 31). Koeppen nutre de certa forma um desprezo pelos turistas enquanto consumidores passivos da história e cultura “vendidas” por guias turísticos insípidos. Talvez, como afirma David Basker, o único crime destes turistas seja o facto de não serem tão cultos como Koeppen (vd. Basker, 1995: 597). O autor também acaba, no fundo, por seguir algumas rotas turísticas e até vai, a dada altura, a uma agência de viagens - «Ich wollte eine Rundfahrt durch Gottes Stadt machen und ging zum Reisebüro» (A: 126). No entanto, a atitude dele é substancialmente diferente: vê, observa, visita alguns lugares turísticos, procura outros lugares para fora da rota definida e é a descrição que faz desses lugares, a teia de alusões que tece e que nos transporta para outros domínios como pela literatura e história, além da quantidade de pormenores e do colorido que dá, que o tornam mais um viajante do que um turista, no sentido que expus anteriormente. Critica, assim, abertamente as escolas de todo o país, que parecem estar sempre a viajar - «Schulklassen von überallher und die Bewohner des weiten Landes, von einer riesigen Flotte von Autobussen herangebracht, stürmten die Sehenswürdigkeiten, die Tempel, die Stätten der Geschichte» (A: 52); «Die Schulen Amerikas schienen immer auf Reisen zu sein» (A: 63). Critica o negócio do turismo em massa, que não pára de proliferar - «Das Getriebe der Massengesellschaft funktionierte reibungslos» (A: 33), «Die wenigen schwarzen Musikanten, die den Reisegesellschaften aus Texas, aus Washington, aus New York oder Chicago aufspielten, arbeiteten lustlos, sie verdienten sich ihr Brot» (A: 76); «Natürlich gab es auch Lokale für Amerikaner und Besichtigungsgruppen» (A: 110). Assim, Koeppen prefere viajar sozinho e explorar tudo aquilo que não conheceria através de livros ou guias, e entregar-se aos seus sonhos e às suas fantasias - «Allein wieder besuchte ich die Quartiere der Armen, lange graue Stra? en, in denen man trotz des Sonnenscheins fror» (A: 119). De facto, Koeppen parece um sonhador, quando devaneia pela literatura e pela história, quando afirma ter sonhado com locais, ter realizado os seus sonhos: Ich war in Amerika angekommen. Ich stand in New York. Ich hatte dies oft geträumt, und es war nun wie ein Traum. Der Traum, hier zu sein, hatte sich erfüllt, und wie im Traum gab es keine Fremde. Ich war auch hier zu Hause, und Amerika lag vor mir wie ein fester Besitz. Ich spürte Freiheit. Ich empfand Freiheit. (A: 14) 68 É talvez esta ideia, esta impressão do relato viagístico que leva Martin Hielscher a afirmar que os livros viagísticos não são meramente algo de novo e de diferente relativamente aos romances nem apontamentos ou base para outros produtos, mas antes a realização das fantasias de viagem que Koeppen nutria desde pequeno, com tudo o que isso implicasse de vontade de conhecer o mundo e de medo dele próprio (vd. Hielscher, 1988: 109). Daí Helmut Hei? enbüttel afirmar: Koeppens Amerika (soviel faktische Wahrheit, soviel Beobachtung von Wirklichkeit darin auch eingeflossen sein mag) ist in jedem Satz ein Amerika der Imagination. Koeppens Rede ist die Rede eines Träumers, der ein Stück der gegenwärtigen Welt uns vor- und wahrträumt. Nicht umsonst beruft er sich auf Melville, Kafka und Waugh. (Hei? enbüttel, 1976: 37) Koeppen é um viajante culto, um pensador, que acredita no poder da palavra, que não pretende descrever pura e simplesmente mas antes projectar ou recriar a realidade através do mundo da palavra. O seu dom de observar cuidadosa mas penetrante e ironicamente torna a sua prosa brilhante e viva, dando ainda lugar ao leitor para interpretar e julgar as percepções e impressões que apresenta. Como afirma Karl Heinz Kramberg: Koeppen selbst genie? t die fremde Wirklichkeit durchaus wie ein Theater, als Schauspiel und als Pantomime. Er wahrt die Rolle des Voyeurs, bleibt Zaungast, unbeteiligt teilnahmsvoll den Impressionen hingegeben, die er zu sammeln, doch niemals vorschnell zu rubrizieren wünscht. (...) Dem aufmerksamen Leser bleibt es überlassen, Koeppens Abenteuer auszuwerten und sich sein Teil zu denken. Unkonventionell sind nicht die Bahnen, in denen sich der Reisende Wolfgang Koeppen bewegt, wohl aber seine Optik und seine Sprache. Der Leser wird in Atem gehalten, weniger durch die Fülle des Stoffes als durch die eigensinnigen Reaktionen des empfindsamen Globetrotters. (apud Uhlig, 1972: 72) Cabe, pois, ao leitor a tarefa árdua de interpretar as reacções do viajante sentimental. A “viagem” que o leitor também empreende ao ler a obra não se baseia tanto naquilo que é contado, naquilo que é visitado, mas mais nas percepções do narrador, no modo como filtra as suas observações e as (re)produz. 69 2. CONFRONTO ENTRE DAS EIGENE E DAS FREMDE Uma das primeiras ideias que sobressaem de uma narrativa viagística é sem dúvida o confronto entre o próprio e o alheio, ou seja o confronto entre os conceitos das Eigene e das Fremde, questão a que já me referi no capítulo II, no subcapítulo teórico respeitante a uma discussão teórica entre estes dois conceitos. Inverti agora a ordem destes dois conceitos, referindo em primeiro lugar o conceito de “próprio”, por pensar que o ponto de partida é o indivíduo e as suas experiências, que serão postas em questão ao deparararem com realidades novas, como acontece em Amerikafahrt. Falei no capítulo II primeiramente do conceito de “alheio”, por ser um conceito fulcral e predominante na discussão da literatura de viagens. É inegável que a visita a qualquer país ou o contacto com uma experiência nova nos coloca sempre em confronto com o que já conhecemos e sabemos; será, pois, interessante analisar aqui algumas passagens em que são postos a nu e discutidos estereótipos, em que Koeppen compara o que se lhe apresenta com o que supõe que o leitor já saiba, tanto por fazer parte de uma determinada herança cultural comum como por ter sido referido anteriormente no relato. Aliás, como refere David Basker, os estereótipos contribuem para a estrutura-base das suas observações (vd. Basker, 1995: 592). Koeppen desfaz, assim, algumas ideias que os europeus têm dos americanos no que diz respeito, por exemplo, à pressão do tempo ou aos serviços públicos: auch in new York gab es den Provinzialismus und den Stolz des Quartiers, wie in Paris, wie in London, wie im alten Berlin Nachbarschaftsgeschwätz, keine Eile, nichts von amerikanischem Tempo, das überhaupt eine gänzlich falsche Vortellung Europas von Amerika ist. (A: 15) Wieder überraschte mich ein in Amerika nicht erwarteter, plötzlich auftretender Mangel an Dienstleistungen, wie ihn der Europäer aus Kriegszeiten gewohnt ist. (A: 46-47) Refere a imensidão do país e os exageros dos americanos, a que os europeus não estão habituados: «Lesesäle, Arbeitsräume, immer viel, viel, für europäische Augen erstaunlich viel Platz» (A: 114), «Die Mauselöcher waren riesig. Das Haus war ein drittklassiges Hotel, aber selbst in ihm waren, wie überall in Amerika, die Zimmer dreimal so gro? wie in den besten europäischen Herbergen.» (A: 156). Dá exemplos de diferenças culturais a nível de experiências tão vulgares como o aluguer de um quarto ou a temperatura que se faz sentir: 70 las ich, da? mein Zimmer drei? ig Dollar am Tag kosten sollte. Ich erschrak sehr, ich schämte mich, kämpfte mit mir, raffte mich schlie? lich auf, telefonierte mit der Hotelleitung und sprach von einem Mi? verständnis, ich sei kein Minister und kein Bankdirektor. (A: 48) Ich wollte eine Rundfahrt durch Gottes Stadt machen und ging zum Reisebüro. Ein wortkarger Mann sagte mir: “Im Sommer.” Ich fragte: “Und was haben wir jetzt?” “Winter”, sagte der Mann. Die Sonne brannte. Das Thermometer näherte sich hundert Grad Fahrenheit. (A: 126) Sublinha o facto de as ruas americanas estarem despojadas de presença humana: «Wie oft in amerikanischen Städten, befand ich mich plötzlich in einer kleinen, stillen, vollkommen menschenleeren Stra? e» (A: 137). A um nível mais restrito, mais direccionado para o público alemão, também encontramos referências à história e a hábitos alemães. É, por exemplo, o tamanho dos jornais diários americanos que eram tão grossos como os jornais alemães na sua edição de domingo (cf. A: 61), ou, ao contrário, as “vilas dos eleitos” de Hollywood que eram mais pequenas do que as casas de um dono de fábrica médio, um director ou um homem de estado alemão (cf. A: 103). Quanto às referências históricas, reportam-se geralmente ao tempo de Hitler, dando azo a expressões tão antagónicas como por exemplo: «der Fahrer (...) sagte (...) mir, da? er Hitler für die bedeutendste Erscheinung des Jahrhunderts halte» (A: 66), «Nichts mehr von Hitler, Hysterie und Demagogie» (A: 115). A descrição do bairro alemão, ou da rua 86 de Nova Iorque (cf. A: 38-40) deixa o narrador decepcionado, pois a língua falada é uma mistura de um inglês ainda não totalmente dominado e de um alemão já meio esquecido, e os habitantes da rua alemã nada conheciam da literatura, arte ou filosofia alemãs, da própria vida alemã, resumindose a Alemanha a um filme sobre a pátria, a um museu de qualidade inferior, a um livro de estudantes ou a um jogo de futebol. Numa palavra: «Die Sechsundachtzigste Stra? e war ein deutscher Alptraum» (A: 40). De notar ainda que as comparações com a Alemanha também se referem a cidades do bloco leste, quando o narrador diz, por exemplo, que se encontrava «in einer seltsamen Welt mit mittelhohen Häusern aus den Gründerjahren Stettins oder Chemnitz’» (A: 38-39). A afirmação de que «Deutschland war nicht der Nabel allen Geschehens» (A: 50), e outras alusões menos directas mas nem por isso menos carregadas de crítica e ironia até, parecem querer relativizar o peso da Segunda Guerra Mundial e do período nacional socialista. O narrador mostra que, apesar das diferenças, há muitas semelhanças entre os países que visita e a tendência é para uma 71 internacionalização nos vários campos da vida do cidadão, ou seja, a história mundial repousa numa herança cultural com muitos pontos em comum, o que mostra que o que aconteceu na Alemanha poderia ter acontecido noutro país qualquer ou, pelo menos, ter correspondentes em todos os países a nível de atrocidades ou injustiças praticadas. Retira-se deste modo um pouco de peso ao sentimento de culpa alemão referente à Segunda Grande Guerra. O leitor alemão, lendo esta obra viagística e constatando a existência de desrespeito pelos direitos humanos mesmo num país tão venerado e desenvolvido como os Estados Unidos da América, projectam aí os seus sentimentos e ficam como que aliviados e menos responsáveis e culpados por aquilo que aconteceu no seu país durante o período histórico entre 1939 e 1945. O final desta obra viagística tem um pequeno véu de esperança - «fuhr unter der Hoffnung der Nationen» (A: 168) - e a última coisa que Koeppen vê e descreve é o cemitério judaico de Queen, com certeza não tão “casualmente” como ele quer fazer crer. Já anteriormente Koeppen tinha chamado a atenção para a importância de se visitar cemitérios: «Nie soll man auf Reisen vergessen, die Friedhöfe fremder Länder zu besuchen. Die Gräber berichten viel von einer Stadt» (A: 79). Eu acrescentaria, as campas dizem muito sobre o mundo inteiro. Assim, a imagem positiva que nos apresenta do cemitério pode apontar para um certo optimismo no sentido de respeito pelas raças e dignidade do homem: zufällig war es ein jüdischer Friedhof, an dem ich verweilte, und seine Grabsteine standen so dicht und so hoch auf dem Hügel, da? sie meinen Augen wie ein getreues Spiegelbild der schönen und geliebten, der gro? en und mächtigen, der erhabenen und freundlichen, der völkervermischenden und urgemütlichen Wolkenkratzerstadt erschienen. (A: 168)6 Ainda relacionados com esta temática próprio / estranho ou alheio e com a concepção da obra como sonho ou resultado do imaginário de Koeppen (de que já falei anteriormente), estão os sentimentos contraditórios de Koeppen quando, por exemplo, afirma: «New York war nicht fremd, New York war vertraut, es war noch in all seiner Fremdheit vertraut» (A: 22), «Menschen wie du und ich (...) kein ungewöhnlicher Ort und doch ein fremder Platz» (A: 35). Esta aparente contradição pode ser explicada pela 6 Manfred Koch relaciona estas palavras com o passo da obra referente ao bairro alemão em Nova Iorque, para mostrar que a frase final de Amerikafahrt fica desde logo relativizada, apontando antes para uma visão disfórica da América: «Mit diesen Worten wird die Äu? erung von der “völkervermischenden und urgemütlichen Wolkenkratzerstadt”, die im Schlu? satz der “Amerikafahrt” steht, im voraus zurückgenommen oder relativiert» (Koch, 1977: 506-7). 72 necessidade que Koeppen sente de procurar ser um estranho, um estrangeiro, para poder registar as impressões como se fosse pela primeira vez, ao mesmo tempo que sente que, no seu mundo de fantasia, no seu mundo cultural, já esteve perante tais situações. O próprio Koeppen afirma, em entrevista a Christian Linder, sentir-se bem no estrangeiro, sentir uma distância entre ele e o resto, marcada não só pela língua mas por todo um conjunto de condicionalismos, numa palavra, é um estranho ele próprio: Weil ich wahrscheinlich nirgendwo zu Hause sein möchte; (...) Ich bin zum Beispiel leidenschaftlich gern Ausländer, ich fühle mich sehr wohl im Ausland, weil zwischen mir und allem eine Distanz ist, eine Barriere, und zwar nicht nur eine der Sprache... Es ist ein schöner Zustand. (...) Weil ich das sowieso bin: fremd ganz und kra? . (in Treichel, 1995: 67) Como refere Todorow, a procura do estranho é mais uma atitude daquele que quer estar sozinho e não ser incomodado. Mas tornou-se difícil ser-se estranho, não só porque tudo se repete mas também porque tudo está já marcado literariamente, ou seja, já tudo foi reproduzido e transmitido, através de imagens, postais, fotos, ou através de clichés e ideias estereotipadas (vd. Todorow, 1987: 174-175). Deste modo, Koeppen prefere ser o “observador”, a “testemunha” (termos que ele próprio usa frequentemente), correspondendo assim ao “modelo abstracto” das suas histórias: Ich reise, ich bringe mich mit, ich bin mit mir beladen oder durch mich frei; ich bin es, der in der Wüste steht, das Meer liegt vor meinen Augen und ist nur durch meinen Blick. Ich bin überall zu Hause und fremd auch in meiner Stra? e, auf dem Markt, wo ich mein Brot kaufe. Was ich auf Reisen suche, ist das Fremdsein ganz und kra? , der Schein der Vertrautheit ist gewichen, die Welt ist neu, sie ist mir nicht Freund und nicht Feind, ich wohne nicht, ich bin nicht eingestuft, man erwartet mich nicht, ich habe keine Geschäfte in der Stadt, ich verstehe nichts, und das bedeutet die Möglichkeit des Begreifens. (apud Schlösser, 1987: 22-23) Koeppen viaja, portanto, sozinho e absorve tudo o que o rodeia. Sente-se em casa e simultaneamente um estranho tanto na sua rua como no estrangeiro, pois é essa procura a partir do nada ou esse (re)começar que lhe vai abrir as portas ao conhecimento do mundo e à compreensão do que observa, um pouco na linha do filósofo que ele próprio tanto admira, Sócrates, e da sua grande verdade: «só sei que nada sei». 73 3. VISÃO CRÍTICA DA AMÉRICA Do que foi dito anteriormente, já é possível fazer um juízo de valor sobre a visão da América que Koeppen nos veicula: apresentando aspectos negativos e positivos do grande país que são os Estados Unidos da América, Koeppen parece a cada passo tecer louvores e conceder glórias aos feitos e obras dos americanos para, logo de seguida, deitar por terra esses castelos, que afinal parecem ser feitos de areia. No entanto, penso que Koeppen dá também espaço à interpretação pessoal de cada leitor. A obra está estruturada de tal modo que, juntamente com as experiências, expectativas e ideias já delineadas de cada leitor, possa surgir uma interpretação única e diferente de leitor para leitor. Senão vejamos exemplos da presença, muitas vezes em simultâneo, de ambos os pólos - o eufórico e o disfórico. Logo no início da obra, ao fascínio da linha do horizonte de Nova Iorque é contraposta a ideia de ausência de paraíso, indicada pela oração adversativa «aber das Paradies war hier sowenig wie anderswo zu schauen» (A: 12). Na descrição do Times Square, as expectativas dos viajantes também saem (pelo menos durante o dia) goradas: Die Erinnerung an viele Filmbilder, an den flimmernden Waffenstillstandstag, an eine ameisenwimmelnde Neujahrsnacht, an den Konfettiregen des Lindberghtriumphes, an den Rausch des Prohibitionendes trieb mich unverzüglich hin, und wie oft, enttäuschte zunächst die Wirklichkeit den Traum. Am Mittag sah die berühmte Ecke Broadway / Zweiundvierzigste Stra? e schäbig aus. (A: 18) O papel da mulher americana parece enaltecido, encarnando todas as virtudes imagináveis, mas o facto de ser negra retira-lhe essas características (cf. A: 36). Também a rua 86 de Nova Iorque, onde se encontra o bairro alemão, é antes «ein deutscher Alptraum» (A: 40). A perfeita fusão de raças em Nova Iorque, criando uma América verdadeiramente livre e bela (cf. A: 21), contrasta com a divisão rácica dos estados do Sul (cf. A: 69 e 74). A Geração Perdida (beat generation) parece uma mancha na idealização da cidade de Los Angeles, ao deitar por terra as ilusões optimistas relativas ao futuro de Hollywood (cf. A: 99). Além destas imagens contraditórias, ressalta também, na apresentação dos Estados Unidos da América, a repetição em toda a obra de palavras conotadas 74 negativamente. São elas, por exemplo, a solidão, a miséria, o medo, a melancolia, geralmente associadas aos marginais, aos velhos, aos pobres e às minorias rácicas. Deste modo, a casa do americano é «doch ein düsteres Tableau von Einsamkeit und nahendem Tod, von jenem Verloren, Verloren, das Thomas Wolfe so sehr empfunden hat» (A: 44). Por todo o lado se sente e pressente a solidão tipicamente americana, «die besondere amerikanische Einsamkeit, vor der sich Amerikaner fürchten und die sie hassen» (A: 66). O peso da solidão oprime (cf. A: 97) e nas ruas do comércio encontram-se: alte Leute, Männer und Frauen, auf eine besondere amerikanische Art arm, in einer kalten Einsamkeit arm (...) das Groteske sollte die Isolierung, die Aussto? ung, die Stiefkindschaft deutlich machen. (A: 133-134) Há miséria nos bancos de jardim (cf. A: 27) e por todo o lado: «das Elend würde in alle Ewigkeit mit seinen abertausend uralten Beinen über einen hinwegschreiten» (A: 139). É curioso notar que muitas vezes esses sentimentos ou qualidades são atribuídos a coisas ou objectos, tendo estas personificações uma impacte ainda maior sobre o leitor. Por exemplo, os prédios “crescem” em direcção ao céu, que era uma linha longínqua, muito fina mas “simpática”, e a rua torna-se uma garganta: Bald aber wuchsen die Gebäude (...) die Stra? e wurde zur Schlucht (...) und der Himmel oben war ein unendlich ferner, sehr schmaler, doch freundlicher blauer Strich. (A: 16) A cidade “luta” desesperadamente contra um sentimento que percorre toda a obra e afecta os americanos, a solidão: «Die Stadt focht ihren verzweifelten Kampf gegen die Einsamkeit» (A: 24-5). O sinal luminoso à volta de uma redacção revelava “o medo, a loucura e infelicidade” da terra: «Um das Redaktionshaus trug die Leuchtschrift die Furcht, die Torheit und das Unglück der Erde» (A: 41). Em Nova Orleães, a estrada parece “triste”:«in New Orleans stimmte die Stra? e traurig» (A: 74). As casas estão também “tristes” e os reclames sobre os telhados das baracas são “optimistas”: «Häuser von unsagbarer Traurigkeit. Kleine, schon wieder aufgegebene Werkstätten. Schmutzbaracken und auf ihren Dächern optimistische Reklamen» (A: 138-139). Karl Heinz Kramberg não crê haver uma exposição clara da visão que Koeppen tem da América. Segundo este crítico, Koeppen não diz directamente que tem medo da América, mas a sua arte de repórter deixa pressentir esse medo e uma certa visão 75 apocalíptica do mundo, um pânico escondido mas presente. Vivendo a realidade estranha como um teatro ou peça, Koeppen, na opinião de Kramberg, leva o leitor a interpretar e a valorizar a sua experiência, emitindo juízos de valor e tirando as suas próprias ilações (in Uhlig, 1972: 73). R. Thomas e W. Will, por seu lado, não vêem qualquer intenção crítica nas palavras de Koeppen, mas pura e simplesmente uma descrição factual e um jogo de observações próprios de um viajante simpático, sem azedume ou maldade o que, no seu ponto de vista, contrasta com o estilo e intenções presentes na trilogia do pós-guerra (vd. Thomas e Will, 1969: 54). Na minha opinião, a interpretação mais completa da visão da América apresentada por Koeppen é a de Manfred Koch, resumida no parágrafo seguinte: Dagegen sprechen die vielen Enttäuschungen, die ironischen Zurücknahmen von begeisterten Äu? erungen und die düsteren Visionen, die die “Amerikafahrt” durchziehen. Dagegen sprechen auch die melancholischen Töne des Buches mit ihren Anspielungen auf existenzialistische “Grundbefindlichkeiten” wie Angst, Ekel, Einsamkeit, Langeweile und Tod. Und schlie? lich gibt es eine Fülle von Querverweisen auf die Unterwelt der griechischen Mythologie (Hades, Styx, Labyrinth etc.) und die finsteren oder grotesken Szenen der Weltliteratur. Diese Schreibweise hat zur Folge, da? die freundlichen Amerikabilder ständig widerlegt, in Frage gestellt oder eingeschränkt werden können. (Koch, 1977: 505) A visão da América apresentada por Koeppen não é de facto tão linear e fácil de definir, havendo muitos elementos que contradizem a interpretação optimista de imagem presente em Amerikafahrt. 76 4. ALGUNS MOTIVOS RECORRENTES Em subcapítulos anteriores, abordei e analisei já alguns dos motivos recorrentes em Amerikafahrt, como por exemplo: o poder do dinheiro e a sociedade consumista; a religião; o sentimento de solidão que atravessa a obra; a ideia do sonho americano; a crítica ao turismo de massas; o confronto com a mentalidade europeia e, mais especificamente, com a realidade alemã, especialmente a realidade da época nacional socialista. Também já referi que as viagens simbólicas presentes também nesta obra viagística abrangem vários domínios como o da literatura, da história, da política, das artes plásticas, do cinema, da filosofia. Pretendo agora salientar outros aspectos pertinentes para a exploração e compreensão de Amerikafahrt e da exposição da visão da América koeppeniana. Falarei, assim, em primeiro lugar, de um aspecto tão comum e banal quanto é a questão do alojamento e da alimentação, aspecto que aqui parece passar para um plano inferior ao plano que ocupa nas outras duas obras viagísticas, principalmente no capítulo que diz respeito ao relato sobre Espanha (Ein Fetzen von der Stierhaut), integrado no livro Nach Ru? land und anderswohin. Também abordarei o aspecto cultural, a ânsia de saber, a presença de universidades e bibliotecas para satisfazer a sede de conhecimento de todos. Outro ponto a realçar é a sensação de grandeza do continente americano e do papel da natureza. Finalmente, discutirei a questão racial, indissociável dos ideais americanos de liberdade e igualdade e das contradições existentes no quotidiano. 4.1. ALOJAMENTO E ALIMENTAÇÃO Tal como afirmei anteriormente, as impressões gustativas, o saborear das iguarias típicas de um país, a etiqueta à mesa, a descrição viva do cheiro e sabor a comida e bebida parecem estar mais presentes nas outras duas obras viagísticas de Koeppen. No relato Nach Ru? land und anderswohin, por exemplo, Koeppen apresenta, em especial no relato dedicado a Espanha, autênticos tratados de culinária. A curiosidade fá-lo registar os mais pequenos pormenores do ritual da refeição em Espanha: 77 Ich bin neugierig. Die erste Mahlzeit in einem fremden Land entscheidet, ob die Gegend einem gefallen wird. (...) da? dieses Hinwerfen des Besteckes spanische Sitte ist. (...) Man kann nicht nach der Karte essen. Es gibt das Gedeck. Das Gedeck besteht aus fünf Gängen, und jeden Gang darf man aus vier verschiedenen Gerichten wählen. Die Speisekarte ist handgeschrieben. Die Schrift ist kunstvoll verschnörkelt, so da? man sie nicht lesen kann. Wir ahnen nicht, was uns geboten wird, und der Kellner ist ein Schnellsprecher. Er schie? t die Namen der Speisen wie mit einem Maschinengewehr in unser Ohr. Wir wissen nicht, was wir essen, aber es schmeckt uns gut. (NR: 20) Koeppen experimenta também os pratos típicos, como por exemplo a paella, que tem a preocupação de descrever, demonstrando não só o seu lado curioso e de apreciador de comida mas também fazendo com que o destinatário da sua obra conheça os pratos e costumes espanhóis: Es gibt Spezialitäten aus Valencia, als Hausgericht die berühmte Paella, ein Reisessen, das auf einer glühend hei? en Pfanne direkt aus dem Ofen aufgetragen wird. In den Reis eingebacken sind gro? e und kleine Muscheln, Krebse, Krabben, kleine Langusten, - die Muscheln und Krebse in der Schale. Unter den Meertieren liegt ein Hühnerschenkel. Der Reis ist mit Safran gefärbt, mit Curry und Paprika gewürzt. (NR: 42) Também fala da bebida tipicamente espanhola, a sangria - «die rote Sangria aus Wein, Zitronen und Eis in funkelnden Karaffen» (NR: 32) -, e do costume de os espanhóis coleccionarem bebidas alcóolicas - «Wir gingen zu Chicote, dem Mann, der die grö? te Sammlung alkoholischer Getränke besitzen soll» (NR: 61). Na obra Reisen nach Frankreich também é notória a sensibilidade de Koeppen para apreciar os queijos franceses - «Hundert Sorten Käse gab es wohl, die meist vom Hausherrn mit Kennerschaft für das Mahl ausgesucht wurden» (RF:7 63) -, os croissants - «Nirgendwo scheinen die Croissants so knusprig zu sein wie beim Frühstück auf dem Boulevard Saint-Michel» (RF: 132) -, ou o vinho e o conhaque - «Cognac, berauschendes Fest zwischen Weinfeldern, Weinozeanen unter der hei? esten Sonne» (RF: 104). Dá-nos pormenores sobre a ementa e até o preço (vd., por exemplo, RF: 39) e ainda sobre a etiqueta francesa de se estar à mesa: «Man i? t nicht schnell, man speist mit Bedacht» (RF: 134). 7 Sigla utilizada neste trabalho para referir a obra de Wolfgang Koeppen, Reisen nach Frankreich, Frankfurt/Main, Suhrkamp, 1979. 78 Podíamos esperar que Koeppen nos mostrasse também em Amerikafahrt a sua experiência a nível de pratos saboreados. As suas experiências neste campo nos Estados Unidos não me parecem tão ricas, variadas ou excitantes. Pelo contrário, nem sempre Koeppen pode saciar a sua sede de álcool, pois os hotéis de Washington, por exemplo, não estavam autorizados a vender álcool aos domingos, pelo que as pessoas geralmente levavam as suas próprias garrafas num saco e depois só teriam de encomendar gelo e soda: Am Sonntag wurde in den Hotels von Washington kein Alkohol ausgeschenkt, und an einer Bar wird in der Hauptstadt überhaupt kein Durst gestillt. Das war das Gesetz. (...) Schlie? lich tröstete man mich und sagte mir, ich könne im Restaurant zum Essen ein Bier bekommen. (A: 49) Também em Salt Lake City depara-se com dificuldades em encontrar álcool, pois o vendedor faz-lhe primeiro um “exame” minucioso, perguntando-lhe por exemplo a cor dos olhos e só depois lhe dá um documento que o autoriza a receber durante um ano uma garrafa de aguardente por semana: Der Mann hinter dem Schalter fragte mich inquisatorisch nach meiner Augenfarbe, er zählte meine Haare, er wog mich auf einer Waage, und dann gab er mir einen Ausweis, der mich berechtigte, ein Jahr lang im neuen Zion wöchentlich eine Flasche Schnaps zu beziehen. (A: 127) Quando se refere à cuisine americana, Koeppen salienta o internacionalismo e a variedade de pratos, não tipicamente americanos mas sim de cada nação representada: «Auch in Washington a? man italienisch, japanisch, armenisch. Die Lokale waren ein Stück Italien, ein Fleck China, sie waren Kleinasien in vier Wänden» (A: 64). Koeppen descreve também, a dada altura, o seu pequeno almoço numa drugstore fora do hotel, para melhor conhecer o quotidiano americano e as próprias pessoas: Zu den Spiegeleiern gab es hier schon am Morgen geröstete Kartoffeln, der Toast schmeckte pappig, er war durch zerlassene Butter gezogen und klebte an den Händen. Aber frische Säfte, fette Milch, vorzüglicher Kaffee. Hier frühstückten die untersten Ränge der Bürokratie und des Geschäftslebens, Boten, Fahrer, die kleinen Employers, Studenten, junge Anwälte, junge Politiker, beginnende Journalisten. (A: 60-61) Talvez as camadas sociais mais elevadas tomassem o pequeno almoço no hotel (servido por negros de uniforme branco: «von schwarzen Kellnern serviert, die in ihren wei? en Anzügen an geschulte Irrenwärter erinnerten» A: 50), fora da confusão e mistura de classes ou raças, preferindo por exemplo esperar pacientemente para almoçar ou 79 jantar num restaurante de ostras: «Vor einem nahen Austernrestaurant warteten die Gäste geduldig in langer Reihe, und ein schärpenloser Polizist rief, wenn ein Platz frei geworden war, die nächsten Liebhaber auf» (A: 154). Relativamente a hotéis, não é de admirar a reacção de Koeppen ao saber o preço exorbitante de um quarto em Washington, dizendo haver um equívoco qualquer, uma vez que ele não era nenhum ministro ou gerente bancário (cf. A: 48). Os hotéis eram muitas vezes arranha-céus - «Das Hotel war natürlich ein Wolkenkratzer» (A: 16) - e a qualquer hora chegavam grupos de turistas e ouvia-se barulho toda a noite (cf. A: 24). Koeppen aprende alguns truques observando outros clientes de hotéis e aluga num outro hotel um quarto barato e confortável com acesso a uma cozinha equipada com frigorífico, fogão e louça, permitindo-lhe preparar as suas refeições ou trazer para casa refeições baratas: Im neuen Hotel hatte ich zum angenehmen, preiswerten Zimmer eine kleine Küche bekommen mit Eisschrank und Herd, mit Töpfen und Geschirr, und ich konnte wie die anderen Gäste, Offiziere und Beamte, zur Unterweisung oder zum Bericht in die Hauptstadt gerufen, im nahen Drugstore oder im Selbstbedienungsladen einkaufen, und was ich brauchte, sehr praktisch in gro? e Tüten gepackt, nach Hause tragen. (A: 59-60) Em Boston, Koeppen prefere ficar hospedado no hotel cujo Coffeeshop é frequentado por estudantes da Universidade de Boston (cf. A: 156). Compara estes estudantes com os estudantes da Universidade de Harvard, evidenciando uma maior simpatia pelos primeiros. Os estudantes de Boston são mais convencionais e parecem fazer por merecer o seu curso, que financiavam através de trabalho árduo. Nesse hotel ficavam também hospedadas muitas senhoras de idade, que fugiam para os seus quartos como ratos para o seu buraco. E uma vez mais os quartos do hotel, apesar de se tratar de um hotel de três estrelas, tal como em toda a parte na América, eram enormes, eram o triplo do tamanho dos quartos das melhores pousadas e albergues europeus (cf. A: 156). A ideia com que ficamos dos hotéis e dos restaurantes não é tanto de conforto e prazer em relaxar ou apreciar a gastronomia, mas mais da imponência, dos grandes custos e, consequentemente, da impossibilidade de estar ao alcance de todos os cidadãos americanos e visitantes estrangeiros. 80 4.2. BIBLIOTECAS E UNIVERSIDADES São abundantes as marcas de presença cultural em Amerikafahrt, não só ao nível de referências a obras ou figuras da literatura, política ou história mundiais, mas também a nível da existência de universidades e bibliotecas que Koeppen visita e de observações que faz quanto à ânsia de saber do americano. Ligada ao “Sonho Americano” de que todos têm a possibilidade de se tornarem homens novos e de serem recompensados pelo seu trabalho, empenho e dedicação, está a ideia do acesso livre a diferentes áreas de actuação, como por exemplo à cultura. Estas ideias fazem-me lembrar a resposta de Michel Guillaume de Crèvecoeur à questão “What is an American?”, em Letters from an American Farmer de 1782: Here individuals of all nations are melted into a new race of men, whose labours and posterity will one day cause great change in the world. (...) Here the rewards of his industry follow with equal steps the progress of his labour. (...) The American is a new man, who acts upon new principles; he must therefore entertain new ideas, and form new opinions. From involuntary idleness, servile dependence, penury, and useless labour, he has passed to toils of a very different nature, rewarded by ample subsistence. - This is an American... Certamente que as novas ideias e as novas opiniões, a participação na vida activa e o contributo para o futuro dos Estados Unidos não deveriam estar, como já tive oportunidade de referir, nas mãos de todos, um vez que “um Americano” referia-se tão somente, como afirmam Peter Carroll e David Noble em The Free and the Unfree, aos “WASP” (White Anglo-Saxon Protestant), delimitando desde já o americano não só a nível da cor ou da raça mas também a nível da religião e do sexo: «For the Founding Fathers, the American was a white Anglo-Saxon Protestant male» (Carroll e Noble, 1985: 134). Mas o sonho americano existia e persistia, assim como a Declaração da Independência e os seus ideais, o que levava torrentes de pessoas a afluir a este país pelas mais diversas razões e a lutar por aquilo que acreditavam e estava consagrado na Constituição e Emendas. Destas devemos relembrar as Emendas treze, catorze e quinze, que dizem respeito aos direitos civis: a 13ª Emenda refere-se à abolição da escravatura, resultante da Proclamação da Emancipação de Abraham Lincoln, em 1863, a 14ª Emenda assegura os direitos civis a qualquer pessoa que tenha nascido ou tenha sido naturalizada americana e esteja sujeita às leis do país e a 15ª Emenda deveria assegurar o direito ao voto dos negros. Ora, esta questão era geralmente contornada de modo a que 81 os negros não votassem na prática, não lhes permitindo o acesso à educação, à cultura. Não sabendo ler nem escrever, era difícil votar ou até formar uma opinião sobre qualquer assunto, político ou não. O acesso à cultura é, de facto, na minha opinião, uma grande arma. Não é por acaso que as ditaduras e regimes totalitários assentam na demagogia, no controlo do povo iletrado que, quanto mais ignorante, mais fácil é de manobrar. Como se sabe, a luta dos afro-americanos pelo acesso à educação também foi árdua, mas os resultados foram animadores: muitos escritores surgiram, versando principalmente temas da vida quotidiana dos americanos negros, denunciando as atitudes dos brancos e os conflitos existentes. Também surgiram importantes e influentes políticos negros, pastores, advogados, actores, por exemplo. Em Washington D.C., Koeppen admira os grupos de jovens negros, chineses e filipinos que visitam o “Lincoln Memorial” (cf. A: 42) e chama particularmente a sua atenção o grande número de “pessoas de cor”, principalmente negros mas não só, que correm ávidas para a bilioteca do Congresso, para as “fontes do saber”: und wieder fiel mir unter ihnen, die sich zu den Wissensquellen drängten, der hohe Anteil der Farbigen auf, vor allem natürlich der Neger, doch sah ich auch Inder, Chinesen, Vertreter der grö? ten und der kleinsten Völker an den Pulten sitzen, aufnehmen, wägen und schreiben. (A: 55) É interessante notar o advérbio “naturalmente” («natürlich der Neger»), uma vez que é tão evidente a abundância de pessoas de raça negra nos Estados Unidos relativamente a outras raças “não brancas”. Os negros são frequentadores assíduos da biblioteca pública, por trás da qual começa o seu bairro. Percorrem as prateleiras de livros e alguns até lêem à luz da lanterna: «Das Wohnviertel der Neger begann hinter der öffentlichen Bibliothek, die Amerikas dunkle Bürger auch in Washington flei? ig benutzten» (A: 65). A América é, assim, a grande nação dos alfabetizados - «Männer jeder Hautfarbe, eifrig Lesende, finster Studierende, Amerika ist eine Nation von Alphabeten» (A: 28); «Die Vereinigten Staaten waren und blieben in allen Himmelsrichtungen die Heimat der Alphabeten» (A: 109). Todas as raças anseiam pelo saber, realizando o sonho dos enciclopedistas no outro lado do mar - «Alle Rassen der Welt strebten zum Buch, zum Wissen, zur Erkenntnis, der schönste Traum des Enzyklopädisten erfüllte sich überseeisch» (A: 21). O próprio Koeppen via o seu sonho realizado perante o castelo de 82 livros que encontra na biblioteca do Congresso, sonho esse que tinha já enterrado, mas que volta a surgir com toda a sua força: In der Bibliothek des Kongresses stand ich in dem Hohen Tempel des Alphabetentums. Als junger Mensch hatte ich von einem solchen Bürgerschlo? geträumt, allmählich hatte ich den Traum begraben; doch hier in Amerika, in Washington erfüllte er sich: ich weilte in der idealen Bücherei. (A: 54-55) E uma vez mais as grandes dimensões americanas parecem sobrepor-se às europeias: «der Reichtum der Universität lä? t den Europäer sich arm fühlen» (A: 114). A Universidade de Harvard, em Massachussets, é de proporções tais que leva Koeppen a afirmar que Massachussets «ist eine Universität, der eine kleine Stadt gehört» (A: 155). A relva bem cuidada, onde jovens recebiam os seus diplomas embora parecendo não o ter merecido, as igrejas, as bibliotecas, os auditórios e as residências universitárias davam um ar de prosperidade, simbolizando a transformação, sempre possível na América, do dinheiro em espírito (cf. A: 155). 4.3. VASTIDÃO DO CONTINENTE AMERICANO A impressão que Koeppen nos dá dos Estados Unidos é a de um país de enormes proporções e de grandes contrastes. É principalmente durante as suas viagens de comboio de um lugar para outro que Koeppen sente a vastidão do continente americano e admira as grandes planícies desertas e os pequenos povoados: selbst vom sicheren Gemach des Zuges aus schien es mir in seiner Grö? e, seiner Leere, seiner Einsamkeit, seiner Gegensätzlichkeit und Schroffheit, seiner unmenschlichen Erhabenheit und natürlichen Ma? losigkeit unüberwindlich zu sein. (A: 85) Der Zug durchquerte (...) die Wüste. (...) Wie eine Fata Morgana erschien auf einmal eine backsteinummauerte Oase. (A: 89) E nesta imensidade havia ainda muito para explorar; daí Koeppen afirmar que a América não é um país de massas mas um país da solidão (cf. A: 89). Interessante será notar que à vastidão do continente americano parece corresponder a solidão, não só no deserto e nas travessias mais ou menos longas pelas cidades americanas, mas talvez também dentro da própria cidade. Tudo parece ter proporções exageradas: os prédios, as casas, os monumentos são enormes e os povos que habitam as cidades são de diversas 83 etnias, culturas e religiões. Porém, o ser humano parece estar só ou, melhor, “seul dans la foule”. A solidão não será aqui entendida como ausência de pessoas à sua volta, mas como sentimento de abandono, de falta de amparo, de negligência e esquecimento por parte da sociedade, de carências afectivas e de ausência de relações de amizade. Até a natureza parece ingrata neste quadro pessimista. A natureza prega partidas aos homens, revolta-se, faz frente e torna-se por vezes inóspita, quando por exemplo os homens têm de suportar temperaturas elevadíssimas ou são de repente confrontados com furacões, terramotos ou tempestades: und die freundliche Natur, mit der man sich eins wähnte, hebt bald grausam ihre furchtbare Pranke, kommt mit entsetzlichen Unwettern, mit glühender Sonne, brennendem Gras und Baum, mit Hurrikanen im Sommer und Blizzards im Winter und immer gigantisch. (A: 44) Às catástrofes humanas, provocadas por meios de transporte tão úteis quanto mortíferos como o avião e o automóvel, juntam-se as catástrofes naturais, como se fosse o flagelo de Deus sobre a terra: «Und die Natur, dir gro? e ungezähmte Natur Amerikas brach mit Stürmen, Feuer und Wasser immer wieder wie Gottes Gei? el über Gottes eigenes Land» (A: 55). A imponência das cidades americanas e dos seus arranha-céus, crescendo em direcção ao céu em busca de mais espaço e ordem, parece anular-se perante a mãenatureza, que todos acabam por temer mas que nem por isso impede o Homem de prosseguir na sua conquista e controlo quase absoluto dos bens da terra. 4.4. QUESTÃO RACIAL A contemplação das grandes obras norte-americanas (por exemplo os arranhacéus e os edifícios sumptuosos) e o estudo da história norte-americana e de figuras tão importantes para o nascimento dos Estados Unidos e para a sua independência relativamente à Inglaterra com o lançamento de bases visando os direitos inalienáveis do homem, de que Benjamim Franklin e Thomas Jefferson falavam na Declaração da Independência de 4 de Julho de 1776, fazem-nos acreditar no surgimento de um novo homem, de uma nova raça, de um paraíso terreno onde todos os sonhos são realizados. Já por isso quando se fala na América pensa-se geralmente no conceito de melting-pot e 84 no “Sonho Americano”. Também Koeppen, ao ver a América como país escolhido por emigrantes oriundos dos mais diversos pontos do globo, parece acreditar nessa nova raça e num novo ideal de homem, nessas verdades e direitos de que fala a Constituição Americana: We hold these truths to be self-evident, that all men are created equal, that they are endowed by their Creator with certain unalienable Rights, that among these are Life, Liberty and the pursuit of Happiness. (Microsoft® Encarta® 98 Encyclopedia) Koeppen fala, na linha da ideologia do melting-pot ou país cadinho, nas perfeitas misturas de sangue da cidade («all die herrlichen Blutvermischungen der Stadt», A: 21; «alle Völker aller Erdteile [waren] stolz, Amerikaner zu sein», A: 52), de uma vontade forte de se ser americano («Du möchtest Amerikaner sein», A: 27), de um novo mundo, de um novo povo ou raça («sie waren die Neue Welt», A: 29; «ein neues Volk, das schön, stolz, unbefangen, frei wirkte und aufrecht schritt», A: 93); «hatten eine neue Rasse hervorgebracht», A: 93), da presença de todas as nações e seus idiomas («Jede Nation, jede Sprache war vertreten», A: 40) e das capacidades ilimitadas oferecidas pela América («bewies wieder einmal die unbegrenzten Möglichkeiten Amerikas», A: 158). No entanto, esses ideais tão aclamados não são sempre respeitados e as contradições e anomalias do sonho americano são postos a descoberto. Talvez fosse então mais apropriado falar-se, como sugere Marc Ferro, em Falsificações da História, utilizando a expressão de Fitzgerald, numa transição da ideologia do melting-pot para a do salad-bowl, de uma salada em que cada ingrediente mantém as suas características e qualidades, as suas idiossincrasias, distinguindo-se de todos os outros (vd. Ferro, 1981: 246). Há assim na América numerosos povos, muitas vezes agrupados em quarteirões, bairros ou guettos tão variados como os chineses, italianos, espanhóis, gregos (cf. A: 162), indianos, russos, tibetanos (cf. A: 40). Mas a raça mais discriminada, que mais tem sofrido e ainda sofre de segregação racial nos Estados Unidos é, sem dúvida, a raça negra. São inúmeras as referências a injustiças cometidas contra este povo e, embora se note uma diferença entre a nova geração de negros e os seus antepassados (cf. A: 142), os conceitos opostos branco / preto ainda persistem e é muito difícil erradicar o racismo até do país que se aclama como o país da igualdade de direitos e da liberdade. Assim, os negros são apenas, como em Central Park South, em Nova Iorque, porteiros e engraxadores (cf. A: 34); nas vitrinas não há bonecas negras (cf. A: 37) e, embora 85 trabalhem juntamente com os brancos e partilhem a mesma cantina e os mesmos escritórios, depois do trabalho os negros partem para outro mundo, não podem alugar certas casas e com certeza um colega branco nunca os apresentaria à sua irmã (cf. A: 132-133). É nos estados do Sul que a segregação negra é ainda mais forte. Nova Orleães é uma cidade branca e preta: há restaurantes, cafés, sanitários públicos para brancos e outros para pretos. No eléctrico, a lei obrigava a que os negros se sentassem atrás (cf. A: 72), o que me faz lembrar o boicote dos autocarros de Montgomery, no Alabama, em 1955, despoletado pela passageira negra Rosa Parks e que durou mais de um ano (381 dias), mas que conseguiu o anulamento das leis de segregação nos autocarros. Nesta luta também é importante recordarmos o papel de Martin Luther King Jr. como presidente da organização norte-americana para os direitos civis, a Conferência de Líderes Cristãos Sulistas e o seu sonho de liberdade para todos (o famoso discurso “I have a dream” de 28 de Agosto de 1963). Também é vasta a literatura sobre este tema e que pode completar as ideias de Koeppen quanto à segregação e injustiça racial. São conhecidos escritores como Nathaniel Hawthorne (autor de The Scarlet Letter, de 1850, por exemplo), Harriet Beecher Stowe (autora de Uncle Tom’s Cabin, de 1852), Ralph Waldo Emerson, Henry David Thoreau, Henry Wadsworth Longfellow, Langston Hughes, Carl Sandburg, Ralph Waldo Ellison (autor de Invisible Man, de 1952), Harper Lee (autora de To Kill a Mockingbird, de 1960), ou ainda Richard Wright (um dos primeiros a descrever as condições de vida dos negros na sociedade norte-americana do século XX no seu romance trágico Native Son, de 1940 e na autobiografia Black Boy, de 1945), James Baldwin, Imamu Amiri Baraka (com peças sobre o separatismo negro como Dutchman e The Slave, ambas de 1964), Frederick Douglass (com Narrative of the Life of Frederick Douglass, de 1845) e muitos outros, sem esquecer os nomes da literatura versando o Sul americano que Koeppen cita, como William Faulkner e Mark Twain. Ainda em Nova Orleães, Koeppen encontra dois bares, um para brancos e outro para negros. E, embora Koeppen opte por entrar no bar negro, os negros indicam-lhe o outro bar, não por descortesia mas para evitarem problemas: Ich trat an die schwarze Bar, und man wies mich hinüber zur wei? en. Man tat es nicht unfreundlich, aber man wollte meinetwegen keine Schwierigkeiten. Arme Wei? e aus der Nachbarschaft und arme Neger aus der Gegend tranken den gleichen billigen Schnaps, das Bier derselben Marke, aber die Gosse, die 86 ihre Ausschänke voneinander trennte, schien unüberbrückbar zu sein. (A: 7778) Também aqui está presente a preferência de Koeppen pelas minorias étnicas, pelas vítimas de injustiças, cuja situação entende e com os quais se sente solidário. Chicago é também uma cidade branca e preta (cf. A: 132) e esta polaridade branco / preto percorre toda a obra, enfatizando o conflito racial bem vivo no país dos sonhos. Os negros, ou “afro-americanos” - designação preferida pelos negros norteamericanos - lutam pois pelo seu “orgulho” ou pelo “poder negro”, cuja primeira manifestação podemos ver em Harlem, chamada a “cidade negra” (cf. A: 34-35) por ter sido o lugar onde, a partir do início do século XX, aspectos da cultura afro-americana, incluindo o jazz, floresceram e atraíram um novo público branco. A sua autoconfiança afirma-se cada vez mais, os negros tentam pôr fim à escravatura secular a que foram submetidos e que a Proclamação da Emancipação do Presidente Abraham Lincoln, em 1863, pareceu não resolver na prática: «Überall (...) wurde offenbar, da? die Farbigen, die lange unterdrückten Völker das grö? ere Zutrauen zu der einigen Welt hatten» (A: 167). Outro grupo que parece ter chamado a atenção de Koeppen como vítima de injustiças sociais e práticas discriminatórias é o dos judeus, os quais também trouxeram as suas crenças religiosas e cultura própria e se instalaram nos Estados Unidos em bairros (cf. A: 29), fugindo de vários pontos da Europa numa época de perseguições horrendas: «Es waren Juden aus Europa, die sich zur Zeit des rasenden Ungeheuers so weit nach Westen gerettet hatten» (A: 100). Também no bairro judaico de Nova Iorque os judeus mantêm vivas as suas tradições, tal como eram praticadas na Europa de Leste: «sie gingen, wie sie in Osteuropa zu ihrem Gott gegangen waren, schwarz, bärtig, ernst» (A: 162). E a última visão de Koeppen antes de deixar o continente americano é um cemitério judaico, denunciando subtilmente, na minha opinião, as mortes de milhares de judeus durante o holocausto nazi, os campos de concentração e as atrocidades cometidas durante a Segunda Guerra Mundial. 5. SIMBOLISMO DA VIAGEM 87 Na apresentação do “roteiro” da viagem física empreendida por Koeppen através dos Estados Unidos da América, aflorei já alguns aspectos respeitantes a uma outra dimensão da viagem, aquilo a que poderemos chamar a “dimensão simbólica” ou, ainda, “viagens simbólicas”, incursões e devaneios, referências e alusões a campos tão diversos como a literatura, a pintura, a história, a filosofia ou a política. É um sem-número de nomes que Koeppen menciona e por vezes até cita aquando das suas observações. Segundo um crítico: Allein in der “Amerikafahrt” werden in Vergleichen, Assoziationsketten, wörtlichen Zitaten und Slogans einige Dutzend Werke der Weltliteratur genannt und ihre Gestalten, Schauplätze und Handlungen zum Leben erweckt: Figuren, die den Werken O’Neills, Tennessee Williams, Mark Twains, Jack Londons oder Carson McCullers entstammen könnten, betreten die amerikanische Gegenwartsszenerie; Gebäude erinnern an Franz Kafka, Herman Melville oder Evelyn Waugh; Landschaften wie aus den Büchern von Bret Harte, Thomas Mann, William Faulkner und Upton Sinclair ziehen vorbei; Gerstäcker, Karl May, Cooper und Sealsfield scheinen den Reisenden zu begleiten. Ebenso gehört zur “Amerikafahrt” ein buntes Arsenal historischer Gestalten, das von Nero bis zur Herzogin von Windsor reicht. Und immer wieder wird auf die griechische Mythologie verwiesen, die vor allem als Szenarium für düstere Schilderungen herhalten mu? , was Vokabeln wie “Labyrinth”, “Hades” und “Styx” verraten, wenn der ironische Unterton auch nicht zu verkennen ist. (Koch, 1977: 518) Estas deambulações pela literatura e história mundiais atestam o alto nível cultural de Wolfgang Koeppen, a que já aludi anteriormente, e confirmam a afirmação de Helmut Hei? enbüttel de que nesta obra de Koeppen se trata de uma América da imaginação, do sonho, da fantasia (vd. Hei? enbüttel, 1976: 37). Vejamos, pois, alguns exemplos dessas “viagens” por outros domínios que não o domínio da deslocação física. 5.1. VIAGEM “LITERÁRIA” Logo na primeira frase, que contém mais de 470 palavras, Koeppen descreve a sensação da partida de navio desde o porto de Le Havre em França em direcção aos Estados Unidos da América. Numa cadeia de associações, Koeppen mistura lugares reais e fictícios, figuras históricas e literárias, expressões inventadas e partes de citações. Fala, a propósito do Plano Marshall, do poder do dólar, a que ele chama “cheque para a liberdade e contra a fome”; fala ainda da guerra do oeste selvagem e da grande batalha nas “selvas das cidades”, de edifícios conhecidos como o Pentágono e a Casa Branca, da 88 experiência única que é atravessar o Oceano Atlântico por via marítima, como o fez Cristóvão Colombo, sensação que não tem comparação com uma travessia por via aérea. Koeppen lembra, nesta primeira frase, o nome de André Maginot - «Maginots wierdererstandene Illusionen» (A: 7) -, o Ministro da Guerra francês que pensava evitar a invasão da França pela Alemanha através da construção de uma fortificação ao longo da fronteira entre estes dois países, mas que viu o seu plano malogrado, pois a Alemanha pôde calmamente invadir a França em 1940 através da fronteira franco-belga. Lembra também «die irren Lichter O’Neills, die Durchleuchtungen Tennessee Williams’, Faulkners Genie» (A: 8), três grandes nomes da literatura americana. Eugene Gladstone O’Neill é considerado o escritor mais importante do teatro americano e ganhou quatro prémios Pulitzer e foi o único dramaturgo americano a receber o Prémio Nobel da Literatura (em 1936); Tennessee Williams foi também um dramaturgo americano e vencedor de um Prémio Pulitzer e as suas obras têm como pano de fundo o Sul americano, apropriado para a mescla notável de decadência, nostalgia e sensualidade; e William Faulkner, um dos maiores escritores da América, Prémio Nobel da Literatura em 1949, conhecido pelo retrato épico do conflito trágico entre o novo e o velho Sul e por ter experimentado novas técnicas literárias, incluindo a “stream of consciousness”. Umas linhas depois, Koeppen ignora os condicionalismos cronológicos e torna figuras como Sartre, Mauriac e Zola personagens: imagina o intelectual francês existencialista Jean-Paul Sartre e o romancista católico François Mauriac a gritar a famosa frase de Émile Zola, “J’accuse”, de uma carta de 1898 respeitante ao chamado “caso Dreyfus”, em que Zola acusa as autoridades civis e militares francesas de mentirem no controverso processo de acusação de traição contra o oficial de artilharia judeu Alfred Dreyfus. Também menciona Georges Simenon, conhecido pelas histórias de detectives sobre o inspector Maigret, que solucionava os crimes através da intuição psicológica e da compreensão dos motivos do criminoso - «Man schenkte den herben Wei? wein aus, den nach Georges Simenon die Kommissare der französischen Kriminalpolizei lieben» (A: 9). Uma imagem de propaganda ostentando uma loura vestida à marinheiro lembra o pintor francês impressionista Pierre Auguste Renoir: «Auf einem Leuchtbild warb eine üppige Blondine aus dem Samen Renoirs und als Matrose gekleidet für ein schäumendes Bier» (A: 9). 89 Sucedem-se outros nomes conhecidos internacionalmente, que surgem a propósito de um objecto, de um edifício, de uma visão ou de um reparo. Tentarei agrupar grande parte desses nomes segundo o domínio ao qual se referem. Assim, alguns dos nomes mais marcantes da literatura mundial mencionados são: Samuel Beckett, Gottfried Benn, Bertolt Brecht, Albert Camus, Theodore Dreiser, William Faulkner, Jean Genet, Wolfgang von Goethe, Heinrich Heine, Paul J. Ludwig von Heyse, Ernest Hemingway, James Joyce, Jack Kerouac, Egon Erwin Kisch, Jack London, Thomas Mann, Guy de Maupassant, François Mauriac, Carson McCullers, Herman Melville, Michel de Montaigne, Eugene Gladstone O’Neill, Max Reinhardt, Georges Simenon, Upton Sinclair, Robert Louis Stevenson, Mark Twain, Paul Verlaine, Evelyn Waugh. É ao aproximar-se da América que cita uma passagem da obra máxima de Herman Melville, Moby Dick, em que descreve a cidade de Nova Iorque (cf. A: 11), e da obra Amerika de Franz Kafka, descrevendo a impressão causada pela Estátua da Liberdade (cf. A: 11). A América das suas próprias expectativas faz lembrar Mark Twain e Walt Whitman (cf. A: 13), o mundo à volta do rio Mississipi e os dias dos poetas. Segundo Gottfried Benn, as grandes cidades aguardam à noite as modificações dos bastidores (cf. A: 22), e o público mais encantado do mundo é também o público de Reinhardt, Jessner, Charell e Brecht (cf. A: 22). Ao ver as tavernas baratas de álcool da Sexta Avenida, Koeppen pensa no Eismann de O’Neill (cf. A: 24), referindo-se claramente à obra deste autor The Iceman Cometh (1946), que retrata um grupo de desadaptados sociais incapazes de viver sem ilusões. No bairro alemão “vê” a Lorelei de Heine (cf. A: 38) e no bairro dos negros, onde começa a biblioteca pública de Washington, vê pessoas a ler Robinson, Hemingway, Camus e Oppenheimer (cf. A: 65). Nas ruas desertas de Nova Orleães passeia-se o carro “Desire” de Tennessee Williams com um único passageiro, um velho negro (cf. A: 72), remetendo para a peça A Streetcar Named Desire (1947). O edifício do Instituto Bíblico é exactamente igual ao hotel Excelsior no Lido, na obra Tod in Venedig de Thomas Mann (cf. A: 91). A expressão “beat generation” obriga à menção de Jack Kerouac (cf. A: 99), pois foi este autor o primeiro a usá-la no romance On the Road (1957), um relato espontâneo e solto, em grande parte autobiográfico, da experiência dessa geração na América. Os expoentes do teatro do absurdo, Samuel Beckett e Jean Genet, também são mencionados quando 90 Koeppen fala de Hollywood e da emigração interna da cidade do cinema (cf. A: 104). Ainda em Los Angeles, Koeppen sente-se tentado a visitar o cemitério de Hollywood, o cemitério de Forest Lawn, cujas sepulturas Evelyn Waugh tornou célebres no seu romance The Loved One, de 1948 (com a tradução em alemão Tod in Hollywood), onde descreve as práticas funerárias para as pessoas e os seus animais de estimação com fantasia grotesca e irónica (cf. A: 104-105). Koeppen acrescenta ainda concordar com esta visão de Waugh: «mu? ich (...) bekennen, da? Evelyn Waugh nichts erfunden, nichts hinzugefügt hat - es ist unmöglich, über Forest Lawn keine Satire zu schreiben» (cf. A: 105). Também revela os seus gostos e preferências, quando diz que não gostaria de aceder ao pedido do professor que conhecera na Universidade de Berkeley de o levar a ver as sepulturas de Geibel e Heyse (cf. A: 117). Nos quarteirões dos pobres em São Francisco, é um vagabundo com um só braço e “com o crânio comovedor de Verlaine” que o guia para uma taverna e é aí que encontra um pedinte vestido como um pirata e que lembra a Treasure Island (1883) de Robert Louis Stevenson. Ainda em São Francisco, num “Jazz-Workshop”, uma jovem de rosto bonito e não maquilhado exprime a amargura da flor da amarílis, como o poeta alemão Friedrich Rückert descreve num poema famoso e lembra também as raparigas amargas da escritora Carson McCullers: Eine junge Dame drückte in ihrem schönen, ungeschminkten Gesicht die Bitternis der Amaryllis aus, wie sie Rückert in seinem berühmten Gedicht beschreibt. (...) Sie erinnerte mich auch an die bitteren Mädchen der Carson McCullers. (A: 121) A travessia de comboio de São Francisco a Chicago fá-lo sentir como os aventureiros de Jack London (cf. A: 123). A cidade de Chicago é para Koeppen o palco dos romances de Theodore Dreiser (cf. A: 133), o poeta de An American Tragedy (1925), um romance baseado num caso real de assassínio e que retrata os esforços de um jovem fraco para subir da sua pobreza para a alta sociedade. Em visita às “Stock Yards” de Chicago, Koeppen relembra Upton Sinclair (cf. A: 140), que descreve e denuncia no seu romance The Jungle (1906) as condições das cercas onde os animais esperavam para serem vendidos, e os abusos da indústria de embalagem de carne: «sie rochen auch heute noch nach Blut, sie rochen nach Dung und Notdurft, nach Angst und Überlebenwollen» (cf. A: 140). De novo em Nova Iorque fica deslumbrado com uma encenação baseada na obra Ulysses de James Joyce: Was ich bezweifelt, was ich nicht für möglich gehalten hatte, gelang ihm [einem bekannten Komiker]; die ununterbrochenen Eruptionen des Unterbewu? tseins 91 wurden sichtbar gemacht, die Gedankenspiele, der innere Monolog, die sich jagenden Abenteuer, Spekulationen, Täuschungen des Geistes wurden zur Szene, gingen über die Bühne, und es offenbarte sich mir, wie verwandt dieses Spukstück aus dem »Ulysses« Partien aus dem zweiten Teil des »Faust« ist, und Joyce war so klassisch, wie Goethe modern bleibt. Die Nacht von New York war magisch. (A: 162) 5.2. VIAGEM “HISTÓRICO-POLÍTICA” No campo histórico-político, os nomes que encontramos são, por exemplo, grandes nomes ligados à Revolução Americana da Independência contra o jugo britânico - Benjamim Franklin, Thomas Jefferson, George Washington, Paul Revere e o Marquês de Lafayette, um militar e homem de estado francês que também se pôs ao lado dos colonos americanos na sua luta pela independência; são citados também Abraham Lincoln, o décimo sexto presidente dos Estados Unidos que levou os estados do Norte à vitória na guerra civil (1861-65) entre Norte e Sul, conseguindo a reunificação dos Estados Unidos e a emancipação dos escravos negros; o presidente Dwight D. Eisenhower e o seu secretário de estado John Foster Dulles; o presidente Richard Nixon; e ainda Robert Fulton, inventor e engenheiro americano que desenhou o primeiro barco a vapor eficiente, inaugurando a nova era de navegação de accionamento mecânico. Também se fala de Al Capone, gangster célebre na Chicago da década de 20, durante a Lei Seca, e de John Dillinger, criminoso americano, que atraiu a atenção por uma série de crimes cometidos durante um período de treze meses de 1933 a 1934 e que era considerado “inimigo público número um”. No panorama político alemão, aparecem os nomes de Otto Bismarck, responsável pela unificação da Alemanha e pela formação de Segundo Reich e Adolf Hitler, o “Führer” do Terceiro Reich, responsável pelas atrocidades cometidas contra a humanidade durante a Segunda Guerra Mundial. A propósito dos estados que atravessa desde Washington a Nova Orleães (cf. A: 68), Koeppen fala da rainha Isabel I de Inglaterra, que deu o nome ao estado de Virgínia, pois era chamada “The Virgin Queen”; do rei Carlos II, que outorgou as Carolinas aos principais apoiantes da causa realista durante a rebelião que teve lugar no seu reinado; e do rei Jorge II, que deu o nome ao estado de Georgia. 92 Outras figuras da cena política e histórica dignas de menção são os imperadores romanos Calígula e Nero; o imperador Barbarossa; o imperador de França e megalómano Napoleão Bonaparte; o explorador italiano Cristóvão Colombo, que descobriu a América em 1492; o revolucionário da imprensa Johannes Gutenberg; e ainda Simão Bolívar, conhecido como “O Libertador” ou o “George Washington da América do Sul”, por ter sido o líder principal na luta da independência da América do Sul sob o domínio espanhol. Neste contexto, Koeppen encontra um epitáfio na Igreja Trinidad em memória de Robert Fulton, «der das Unterseeboot erfand und als erster mit einem Dampfschiff über den Hudson fuhr» (A: 31), e perto da igreja, na Wallstreet, está um monumento a Washington e a seus pés flores frescas (cf. A: 31). Na rua 86 de Nova Iorque, parece ver o Imperador Barbarossa, com a barba “crescida através da mesa” (cf. A: 38), e Otto Bismarck com o chapéu mole de aba caída (cf. A: 38). Na Estação Pensilvânia, algumas mulheres, de rosto bem maquilhado e olhar rígido e bondoso ao mesmo tempo, apresentam a boca rígida e puritana de John Foster Dulles (cf. A: 43). Comove Koeppen ver crianças negras e brancas a olharem para o libertador de escravos Lincoln (cf. A: 52) no Lincoln Memorial. Gutenberg aparece como irmão gémeo de Colombo (cf. A: 55); o monumento a Thomas Jefferson era um pequeno panteão, uma homenagem também a Paris e Roma, onde se encontram inscritas as famosas palavras do terceiro presidente dos Estados Unidos: «Am Altar Gottes habe ich in jeder Form der Tyrannei über die Menschen ewige Feindschaft geschworen» (A: 57). Napoleão deveria ter encontrado asilo numa casa luxuosa das ruas de Nova Orleães, cujos nomes honravam os Bourbons (cf. A: 72), e o seu porte numa estatueta mostra-o como um vencido numa batalha (cf. A: 76). Na varanda de um salão de bailes, as freiras negras passeiam-se de um lado para o outro, numa tentativa de repetir a grande festa dada outrora em honra do Marquês de Lafayette (cf. A: 77). As rolas-das-índias de Nova Orleães pairam no ar aveludado de Luisiana à volta do monumento a Simão Bolívar (cf. A: 78). Os poetas que frequentam a taberna de intelectuais de São Francisco têm a cara de Calígula (cf. A: 112) ou a cabeça do jovem Nero (cf. A: 113). Perto de uma pintura estão pendurados recortes de jornais com títulos como «Nixon in Peru gesteinigt» (A: 113). Os gestos hécticos e a voz histérica do pregador Billy Graham assustam Koeppen, que crê ver nele o futuro Hitler americano (cf. A: 115), que aliás um motorista negro tinha já considerado «die bedeutendste Erscheinung des Jahrhunderts» (A: 66), mas que, para Koeppen, tem lugar 93 ao lado do criminoso John Dillinger (cf. A: 165). Al Capone é uma memória que os habitantes de Chicago parecem querer esquecer (cf. A: 133), ao contrário de Paul Revere e Benjamim Franklin, cujos actos heróicos em prol da causa americana contra os ingleses serão sempre lembrados (cf. A: 151). Lincoln, Washington e Eisenhower aparecem numa pequena bandeira em postais (cf. A: 152) e Lincoln até pisca o olho a Cino Cinotti, sem ninguém reparar (cf. A: 152). 5.3. VIAGEM “ARTÍSTICA” Quanto à viagem “artística”, os nomes referidos abrangem campos como a pintura, a música ou o cinema. Temos, assim, no domínio da pintura: Georges Braque, Leonardo da Vinci, Lucas Cranach, Pablo Picasso, Pierre Auguste Renoir e Rubens. No domínio da música clássica, encontramos nomes como George Frideric Händel, Joseph Haydn, Wolfgang Amadeus Mozart, Richard Wagner e Robert Schumann, e no da música jazz o saxofonista Charlie Parker e o Duke Ellington. No campo do cinema, são mencionados os nomes de Charlie Chaplin, James Dean, Jayne Mansfield, Marilyn Monroe e Sarah Bernhardt. Em Amerikafahrt, vemos os quadros de Renoir, Braque, Picasso e Leonardo da Vinci pendurados em exposições de arte (cf. A: 149), em casas elegantes (cf. A: 62) ou igrejas (cf. A: 106), ou encontramos ainda figuras cujo semblante lembra Cranach (cf. A: 37) ou Renoir (cf. A: 9) ou cuja maneira de vestir lembra Rubens (cf. A: 112). Ouve-se baixinho música romântica de Mozart e Haydn num cemitério para os mais abastados, em Los Angeles. O organista de um templo em Salt Lake City toca o “Phopheten Geburt” de Robert Schumann (cf. A: 126), e o edifício Palmolive assemelha-se ao castelo do Graal de Richard Wagner (cf. A: 148), remetendo para a obra Parsifal sobre a lenda do rei Artur e a demanda do Santo Graal. Em Nova Iorque, vai ao longo do parque em direcção ao «Duke Ellingtons Negro Heaven» (A: 35). Charlie Parker, que morreu de morfina, é um dos dois deuses da boémia da Califórnia ou da chamada “geração perdida” (cf. A: 99). O outro deus é James Dean, que morreu num acidente de viação (cf. A: 98). A imagem da actriz Jayne Mansfield serve para fazer publicidade numa vitrina de nova Iorque (cf. A: 18), e num bar Koeppen come ao lado de uma Marilyn Monroe, «die es unsagbar komisch fand, da? ich nach europäischer Weise das Messer benutzte. Marilyn 94 Monroe lachte schallend, doch nicht böse, und sie versprach mehr als ihre Hamburger hielten» (cf. A: 64). A necessidade de tocar em botões num mecanismo que fizesse surgir uma cama no comboio para Nova Orleães faz Koeppen sentir-se tão desajeitado como Chaplin (cf. A: 66-67), que, porém, é o único génio que o filme jamais criou, mas que não tem as suas marcas ou pegadas no passeio da fama de Hollywood, não vendo, deste modo, reconhecido o seu valor (cf. A: 102). As senhoras mais velhas da metrópole do cinema parecem-se com grã-duquesas russas ou com actrizes que ainda entraram em cena com Sarah Bernhardt (cf. A: 101). 5.4. VIAGEM “FILOSÓFICA” A nível da digressão pela filosofia e das reflexões filosóficas surgem, por exemplo, nomes como Jean-Jacques Rousseau, Johann Gottfried Herder, Kierkegaard, Friedrich Wilhelm Nietzsche, Jean-Paul Sartre e Sócrates. Na obra Amerikafahrt, o filósofo existencialista francês Sartre junta-se ao escritor François Mauriac no grito “J’accuse”, de Zola (A: 9); os índios condenados à morte pela colonização representam o bom selvagem de Jean-Jacques Rousseau (cf. A: 56); o trompetista de jazz que Koeppen encontra em Venice é um Kierkegaard que fora atirado para um inferno existencial sartriano e que gritava de lá (cf. A: 99); na academia de Berkeley, Koeppen crê ver os alunos e o político ateniense Alcibíades, mas não encontra Sócrates (cf. A: 114). Ainda em Berkeley, mostram-lhe uma obra de dois volumes sobre o filósofo alemão Johann Gottfried Herder, obra que, na sua opinião, não teria encontrado uma editora na Alemanha para ser publicada (cf. A: 117-118), mas, acrescenta, aqui até teriam chamado Nietzsche e publicado as suas obras se ele vivesse ainda nos nossos dias e fosse expatriado (cf. A: 118). Interessantes são ainda as reflexões que Koeppen faz sobre a morte e a sua filosofia sobre os cemitérios, afirmando que as sepulturas dizem muito sobre uma cidade e os seus habitantes, pelo que nunca deveríamos esquecer-nos de visitar os cemitérios dos países estrangeiros (cf. A: 79). Por isso, Koeppen visita-os e não só descreve o cemitério e as flores e campas que lá encontra, mas lê também as inscrições, conhecendo assim, de facto, mais sobre as personalidades que habitaram a cidade onde se encontram agora em eterno repouso. Critica também os textos pomposos e as figurinhas de gesso 95 que enfeitam as campas de Forest Lawn (cf. A: 105). Para ele, estas figuras lembram os parques russos, sendo esse o único sinal de bolchevismo no cemitério (cf. A: 105-106). Muitas vezes, Koeppen faz ainda perguntas retóricas ou do foro especulativo. Por exemplo, ainda em Paris, interroga-se por quanto tempo o fogo-fátuo do Iluminismo e a lâmpada mágica da literatura brilharão (cf. A: 8). Ao falar dos emigrantes que partem para a terra prometida, em busca não só de melhores condições de vida mas também de liberdade de pensamento e de religião, pergunta até onde vão as exigências desses emigrantes: «verlangten sie allein nach Brot oder schon nach dem Traumauto der Illustrierten?» (A: 9). Isto leva-nos a concluir que se nos primórdios da colonização americana, os motivos se prendiam essencialmente a questões de liberdade a nível político ou religioso e a questões económicas, agora as aspirações das pessoas vão mais longe, numa linha de consumismo, pretendendo enriquecer e não sobreviver apenas. Quando vê o epitáfio a Robert Fulton, o inventor do submarino e o primeiro a atravessar o rio Hudson num navio a vapor, interroga-se se Fulton saberia para onde seguia a viagem (cf. A: 31), reportando-se talvez não só à viagem pelo rio mas principalmente ao decorrer dos acontecimentos num futuro mais ou menos próximo. A hora de ponta, coincidindo com o fecho dos escritórios, provocava engarrafamentos nas ruas das cidades, mas depois era impressionante onde ficava essa gente toda (cf. A: 64). As estradas ficavam, como Koeppen muitas vezes refere, vazias, sem vida ou presença humana, pois os americanos parecem preferir o conforto dos seus lares depois de um dia de trabalho e do frenesim da vida citadina. Ao atravessar a vastidão do continente americano no expresso de Santa Fé, Koeppen fica espantado com o aparecimento repentino do que ele chama uma “cidade de caravanas cheia de mistérios” («eine rätselvolle Wohnwagenstadt», A: 83) no vasto deserto e inquire-se sobre essa mesma cidade e o modo como as pessoas se teriam aí juntando, perguntas essas que permanecem sem resposta (A: 85). Koeppen pergunta também por que razão as pessoas odiariam Nixon (A: 113), se Schumann e Joe Smith já se conheciam (A: 126) e o que fazia na realidade a hospedeira do comboio da Califórnia para Chicago, tão bem vestida e maquilhada (cf. A: 130), parecendo preocupar-se mais com a sua aparência física do que com o trabalho a desempenhar. 96 Em Chicago, observa um grupo de estudantes negros, que enchem o autocarro no qual Koeppen viajava e que representavam uma nova geração, diferente, activa e crente no futuro (cf. A: 142). O orgulho e o sonho estavam-lhes estampados no rosto e não lhes parecia faltar nada. Irónico será confrontarmos esta imagem com a intenção dos “idealistas” de Chicago e do seu plano para erradicar os slums da cidade. Ao colocar negros e pobres lado a lado na afirmação «Alle Neger und alle Armen strebten ihm [dem Geschäftsviertel] zu» (A: 143), a crítica de Koeppen torna-se ainda mais mordaz, enquanto denúncia das contradições americanas. O centro comercial onde desembocavam as escadas do metro é um paraíso da oferta e da abundância, da tentação e do desperdício de dinheiro. O nome da firma é, por erro do néon, não Sgott & Co. mas “Gott & Co.”, concedendo uma conotação quase divina ao dinheiro e à abundância reinantes na América. Nesta linha de exaltação do país, podemos entender o ar desconcertado de Koeppen perante a gerente da editora Ebony, uma editora onde trabalhavam exclusivamente negros, que estavam, como afirma, domesticados e adaptados aos costumes brancos: «Ja, was hatte ich nur zu finden gehofft? Eine bessere Welt? Den besseren Menschen?» (A: 145). A gerente esperava que Koeppen se mostrasse maravilhado pela organização, pela limpeza, pelo estado de relativa evolução a que os negros chegaram. Esperava, talvez, que o seu visitante reconhecesse ter encontrado um mundo melhor, um homem novo, diferente dos seus semelhantes dos outros continentes, pois na América tudo parece transformar-se e tomar o rumo do progresso e da perfeição. No final da obra, Koeppen coloca uma pergunta existencial sobre o futuro da própria terra: «War die Kugel die Erde? Und wohin schwang das Pendel? Und was prophezeite sein Schlag?» (A: 167). Apesar de todas as promessas de liberdade, de felicidade e de paz, as aparências enganam e por detrás de todo o encanto e beleza, continua a haver discriminação racial, inveja, guerras. Por isso, Koeppen afirma: «Auch die Besucher hatten für eine Weile zukunftsfrohe Gesichter» (A: 168). A alegria e a crença num futuro melhor são, pois, efémeras, porque a realidade é bem diferente, a realidade nua e crua é bem difícil de enfrentar e aceitar. O optimismo e felicidade estampados no rosto dos visitantes que trazem consigo expectativas relativamente aos Estados Unidos da América só duram um momento, pois logo se lhes opõem exemplos de injustiça e miséria social. 5.5. VIAGEM “RELIGIOSA” 97 Koeppen refere figuras importantes a nível de movimentos religiosos, a saber: Billy Graham, Joe Smith, Brigham Young e Mary Baker Eddy. Billy Graham representa, para Koeppen, um exemplo de fanatismo religioso, sugerindo-lhe a ideia assustadora de um Hitler americano (cf. A: 115), pela enorme influência que tem sobre as massas e pela sua atitude, apelidando-se a si próprio de “evangelista”. Quanto a Joe Smith (ou Joseph Smith) e Brigham Young, o próprio Koeppen nos conta a sua saga (cf. A: 124-127). Joe Smith fora o fundador da seita religiosa mórmon e afirmava ter recebido a revelação do Livro de Mórmon (um antigo profeta norte-americano) inscrita em tábuas de ouro escondidas, mil anos antes, numa montanha perto de Palmira. Quando Smith foi morto por uma multidão enraivecida no Illinois, Brigham Young sucedeu-lhe e liderou a migração mórmon para o Grande Lago Salgado no Utá, por volta de 1846, fundando Salt Lake City. Young chefiou a colónia até à sua morte. Mary Baker Eddy, como também nos informa Koeppen, estabeleceu a Igreja de Cristo, Cientista, e na sua igreja em Boston e na Associação Cristã de Ciência podia ler-se as suas doutrinas e ver-se uma imagem sua (cf. A: 157). O surgimento desta igreja mundial e da poderosa associação eram mais uma prova das capacidades ilimitadas da América, como alega Koeppen (cf. A: 158). Ainda neste domínio, podemos incluir as visitas feitas às igrejas e cemitérios. Já falei destes anteriormente, quando me referi às reflexões que Koeppen faz sobre a morte e as sepulturas. Quanto às igrejas, Koeppen visita algumas e a dada altura até participa no serviço religioso. É o caso de uma igreja em Nova Iorque, dirigida e frequentada por pessoas de raça negra, que o recebem como o filho pródigo e lhe entregam um livro de orações para poder acompanhar o serviço religioso. No final, convidam-no até a entrar para a comunidade, convite que Koeppen tem de recusar um pouco embaraçado e envergonhado, dizendo que não era de Nova Iorque e que vivia na Europa (cf. A: 3667). Ao apelidar as crianças que ajudam à missa de “anjos” e o pregador de “verdadeiro profeta”, Koeppen deixa transparecer uma crítica a esta organização, cujo saco de esmolas mais parece um saco de salário de uma grande empresa organizada. O pregador da “Igreja de porta aberta” («Kirche zur offenen Tür», A: 91) também parece o gerente de uma grande empresa, um director geral bem sucedido ou o que Koeppen chama de “Public-relations-Fuchs” que, pela escolha cuidadosa das palavras e pelos seus gestos bem estudados e ensaiados, parecia representar uma força imensa ou o próprio céu. Os 98 visitantes dessa igrejas que estavam sentados nos bancos de trás vêm pôr a ridículo as celebrações e intenções deste pregador, uma vez que estavam a conversar, em voz baixa mas sem grande respeito, e comiam bananas. O barulho do órgão e o negócio de comprimidos com poderes de cura também se contrapõem ao significado espiritual e ao sentido que seria suposto ter todo o serviço religioso. De igual modo, na Igreja “zum letzten Abendmahl” (A: 106), há uma exploração do negócio feita pela Igreja. Daí os cadeirões de couro confortáveis, a sala enorme parecida com uma sala de cinema, os quadros de Leonardo da Vinci, o “David” de Miguel Ângelo e uma representação dramática da crucificação, desde as onze da manhã às cinco da tarde, ao estilo dos realizadores dos filmes “Ben-Hur” ou “Quo Vadis”. Na verdade, as igrejas parecem proliferar nos Estados Unidos, embora nem sempre estejam à vista: «Man hörte die Glocken von Kirchen, die man nicht sah, vielleicht lebten sie in den Wolkenkratzern versteckt» (A: 135). Aliás, a memória dos “Pilgrim Fathers” e dos puritanos constituem um grande peso na história americana, não fosse um dos grandes motivos de emigração para esse país a busca de liberdade de religião: «Hier landeten sie, hier kamen sie an, alle Völker, die Protestanten jeden Glaubens» (A: 29). Podemos concluir das ideias expostas neste capítulo que são diversas as viagens simbólicas que Koeppen empreende aquando da sua viagem através dos Estados Unidos. Muitos outros domínios e nomes poderia eu ainda ter referido e explorado, tal a abundância de alusões e referências que Koeppen faz a nomes da cultura internacional. A um ouvinte / leitor menos atento, esta “superabundância” de figuras poderia tornar a audição / leitura da obra um tanto enfadonha e cansativa. Ao receptor mais atento, porém, esta “povoação de figuras” enriquece muito a narrativa viagística, abrindo-lhe novos horizontes que ele poderá explorar ainda mais pintando um quadro ainda mais vivo e muito mais cativante. Os nomes nunca aparecem por acaso e abrangem diversos domínios e épocas, infiltrando-se na própria narrativa como se fossem companheiros de viagem de Koeppen, que oferecem um colorido especial à obra literária viagística que é Amerikafahrt. C. ANÁLISE ESTRUTURAL E ESTILÍSTICA 99 1. ESTRUTURA E SITUAÇÃO NARRATIVA São como um cristal, as palavras. Algumas, um punhal, um incêndio. Outras, orvalho apenas. Eugénio de Andrade Ao iniciar a leitura de Amerikafahrt, o leitor é “bombardeado” por uma série de enumerações, de associações, de imagens relativas tanto à Europa como à América, numa longa frase de cerca de 470 palavras, que irá marcar toda a narrativa até ao seu término. Esse entrecruzar de figuras e locais reais e fictícios, envoltas numa linguagem corrida, rítmica e “plástica” lembra, pelas imagens que despoleta na mente do receptor, a corrente de consciência de um dos autores que mais influenciou Koeppen: James Joyce. Não é apenas uma descrição factual, objectiva que nos é apresentada, mas a realidade aparece filtrada pela sensibilidade estética de Koeppen que, como ele próprio afirma e como já referi noutro lugar, “vive literariamente” e se sente como uma “figura romanesca”. O narrador de Amerikafahrt comporta-se esteticamente, transformando a realidade social em realidades literárias e artísticas com as quais se relaciona (vd. Uske, 1984: 113). É interessante, no entanto, notar que apesar dessas associações, imagens, metáforas ou “viagens” pelos vários domínios, o leitor não se perde, pois não se perde a sequência do roteiro da viagem, encontrando o leitor sempre orientações de leitura, ou seja, o narrador vai guiando a narrativa de tal modo que, no meio das teias de relações e alusões que fogem à narração da viagem real, vai recordando os lugares em que se encontra e o seu percurso, situando sempre o leitor que, entretanto, poderia ter-se perdido. A primeira característica que ressalta do estilo de Koeppen é o que Basker chama Lokalkolorit (Basker, 1995: 589). É um quadro vivo impressionista que Koeppen nos pinta, um género de mosaico, em que as cores se vão misturando e as descrições e impressões surgem como parte de um todo que o leitor terá de interpretar à sua maneira com base em algumas orientações de leitura. Não são só detalhes de cidades e paisagens que nos são apresentados mas também detalhes sobre a gastronomia e outros motivos 100 dos países ou lugares por onde passa. Esse dom de observação serve não só o propósito de colher e fornecer o máximo de informações possível mas também de expor e ironizar certas situações, como por exemplo o valor e poder do dólar sobre o indivíduo e a realidade da discriminação racial. É como se a América tivesse uma cabeça de Jano, podendo as duas faces simbolizar o lado positivo e o lado negativo da América: «Koeppens vorsichtige und kühle, zugleich aber scharfe und ironisierende Beobachtungsgabe enthüllt das Janusgesicht Amerikas» (Thomas Terry in Uhlig, 1972: 68). As comparações entre os países e os sistemas sociais também estão presentes: à uniformização generalizada na União Soviética corresponde uma forte individualização americana; a chegada à América e facilidade em obter autorização para permanecer no país contrasta com as regras e burocracias de um estado então socialista como a União Soviética. Por outro lado, o autor afirma que só nestes países é que encontrou tantos idealistas: «Nur noch in Ru? land habe ich so viele Idealisten getroffen wie in Amerika; ich sage das ohne jeden Spott» (A: 132). Apesar de afirmar não querer criticar, Koeppen acaba por fazê-lo, pois chama a atenção do leitor para as ideologias socialistas soviéticas contraditórias e para os ideais e práticas americanos também contraditórios. Na União Soviética pregava-se a ideia de uma sociedade igual para todos, em que todos teriam acesso às mesmas condições de vida, mas todavia notava-se uma incongruência entre esse ideal e a prepotência e pompa do aparelho do Estado. Também nos Estados Unidos se aclamavam os direitos de liberdade, vida e igualdade mas, na prática, as minorias étnicas eram vítimas de discriminação e nem todos viam o seu “sonho” realizado. Koeppen apresenta deste modo não só o que é alvo de admiração por parte dos turistas, como os monumentos, os museus e as obras que perpetuam a grandiosidade americana, mas também, ou especialmente, o que aos turistas sempre escapa: os pobres, os rejeitados pela sociedade, as condições de vida degradantes, os podres da sociedade: Koeppen schildert nicht nur das Schöne, sondern auch das Hä? liche, und das Bild jeder Stadt wird auf diese Weise vollständiger. (Basker, 1995: 590) Koeppen não deixa de estar influenciado por preconceitos da sua herança cultural europeia, como podemos ver nos títulos dos relatos constantes de Nach Ru? land und anderswohin. A Espanha é o país das touradas sangrentas, que tanto o impressionam a ele e à esposa - daí o título Ein Fetzen von der Stierhaut. O título Im Spiegel der Grachten lembra a paisagem holandesa e em Londres Koeppen encontra-se na floresta 101 mágica dos autocarros vermelhos - Zauberwald der roten Autobusse -, retratando a capital londrina como um lugar cheio de táxis pretos e autocarros vermelhos, que andam do lado errado da rua, e com pubs agradáveis, uma cidade envolta numa neblina misteriosa. Também em Reisen nach Frankreich Koeppen se refere às suas expectativas antes de partir em viagem: «Ich träumte von Frankreich, von einem lieblichen Garten von Daseinsheiterkeit, von Lebenssü? e und etwas freundlicher Frivolität» (RF: 7). É a joie de vivre francesa que espera encontrar nesse país. Também traz para os Estados Unidos ideias pré-concebidas comuns aos europeus, como as ideias que tem dos pioneiros, dos cowboys e dos índios, quando atravessa o Oeste selvagem, ou as ideias do poder do dinheiro e da liberdade. Outro aspecto ligado à concepção dos Estados Unidos é o facto de este ser considerado um país de emigrantes, como o comprova o subtítulo dos relatos radiofónicos: Amerikafahrt: Die Früchte Europas, o que deixa transparecer a ideia de os Estados Unidos serem um produto derivado da Europa, tendo ainda muitas raízes europeias. É o caso, por exemplo, das pessoas que fizeram a nação americana «Männer, die die Nation Amerika geschaffen haben» (A: 31) - enterradas num cemitério de Nova Iorque, que tinham exclusivamente nomes europeus. De um modo geral estes estereótipos vão ser confirmados nas suas viagens, o que não quer dizer que Koeppen os aceite sem questionar. Pelo contrário, por vezes até tenta destruir esses preconceitos. Por exemplo, quando viaja para a União Soviética questiona a visão que os seus conterrâneos têm da Europa de Leste e, embora não seja apologista da política soviética da guerra fria, acaba por tomar uma posição clara ao aceitar o convite da Associação de Escritores Soviéticos: Es gibt Leute, die mich schelten werden. Aber hat Dante nicht die Einladung in die Hölle angenommen? Und die Hölle auf Erden? Ist sie ein geographisch zu erfassender Ort, ein begrenztes Territorium? Gibt es irgendwo ein Schild: Hier beginnt die Hölle, hier endet das Paradies? Und wenn es dieses Schild geben sollte, - wer hat es aufgestellt? Darf man ihm trauen? Ich halte nichts von Schildern. Ich reiste in die Sowjetunion. (NR: 99) Na América também compara as expectativas dos europeus com o que de facto existe nesse país: não há pressa na América (A: 15); em Nova Orleães, a cidade do jazz, não se encontram já músicos (A: 76) e em Times Square, Nova Iorque, a famosa intersecção Broadway / Rua 42 tinha um aspecto sórdido e mesquinho (A: 18). 102 É interessante notar que, apesar de ser constante na obra a perspectiva do narrador, encarnando o papel da personagem que empreende as viagens, tratando-se assim, na tipologia de Genette, de um narrador intradiegético e autodiegético ou, na tipologia de Stanzel, de uma Ich-Erzählsituation, podemos dizer que o narrador também assume o papel de narrador omnisciente ou narrador autoral (auktorialer Erzähler), na medida em que se encontra também numa posição de transcendência face ao universo diegético. O narrador como personagem assume assim à partida uma focalização interna, descrevendo o que vê e as suas experiências, as suas emoções, reacções e frustrações. Mas também apresenta uma focalização externa, aliás intimamente articulada com a focalização interna, como defendem Carlos Reis e Ana Lopes: O que quer dizer que a análise da focalização externa permite detectar muitas vezes uma espécie de dialéctica entre o ver e o visto, o interior de quem contempla e o exterior contemplado; que o mesmo é dizer: assim se evidencia o percurso acidentado do conhecimento, a partir de uma subjectividade em confronto com o mundo que nela suscita perplexidade, estranheza, curiosidade, emoção, etc. (C. Reis e A. Lopes, 1990: 163-164) O narrador de Amerikafahrt, enquanto observa o que qualquer outra pessoa poderia observar - sem esquecermos todavia o dom apuradíssimo de observação de Koeppen -, tratando-se de uma focalização externa, não deixa de manifestar juízos subjectivos acerca do que vê, apresentando, deste modo, também uma focalização interna. A focalização de omnisciência pode notar-se quando, por exemplo, o narrador parece entrar na consciência e interioridade de outras personagens, daquelas que observa ou que encontra. É o caso do chinês que sofre uma crise de nervos porque o televisor do bar estava avariado e ele não poderia ver o seu programa (A: 22) ou ainda o da família negra que se “adaptava” (A: 42), estando este termo carregado de conotações rácicas. Refira-se também o pastor que mais parecia o gerente de uma grande empresa e que julgava ser um bom rapaz e representar uma enorme força ou talvez o céu (A: 91). O exemplo mais marcante desta incorporação do papel de outra personagem é a descrição da rotina da vida de um homem que Koeppen chama apenas de “o homem” (cf. A: 146147). É interessante como Koeppen entra nessa personagem que parece retratar o americano típico; esse homem vê outro homem que se parece exactamente com ele: «Er sah einen Mann, der so aussah wie er» (A: 147). O narrador pensa como ele: «Einen Moment schien es dem Mann die Lösung aller Probleme zu sein (...) Er dachte, da? ...» (A: 147). 103 As personagens que Koeppen encontra ou descreve são geralmente personagenstipo, normalmente representantes de minorias étnicas, mas também dá exemplos do americano médio. Outras personagens surgem, ainda que indirecta ou subtilmente. São todos os nomes da literatura que ele evoca e à volta das quais cria um verdadeiro mundo literário e histórico, como já referi noutra parte deste trabalho. Também cita textos desses escritores ou personagens históricas. Fá-lo por exemplo quando chega a Nova Iorque e transcreve um excerto do livro Moby Dick, de Hermann Melville e do livro Amerika, de Kafka, apresentando uma exaltação da cidade e do país (cf. A: 11). Também cita as famosas palavras do terceiro presidente dos Estados Unidos, Thomas Jefferson, apelando para a luta pelo fim da tirania inglesa e pelo respeito pelos direitos humanos (cf. A: 57), comprovando deste modo a historicidade dos factos relativos, neste caso, à colonização americana e à Guerra da Independência, cujos valores são por diversas vezes pervertidos na prática. Transcreve também as últimas palavras de uma inscrição no cemitério de Forest Lawn: «This is the Builder’s Dream, this is the Builder’s Creed» (cf. A: 105), mostrando mais uma vez a forte ligação entre o credo, a religião e o sonho de construção da América. 104 2. ELEMENTOS LINGUÍSTICOS RECORRENTES E RECURSOS ESTILÍSTICOS Já referi as alusões que Koeppen faz a nomes e obras da literatura e história internacionais. É interessante notar que geralmente esses nomes surgem a propósito de uma analogia que sugere a Koeppen uma simples frase, um edifício ou uma figura. As comparações e associações são, de facto, inúmeras. Daí a recorrência de verbos como ähneln, gleichen ou erinnern: sie [die blauroten Lichtsignale] ähnelten dem blitzenden wachsamen Auge der Polizei. (A: 14) Der Verkehr in den Stra? en (...) ähnelte der pulsierende Blutbahn im Schaubild eines Menschen auf einer hygienischen Ausstellung. (A: 26) Im Tageslicht glich der Broadway hier der Hamburger Reeperbahn. (A: 18) In ihren dunklen Panzern glichen sie von Dürer gezeichneten Rittern. (A: 24) Das Gotteshaus glich von au? en, ziegelgotisch, den Garnisonskirchen Wilhelms II. (A: 36) weil es [das Bibelinstitut] auf ein Haar dem von Thomas Mann beschriebenen Excelsior-Hotel am Lido von Venedig glich. (A: 91) und alles glich einem Kapitel aus dem Amerika-Roman von Kafka. (A: 141) Aus dieser Ferne glich die Kirche, da der Himmel gerade blau war, wirklich St. Peter in Rom. (A: 156) So erinnerte die Gegend sehr an das vernichtete Berliner Scheunenviertel. (A: 20) Parkwege, die mich an die Riviera des Mittelmeers und an die Schwarzmeerküste von Sotschi erinnerten. (A: 100) Koeppen torna assim as suas imagens e descrições muito mais vivas, provando ainda ser um cidadão do mundo, que conhece não só os lugares físicos de diferentes países mas também a imagem dos mesmos apresentada em obras da literatura mundial, tornando também a sua obra numa obra de alcance mundial, pois nela se discute sobre tudo e todos ao mesmo tempo, não se cingindo a um espaço ou tempo delimitados. Mais abundantes do que estes verbos são, sem dúvida, os termos de comparação introduzidos pela conjunção “como” (wie), emprestando uma maior riqueza estilística 105 aos relatos viagísticos. Por exemplo, o táxi era grande como uma locomotiva e pintado de amarelo vivo como um marco postal alemão (cf. A: 14); as portas do Rockefeller Center eram como a boca de um aspirador gigante (cf. A: 20) seduzindo todos os que por ali passavam; alguns arranha-céus pareciam árvores de Natal enquanto outros eram como rochedos sem vida num luar difuso (cf. A: 24); os homens sentavam-se nas cadeiras no barbeiro como se de uma operação se tratasse (cf. A: 26); algumas pessoas em Nova Iorque pareciam tão cinzentas como se se tivessem transformado em pó (cf. A: 42); quando o comboio pára em Washington, o ar bate-lhes como a pancada de uma toalha embebida em vapor (cf. A: 46); as damas que frequentam as lojas de Hollywood pareciam grã-duquesas russas que tinham sido expulsas ou actrizes que tinham trabalhado com Sarah Bernhardt (cf. A: 101); quem encontrasse o narrador no caminho para o Temple Hotel em Salt Lake City parecia um habitante do reino dos mortos (cf. A: 128); em direcção ao Maxwell Street Market em Chicago, o narrador é empurrado por uma torrente de pessoas de cor, entre crianças que eram como fumo sujo (cf. A: 139); no autocarro dos trabalhadores do matadouro de Chicago, dormia uma preta com a cabeça pousada na mão como se fosse uma medusa em Roma (cf. A: 141). Podemos encontrar ainda outros recursos estilísticos em Amerikafahrt, como por exemplo repetições anafóricas, antíteses, personificações ou prosopopeias e hipérboles, que contribuem para comprovar o valor estético e a literariedade de que já falei anteriormente, distinguindo as obras viagísticas koeppenianas de meros relatos ou guias turísticos. Como exemplos de repetições anafóricas podemos citar a seguinte frase: «Amerika verjüngt, Amerika schenkt dir jeden Tag ein neues Gesicht» (A: 27), em que o assíndeto ou eliminação de conjunção a ligar as duas orações simples realça o poder regenerador da América, apelando directamente ao narratário-leitor, através do pronome pessoal dir. Também a repetição do deítico “aqui” - «Hier landeten sie, hier kamen sie an» (A: 29) - vem corroborar a ideia de chegada a um novo mundo cheio de oportunidades, o mundo criado pelos colonizadores, o país da Declaração da Independência americana. A chegada ao novo continente, porém, não é de todo eufórica: «Die Neue Welt grü? te mit kaltem Wind und grauer Luft» (A: 12). Não será por certo a melhor maneira de se dar as boas-vindas ou de acolher os visitantes ou emigrantes “recebendo-os” com vento frio e ar cinzento ou sombrio, tendo esta contradição mais impacte no leitor e chamando desde logo a atenção para as contradições da realidade 106 americana de que tenho vindo a falar ao longo deste trabalho. Também é contraditório o facto de homens e mulheres estarem “exaustos” do dia de trabalho mas “não cansados” à noite (cf. A: 22), sentando-se à mesa de bares, iniciando como que uma nova vida na “cidade que nunca dorme”. Na rua do “burlesco”, os porteiros de boca “bruta” tecem “elogios” às mulheres (cf. A: 23), como se se tratasse de uma sensibilidade verdadeira ou pura. As prosopopeias ou personificações são também abundantes. Os edifícios “crescem” como vemos nos filmes, livros ilustrados ou sonhos (cf. A: 16), as letras luminosas “escrevem” no céu as suas diversões (cf. A: 22), a cidade de Nova Iorque “luta” desesperadamente contra a solidão (cf. A: 24-25), as colinas despedem-se do narrador “acenando”, assim como as casas (cf. A: 122), em Denver as casas eram frias e pareciam ser “inimigas” umas das outras (cf. A: 131). Como afirma Paul Hühnerfeld, Koeppen acredita no poder da palavra (vd. Hühnerfeld, 1976: 93). Acredita assim poder não só descrever as cidades mas também apresentá-las diante dos nossos olhos numa imagem viva e dinâmica. As repetições, as citações, as associações e alusões irónicas contribuem para a construção de uma imagem própria por parte do leitor, o qual deverá ainda julgar a visão da América apresentada. Não são só objectos que povoam as narrativas viagísticas de Koeppen, mas também personagens, figuras reais ou não, da época ou de outras épocas, apelando também para o universo cultural do receptor. Tudo isto através do filtro estético de que já falei e com um cunho fortemente autobiográfico, o que concede a estas obras um grande valor literário tornando-as certamente “literatura de viagens”. 107 CONCLUSÃO 108 No prefácio a este trabalho apresentei os objectivos e a estrutura da dissertação, delimitando o meu objecto de estudo. Esforcei-me no sentido de atingir os objectivos propostos, embora reconheça não ter de modo algum esgotado a matéria de estudo, e espero ter contribuído para o estudo da obra viagística koeppeniana e para fomentar o gosto pela leitura e descoberta deste autor. Resta-me pois sumariar os aspectos que me pareceram mais pertinentes no desenrolar deste trabalho. A contextualização histórico-literária da obra viagística de Koeppen, que tratei no capítulo I, salientou a importância e valor desta comparativamente à obra romanesca, mais conhecida, mais polémica e que mais tem ocupado os críticos e teóricos. A referência a outros autores alemães, que escreveram sobre os Estados Unidos da América, apresentando uma visão, por vezes discutível, outras demasiado maniqueísta, serviu para preparar a visão que nos é apresentada por Koeppen e para formar a nossa própria opinião face à mesma. Vimos assim, no capítulo dedicado à análise de Amerikafahrt, que esta não é uma obra de todo inocente no sentido de não tecer críticas sociais. Muito pelo contrário, concluímos que nessa narrativa viagística estão presentes elementos de crítica mordaz tanto à sociedade americana, enquanto defensora mas não cumpridora dos ideais humanitários que proclama, como à sociedade europeia, especificamente à alemã, pelas referências subtis a aspectos como a situação dos judeus durante a Segunda Guerra Mundial e outras atrocidades cometidas pelos alemães e, em última instância, por qualquer país do mundo, pela humanidade. No capítulo II, a apresentação de pressupostos teóricos sobre a literatura de viagens salientou a complexidade e especificidade desta expressão, que tem provocado polémica nos círculos literários. Chegámos, no entanto, à conclusão de se tratar de facto de literatura pelas suas características estético-literárias, embora reconhecendo a presença de um mundo referencial, a ligação ao mundo concreto. Também verificámos haver uma relação entre a literatura viagística e a literatura autobiográfica enquanto relato de uma viagem que foi de facto realizada pelo autor-narrador, como é o caso de Amerikafahrt. Os elementos autobiográficos presentes em Amerikafahrt fundamentam a identificação das várias instâncias emissoras de comunicação, a identificação entre narrador, autor abstracto e autor real. 109 A apresentação do percurso de Koeppen através dos Estados Unidos e dos elementos autobiográficos em Amerikafahrt, que ocupou o início do capítulo III, corrobora a afirmação anterior de identificação entre as instâncias emissoras de comunicação, afirmação essa que também é apoiada pela análise das circunstâncias da produção desse tipo de forma literária. Ao tratar das linhas temáticas dominantes, falei nas oposições turismo / anti-turismo, das Eigene / das Fremde, na visão crítica da América, em alguns motivos recorrentes e no simbolismo da viagem. Um dos propósitos do estudo destas linhas temáticas foi defender a atitude de Koeppen enquanto “viajante” e não “turista” passivo, isto é, enquanto opositor do turismo em massa e defensor da exploração solitária de cantos nunca visitados. Também vimos que Koeppen nutre uma preferência por grupos e locais normalmente desfavorecidos e votados ao esquecimento. Na descrição das viagens que realiza, verificámos que Koeppen é resultado e portador de uma cultura europeia acabando por, inevitavelmente, estabelecer comparações entre a Europa e a América, entre a sua experiência como indivíduo social e “literário” e as suas novas vivências, deixando entrever a sua visão crítica da América. Digo indivíduo “literário” porque, como pudemos verificar, a viagem de Koeppen não é só uma deslocação física mas é também uma viagem a nível de outros domínios, como (principalmente) a literatura, a história, a política, a arte e a filosofia. A lista de nomes que Koeppen cita ou a que alude é infindável, abrangendo épocas e culturas diversas, o que atesta o interesse ávido pela literatura que Koeppen nutria desde criança. Os motivos recorrentes tratados deixam transparecer a intenção crítica de Koeppen, de que já falei anteriormente, assim como relevam outros aspectos como o seu dom de observação e o seu interesse pela gastronomia, bibliotecas e universidades. A breve abordagem estrutural e linguística da obra contribuiu para exemplificar a presença de elementos literários e estéticos, atestando a qualidade literária da obra, a literariedade nela presente. Em 1961, Reich-Ranicki afirmava: «Man hat den Eindruck, da? Koeppen nicht nur dafür gelobt wurde, was er geschrieben hatte, sondern auch dafür, was er zu schreiben unterlie? » (apud Koch, 1977: 497). Não espero ser “elogiada” por aquilo que escrevi ou deixei por escrever, espero sim ter dado algum contributo para o estudo da obra koeppeniana e ter lançado pistas para interpretações e discussões de vária ordem. 110 BIBLIOGRAFIA 111 (* Edição usada) 1. 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