Seminário China and the World Economy Representante do BNDES: Alexandre Lautenschlager, economista da Área de Comércio Exterior. Data: 17 e 18 de março de 2011. Local: EPGE – FGV, Rio de Janeiro. O seminário China and the World Economy foi dedicado à reunião de representantes das esferas acadêmica, empresarial e pública para discutir a economia chinesa em seus diversos aspectos. Temas tratados ao longo dos dois dias do evento incluíram a estratégia de desenvolvimento da China, suas lições para outros países em desenvolvimento, os prospectos de médio e longo prazos para o país e o papel dos “desequilíbrios globais” para o futuro da economia mundial. Por restrições de agenda, o autor compareceu somente à primeira seção do segundo dia do evento. Entre os trabalhos apresentados, o do economista e professor Raghuram G. Rajan foi escolhido para esta comunicação pela proeminência do palestrante e pela relevância de suas conclusões. Rajan foi economista chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI) e atualmente leciona na Booth School of Business da Universidade de Chicago. Em 2005, ganhou atenção ao apresentar, sob críticas da maioria dos presentes, o artigo “Has Financial Development Made the World Riskier?”, no encontro do Federal Reserve (Fed), o Banco Central americano, em Jackson Hole, Wyoming.1 Nele, mostrou grande clareza sobre como o desenvolvimento de um mercado financeiro desregulado, a despeito de alguns benefícios, tinha também trazido novos perigos à economia mundial. Seu mais recente livro, Fault lines: how hidden fractures still threaten the world 1 O artigo se encontra disponível em: <http://www.kansascityfed.org/publicat/sympos/2005/pdf/rajan2005.pdf>. Seminário China and the World Economy 411 p. 411-416 economy, é considerado uma referência para a interpretação da crise financeira internacional e suas consequências, tendo sido premiado pelo Financial Times/Goldman Sachs como “2010 Best Business Book of the Year”. Em fevereiro, levantamento realizado pela revista The Economist com 50 economistas de destaque apontou Rajan como o detentor das ideias mais importantes para o mundo pós-crise. Trabalho: The global trade imbalances, how they might develop, and what role China might play 2 Autor: Raghuram Rajan, Universidade de Chicago. O argumento desenvolvido por Rajan tem por base a divisão dos principais atores do comércio global em três categorias: os países consumidores (ou gastadores, do termo inglês spenders), os produtores e os ricos em recursos naturais. No primeiro grupo, estão nações como Estados Unidos, Reino Unido e Espanha. O segundo inclui grandes exportadores líquidos, como China, Alemanha e Japão. No último, encontram-se os fornecedores dos diversos tipos de commodities na América Latina, no Oriente Médio e na África. Do resultado do comércio entre consumidores e produtores, originam-se os chamados “desequilíbrios globais”, expressos com maior destaque no déficit em conta corrente americano e no persistente superávit chinês. Grande parte dos macroeconomistas interpreta tal fenômeno como simples consequência de um excesso de poupança nos países credores, que financia o consumo de suas contrapartes deficitárias. Rajan, por sua vez, defende que os nexos causais são mais tênues. Um melhor entendimento da situação atual passaria pelas políticas públicas implementadas em cada país de modo independente. No caso dos Estados Unidos, a explosão de consumo da década passada teria raízes na brutal concentração de renda verificada desde 2 A apresentação de Rajan está disponível em: <http://epge.fgv.br/chinaconference/docs/ Global-Trade-mbalances-How-they-may%20develop-and-%20Chinas-role.ppt >. 412 Revista do BNDES 35, julho 2011 o início dos anos 1990. Com o advento de novas tecnologias, segundo Rajan, o mercado de trabalho americano tornou-se mais exigente quanto às habilidades e à instrução dos empregados. Esse movimento não foi acompanhado de medidas que reestruturassem o sistema educacional, compatibilizando a oferta com o número de vagas abertas com o requisito de nível superior. Frente à escassez de mão de obra qualificada, salários nos estratos mais elevados de rendimento aumentaram continuamente, avançando sobre a remuneração das camadas intermediárias e inferiores. Dado o fraco apoio à ação redistributiva mais direta, mesmo em governos democratas, políticos viram um caminho particularmente fácil e efetivo para a supressão do descontentamento popular no fomento à expansão do crédito (nas palavras de Rajan, “let them eat credit”), especialmente o habitacional, por meio de agências governamentais. Assim, com a ajuda de hipotecas e instrumentos derivativos sofisticados, o endividamento permitiu que o consumo permanecesse artificialmente alto mesmo entre famílias cuja renda disponível estava estagnada. A situação ganhou também uma face cíclica quando finalmente ocorreu o estouro da bolha no mercado de empréstimos subprime. Por força da experiência histórica, em que, tipicamente, o produto interno bruto (PIB) retornava a uma trajetória de crescimento dois trimestres após a crise e os empregos perdidos eram recuperados em cerca de oito meses, a rede de proteção social dos Estados Unidos é focada em benefícios de curta duração. Similarmente, planos de assistência médica são condicionados ao vínculo empregatício, deixando particularmente vulneráveis pessoas que ainda estejam procurando recolocação. Entretanto, a última retomada da atividade econômica americana tem sido caracterizada por baixa geração de empregos (jobless recovery) e as autoridades são então pressionadas a executar estímulos fiscais e monetários desproporcionais (e.g. o programa de incentivo à compra de carros e a política de quantitative Seminário China and the World Economy 413 easing), prolongando o período de sobreconsumo.3 O capital barato oferecido pelos países poupadores teria facilitado a dinâmica descrita, mas não seria uma condição necessária para sua materialização. Nas palavras do próprio palestrante, a poupança chinesa apenas “adicionou combustível ao fogo”. Por sua vez, do outro lado do Pacífico, países asiáticos registram superávits graças à orientação de seus governos em perseguir uma estratégia de crescimento apoiado pelas exportações (export-led growth), inspirada principalmente no sucesso do modelo japonês. Em alguns casos, como Coreia do Sul e Filipinas, a decisão decorreu do choque da crise asiática, quando os países foram obrigados a confrontar a fragilidade do modelo anterior de investimento financiado por endividamento externo. Para outros, a ênfase na integração ao comércio internacional era importante porque o mercado interno se mostrava muito estreito para acomodar um volume de vendas que garantisse os ganhos necessários à formação de grandes empresas nacionais. Em comum, os formuladores da política econômica estariam agindo de forma “discriminatória” em favor do empresariado e contra as famílias (households), deprimindo a renda dos segundos para melhorar os ganhos dos primeiros e torná-los competitivos a nível global. Para o futuro próximo, Rajan prevê uma gradual superação dos desequilíbrios atuais. Apesar da insistência do governo americano nos estímulos ao consumo e outras medidas expansionistas, a relativa lentidão dos países desenvolvidos em readquirir o dinamismo pré-crise acelerará o deslocamento do centro de gravidade do consumo global em direção aos emergentes. Ao mesmo tempo, a China dá sinais de que está disposta a diminuir sua dependência da demanda externa e 3 Nesse sentido, se ressaltariam as possíveis contradições no duplo mandato do Federal Reserve em controlar pressões inflacionárias e manter níveis adequados de emprego. 414 Revista do BNDES 35, julho 2011 retornar à trajetória de apreciação, ainda que lenta, de sua moeda em termos reais. Quanto à necessidade de que o processo de ajustamento seja de alguma forma coordenado pelo G-20, o palestrante manifesta ceticismo não apenas na capacidade de um grupo tão heterogêneo alcançar acordo sobre questões de política que envolvem as soberanias individuais, mas também quanto à efetividade de intervenções desse tipo, já que a defasagem entre ações e seus efeitos é “variável e incerta”. Organismos supranacionais, principalmente o FMI, teriam como principal missão garantir a regulação das finanças globais com medidas macroprudenciais e impedir a adoção por parte de seus países-membros de barreiras ao comércio e ao investimento. Durante os comentários, Rajan foi questionado se, em sua opinião, o restabelecimento do Glass-Steagal Act nos Estados Unidos seria uma forma eficiente de evitar novos colapsos no sistema financeiro americano.4 Em sua resposta, ele afirmou que a aprovação da legislação original foi muito pouco baseada em dados e mais na percepção de que os bancos haviam se tornado grandes demais. Tal preocupação foi renovada na última crise, mas reguladores devem ponderar o perigo de se verem na situação oposta na qual os bancos são “muito numerosos para quebrar” (too many to fail, em oposição a too big to fail) ou, alternativamente, na qual as atividades arriscadas tenham se movido completamente para o shadow banking system, onde não podem ser monitoradas com confiabilidade. Ademais, mesmo que as antigas restrições não tivessem sido revogadas, os grandes protagonistas da crise, como o banco Lehman Brothers, não seriam impossibilitados de executar as manobras contábeis e a engenharia financeira que eventualmente colaboraram para a crise. 4 O Glass-Steagal Act foi a legislação aprovada após a Grande Depressão, que, entre outras medidas, promovia a separação entre bancos de depósito e investimento. A partir de 1999, tal restrição foi suspensa. Seminário China and the World Economy 415 Aos interessados, uma referência crítica à interpretação de Rajan sobre a ligação entre desigualdade de renda nos Estados Unidos, políticas públicas e a crise é o economista do Massachusetts Institute of Technology (MIT) Daron Acemoglu. Uma apresentação resumindo seus argumentos está disponível em: <http://econ-www.mit.edu/ files/6348>. A ela é oferecida uma contrarresposta em: <http://blogs. chicagobooth.edu/n/blogs/blog.aspx?nav=main&webtag=faultlines& entry=29>. Paul Krugman e Robin Wells também escreveram uma informativa resenha dos livros sobre a crise financeira para o The New York Review of Books, dividida em duas partes, que podem ser lidas em: <http://www.nybooks.com/articles/archives/2010/sep/30/ slump-goes-why/?page=1> e <http://www.nybooks.com/articles/ archives/2010/oct/14/way-out-slump/?utm_source=feedburner&utm_ medium=feed&utm_campaign=Feed%3A+nybooks+%28The+New +York+Review+of+Books%29>. 416 Revista do BNDES 35, julho 2011 Reunião anual da Associação de Economia dos EUA Representante do BNDES: Gilberto Rodrigues Borça Jr., economista e gerente da Área de Pesquisa e Acompanhamento Econômico do Departamento (APE). Data: 6 a 9 de janeiro de 2011. Local: Denver, Colorado, EUA. Tema: American Economic Association (AEA) Meeting Descrição das “mesas” e palestrantes O AEA Meeting envolve, à semelhança do encontro nacional dos centros de pós-graduação no Brasil (Anpec), diversas mesas e painéis simultâneos sobre os mais variados assuntos. Dessa forma, entre os temas considerados mais relevantes, escolheu-se um painel para elaboração desse comunicado, haja vista a restrição de espaço. O principal painel do evento, no dia 7 de janeiro, intitulava-se The Dollar, the Euro, the Yuan, and the International Monetary System, presidido por Dominick Salvatore (Fordham University) e teve como debatedores alguns dos mais reconhecidos professores de economia internacional: Martin Feldstein (Harvard University); Peter Kenen (Princeton University); Ronald McKinnon (Stanford University). Ausentaram-se da mesa de discussão Kenneth Rogoff (Harvard University) e Michael Mussa (Peterson Institute for International Economics), que inicialmente faziam parte da mesa. Martin Feldstein (Universidade de Harvard) Martin Feldstein sustenta que os desequilíbrios globais em conta corrente estão, atualmente, em processo natural de correção. No entanto, as políticas econômicas implementadas por seus principais Reunião anual da Associação de Economia dos EUA 417 p. 417-428 atores – EUA e China – vêm impedindo que as forças de mercado atuem na “direção correta” de maneira mais efetiva. Antes de chegar a esse ponto, Feldstein fez algumas afirmações sobre como os desequilíbrios globais em conta corrente afetam a economia internacional: a. criam pressões para a adoção de políticas protecionistas nos países com déficits em transações correntes; b. têm levado à adoção de medidas restritivas (controles seletivos sobre os fluxos de capitais) para a prevenção de movimentos bruscos de apreciação cambial nos países emergentes, acarretando distorção na realização de investimentos e má alocação de capital entre os países; c. fomentaram o estouro da bolha imobiliária norte-americana em 2006, na medida em que contribuíram para que as taxas de juros de longo prazo – tanto nos EUA como no restante do mundo – ficassem artificialmente baixas, levando os investidores internacionais a elevarem seu grau de apetite ao risco via excessiva alavancagem na busca de ativos de maior rentabilidade; d. políticas que visam conter a apreciação cambial em países com contas correntes superavitárias tendem a elevar os níveis de inflação quando a demanda doméstica está aquecida (esterilização dos influxos de capitais, acúmulo de reservas internacionais e expansão monetária), ao passo que políticas que têm a intenção de conter a depreciação cambial tendem a causar deflação nos países com déficit em conta corrente (queima de reservas e queda da oferta monetária). Feldstein sustenta também que países com déficit em transações correntes devem elevar seus níveis de poupança interna (elevação da poupança do governo e/ou do setor privado), isto é, devem reduzir seus níveis de absorção doméstica – reduzindo o consumo privado e/ou os investimentos e/ou gastos públicos. 418 Revista do BNDES 35, julho 2011 Países com STC < 0 ΔSgov > 0; ΔSpri > 0 ΔC < 0 e/ou ΔI < 0 e/ou ΔG<0 ΔSint > 0, i.e. Países com superávit em transações correntes devem reduzir seus níveis de poupança interna (redução da poupança do governo e/ou do setor privado), isto é, devem elevar seus níveis de absorção doméstica – elevando o consumo privado e/ou os investimentos e/ou gastos públicos. Países com STC > 0 ΔSgov < 0; ΔSpri < 0 ΔC > 0 e/ou ΔI > 0 e/ou ΔG>0 ΔSint < 0, i.e. Esse ajustamento deve ocorrer independentemente das variações na taxa de câmbio real, já que investimento/poupança são variáveis fundamentais (reais) e, sozinhos, refletem o resultado do saldo em transações correntes de um país. No entanto, as variações na taxa de câmbio real são cruciais para a manutenção do pleno emprego dos fatores de produção (non-inflationary/deflationary full employment) durante o processo de ajuste do saldo em conta corrente. Países com déficit em conta corrente (STC < 0) devem elevar a poupança interna (Si), i.e., cortar gastos domésticos (consumo das famílias e/ou investimentos e/ou gastos públicos). Para que não haja recessão ou elevação do desemprego, a taxa de câmbio real deve se depreciar para que a demanda externa – via elevação das exportações líquidas – substitua, na mesma magnitude, a retração da demanda doméstica. Países com superávit em conta corrente (STC > 0) devem diminuir a poupança nacional (Si), i.e., elevar gastos domésticos (consumo das famílias e/ou investimento e/ou gastos públicos). Para que não haja superaquecimento e/ou pressões inflacionárias na economia, a taxa de câmbio real deve apreciar-se. A apreciação cambial real aumenta as Reunião anual da Associação de Economia dos EUA 419 importações – reduzindo as pressões inflacionárias pela concorrência dos produtos importados com os nacionais – e, simultaneamente, estimula o consumo doméstico privado, expandindo a demanda interna na mesma magnitude da retração da demanda externa – pela redução das exportações líquidas. O ajustamento macroeconômico em conta corrente dos EUA – elevação da poupança interna associada à depreciação da taxa de câmbio – vem sendo, em algum grau, impedido pela China, na medida em que há um gerenciamento da taxa de câmbio entre o RMB/US$ – manutenção do RMB em patamares relativamente depreciados vis-à-vis o dólar. Embora haja gerenciamento da taxa nominal de câmbio por parte dos chineses, a taxa real de câmbio vem se movimentando na “direção correta”. Isso ocorre porque o câmbio real depende não apenas da taxa nominal de câmbio, mas também do diferencial de inflação entre os dois países. Feldstein afirma que nos últimos 12 meses, encerrados em junho de 2010, além da apreciação nominal de 5% do RMB em relação ao dólar, o diferencial de inflação, medido pelo índice de preços ao consumidor, entre China e EUA atingiu cerca de 5%. Assim, a apreciação real atingiu cerca de 9%. No entanto, as políticas governamentais adotadas nos EUA e na China vêm impedindo que a correção dos desequilíbrios globais em contas correntes ocorra de maneira mais veloz: • EUA: os grandes déficits fiscais associados à baixa taxa de poupança das famílias (devido aos generosos programas de seguridade social – social security pensions; health care for aged in Medicare; benefícios do seguro-desemprego; e estímulo à tomada de novos financiamentos imobiliários). • China: excesso de poupança interna (45% do PIB) em função dos lucros retidos das empresas estatais e da poupança das famílias 420 Revista do BNDES 35, julho 2011 (ausência de um sistema de seguridade social). Ainda assim, os chineses conseguem manter elevado o nível de demanda agregada e de crescimento do emprego urbano mediante a canalização desse excesso de poupança para a realização de investimentos (públicos e privados) e pelo estímulo às exportações mediante o gerenciamento da taxa nominal de câmbio (impedindo sua apreciação em relação ao dólar). Quanto às proposições e tentativas de políticas para a limitação dos Global Imbalances, Feldstein sugere que a correção dos desequilíbrios globais deve ser foco de negociação internacional e das atividades do FMI. As discussões bilaterais entre China e EUA têm se concentrado, exclusivamente, na política cambial chinesa – caminho que tem se mostrado infrutífero. Deve, portanto, voltar-se para proposições de políticas nas variáveis fundamentais (reais) da economia, i.e., no binômio investimento-poupança da China. Ações do FMI • Discussões sobre os cinco maiores países superavitários em conta corrente. • Multilateral Surveillance Process – países monitorando uns aos outros no que tange aos desequilíbrios em conta corrente. • G-20 – limitação do superávit em conta corrente (STC > 0) em 4% do PIB (proposta americana rejeitada por China e Alemanha) – qualquer proposição que limite os resultados (sejam esses superavitários ou deficitários em conta corrente) não é objeto efetivo de controle de políticas macro dos países (choques nos preços das commodities e flutuações excessivas nas taxas de câmbio não são variáveis sob controle das autoridades, embora tenham profundas implicações para os níveis de investimento/poupança). Reunião anual da Associação de Economia dos EUA 421 Negociações internacionais • Compromisso do G-20 na realização de esforços para conter os desequilíbrios globais, com o auxílio do FMI. • Para ele, efetivamente, ainda não há decisão nenhuma tomada. Em termos prospectivos, Feldstein afirma que o processo de ajustamento continua a ocorrer e deve acelerar-se, em função: 1. da elevação da poupança/redução do consumo das famílias nos EUA: a. baixa renda real (desemprego elevado); b. elevado nível de endividamento (famílias desalavancando e realizando ajustes patrimoniais); c. condições restritas de crédito; 2. da redução mais acentuada do déficit público (visão otimista sobre a evolução da política fiscal norte-americana); 3. da continuidade do processo de ajustamento da taxa real de câmbio (apreciação nominal do RMB e diferencial positivo de inflação entre China e EUA); 4. do New Five Years Plan da China – que visa não apenas elevar o consumo das famílias como proporção do PIB, mas também à distribuição de dividendos das empresas estatais e aos gastos governamentais em saúde, educação e moradia – ações compatíveis com a elevação nos padrões de vida dos chineses. Ronald McKinnon (Universidade de Stanford) McKinnon começa sua exposição afirmando que os EUA são um país soberano que tem o direito de seguir sua própria política monetária. Por um acidente da história, desde 1945, são também o centro do 422 Revista do BNDES 35, julho 2011 mundo por meio do padrão-dólar – que continua surpreendentemente robusto até os dias atuais. Portanto, a escolha da política monetária pelo Federal Reserve (FED) afeta fortemente seus vizinhos – seja para melhor ou para pior. Começando com o choque implementado por Nixon em 1971, os policy-makers americanos têm olhado excessivamente para “dentro” no que diz respeito à execução de sua política monetária. Mas, ignorando seus efeitos sobre o os demais países, o FED tornou menos estáveis o mundo e a economia americana. O exemplo mais recente é a política do FED de fixação das taxas de juros de curto prazo próximo a zero desde meados de 2008 [Zero Interest Rate Policy (ZIRP)], e, em seguida, no final de 2010, pelo Quantitative Easing (QE2), destinado a reduzir também as taxas de juros de longo prazo. No encontro do G-20 em Seul, em novembro de 2010, autoridades estrangeiras reclamaram veementemente de influxos de capital do tipo hot money oriundos das políticas expansionistas dos Estados Unidos, os quais geram não apenas apreciação excessiva de suas taxas de câmbio (via operações de carry trade), mas também criam pressões inflacionárias (advindas do processo de esterilização/acúmulo de reservas internacionais e expansão da oferta monetária doméstica). Ironicamente, a política de taxas de juros zero do FED também não vem estimulando a concessão de empréstimos bancários nos Estados Unidos em si, causando uma espécie de “empoçamento da liquidez”. Além disso, provoca sério enfraquecimento de outras instituições financeiras americanas, como seguradoras e fundos de pensão. McKinnon classifica o dólar como moeda “não amada” (the unloved US$), uma vez que ela não consegue agradar nem aos norte-americanos, os quais não conseguem exercer um controle efetivo sobre sua taxa de câmbio, nem ao resto do mundo, na medida em que suas políticas expansionistas geram pressões de apreciação cambial (devido aos fluxos de hot money), que são combatidas por políticas Reunião anual da Associação de Economia dos EUA 423 de esterilização/controle de capitais e provocam expansão monetária [mesmo em ambientes de demanda doméstica aquecida (inflação)]. Ele afirma também que, se na década de 1930 as políticas de desvalorização cambial competitiva (“políticas de empobrecimento do vizinho”) foram utilizadas amplamente, no período pós-crise financeira de 2008 elas voltaram à tona, mas adquiriram uma nova versão via redução excessiva das taxas de juros básicas (policy rate) dos países centrais. Estas geram operações de carry trade para os países emergentes não apenas pelo diferencial de taxas de juros existentes, mas também pela divergência na velocidade de recuperação (two-speed recovery) entre países centrais e países emergentes. McKinnon também ressalta que a política monetária norte-americana (ZIRP + QE2) está voltada exclusivamente para “dentro” (por causa das tendências deflacionárias e do alto nível de desemprego), ignorando suas consequências no resto do mundo e, assim, o papel do dólar no sistema monetário internacional (padrão-dólar). As consequências são: • Excessiva liquidez internacional (gerando fluxos de hot money nos países emergentes) com apreciação cambial e imposição de controles de capitais/tentativas de esterilização e acúmulo de reservas. Todavia, essa combinação de políticas tende a levar os países emergentes a reduzir suas taxas de juros domésticas, uma vez que a esterilização completa é difícil. Como efeito colateral, há a expansão da oferta monetária doméstica, contribuindo para a alta da inflação. • Alta de preços internacionais das commodities – que são precificadas em dólar. Como o rendimento dos ativos financeiros está baixo, o sistema fica mais suscetível a bolhas especulativas, pois há elevação do “grau de apetite ao risco” dos investidores internacionais à procura de ativos de maior rendimento (search for yield), assim como aconteceu com a bolha imobiliária nos EUA. 424 Revista do BNDES 35, julho 2011 • Continuidade das políticas ZIRP, associada a uma situação de “armadilha da liquidez” tipicamente keynesiana, faz com que qualquer estímulo monetário fornecido pelas autoridades se transforme em excesso de reservas por parte do sistema bancário, mantendo o crédito travado (o crescimento da base monetária foi contrabalançado por uma forte redução do multiplicador monetário). • Dificuldade para outros importantes intermediários financeiros, como fundos de pensão com benefício definido ou companhias de seguro, cujos ativos são fortemente vinculados aos papéis de longo prazo do governo. Em termos propositivos, McKinnon sugere: 1. abandonar políticas de ZIRP + QE2, que tendem a pressionar os países emergentes na manutenção de taxas de juros reduzidas mesmo sob pressões inflacionárias (esterilização + acúmulo de reservas + expansão monetária doméstica); 2. elevar as taxas de juros nominais nos principais países centrais (EUA, Inglaterra, Zona do Euro e Japão) de maneira coordenada, buscando sair da armadilha da liquidez (liquidity trap); 3. legitimar e auxiliar os países emergentes na imposição de controles de capitais (conforme já realizado na última reunião do G-20). Peter Kenen (Universidade de Princeton) Em essência, Kenen afirma que não há mais espaço para que o dólar ocupe sozinho o papel de moeda internacional. Sendo assim, propõe um arranjo monetário internacional em que a compensação das relações comerciais e financeiras passe a ocorrer, gradualmente, em Special Drawing Rights (SDR) ou Direitos Especiais de Saques (DES), moeda Reunião anual da Associação de Economia dos EUA 425 escritural do FMI. Embora essa ideia tenha surgido há cerca de 30 anos, sua proposta almeja, diferentemente, que as transações comerciais e financeiras sejam compensações entre países em DES. Ressalta que o apoio político para isso é reduzido, em especial nos EUA, mas começa a ganhar espaço no resto do mundo. Kenen cita como exemplo o speech do presidente do Banco Central Chinês em 2009, que faz menção à ideia do Plano Keynes elaborado no pós-Segunda Guerra Mundial. Relevância do seminário para a atuação do BNDES A Área de Pesquisa e Acompanhamento Econômico (APE) vem, ao longo dos últimos anos, desenvolvendo trabalhos de análise sobre a situação da economia internacional e da realidade socioeconômica brasileira. Para aprimorar as rotinas de trabalho, atendendo de forma cada vez mais satisfatória às necessidades do BNDES, é fundamental que a equipe de pesquisa econômica esteja atualizada não apenas com os fatos e acontecimentos internacionais e as medidas de política econômica implementadas, mas também com a recente literatura acadêmica especializada. Nesse sentido, o American Economic Association (AEA) Meeting, fórum organizado para debater temas econômicos relacionados à ciência e aplicação de políticas públicas, que reuniu vários acadêmicos de renome das principais universidades norte-americanas, foi uma ótima oportunidade para o aprimoramento e o desenvolvimento profissional dos economistas da APE/BNDES. A absorção de conhecimento tende a ser revertida, em nossas atividades rotineiras, a favor do BNDES a curto, médio e longo prazos. Além disso, o evento é uma boa oportunidade para o desenvolvimento de canais de comunicação com outras instituições mundo afora, 426 Revista do BNDES 35, julho 2011 haja vista a grande participação de profissionais de inúmeras áreas (economia, finanças, ciências sociais etc.) e diversas nacionalidades. A troca de informações e o estabelecimento de redes de contato são vitais para o aperfeiçoamento da atividade profissional de uma equipe de pesquisa econômica, pelo intercâmbio de conhecimentos técnicos específicos e/ou de informações de experiências de outras economias no desenvolvimento e na adoção de políticas públicas. Desse modo, o evento permitiu que os economistas da Área de Pesquisa do BNDES tivessem contato com reflexões que orientam/orientarão decisões econômicas no presente e no futuro próximo. Coordenadas da página eletrônica do evento. Referência dos papers e painéis de discussão do evento: http://www.aeaweb. org/aea/2011conference/program/meetingpapers.php Reunião anual da Associação de Economia dos EUA 427 13a Conferência Europeia sobre Financiamento de Aeronaves Representantes do BNDES: Marcio Nobre Migon – chefe de Departamento (AEX/DECEX1). Sergio Bittencourt Varella Gomes – gerente (AEX/DECEX1). Tema do seminário: 13ª Conferência Europeia sobre Financiamento de Aeronaves. Data e local: 25 a 27 de janeiro de 2011, em Dublin, República da Irlanda. Descrição das “mesas” e palestrantes 25 de janeiro: Investindo em Aeronaves e Motores Aeronáuticos Esse primeiro dia do evento foi organizado sob a forma de um “seminário didático”, ou seja, procurou-se dar um caráter educativo a cada um dos painéis, sem prejuízo do espaço para debates ao fim de cada um deles. Observadas tais premissas, os principais temas e aspectos relacionados ao financiamento aeronáutico foram cobertos. A organização do evento optou por constituir “mesas” com até quatro participantes para os assuntos mais polêmicos e promover palestras tradicionais quando a finalidade era essencialmente informativa e de atualização do tema tratado. Assim, realizaram-se as seguintes “mesas”: • Tendências quanto ao valor residual das aeronaves, composta por representantes das empresas de avaliação (appraisers) Morten, Bayer & Agnew, Avitas, IBA Group e do banco DVB Bank, com a moderação a cargo da editora do Airfinance Journal. • Aeronaves regionais como ativos para investimento, composta por representantes das empresas fabricantes Mitsubishi Aircraft Corp., SuperJet International, Bombardier e Embraer, com a moderação a cargo de representante da consultoria HMG Aviation Inc. Comunicação de participação em seminário 429 p. 429-434 • Aeronaves usadas: por que investir no mercado secundário?, composta por representantes das empresas de arrendamento de aeronaves KV Aviation, RPK Capital, Cabot Aviation e Tailwind Capital LLC, com a moderação a cargo do vice-presidente de Marketing da Orix Aviation. • Retomada de aeronaves – um guia para os investidores, composta por representantes das empresas Orix Aviation, Sage-Popovich e KV Aviation, com a moderação a cargo de sócio da Arthur Cox. • Grandes motores, pequenos motores e remotorização, composta por representantes dos fabricantes de motores aeronáuticos CFM e Pratt & Whitney, e a moderação a cargo da editora do Airfinance Journal. Já as palestras foram organizadas de modo que os principais fabricantes – Airbus e Boeing para os grandes jatos comerciais, e Bombardier e ATR para os turbo-hélices regionais – pudessem atualizar os participantes quanto ao desenvolvimento de suas mais recentes aeronaves (histórico e perspectivas de desenvolvimento futuro para cada uma delas). 26 de janeiro: 1º dia da Conferência sobre Financiamento de Aeronaves Assim como no dia anterior, nesse também houve “mesas” e palestras individuais. No que tange às “mesas”, a organização do evento levou às seguintes composições: • Decifrando o novo Entendimento Setorial Aeronáutico (ASU), com representantes da Boeing, Airbus, Bombardier, Embraer, ATR, Mitsubishi e AWG – Aviation Working Group;1 moderação a cargo de sócio da KPMG. 1 Organização social composta pelos principais fabricantes de aeronaves e de motores e por instituições financeiras, reconhecida como legítima representante do interesse desse grupo no âmbito da OCDE. 430 Revista do BNDES 35, julho 2011 • Painel das transportadoras europeias – sobrevivência das “empresas de bandeira”, com representantes da Iberia, Air France, Lufthansa, Virgin Atlantic e Cargolux; moderação a cargo do VP Financeiro da Natixis Transport Finance. • Créditos oficiais à exportação – uma forma normal de financiamento?, com representantes da ECGD, Coface, EDC, Euler Hermes e US Ex-Im Bank; moderação a cargo do presidente do conselho da Vedder Price. • A capacidade de financiamento dos bancos comerciais para 2011 e além, com representantes sênior da AerCap, Aircastle Advisor, Orix Aviation, AWAS e Amentum Capital; moderação a cargo de sócio da Maples Calder. Já as palestras individuais foram organizadas, presume-se, de forma a proporcionar um quadro que refletisse os pontos de vista de representantes de grandes grupos com interesses no setor e de alguns atores diretamente envolvidos com o financiamento de aeronaves. Assim, houve palestras a cargo do sênior VP e CFO do Grupo Air France KLM, do CEO da ILFC (segunda maior empresa de arrendamento de aeronaves do mundo), do presidente e CEO da Gecas (maior empresa de arrendamento de aeronaves), do CFO da Lufthansa e do sênior VP da Avitas [empresa de avaliação de aeronaves (appraiser)]. 27 de janeiro: 2º dia da Conferência sobre Financiamento de Aeronaves Como de hábito, viram-se aqui “mesas” e palestras individuais. Com relação às “mesas”, a organização levou às seguintes composições: • As novas empresas de arrendamento (lessors) serão competitivas?, com os CEOs da Avolon, AirLeaseGroup, Hong Kong Aviation Capital, Jackson Square e KV Aviation; moderação a cargo de sócio da A&L Goodbody. • Como o modelo de transportador de baixos custos está se saindo na Europa?, com os CFOs das empresas de baixos custos Comunicação de participação em seminário 431 easyJet, Aer Lingus, Ryanair, Flybe, Norwegian Air Shuttle e Wizz Air; moderação a cargo da editora do Airfinance Journal. • Debate Boeing & Airbus, com o VP da Boeing Capital Corp. e o Sênior VP de Clientes da Airbus; moderação a cargo do CEO da Engine Lease Finance Corp. • A dinâmica do mercado: como gerenciar o crescimento em direção a aeronaves de maior capacidade?, com os VPs de Marketing e Estratégia da Embraer e da Bombardier; moderação a cargo da editora do Airfinance Journal. • Painel das transportadoras norte-americanas – metas de expansão e estratégias de financiamento, com os diretores financeiros da United Airlines, American Airlines, Virgin America e JetBlue; moderação a cargo do diretor do The Airline Analyst, Airfinance Journal. • Os planos de investimentos internacionais chineses para 2011, com os diretores de finanças da BOC Aviation, ICBC Financial Leasing e CMB China; moderação a cargo do diretor comercial do IBA Group. • Mercados de capitais – é este o caminho à frente?, com os VPs de finanças corporativas da Goldman Sachs, Credit Suisse e Emirates Group; moderação a cargo de sócia da A&L Goodbody. Já as palestras individuais – em contraste com o ocorrido no dia anterior – foram aparentemente organizadas para refletir setores, empresas e indivíduos com fortes pontos de vista sobre o setor. Estiveram a cargo o VP e CFO da Ryanair, o presidente e CEO da AWAS e um sócio da KPMG. Relevância da conferência para a atuação do BNDES Tal qual ocorreu nos anos recentes, a pretensão da conferência é “dar o tom” para o financiamento de aeronaves em todo o mundo no resto 432 Revista do BNDES 35, julho 2011 do ano. Fato reforçado neste ano com o comparecimento recorde de mais de mil participantes. O Brasil se insere nesse quadro, pois, assim como ocorre nos demais países fabricantes de aeronaves, a agência de crédito à exportação – o BNDES Exim – foi chamada a incrementar substancialmente seu apoio ao financiamento de aeronaves em função da crise mundial. Assim, podem-se sintetizar os seguintes pontos relevantes da conferência para a atuação do BNDES: • O ciclo de vida útil econômica das aeronaves apresenta forte tendência de queda em função de mudanças tecnológicas e de mercado, reduzindo-se de 20-25 anos para 15-20 anos. Aeronaves consideradas “maduras” eram aquelas com mais de 20 anos de fabricação; agora esse limiar teria caído substantivamente. A indicação para o BNDES seria, portanto, de redução nos prazos de financiamento e/ou redução nos percentuais financiados de forma a se reduzir os riscos de valor residual das aeronaves – que são a garantia essencial dos contratos, dado que a qualidade do risco corporativo das linhas aéreas é historicamente incompatível com os volumes de financiamento que elas demandam. • O lançamento da nova linha CSeries da Bombardier de jatos comerciais para 100 a 149 assentos (entregas a partir de 2013), incorporando motores de tecnologia avançada que proporcionariam economia de combustível da ordem de 12% a 16%, deflagrou a iniciativa de remotorização da Airbus – aeronave A320-NEO – para poder concorrer com o CSeries. O novo jato regional da Mitsubishi – com 98 assentos – também terá motores com a nova tecnologia. Boeing e Embraer vêm realizando estudos para decidir se vão também nessa direção que, conforme exposto na conferência, poderá levar a uma queda não prevista e importante no valor residual das aeronaves atualmente fabricadas e financiadas, inclusive aquelas das famílias Embraer 170/190 já financiadas pelo BNDES. Comunicação de participação em seminário 433 • Vários países (Rússia, Indonésia, Índia) vêm introduzindo – de forma inédita – restrições de importação e operação de aeronaves em seus territórios, com base unicamente na idade das mesmas – 15 anos ou até menos. Isso significa menor liquidez no mercado secundário de aeronaves. Para o BNDES, assim como para qualquer outro financiador de aeronaves, isso representa uma redução no espaço geográfico e jurisdicional de recomercialização de aeronaves eventualmente devolvidas ou retomadas de clientes inadimplentes. Reforça-se com isso o argumento para maior mitigação do risco de crédito, seja pela redução dos prazos totais de repagamento, seja pela redução dos percentuais máximos financiáveis do preço da aquisição. • O novo Entendimento Setorial Aeronáutico (ASU), em vigor desde 1º de fevereiro, elaborado no âmbito da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), foi recebido com reservas pelo público presente. Houve quase um consenso, até entre os fabricantes de aeronaves, de que ele é bem mais complexo que o ASU 2007, o que dificultará sua implementação. Já as empresas aéreas reclamaram do aumento de custos nele embutido, pelo menos no momento atual, dado que sua precificação de risco de crédito segue “referências do mercado privado” (e não uma tabela independente, como no ASU 2007). Para o BNDES, significa uma necessidade de treinamento imediato de suas equipes operacionais e o forçoso encarecimento de seus financiamentos de aeronaves no curto prazo. 434 Revista do BNDES 35, julho 2011