Universidade Nova de Lisboa / FCSH
Metodologias de Investigação no Estudo dos Media e do Jornalismo
O ALARGAMENTO DA UE NA “VISÃO”
Análise quantitativa e qualitativa de conteúdos
2
O presente trabalho é parte de uma pesquisa realizada no
quadro do Seminário de Mestrado ‘Metodologias de Investigação no
Estudo dos Media e do Jornalismo’ sobre o tratamento dado por media
portugueses,
franceses,
espanhóis,
ingleses
e
brasileiros
ao
alargamento da União Europeia a 10 novos países formalizado em 1 de
3
Maio de 2004. O período abrangido pela pesquisa é o de 29 de Abril a 3
de Maio (isto é, nos dois dias anteriores e nos dois dias posteriores à
cerimónia, além de no dia da própria cerimónia). 1
Este trabalho tem por objecto o número 582 da “Visão”,
publicado em 29 de Abril de 2004, a única edição da revista que teve
lugar no período em análise, e pretende apurar de que modo a “Visão”
tratou o alargamento, tendo em conta as palavras-chave que a União
Europeia se propôs em termos de política de comunicação para a
cobertura do processo: vontade política para receber os novos países;
confiança nas vantagens do alargamento quer para a Europa e para os
15 países já integrantes da União quer para os novos Estados
aderentes; transparência de todo o processo de alargamento; e
progresso na consolidação da “democracia política, do modelo
económico e do desenvolvimento social”, de que seriam exemplares os
casos de Portugal, Espanha e Grécia.
Os
resultados
quantitativos
e
qualitativos
apurados
contribuirão, com outros trabalhos integrantes da pesquisa, para obter
respostas às seguintes questões: “1. De que modo os media nacionais
de diferentes países trataram um acontecimento (o alargamento)
previamente anunciado e preparado pela instância promotora, a União
Europeia? Aceitaram ou contestaram as palavras-chave propostas por
aquela? 2 – Tendo presente as diferentes posições relativas à
1
As categorias quantitativas e qualitativas de análise de conteúdo utilizadas são as constantes da
ficha em anexo.
4
identidade europeia no contexto nacional, que características se
encontram
entre
os
media
dos
diferentes
países?
3
–
Que
características distinguem a cobertura deste evento por parte da
imprensa escrita e do audiovisual?”.
Material objecto do trabalho
A edição da revista “Visão” objecto do presente trabalho integra um
“dossier” especial sobre o alargamento, de 22 páginas e um “Atlas da
Nova Europa”, de 120 páginas, com chamada de 1ª página e foto,
vendido juntamente com a revista por um preço acrescido de 3 euros.
O “Especial Europa” 2 (designação por que o referido “dossier” especial,
constituindo uma secção autónoma, é identificado no índice da revista)
tem o título de “Retratos da Nova Europa” e é integrado por:
- um pequeno texto editorial de apresentação, enquadrado por 10
fotos e um mapa da Europa com imagens dos nove enviados da revista;
- um conjunto de 10 breves reportagens sob o título geral de
“Retratos da Nova Europa” (só em dois casos com mais de 5 parágrafos
e, mesmo assim, com apenas 6), com fotos de grande tamanho (meia
página, 2/3 de página, ou página inteira), cada uma delas incidindo
2
Designado indiferentemente no decurso do presente trabalho como “dossier”, “Especial
Europa” e “Retratos da Nova Europa”.
5
sobre um dos 10 novos membros da UE e assinada por um ou dois
enviados especiais;
- e um artigo exclusivo do presidente da República, intitulado
“Alargar para Aprofundar”, com 2 páginas (15 parágrafos) e ilustrado
com uma pequena foto do autor e uma outra de uma visita presidencial à
Estónia.
Por sua vez, o “Atlas da Nova Europa” inclui:
- uma breve (3 parágrafos) apresentação editorial, intitulada “Os
Dias do Alargamento”, ilustrada com uma pequena imagem (“selo”, no
jargão jornalístico) com todas as 25 bandeiras da UE;
- a reprodução parcial (12 parágrafos) do artigo de opinião do
presidente da República publicado nos “Retratos da Nova Europa”;
- um conjunto de textos intitulado “O Mundo dos 25”, integrado por
vários mapas – geral (geográfico e demográfico),
político, social e
económico – da Europa dos 15 e da Europa dos 25, em comparação
com os EUA; indicadores (políticos, sociais, económicos, demográficos,
geográficos, históricos) respeitantes a cada um dos agora 25 países
membros da UE; e ainda 10 reportagens de 4 ou 6 páginas (sempre
mais de 10 parágrafos), com fotos, sobre os novos países, todas
segundo o mesmo modelo editorial: o de dar a conhecer a vida, as
dificuldades e as expectativas de cada um dos povos através do ponto
de vista de famílias locais.
6
- um artigo de opinião do comissário para o alargamento, Guenter
Verheugen intitulado “uma Aposta na Paz” (6 parágrafos), como
pequena foto do autor.
Além dos textos incluídos nos dois referidos projectos editoriais
especiais, realizados para assinalar o alargamento, o número da “Visão”
em análise inclui ainda, no corpo da revista, seis outras peças
jornalísticas com referências ao alargamento (ou à UE), a saber:
- uma nota editorial de 4 parágrafos na secção “Linha Directa”,
intitulada “Um Mergulho na Europa dos 25”, sumariando o principal
conteúdo da edição, particularmente o “Especial Europa” e o “Atlas”;
- uma breve notícia (1 parágrafo) na secção “Radar”, dando
notícia da participação do ex-comissário português João de Deus
Pinheiro num painel a realizar no Dia da Europa no Centro Cultural de
Belém
integrado
num
seminário
sobre
as
consequências
do
alargamento;
- outra “breve” de 1 parágrafo, com foto, na secção “Periscópio”,
acerca da participação de socialistas portugueses no congresso do
Partido Socialista Europeu realizado em Bruxelas (esta notícia fica de
fora da análise já que, embora referindo-se à UE, não contém qualquer
referência explícita ao alargamento, condição prévia do material em
análise);
- um artigo de 1 página e 1/3 (9 parágrafos), com foto, na secção
“Mundo”, sobre as consequências do referendo em Chipre sobre a
reunificação;
7
- uma crónica (2/3 de página, 5 parágrafos, com foto do autor)
assinada pelo jornalista Pedro Camacho na secção “Economia”, com o
título de “Na terra de ninguém”, sobre as consequências do alargamento
para Portugal;
- e uma notícia de 2 parágrafos na secção “Cultura” acerca de um
projecto de cinema integrando realizadores de cada um dos 25 países
membros, a exibir em Lisboa no dia da cerimónia da adesão dos 10
novos Estados (com foto da realizadora portuguesa Teresa Villaverde).
Confiança dos novos países
O “dossier” “Especial Europa” publicado pela “Visão” com o título de
“Retratos da Nova Europa” é integrado, como ficou dito, por 12 peças,
uma apresentação, um artigo de opinião do presidente da República e
10 reportagens amplamente ilustradas com fotografias.
Apesar de a abertura referir positivamente o alargamento, sublinhando
as “energias novas” que, juntamente com “problemas em suspenso”, ele
trará a um “Continente (quase) unificado,” a tonalidade geral das peças
do “dossier” é neutra (59% delas, ver Gráfico 1). A adesão dos novos
países é, contudo, referida positivamente muitas mais vezes (33%) do
8
que negativamente (8%), para o que contribui em larga medida o texto
do presidente da República 3 .
Já nas reportagens incluídas no “Atlas” – onde, ao contrário da
perspectiva distante das reportagens do “dossier”, o alargamento é
observado do ponto de vista de cada um dos novos países – o tom é
amplamente positivo (85% dos casos, ver Gráfico 2), sendo que
nenhuma vez é referido negativamente. Quando muito (em 15% dos
casos)
a
tonalidade
das
reportagens
é
neutra,
ou
incluindo
simultaneamente pontos de vista positivos e negativos 4 , estes sobretudo
resultado de desconfiança na integração e consequentes perdas de
soberania, previsível em países, como os do ex-Bloco Leste, que ainda
há pouco readquiriram a totalidade da sua soberania nacional.
Gráfico 1
3
O tom das peças refere-se aqui à natureza do seu conteúdo e não à forma da cobertura feita.
Tal opção permite uma avaliação mais completa já que, apesar de a totalidade dos textos
assinados por jornalistas revelar uma cobertura neutra, a selecção e valorização relativa dos
conteúdos neles incluídos (sobretudo nos enquadramentos jornalísticos “de conflito”) conferelhes um tom específico em relação às palavras-chave da UE. Curiosamente, com excepção dos
artigos de opinião institucionais (do PR e do Comissário para o Alargamento), são justamente os
textos não assinados incluídos em ambas as iniciativas editoriais especiais da “Visão”, onde seria
mais previsível a tonalidade neutra, que esta se revela mais obviamente positiva.
4
Como resulta de estudos realizados em outros países da UE, também nas reportagens da
“Visão” nos novos países se nota, mesmo que isso nem sempre resulte suficientemente
evidenciado, que é entre as elites que as expectativas (sobretudo as de médio e longo prazo)
quanto ao alargamento e à integração europeia são mais positivas, sendo entre os cidadãos
comuns que há maior cepticismo.
9
Dossier /Tonalidade
8%
33%
59%
1
2
3
Gráfico 2
Atlas /Tonalidade
0%
15%
85%
1
2
3
1- Tonalidade positiva; 2- Tonalidade neutra; 3 – Tonalidade
negativa.
(Nota: as percentagens são dadas por arredondamento)
10
É importante referir que tonalidade positiva quanto ao alargamento (e
consequentemente em relação à campanha da UE, em particular no que
respeita à confiança em que “ganha a Europa e ganham os 10 novos
aderentes”), se verifica sobretudo 5 quando o acontecimento é abordado
na perspectiva dos novos países. Com efeito, quer nas peças do
“dossier” quer nas do “Atlas”, o alargamento raramente tem como tema
principal seja o ponto de vista dos interesses portugueses, seja da UE,
seja de qualquer outro dos seus membros (cf. infra).
No “dossier”, apenas na reportagem sobre a Polónia é referida (e,
mesmo assim, como tema secundário) a perspectiva de outros países
da UE. Em nenhuma das restantes reportagens dos “Retratos da Nova
Europa”
aparecem
referências,
nem
mesmo
secundárias,
às
consequências do alargamento vistas da perspectiva de Portugal, da de
outro dos países comunitários ou, globalmente, da União Europeia. O
alargamento na sua dimensão global é tema principal apenas da
apresentação inicial e do artigo do presidente da República; e só este
refere, embora como tema secundário, a perspectiva portuguesa.
E o mesmo sucede no “Atlas”. Em todas as 10 reportagens desta
separata da “Visão”, o tema principal é sempre o da perspectiva dos
novos países. E unicamente uma vez, na reportagem sobre a
Eslováquia, aparece o alargamento na sua dimensão global como tema
5
No entanto, também a peça editorial de apresentação dos dois projectos especiais, publicado no
corpo da revista, o alargamento. Visto na sua dimensão global, é apresentado positivamente e
classificado de “histórico” e “importante” e a “Nova Europa” que dele nasce como “fundamental
para o nosso futuro”.
11
secundário, do mesmo modo que só nas reportagens sobre a Polónia (a
propósito da presença de empresas nacionais nesse país) e sobre a
República Checa (a propósito da questão da deslocalização de
empresas) é referida (secundariamente, ou apenas episodicamente) a
perspectiva portuguesa. Como sucede também no “dossier”, é nos
artigos de opinião – de Jorge Sampaio e do comissário Guenter
Verheugen – bem como no texto inicial de apresentação, que o
alargamento na sua dimensão global é tema principal e temas
secundários perspectivas diferentes (a portuguesa ou a de outros países
da UE) da dos novos países.
Por este motivo, não se apura do material analisado da revista “Visão”, a
expressão de qualquer posição em relação à palavra-chave da União
Europeia de vontade política para receber os novos países (e o mesmo
se diga, por ausência de quaisquer referências relevantes quer ao
processo quer aos tratados de adesão, à transparência) sendo que
quanto à de progresso na consolidação da “democracia política, do
modelo económico e do desenvolvimento social”, apenas emerge de
opiniões institucionais (a do presidente português e a do comissário
Verheugen, onde Portugal e os países do Sul da Europa são
apresentados como exemplos conseguidos 6 ).
6
Na reportagem do “Atlas” sobre a Hungria, intitulada “Esperanças e dúvidas” – é entre os
húngaros que, a crer nas reportagens quer do “Atlas” quer do “dossier”, que o alargamento é
visto com maior cepticismo – é afirmado por um dos entrevistados, queixando-se de má
informação, que “Espanha e Portugal são-nos apresentados como bons exemplos, mas quando se
levantam questões concretas sobre os salários, ou as escolas, não há respostas”…
12
Tema principal: o alargamento da perspectiva dos novos países.
Mas…
Da análise global dos conteúdos da edição da “Visão” objecto da
presente pesquisa resulta que o tema principal mais frequentemente
tratado é, de longe, o do alargamento visto (positivamente) da
perspectiva dos novos países aderentes (47% das peças jornalísticas
publicadas 7 ), seguido (20% 8 ) do alargamento na sua dimensão global.
Só ocasionalmente são outros os temas principais dos textos da referida
edição contendo explícita referência ao alargamento: questões políticas
(10% 9 ), questões económicas (7% 10 ), perspectiva portuguesa ou
questões culturais (3% 11 ), ou outros temas (10% 12 ). (Ver Gráfico 3 13 ).
Gráfico 3
7
O que corresponde a 14 de um total das 30 peças jornalísticas publicadas com referências
explícitas à questão do alargamento.
8
6 em 30.
9
3 em 30.
10
2 em 30.
11
1 em 30. O único caso de avaliação do alargamento (aliás, negativa) feita da perspectiva
portuguesa como tema principal é um texto de opinião do jornalista Pedro Camacho na secção de
“Economia”.
12
3 em 30.
13
Os temas referidos constituem as categorias temáticas comuns da pesquisa de que este trabalho
faz parte (cf. ficha em anexo).
13
TEMA PRINCIPAL (Corpo da
revista+Dossier+Atlas)
10%
0%
10%
20%
3%
0%
3%
0%
7%
47%
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
1- Alargamento na sua dimensão global; 2 – Perspectiva do país de
origem do jornal;
3 – Perspectiva de outros países da UE; 4 – Perspectivas dos novos
países; 5 – Questões económicas; 6 – Circulação de pessoas; 7 –
Questões culturais; 8 – Questões políticas; 9 – Ambiente; 10 –
Outros temas.
(Nota: as percentagens são dadas por arredondamento)
Vistas mais de perto, estas conclusões gerais têm, no entanto, que ser
interpretadas cum grano salis.
Observem-se, com efeito, os gráficos parciais seguintes:
14
Gráfico 4
ATLAS /Tema principal
0%
23%
0%
77%
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
9
10
Gráfico 5
DOSSIER/Tema principal
8%
0%
17%
0%
17%
8%
33%
0%
17%
1
Gráfico 6
2
3
4
5
6
7
8
15
Corpo da revista /Tema principal
20%
40%
20%
0%
20%
1
2
3
4
5
6
0%
7
8
9
10
1- Alargamento na sua dimensão global; 2 – Perspectiva do país de
origem do jornal;
3 – Perspectiva de outros países da UE; 4 – Perspectivas dos novos
países; 5 – Questões económicas; 6 – Circulação de pessoas; 7 –
Questões culturais; 8 – Questões políticas; 9 – Ambiente; 10 –
Outros temas.
(Nota: as percentagens são dadas por arredondamento)
Da observação destes gráficos resulta que a perspectiva dos novos
países sobre o alargamento é tema principal sobretudo no “Atlas” (77%
das peças publicadas). Esta percentagem corresponde a 10 das 13
peças com referência explícita ao alargamento que foram consideradas,
justamente as 10 reportagens sobre os novos países. As restantes 3, ou
seja, uma percentagem de 29%, têm o alargamento globalmente
considerado como tema principal.
16
Já no “dossier” esse tema aparece em um pouco mais do que 33% das
peças, enquanto a percentagem do tema do alargamento na sua
dimensão global é de ligeiramente inferior a 17% (percentagens
correspondentes, respectivamente, a 4 e a 2 das 12 peças
consideradas).
No corpo da revista, nenhuma das peças com referências explícitas ao
alargamento tem como tema principal a perspectiva dos novos países.
Mesmo o alargamento na sua dimensão global é, no corpo da revista,
referido numa única peça (a de apresentação das iniciativas editoriais
“Especial Europa” e “Atlas”…). Questões políticas (notícia acerca das
consequências do referendo sobre a reunificação de Chipre), o
alargamento negativamente visto da perspectiva portuguesa (crónica de
Pedro Camacho) e “outros temas” (notícia de uma intervenção do excomissário João de Deus Pinheiro no CCB e notícia sobre o filme de um
conjunto de realizadores dos 25 países da UE) são os temas principais
das peças jornalísticas incluídas no corpo da revista com referências
explícitas ao alargamento.
Tais dados permitem concluir que as palavras-chave da UE estão
completamente ausentes do “corpus” jornalístico normal da revista. E
ainda que apenas nas duas referidas iniciativas editoriais, ambas de
carácter excepcional e promovidas especificamente para assinalar a
data da formalização da adesão de 10 novos países à União Europeia, a
questão do alargamento é tratada, como tema principal, em termos
17
próximos dos que a UE se propõe, especialmente quanto à palavrachave confiança e, menos expressivamente, ainda quanto à de
progresso. A palavra-chave transparência está ausente, apesar de uma
brevíssima referência à falta de informação sobre a adesão feita de
passagem na reportagem do “Atlas” sobre a Hungria (cf. supra, nota 6).
Por outro lado, e como antes ficou referido, da falta da perspectiva de
outros países da UE face ao alargamento como tema principal das
peças jornalísticas recolhidas (e a sua presença meramente episódica
como tema secundário) decorre a total irrelevância dada à palavrachave, ou conceito-chave, de vontade política.
A análise de conteúdo do material recolhido no que respeita ao conjunto
de temas secundariamente tratados na edição sub specie da “Visão”
confirma e explicita estas considerações.
Questões políticas: tema secundário mais frequente
As questões políticas são o tema secundário mais frequentemente
tratado tanto nos “Retratos da Nova Europa” como no “Atlas”. E, neste,
tanto na secção “O Mundo dos 25” como nas restantes peças,
particularmente – como seria, aliás, previsível dada a natureza políticoinstitucional dos cargos desempenhados pelos seus autores – os artigos
de opinião do presidente da República e do comissário Verheugen sobre
18
o alargamento. Já nas peças incluídas no corpo da revista, dada a sua
natureza quase sempre breve, ou circunstancial (o sumário da revista,
por exemplo), as temáticas secundárias ou são inexistentes ou são
praticamente irrelevantes. Exceptua-se a crónica de Pedro Camacho,
que aborda secundariamente questões políticas e económicas.
Observemos o gráfico seguinte que quantifica os temas secundários
presentes no “dossier” “Retratos da Nova Europa”:
Gráfico 7
Dossier / Temas secundários
6
5
5
4
3
3
3
3
2
1
1
1
2
3
4
1
1
0
1
5
6
7
8
9
10
Temas: 1- Alargamento na sua dimensão global; 2 – Perspectiva do
país de origem do jornal; 3 – Perspectiva de outros países da UE; 4
– Perspectivas dos novos países; 5 – Questões económicas; 6 –
Circulação de pessoas; 7 – Questões culturais; 8 – Questões
políticas;
9 – Ambiente; 10 – Outros temas.
19
Como se vê, no “dossier” especial, as questões políticas são tema
secundário 5 vezes num total de 18 ocorrências (num total de 12 peças
consideradas), o que representa uma percentagem de cerca de 28%.
Seguem-se-lhe as questões económicas, as questões culturais e as de
ambiente, com 3 referências (17%). E, já menos relevantemente, com 1
(pouco mais de 5%), as perspectivas portuguesa, de outros países da
UE e dos novos países face ao alargamento, bem como “outros temas”.
Nem o alargamento na sua dimensão global nem a questão da
circulação de pessoas ocorrem como temas secundários, o que, no caso
do primeiro, resulta obviamente de esse tema ser, antes, tratado como
principal em grande parte dos textos considerados (cf. o que ficou dito
supra, no anterior capítulo). É ainda interessante notar que os temas 2 e
4 (isto é, a análise do alargamento respectivamente da perspectiva
portuguesa e da dos novos países) apenas constam, no “dossier”
“Retratos da Nova Europa”, do artigo do presidente da República.
Já nas reportagens do “Atlas” sobre os 10 novos países, as questões
políticas partilham com as económicas o maior número de referências
como tema secundário (10 em 35 ocorrências, o que representa uma
percentagem de 29%, praticamente a mesma do “dossier”), logo
seguidas das questões culturais.
Gráfico 8
20
ATLAS/ "O Mundo dos 25" /Temas secundários
12
10
8
6
4
2
0
10
1
1
10
3
2
2
9
0
0
3
4
5
6
7
8
0
0
9
10
Temas: 1- Alargamento na sua dimensão global; 2 – Perspectiva do
país de origem do jornal; 3 – Perspectiva de outros países da UE; 4
– Perspectivas dos novos países; 5 – Questões económicas; 6 –
Circulação de pessoas; 7 – Questões culturais; 8 – Questões
políticas;
9 – Ambiente; 10 – Outros temas.
(NOTA: Como já ficou dito, nas reportagens incluídas na secção “O
Mundo dos 25”, o tema principal é sempre o da perspectiva do país
objecto da reportagem).
A circunstância de estarmos perante trabalhos jornalísticos que
expressamente visam, como se diz na sua apresentação editorial,
“através de famílias locais, conhecer a vida, as expectativas e as
dificuldades desses povos”, explica tanto a perspectiva desses novos
países como tema principal como que os enquadramentos políticos,
económicos
e
culturais
inevitavelmente
apareçam
como
temas
secundários ou como pano de fundo. Com efeito, quer as questões
21
económicas quer as políticas são particularmente relevantes na maior
parte dos 10 novos países, muito em especial nos oriundos do ex-Bloco
Leste, que viveram nos últimos anos transformações radicais tanto de
modelo económico como político, mas também em Chipre, uma ilha
politicamente dividida entre duas comunidades separadas não só por
profundas diferenças culturais mas igualmente por grandes diferenças
económicos.
Por outro lado, a relevância com que as questões culturais surgem
nestas peças mais que se justifica pelos seus objectivos de “dar a
conhecer” os povos em causa. Veremos posteriormente como as fotos
que acompanham essas reportagens vêm, confirmando o que fica dito,
exactamente ao encontro destas temáticas. Pelas mesmas razões, e
como seria também expectável, os outros temas secundários das
reportagens do “Atlas” são a circulação de pessoas (3 ocorrências), a
perspectiva portuguesa (2) e o alargamento na sua dimensão global (1).
Vejamos, por fim, o que se passa com as peças de opinião (e a de
apresentação editorial do projecto) incluídas no “Atlas”:
Gráfico 9
22
ATLAS /Outras peças / Temas secundários
4
3
3
3
3
2
2
1
1
1
0
0
0
6
7
0
0
1
2
3
4
5
8
9
10
Temas: 1- Alargamento na sua dimensão global; 2 – Perspectiva do
país de origem do jornal: 3 – Perspectiva de outros países da UE; 4
– Perspectivas dos novos países; 5 – Questões económicas; 6 –
Circulação de pessoas; 7 – Questões culturais; 8 – Questões
políticas;
9 – Ambiente; 10 – Outros temas.
(NOTA: Em todas estas peças o tema principal é o do alargamento na
sua dimensão global).
Aqui, além das questões políticas, são as perspectivas de Portugal e as
dos novos países da UE que surgem mais frequentemente como temas
secundários, em textos, recorde-se, onde o alargamento na sua
dimensão global constitui o tema principal, o que facilmente se explicará
tendo em conta que os dois artigos de opinião do PR e do comissário
Verheugen foram escritos, a partir de pontos de vista institucionais,
expressamente para os leitores portugueses da “Visão”.
Os números totais dos diferentes temas secundários globalmente
presentes em toda a edição sub specie da “Visão” (corpo da revista +
23
“dossier“ “Especial Europa” + “Atlas”) dão uma ideia expressiva da
relevância relativa atribuída pela revista às temáticas políticas (bem
como, em menor escala, às económicas; em conjunto, as duas
constituem praticamente 50% das ocorrências verificadas):
Gráfico 10
TEMAS SECUNDÁRIOS (Corpo da
revista+Dossier+Atlas)
4%
1%
7%
3%
8%
7%
28%
21%
4%
17%
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
Temas: 1- Alargamento na sua dimensão global; 2 – Perspectiva do
país de origem do jornal: 3 – Perspectiva de outros países da UE; 4
– Perspectivas dos novos países; 5 – Questões económicas; 6 –
Circulação de pessoas; 7 – Questões culturais; 8 – Questões
políticas;
9 – Ambiente; 10 – Outros temas.
24
A prevalência das temáticas políticas como pano de fundo generalizado
das peças da “Visão” sobre os países do alargamento exprime a
importância editorial atribuída pela revista à perspectivação histórica da
adesão desses países à UE, em coerência, aliás, com o cuidado posto
nos mapas políticos incluídos no “Atlas” e com as notícias históricas e os
perfis políticos elaborados sobre cada um deles.
O facto de a história política recente da generalidade dos novos países 14
ser particularmente agitada e ainda o de, no que respeita aos oriundos
da esfera de influência da ex-URSS, eles terem estado no centro das
grandes e sucessivas transformações ocorridas na Europa ao longo da
segunda metade do século XX, explicam que a revista tenha pretendido
perspectivar
histórica
comunidade
de
e
países
politicamente
a
que,
ainda
sendo
sua
integração
numa
predominantemente
económica, visa no entanto objectivos estratégicos de união política. De
facto, aos oito países recém-saídos do ex-Bloco Leste poderia neste
momento aplicar-se o título da reportagem que, nos “Retratos da Nova
Europa”, é dedicada à Lituânia: “Entre duas Uniões”…
Desta perspectivação política resulta que, se não a palavra-chave
progresso, ao menos o “conceito-chave” que lhe está subjacente no
discurso das instâncias europeias, esteja presente em grande parte dos
textos, em particular nas reportagens sobre os países do alargamento,
para os quais a adesão é em geral apresentada como um passo
importante na consolidação da democracia política, quando não também
14
Apenas com excepção de Malta, já que, se os oito países do ex-Bloco Leste estiveram durante
praticamente meio século no centro da “Guerra Fria”, também a história recente de Chipre tem
sido marcada por grande conflitualidade.
25
do desenvolvimento económico e social, tudo o que reconduz, de novo,
a uma ideia de confiança nas vantagens (políticas, económicas, sociais)
que a adesão presumivelmente trará a esses países.
Fotos: ainda as realidades política e económica
A generalidade das 30 peças com referência explícita ao alargamento
incluídas no número da “Visão” em análise é acompanhada de
fotografias. No total, são em número de 80 15 as fotografias que ilustram
as referidas 30 peças, o que representa uma média de 2,7 por cada
uma, sendo que apenas duas delas (a “breve” do corpo da revista sobre
o ex-comissário João de Deus Pinheiro e a peça de abertura do “Atlas”
que, no entanto, é ilustrada por um desenho) não têm qualquer foto.
Uma grande percentagem (90%) dessas fotos é constituída por imagens
dos novos países ou de cidadãos desses países entrevistados pelos
enviados da revista.
A “Visão” utilizou quer fotografias próprias quer de agência, em especial
da Associated Press. Do conjunto das 80 fotografias publicadas, 61
(76%) são da “Visão” 16 , 19 de agência (14 da AP, 2 da Magnum, 1 da IP
e 1 da LUSA).
15
Considerou-se apenas uma foto a imagem dos rostos dos nove jornalistas da revista colocados,
num mapa da Europa, sobre os países a que foram enviados. Essa imagem é utilizada duas vezes,
uma no corpo da revista e outra no “Retratos da Nova Europa”.
16
Consideram-se neste número 6 fotos não assinadas, pequenas imagens do rosto dos autores
dos textos que acompanham a assinatura.
26
Apesar de a análise do conteúdo das fotografias não fazer parte da lista
das categorias previstas na ficha de trabalho adoptada 17 , tal análise,
realizada segundo categorias temáticas idênticas às aplicáveis aos
textos, revela-se bastante significativa, sendo os seus resultados
grandemente coerentes com os da análise das peças jornalísticas e
reforçando, pois, as conclusões a que eles conduzem 18 .
Tomando em consideração apenas as fotos que acompanham as
reportagens sobre os novos países – quer as publicadas no “dossier”
“Retratos da Nova Europa” quer no “Atlas”, num total de 75 – verifica-se
que a maior parte delas têm temática cultural ou religiosa, o que desde
logo se compreende tendo em conta que o objectivo central de tais
reportagens é, expressamente, o de oferecer aos leitores da revista “um
olhar privilegiado sobre o quotidiano destes ‘distantes’ países que vai
além da frieza dos números”, isto é, o de, ao lado das informações
dadas pelos indicadores estatísticos, responder à pergunta: “Como são
eles? Como é o sei dia-a-dia?” 19 .
Observem-se, com efeito, os gráficos seguintes:
Gráfico 11
17
Cf. ficha em anexo.
A análise feita incide apenas sobre as fotos que integram o “dossier” “Retratos da Nova
Europa” e o “Atlas da Nova Europa”, num total de 75, três das quais pequenas imagens de
identificação dos autores de artigos de opinião (o PR e o comissário Verheugen).
19
Cf. “Um Mergulho na Europa dos 25”, “Visão” nº 582, p. 10.
18
27
Dossier/ Temas das fotografias
10
9
9
8
6
4
2
2
1
1
0
1
2
3
4
5
Gráfico 12
Atlas /"O Mundo dos 25"/ Temas das
fotografias
15
14
13
11
9
10
6
5
0
1
Gráfico 13
2
3
4
5
28
TEMÁTICAS DAS FOTOGRAFIAS / Totais
20
20
14
15
15
15
11
10
5
0
1
2
3
4
5
1- Fotografias de temática cultural (incluindo a religiosa); 2 –
Fotografias de temática económica; 3 – Fotografias de temática
política: 4 – Fotografias de temática meramente turística; 5 – Outras
(fotografias dos entrevistados ou dos jornalistas autores das
peças).
Como se vê, 27% das fotos (20 em 75) têm por fim mostrar aspectos da
cultura e da vida religiosa dos povos dos novos países que “os afastam
ou os aproximam dos habitantes do actual clube ‘rico’ da Europa
Ocidental onde, apesar de tudo, nos situamos” 20 .
A mesma intenção de “dar a conhecer” esses povos justifica ainda que
20% das fotografias (15 em 75) tenham carácter turístico, mostrando
lugares ou acontecimentos reveladores do quotidiano desses povos.
Apesar disso, é significativa, confirmando o que antes ficou dito a
propósito da relevância dada às questões políticas e económicas, a
20
Id.,ibid..
29
presença de elevado número de fotografias com essas temáticas. As
fotografias de temática política e económica constituem, nas reportagens
do “Atlas”, mais de 40% do total (22 em 53) e, no conjunto de ambos os
projectos editoriais sobre o alargamento, um terço (25 em 75).
Por fim, é ainda interessante comparar o espaço relativo dado pela
“Visão” ao texto e às fotos nas reportagens sobre os novos países. No
“dossier” “Retratos da Nova Europa” cerca de dois terços do espaço total
(64%, isto é, 4330 de 6812 cm2) são preenchidos com fotografias e
apenas um terço com texto. Já nas reportagens publicadas no “Atlas” a
situação inverte-se: só um terço do espaço é ocupado com fotos (5140
de um total de 15880 cm2) e os dois terços restantes com texto.
Acresce o facto de o “Atlas” dedicar um total de 58 páginas às
reportagens sobre os novos países e o “dossier” apenas 16. E, sendo
certo que as páginas do “dossier” têm mais 30% de superfície do que as
do “Atlas”, é igualmente certo que o corpo das letras utilizadas no “Atlas”
é também mais pequeno (10%) do que o do “dossier”.
Tudo o que significa que os conteúdos das reportagens incluídas no
“Atlas”, apesar da abundância de fotografias, são constituídos
principalmente por texto informativo. Pelo contrário, os conteúdos do
“dossier” são sobretudo visuais.
30
A quantidade de fotografias de temática política quer no “dossier” quer
no “Atlas” confirma a verificação antes feita da prevalência das questões
políticas como tema secundário nas reportagens da “Visão” sobre os
novos países, valendo aqui as considerações antes produzidas a
propósito de tal circunstância. Em conjunto com as fotografias de tema
económico, as de temática política constituem um terço do total das
imagens com que a “Visão” mostra a realidade dos países que agora
chegam à União Europeia.
As imagens que a “Visão” publica da realidade política e económica dos
novos países documentam as condições em que se fundam as
expectativas positivas desses países em relação à UE, vindo de novo ao
encontro das palavras-chave de confiança e progresso que orientaram a
política de comunicação da UE face ao alargamento. Sobre esta
matéria, valem as considerações feitas no capítulo anterior a propósito
da relevância das temáticas políticas e económicas nas reportagens
quer do “dossier” quer do “Atlas”.
Condições de produção 21
«Fazemos uma programação anual, no início do ano, dos assuntos que
estão previstos e que consideramos importante tratar. O alargamento da
21
Este capítulo utiliza material de entrevistas expressamente recolhidas junto dos jornalistas
autores das reportagens sobre o alargamento publicadas na edição da “Visão em análise, bem
junto da responsável editorial que coordenou a edição quer do “Especial Europa” quer do
“Atlas”.
31
UE foi um deles. Logo nessa reunião, defendi que era necessário a
“Visão” fazer um trabalho desenvolvido sobre o tema, para ajudar os
portugueses a compreender o impacto do alargamento, já que se tratava
de novos membros concorrentes com Portugal, sobretudo a nível
económico», Áurea Sampaio, editora executiva responsável pela equipa
que fez o tratamento noticioso do alargamento da UE na “Visão”, explica
assim
os
primeiros
passos
do
trabalho
desenvolvido,
que
nomeadamente conduziu ao “Especial Europa” e ao “Atlas da Nova
Europa” da edição que temos vindo a analisar.
«Comecei a juntar dados. Comprei muitos livros e, via Internet, reuni
muitos elementos, nomeadamente do CIA Facts Book e do Financial
Times. Ocorreu-me que era interessante e útil fazer um “Atlas” pois
tínhamos juntado muitos dados – um produto “Visão” para as pessoas
guardarem. Mas não queríamos um “Atlas” idêntico aos que se compram
nas livrarias. Era necessário humanizá-lo, ir ao encontro dos problemas
reais... E, então, a ideia evoluiu e pensou-se fazer um trabalho diferente,
enviando jornalistas e fotógrafos aos locais».
Ao propor um “Atlas” complementado com reportagens nos novos
países membros, Áurea Sampaio teve a concordância da Direcção da
“Visão”. O único problema eram os custos que um trabalho desses
acarretaria e, portanto, «estudámos as disponibilidades económicas e
optámos por arranjar um patrocinador, que foi a REN (Rede Nacional
Eléctrica). Nessa altura definimos o número de páginas que seriam
32
publicadas, o número de caracteres por página e o ‘espaço’ para cada
país. Fez-se uma pré-paginação ‘por alto’ com os dados que
considerávamos mais importantes. Os grafistas trabalharam nos ícones
que iriam ser feitos. Decidimos o espaço para as fotografias. Dar
relevância às fotos é uma das marcas da “Visão”, por isso gastou-se
muito dinheiro na parte fotográfica. Logo no início tudo se ‘encaixou’
bem, cada um sabia o que tinha que fazer e, na edição final, teve de se
cortar muito pouco».
A escolha de reportagens na perspectiva dos novos países é justificada
assim: «Portugal está no grande grupo da UE e os nossos leitores
conhecem bem a nossa realidade. Portanto, a preocupação foi dar a
perspectiva dos outros, dos novos países, longínquos ou não, se tinham
problemas idênticos ou divergentes dos nossos...».
A “Visão” optou por dar a perspectiva dos novos países a partir de
reportagens junto de famílias locais. «Era necessário um fio condutor,
uma ligação entre as várias reportagens que servisse para comparar a
vida das pessoas, a casa das pessoas, etc... Por isso, optou-se por
encontrar famílias que, de alguma forma, fossem paradigmas desses
países. Por exemplo, na Polónia procurámos uma família ligada à
agricultura, já que este país compete connosco na obtenção de fundos
para a agricultura».
33
A escolha e estabelecimento dos contactos com as famílias nos vários
países foram feitos por cada jornalista, depois de designado para a
reportagem. A escolha dos jornalistas foi feita «pelo perfil, pela
apetência e por serem bons repórteres».
A jornalista Alexandra Correia trata frequentemente assuntos ligados à
agricultura, por isso foi escolhida para ‘cobrir’ a Polónia. Emília Caetano
tinha estado nos Países Bâlticos, tinha já viajado com o presidente da
República para esses países que, depois, tratou nas notícias do
alargamento. Paulo Chitas também foi designado para a Hungria e a
Eslovénia por já lá ter estado e conhecer as suas realidades. O mesmo
se passou com Luís Ribeiro, enviado à República Checa e à Eslováquia.
A jornalista Carla Alves Ribeiro, da secção de Economia, foi escolhida
para ir a Malta, pois optou-se salientar a importância do turismo para a
economia deste país. Rosa Ruela, que habitualmente trabalha na
secção Sociedade, foi ao Chipre.
«Antes de ir aos dois lados do Chipre, li muito sobre o assunto. Usei
muita informação da The Economist e consultei os sites dos vários
países envolvidos na questão, que têm Press Information Offices muito
eficientes e propagandísticos. Ainda aqui, em Portugal, marquei
encontros com os representantes diplomáticos da Turquia e de Chipre»,
afirma Rosa Ruela, descrevendo as diligências efectuadas antes da
viagem e esclarecendo que «a embaixadora do Chipre em Portugal é
34
que me pôs em contacto com a família lá. Era a família do presidente da
câmara».
A família do Norte da ilha foi escolhida no local. Quando Rosa Ruela e
Gonçalo Rosa da Silva para ali viajaram de automóvel, pediram, falando
em inglês, uma indicação de como chegar a uma aldeia, a um indivíduo,
à beira da estrada. O transeunte não só os ajudou a descobrir o caminho
como, depois, os acolheu com a sua família, que acabou por ser a da
reportagem.
«A reportagem no Norte (República Turca do Norte do Chipre) correu
menos bem – diz Ruela. Viajar naquela ilha é um pouco confuso. Tem
que se entrar pelo Sul (República do Chipre) para se poder ir ao Norte.
Se se entrar directamente pelo Norte, depois não se pode viajar para
Sul, eles não deixam… Nós queríamos ouvir os dois lados. Por isso
entrámos pela República do Chipre e alugámos um carro para ir ao
Norte. Mas não podíamos dormir lá, só podíamos ficar lá até à meianoite, depois tínhamos de voltar…»
Rosa Ruela ficou satisfeita com o tempo que teve à sua disposição,
antes de viajar, para preparar a reportagem: «Embora não houvesse
previsão do que ia acontecer no referendo, tinha já muitos elementos
sobre os dois lados da ilha». Tinha a clara noção que a ilha representa
um ponto estratégico para a Europa e para o Mundo e que «os cipriotas
gregos e os cipriotas turcos pouco mandam. Há muitos países com
35
interesses que exercem várias pressões que determinam o futuro da
ilha».
Já na outra ilha, a de Malta, o trabalho não foi tão complicado, pois não
havia ‘dois lados’ em confronto para ouvir, separados por uma fronteira
difícil de transpor. Carla Alves Ribeiro necessitou apenas de quatro dias
para a sua reportagem em Malta. «Tentei, antes de entrar em contacto
com uma família lá, através do representante em Portugal da Air Malta,
mas não foi possível. Por isso fomos para lá e, quando chegámos e
estávamos a jantar, metemos conversa com o dono do restaurante, que
nos apresentou à família que nos serviu para a reportagem».
«Vi a ilha toda e falei com muita gente. Consegui entrevistar o novo
primeiro-ministro de Malta porque, depois de chegar, falei com a
oposição e,, quando ele soube acedeu em falar comigo. Falei com
representantes de sindicatos e agências empresariais».
Carla Alves Ribeiro diz que nunca tinha viajado até Malta. «Antes de
viajar falei com várias pessoas que lá tinham estado e que me disseram
que era uma ilha muito marcada pela religiosidade. Confirmei isso. As
pessoas são muito religiosas, ouvem-se muitas vezes sinos tocar e a
presença da religião é uma imagem forte. As pessoas vivem bem,
embora tenha sentido que estavam pouco informadas sobre a adesão à
UE».
36
As reportagens maiores e mais pormenorizadas elaboradas pelos
jornalistas foram publicadas no “Atlas”. Além desse trabalho fez-se uma
síntese com os elementos considerados mais importantes para sair no
corpo da “Visão”, tendo presentes os critérios editoriais que presidem à
revista. As reportagens não foram feitas com base em contactos
estabelecidos com representantes da UE no nosso país ou no
estrangeiro, nem foi dada relevância às propostas da UE para a
cobertura do alargamento.
De sublinhar ainda destas entrevistas que, embora tal circunstância não
ressalte nas reportagens do “Especial Europa” e do “Atlas”, a informação
expressamente referida pela editora executiva responsável por ambas
as iniciativas editoriais de que a escolha das famílias “típicas” de cada
país a partir de cujas posições seria visto o alargamento foi feita tendo
em conta a perspectiva dos interesses concretos portugueses, bem
como ainda o que a jornalista Carla Alves Ribeiro nos diz sobre a
ausência de informação sobre o alargamento que verificou em Malta.
*
Conclusões
37
A análise quantitativa e qualitativa de conteúdos da edição da revista
“Visão” publicada no período da pesquisa apurou a existência de 30
peças jornalísticas com referências explícitas ao alargamento.
Essas peças dividem-se entre o corpo da revista (5), um “dossier”
especial intitulado “Retratos da Nova Europa” (12, dez das quais
reportagens sobre os países do alargamento) e uma separata intitulada
“Atlas da Nova Europa” (13, dez das quais igualmente reportagens sobre
os países do alargamento).
A tonalidade geral das peças em relação ao alargamento e aos
objectivos da política de informação da UE presente no discurso das
diferentes instâncias comunitárias (expressos nas palavras-chave
vontade política, confiança, transparência e progresso) é positiva (53%,
correspondendo a 16 das 30 peças em análise 22 ). É no “Atlas”, em cujas
reportagens o alargamento é visto da perspectiva dos novos países, que
o tom positivo é mais expressivo: 85%, isto é, 11 das 13 peças
analisadas. 12 peças em 30 (40%) assumem uma tonalidade neutra. Só
em 2 (7%) a tonalidade é negativa.
O tema principal dominante é o do alargamento visto (positivamente,
como ficou dito) da perspectiva dos novos países (47% das peças, isto
é, quase metade), seguido do tema do alargamento na sua dimensão
global (20% das peças). O alargamento visto globalmente é, no entanto,
22
Às peças do “dossier” e do “Atlas” consideradas na análise feita no capítulo “Confiança dos
novos países”, acrescentam-se agora também as cinco publicadas no corpo da revista.
38
tema principal apenas nos artigos assinados pelo presidente da
República e pelo comissário Guenter Verheugen e nos textos de
apresentação dos dois projectos especiais da revista sobre o
alargamento.
Como tema secundário avultam as questões políticas e, em menor
escala, as económicas, Em conjunto, as duas constituem cerca de 50%
dos temas secundários presentes. A prevalência das questões políticas
e económicas como pano de fundo das peças da “Visão sobre o
alargamento justifica-se pelas especiais circunstâncias (justamente
políticas e económicas) em que a maior parte desses países,
designadamente os oriundos do ex-Bloco Leste, chega à UE, no final de
processos de transição marcados por profundas e rápidas mudanças e
implicando a adesão importantes perdas da soberania recémreadquirida. As reportagens sobre esses países, bem como sobre
Chipre, incluídas no “dossier” e no “Atlas” são, por isso, feitas na
perspectiva da sua história política recente.
As fotografias que acompanham essas reportagens, sobretudo as
incluídas no “Atlas” (mais desenvolvidas do que as do “dossier”),
confirmam a importância das temáticas políticas e económicas. 40% do
total das fotografias que ilustram as reportagens do “Atlas” sobre os
novos países mostram realidades políticas ou económicas.
39
O tratamento jornalístico dado pela “Visão” à cobertura do alargamento
acolheu de forma diferente as palavras-chave que a UE se propôs em
termos de política de comunicação para o discurso das instâncias
europeias sobre o processo. Se das reportagens e demais textos da
“Visão” sobre o alargamento, em particular os publicados quer no
“Especial Europa” quer no “Atlas da Nova Europa”, ressalta a confiança
dos novos países nas vantagens da adesão, bem como, mesmo se só
secundariamente, a ideia de que a integração na UE resultará, para
esses países, em progresso na consolidação da “democracia política, do
modelo económico e do desenvolvimento social”, já as palavras-chave
vontade política e transparência estão praticamente ausentes das
abordagens do alargamento feitas na revista.
Em relação à primeira, tal ausência resulta, desde logo, da circunstância
de a perspectiva dos países já integrantes da UE sobre o alargamento
não constituir tema (principal ou secundário) das peças em análise,
apenas sendo objecto de uma referência episódica; ora a palavra-chave
vontade política reporta-se exactamente à vontade de os países já
integrantes da UE virem a acolher os 10 novos aderentes. Também as
peças cujo tema principal é o do alargamento na sua dimensão global,
designadamente os textos de opinião institucional (do presidente da
República e do comissário Verheugen), omitem qualquer referência
explícita a essa vontade política, se bem que nelas esteja obviamente
implícita. Do mesmo modo, a questão da transparência é, em toda a
revista, objecto apenas de uma brevíssima referência de passagem na
40
reportagem sobre a Hungria incluída no “Atlas”, onde se dá conta de
algumas queixas de falta de informação.
Resta observar que as referidas palavras-chave estão completamente
ausentes dos conteúdos do corpo da revista, isto é, do seu “corpus”
jornalístico normal, já que quer o “Especial Europa” quer o “Atlas da
Nova Europa” constituem iniciativas circunstanciais e excepcionais,
promovidas justamente, como é dito na sua apresentação editorial, para
“assinalar” a data do alargamento.
***
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Universidade Nova de Lisboa / FCSH