Universidade Nova de Lisboa / FCSH Metodologias de Investigação no Estudo dos Media e do Jornalismo O ALARGAMENTO DA UE NA “VISÃO” Análise quantitativa e qualitativa de conteúdos 2 O presente trabalho é parte de uma pesquisa realizada no quadro do Seminário de Mestrado ‘Metodologias de Investigação no Estudo dos Media e do Jornalismo’ sobre o tratamento dado por media portugueses, franceses, espanhóis, ingleses e brasileiros ao alargamento da União Europeia a 10 novos países formalizado em 1 de 3 Maio de 2004. O período abrangido pela pesquisa é o de 29 de Abril a 3 de Maio (isto é, nos dois dias anteriores e nos dois dias posteriores à cerimónia, além de no dia da própria cerimónia). 1 Este trabalho tem por objecto o número 582 da “Visão”, publicado em 29 de Abril de 2004, a única edição da revista que teve lugar no período em análise, e pretende apurar de que modo a “Visão” tratou o alargamento, tendo em conta as palavras-chave que a União Europeia se propôs em termos de política de comunicação para a cobertura do processo: vontade política para receber os novos países; confiança nas vantagens do alargamento quer para a Europa e para os 15 países já integrantes da União quer para os novos Estados aderentes; transparência de todo o processo de alargamento; e progresso na consolidação da “democracia política, do modelo económico e do desenvolvimento social”, de que seriam exemplares os casos de Portugal, Espanha e Grécia. Os resultados quantitativos e qualitativos apurados contribuirão, com outros trabalhos integrantes da pesquisa, para obter respostas às seguintes questões: “1. De que modo os media nacionais de diferentes países trataram um acontecimento (o alargamento) previamente anunciado e preparado pela instância promotora, a União Europeia? Aceitaram ou contestaram as palavras-chave propostas por aquela? 2 – Tendo presente as diferentes posições relativas à 1 As categorias quantitativas e qualitativas de análise de conteúdo utilizadas são as constantes da ficha em anexo. 4 identidade europeia no contexto nacional, que características se encontram entre os media dos diferentes países? 3 – Que características distinguem a cobertura deste evento por parte da imprensa escrita e do audiovisual?”. Material objecto do trabalho A edição da revista “Visão” objecto do presente trabalho integra um “dossier” especial sobre o alargamento, de 22 páginas e um “Atlas da Nova Europa”, de 120 páginas, com chamada de 1ª página e foto, vendido juntamente com a revista por um preço acrescido de 3 euros. O “Especial Europa” 2 (designação por que o referido “dossier” especial, constituindo uma secção autónoma, é identificado no índice da revista) tem o título de “Retratos da Nova Europa” e é integrado por: - um pequeno texto editorial de apresentação, enquadrado por 10 fotos e um mapa da Europa com imagens dos nove enviados da revista; - um conjunto de 10 breves reportagens sob o título geral de “Retratos da Nova Europa” (só em dois casos com mais de 5 parágrafos e, mesmo assim, com apenas 6), com fotos de grande tamanho (meia página, 2/3 de página, ou página inteira), cada uma delas incidindo 2 Designado indiferentemente no decurso do presente trabalho como “dossier”, “Especial Europa” e “Retratos da Nova Europa”. 5 sobre um dos 10 novos membros da UE e assinada por um ou dois enviados especiais; - e um artigo exclusivo do presidente da República, intitulado “Alargar para Aprofundar”, com 2 páginas (15 parágrafos) e ilustrado com uma pequena foto do autor e uma outra de uma visita presidencial à Estónia. Por sua vez, o “Atlas da Nova Europa” inclui: - uma breve (3 parágrafos) apresentação editorial, intitulada “Os Dias do Alargamento”, ilustrada com uma pequena imagem (“selo”, no jargão jornalístico) com todas as 25 bandeiras da UE; - a reprodução parcial (12 parágrafos) do artigo de opinião do presidente da República publicado nos “Retratos da Nova Europa”; - um conjunto de textos intitulado “O Mundo dos 25”, integrado por vários mapas – geral (geográfico e demográfico), político, social e económico – da Europa dos 15 e da Europa dos 25, em comparação com os EUA; indicadores (políticos, sociais, económicos, demográficos, geográficos, históricos) respeitantes a cada um dos agora 25 países membros da UE; e ainda 10 reportagens de 4 ou 6 páginas (sempre mais de 10 parágrafos), com fotos, sobre os novos países, todas segundo o mesmo modelo editorial: o de dar a conhecer a vida, as dificuldades e as expectativas de cada um dos povos através do ponto de vista de famílias locais. 6 - um artigo de opinião do comissário para o alargamento, Guenter Verheugen intitulado “uma Aposta na Paz” (6 parágrafos), como pequena foto do autor. Além dos textos incluídos nos dois referidos projectos editoriais especiais, realizados para assinalar o alargamento, o número da “Visão” em análise inclui ainda, no corpo da revista, seis outras peças jornalísticas com referências ao alargamento (ou à UE), a saber: - uma nota editorial de 4 parágrafos na secção “Linha Directa”, intitulada “Um Mergulho na Europa dos 25”, sumariando o principal conteúdo da edição, particularmente o “Especial Europa” e o “Atlas”; - uma breve notícia (1 parágrafo) na secção “Radar”, dando notícia da participação do ex-comissário português João de Deus Pinheiro num painel a realizar no Dia da Europa no Centro Cultural de Belém integrado num seminário sobre as consequências do alargamento; - outra “breve” de 1 parágrafo, com foto, na secção “Periscópio”, acerca da participação de socialistas portugueses no congresso do Partido Socialista Europeu realizado em Bruxelas (esta notícia fica de fora da análise já que, embora referindo-se à UE, não contém qualquer referência explícita ao alargamento, condição prévia do material em análise); - um artigo de 1 página e 1/3 (9 parágrafos), com foto, na secção “Mundo”, sobre as consequências do referendo em Chipre sobre a reunificação; 7 - uma crónica (2/3 de página, 5 parágrafos, com foto do autor) assinada pelo jornalista Pedro Camacho na secção “Economia”, com o título de “Na terra de ninguém”, sobre as consequências do alargamento para Portugal; - e uma notícia de 2 parágrafos na secção “Cultura” acerca de um projecto de cinema integrando realizadores de cada um dos 25 países membros, a exibir em Lisboa no dia da cerimónia da adesão dos 10 novos Estados (com foto da realizadora portuguesa Teresa Villaverde). Confiança dos novos países O “dossier” “Especial Europa” publicado pela “Visão” com o título de “Retratos da Nova Europa” é integrado, como ficou dito, por 12 peças, uma apresentação, um artigo de opinião do presidente da República e 10 reportagens amplamente ilustradas com fotografias. Apesar de a abertura referir positivamente o alargamento, sublinhando as “energias novas” que, juntamente com “problemas em suspenso”, ele trará a um “Continente (quase) unificado,” a tonalidade geral das peças do “dossier” é neutra (59% delas, ver Gráfico 1). A adesão dos novos países é, contudo, referida positivamente muitas mais vezes (33%) do 8 que negativamente (8%), para o que contribui em larga medida o texto do presidente da República 3 . Já nas reportagens incluídas no “Atlas” – onde, ao contrário da perspectiva distante das reportagens do “dossier”, o alargamento é observado do ponto de vista de cada um dos novos países – o tom é amplamente positivo (85% dos casos, ver Gráfico 2), sendo que nenhuma vez é referido negativamente. Quando muito (em 15% dos casos) a tonalidade das reportagens é neutra, ou incluindo simultaneamente pontos de vista positivos e negativos 4 , estes sobretudo resultado de desconfiança na integração e consequentes perdas de soberania, previsível em países, como os do ex-Bloco Leste, que ainda há pouco readquiriram a totalidade da sua soberania nacional. Gráfico 1 3 O tom das peças refere-se aqui à natureza do seu conteúdo e não à forma da cobertura feita. Tal opção permite uma avaliação mais completa já que, apesar de a totalidade dos textos assinados por jornalistas revelar uma cobertura neutra, a selecção e valorização relativa dos conteúdos neles incluídos (sobretudo nos enquadramentos jornalísticos “de conflito”) conferelhes um tom específico em relação às palavras-chave da UE. Curiosamente, com excepção dos artigos de opinião institucionais (do PR e do Comissário para o Alargamento), são justamente os textos não assinados incluídos em ambas as iniciativas editoriais especiais da “Visão”, onde seria mais previsível a tonalidade neutra, que esta se revela mais obviamente positiva. 4 Como resulta de estudos realizados em outros países da UE, também nas reportagens da “Visão” nos novos países se nota, mesmo que isso nem sempre resulte suficientemente evidenciado, que é entre as elites que as expectativas (sobretudo as de médio e longo prazo) quanto ao alargamento e à integração europeia são mais positivas, sendo entre os cidadãos comuns que há maior cepticismo. 9 Dossier /Tonalidade 8% 33% 59% 1 2 3 Gráfico 2 Atlas /Tonalidade 0% 15% 85% 1 2 3 1- Tonalidade positiva; 2- Tonalidade neutra; 3 – Tonalidade negativa. (Nota: as percentagens são dadas por arredondamento) 10 É importante referir que tonalidade positiva quanto ao alargamento (e consequentemente em relação à campanha da UE, em particular no que respeita à confiança em que “ganha a Europa e ganham os 10 novos aderentes”), se verifica sobretudo 5 quando o acontecimento é abordado na perspectiva dos novos países. Com efeito, quer nas peças do “dossier” quer nas do “Atlas”, o alargamento raramente tem como tema principal seja o ponto de vista dos interesses portugueses, seja da UE, seja de qualquer outro dos seus membros (cf. infra). No “dossier”, apenas na reportagem sobre a Polónia é referida (e, mesmo assim, como tema secundário) a perspectiva de outros países da UE. Em nenhuma das restantes reportagens dos “Retratos da Nova Europa” aparecem referências, nem mesmo secundárias, às consequências do alargamento vistas da perspectiva de Portugal, da de outro dos países comunitários ou, globalmente, da União Europeia. O alargamento na sua dimensão global é tema principal apenas da apresentação inicial e do artigo do presidente da República; e só este refere, embora como tema secundário, a perspectiva portuguesa. E o mesmo sucede no “Atlas”. Em todas as 10 reportagens desta separata da “Visão”, o tema principal é sempre o da perspectiva dos novos países. E unicamente uma vez, na reportagem sobre a Eslováquia, aparece o alargamento na sua dimensão global como tema 5 No entanto, também a peça editorial de apresentação dos dois projectos especiais, publicado no corpo da revista, o alargamento. Visto na sua dimensão global, é apresentado positivamente e classificado de “histórico” e “importante” e a “Nova Europa” que dele nasce como “fundamental para o nosso futuro”. 11 secundário, do mesmo modo que só nas reportagens sobre a Polónia (a propósito da presença de empresas nacionais nesse país) e sobre a República Checa (a propósito da questão da deslocalização de empresas) é referida (secundariamente, ou apenas episodicamente) a perspectiva portuguesa. Como sucede também no “dossier”, é nos artigos de opinião – de Jorge Sampaio e do comissário Guenter Verheugen – bem como no texto inicial de apresentação, que o alargamento na sua dimensão global é tema principal e temas secundários perspectivas diferentes (a portuguesa ou a de outros países da UE) da dos novos países. Por este motivo, não se apura do material analisado da revista “Visão”, a expressão de qualquer posição em relação à palavra-chave da União Europeia de vontade política para receber os novos países (e o mesmo se diga, por ausência de quaisquer referências relevantes quer ao processo quer aos tratados de adesão, à transparência) sendo que quanto à de progresso na consolidação da “democracia política, do modelo económico e do desenvolvimento social”, apenas emerge de opiniões institucionais (a do presidente português e a do comissário Verheugen, onde Portugal e os países do Sul da Europa são apresentados como exemplos conseguidos 6 ). 6 Na reportagem do “Atlas” sobre a Hungria, intitulada “Esperanças e dúvidas” – é entre os húngaros que, a crer nas reportagens quer do “Atlas” quer do “dossier”, que o alargamento é visto com maior cepticismo – é afirmado por um dos entrevistados, queixando-se de má informação, que “Espanha e Portugal são-nos apresentados como bons exemplos, mas quando se levantam questões concretas sobre os salários, ou as escolas, não há respostas”… 12 Tema principal: o alargamento da perspectiva dos novos países. Mas… Da análise global dos conteúdos da edição da “Visão” objecto da presente pesquisa resulta que o tema principal mais frequentemente tratado é, de longe, o do alargamento visto (positivamente) da perspectiva dos novos países aderentes (47% das peças jornalísticas publicadas 7 ), seguido (20% 8 ) do alargamento na sua dimensão global. Só ocasionalmente são outros os temas principais dos textos da referida edição contendo explícita referência ao alargamento: questões políticas (10% 9 ), questões económicas (7% 10 ), perspectiva portuguesa ou questões culturais (3% 11 ), ou outros temas (10% 12 ). (Ver Gráfico 3 13 ). Gráfico 3 7 O que corresponde a 14 de um total das 30 peças jornalísticas publicadas com referências explícitas à questão do alargamento. 8 6 em 30. 9 3 em 30. 10 2 em 30. 11 1 em 30. O único caso de avaliação do alargamento (aliás, negativa) feita da perspectiva portuguesa como tema principal é um texto de opinião do jornalista Pedro Camacho na secção de “Economia”. 12 3 em 30. 13 Os temas referidos constituem as categorias temáticas comuns da pesquisa de que este trabalho faz parte (cf. ficha em anexo). 13 TEMA PRINCIPAL (Corpo da revista+Dossier+Atlas) 10% 0% 10% 20% 3% 0% 3% 0% 7% 47% 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 1- Alargamento na sua dimensão global; 2 – Perspectiva do país de origem do jornal; 3 – Perspectiva de outros países da UE; 4 – Perspectivas dos novos países; 5 – Questões económicas; 6 – Circulação de pessoas; 7 – Questões culturais; 8 – Questões políticas; 9 – Ambiente; 10 – Outros temas. (Nota: as percentagens são dadas por arredondamento) Vistas mais de perto, estas conclusões gerais têm, no entanto, que ser interpretadas cum grano salis. Observem-se, com efeito, os gráficos parciais seguintes: 14 Gráfico 4 ATLAS /Tema principal 0% 23% 0% 77% 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 9 10 Gráfico 5 DOSSIER/Tema principal 8% 0% 17% 0% 17% 8% 33% 0% 17% 1 Gráfico 6 2 3 4 5 6 7 8 15 Corpo da revista /Tema principal 20% 40% 20% 0% 20% 1 2 3 4 5 6 0% 7 8 9 10 1- Alargamento na sua dimensão global; 2 – Perspectiva do país de origem do jornal; 3 – Perspectiva de outros países da UE; 4 – Perspectivas dos novos países; 5 – Questões económicas; 6 – Circulação de pessoas; 7 – Questões culturais; 8 – Questões políticas; 9 – Ambiente; 10 – Outros temas. (Nota: as percentagens são dadas por arredondamento) Da observação destes gráficos resulta que a perspectiva dos novos países sobre o alargamento é tema principal sobretudo no “Atlas” (77% das peças publicadas). Esta percentagem corresponde a 10 das 13 peças com referência explícita ao alargamento que foram consideradas, justamente as 10 reportagens sobre os novos países. As restantes 3, ou seja, uma percentagem de 29%, têm o alargamento globalmente considerado como tema principal. 16 Já no “dossier” esse tema aparece em um pouco mais do que 33% das peças, enquanto a percentagem do tema do alargamento na sua dimensão global é de ligeiramente inferior a 17% (percentagens correspondentes, respectivamente, a 4 e a 2 das 12 peças consideradas). No corpo da revista, nenhuma das peças com referências explícitas ao alargamento tem como tema principal a perspectiva dos novos países. Mesmo o alargamento na sua dimensão global é, no corpo da revista, referido numa única peça (a de apresentação das iniciativas editoriais “Especial Europa” e “Atlas”…). Questões políticas (notícia acerca das consequências do referendo sobre a reunificação de Chipre), o alargamento negativamente visto da perspectiva portuguesa (crónica de Pedro Camacho) e “outros temas” (notícia de uma intervenção do excomissário João de Deus Pinheiro no CCB e notícia sobre o filme de um conjunto de realizadores dos 25 países da UE) são os temas principais das peças jornalísticas incluídas no corpo da revista com referências explícitas ao alargamento. Tais dados permitem concluir que as palavras-chave da UE estão completamente ausentes do “corpus” jornalístico normal da revista. E ainda que apenas nas duas referidas iniciativas editoriais, ambas de carácter excepcional e promovidas especificamente para assinalar a data da formalização da adesão de 10 novos países à União Europeia, a questão do alargamento é tratada, como tema principal, em termos 17 próximos dos que a UE se propõe, especialmente quanto à palavrachave confiança e, menos expressivamente, ainda quanto à de progresso. A palavra-chave transparência está ausente, apesar de uma brevíssima referência à falta de informação sobre a adesão feita de passagem na reportagem do “Atlas” sobre a Hungria (cf. supra, nota 6). Por outro lado, e como antes ficou referido, da falta da perspectiva de outros países da UE face ao alargamento como tema principal das peças jornalísticas recolhidas (e a sua presença meramente episódica como tema secundário) decorre a total irrelevância dada à palavrachave, ou conceito-chave, de vontade política. A análise de conteúdo do material recolhido no que respeita ao conjunto de temas secundariamente tratados na edição sub specie da “Visão” confirma e explicita estas considerações. Questões políticas: tema secundário mais frequente As questões políticas são o tema secundário mais frequentemente tratado tanto nos “Retratos da Nova Europa” como no “Atlas”. E, neste, tanto na secção “O Mundo dos 25” como nas restantes peças, particularmente – como seria, aliás, previsível dada a natureza políticoinstitucional dos cargos desempenhados pelos seus autores – os artigos de opinião do presidente da República e do comissário Verheugen sobre 18 o alargamento. Já nas peças incluídas no corpo da revista, dada a sua natureza quase sempre breve, ou circunstancial (o sumário da revista, por exemplo), as temáticas secundárias ou são inexistentes ou são praticamente irrelevantes. Exceptua-se a crónica de Pedro Camacho, que aborda secundariamente questões políticas e económicas. Observemos o gráfico seguinte que quantifica os temas secundários presentes no “dossier” “Retratos da Nova Europa”: Gráfico 7 Dossier / Temas secundários 6 5 5 4 3 3 3 3 2 1 1 1 2 3 4 1 1 0 1 5 6 7 8 9 10 Temas: 1- Alargamento na sua dimensão global; 2 – Perspectiva do país de origem do jornal; 3 – Perspectiva de outros países da UE; 4 – Perspectivas dos novos países; 5 – Questões económicas; 6 – Circulação de pessoas; 7 – Questões culturais; 8 – Questões políticas; 9 – Ambiente; 10 – Outros temas. 19 Como se vê, no “dossier” especial, as questões políticas são tema secundário 5 vezes num total de 18 ocorrências (num total de 12 peças consideradas), o que representa uma percentagem de cerca de 28%. Seguem-se-lhe as questões económicas, as questões culturais e as de ambiente, com 3 referências (17%). E, já menos relevantemente, com 1 (pouco mais de 5%), as perspectivas portuguesa, de outros países da UE e dos novos países face ao alargamento, bem como “outros temas”. Nem o alargamento na sua dimensão global nem a questão da circulação de pessoas ocorrem como temas secundários, o que, no caso do primeiro, resulta obviamente de esse tema ser, antes, tratado como principal em grande parte dos textos considerados (cf. o que ficou dito supra, no anterior capítulo). É ainda interessante notar que os temas 2 e 4 (isto é, a análise do alargamento respectivamente da perspectiva portuguesa e da dos novos países) apenas constam, no “dossier” “Retratos da Nova Europa”, do artigo do presidente da República. Já nas reportagens do “Atlas” sobre os 10 novos países, as questões políticas partilham com as económicas o maior número de referências como tema secundário (10 em 35 ocorrências, o que representa uma percentagem de 29%, praticamente a mesma do “dossier”), logo seguidas das questões culturais. Gráfico 8 20 ATLAS/ "O Mundo dos 25" /Temas secundários 12 10 8 6 4 2 0 10 1 1 10 3 2 2 9 0 0 3 4 5 6 7 8 0 0 9 10 Temas: 1- Alargamento na sua dimensão global; 2 – Perspectiva do país de origem do jornal; 3 – Perspectiva de outros países da UE; 4 – Perspectivas dos novos países; 5 – Questões económicas; 6 – Circulação de pessoas; 7 – Questões culturais; 8 – Questões políticas; 9 – Ambiente; 10 – Outros temas. (NOTA: Como já ficou dito, nas reportagens incluídas na secção “O Mundo dos 25”, o tema principal é sempre o da perspectiva do país objecto da reportagem). A circunstância de estarmos perante trabalhos jornalísticos que expressamente visam, como se diz na sua apresentação editorial, “através de famílias locais, conhecer a vida, as expectativas e as dificuldades desses povos”, explica tanto a perspectiva desses novos países como tema principal como que os enquadramentos políticos, económicos e culturais inevitavelmente apareçam como temas secundários ou como pano de fundo. Com efeito, quer as questões 21 económicas quer as políticas são particularmente relevantes na maior parte dos 10 novos países, muito em especial nos oriundos do ex-Bloco Leste, que viveram nos últimos anos transformações radicais tanto de modelo económico como político, mas também em Chipre, uma ilha politicamente dividida entre duas comunidades separadas não só por profundas diferenças culturais mas igualmente por grandes diferenças económicos. Por outro lado, a relevância com que as questões culturais surgem nestas peças mais que se justifica pelos seus objectivos de “dar a conhecer” os povos em causa. Veremos posteriormente como as fotos que acompanham essas reportagens vêm, confirmando o que fica dito, exactamente ao encontro destas temáticas. Pelas mesmas razões, e como seria também expectável, os outros temas secundários das reportagens do “Atlas” são a circulação de pessoas (3 ocorrências), a perspectiva portuguesa (2) e o alargamento na sua dimensão global (1). Vejamos, por fim, o que se passa com as peças de opinião (e a de apresentação editorial do projecto) incluídas no “Atlas”: Gráfico 9 22 ATLAS /Outras peças / Temas secundários 4 3 3 3 3 2 2 1 1 1 0 0 0 6 7 0 0 1 2 3 4 5 8 9 10 Temas: 1- Alargamento na sua dimensão global; 2 – Perspectiva do país de origem do jornal: 3 – Perspectiva de outros países da UE; 4 – Perspectivas dos novos países; 5 – Questões económicas; 6 – Circulação de pessoas; 7 – Questões culturais; 8 – Questões políticas; 9 – Ambiente; 10 – Outros temas. (NOTA: Em todas estas peças o tema principal é o do alargamento na sua dimensão global). Aqui, além das questões políticas, são as perspectivas de Portugal e as dos novos países da UE que surgem mais frequentemente como temas secundários, em textos, recorde-se, onde o alargamento na sua dimensão global constitui o tema principal, o que facilmente se explicará tendo em conta que os dois artigos de opinião do PR e do comissário Verheugen foram escritos, a partir de pontos de vista institucionais, expressamente para os leitores portugueses da “Visão”. Os números totais dos diferentes temas secundários globalmente presentes em toda a edição sub specie da “Visão” (corpo da revista + 23 “dossier“ “Especial Europa” + “Atlas”) dão uma ideia expressiva da relevância relativa atribuída pela revista às temáticas políticas (bem como, em menor escala, às económicas; em conjunto, as duas constituem praticamente 50% das ocorrências verificadas): Gráfico 10 TEMAS SECUNDÁRIOS (Corpo da revista+Dossier+Atlas) 4% 1% 7% 3% 8% 7% 28% 21% 4% 17% 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 Temas: 1- Alargamento na sua dimensão global; 2 – Perspectiva do país de origem do jornal: 3 – Perspectiva de outros países da UE; 4 – Perspectivas dos novos países; 5 – Questões económicas; 6 – Circulação de pessoas; 7 – Questões culturais; 8 – Questões políticas; 9 – Ambiente; 10 – Outros temas. 24 A prevalência das temáticas políticas como pano de fundo generalizado das peças da “Visão” sobre os países do alargamento exprime a importância editorial atribuída pela revista à perspectivação histórica da adesão desses países à UE, em coerência, aliás, com o cuidado posto nos mapas políticos incluídos no “Atlas” e com as notícias históricas e os perfis políticos elaborados sobre cada um deles. O facto de a história política recente da generalidade dos novos países 14 ser particularmente agitada e ainda o de, no que respeita aos oriundos da esfera de influência da ex-URSS, eles terem estado no centro das grandes e sucessivas transformações ocorridas na Europa ao longo da segunda metade do século XX, explicam que a revista tenha pretendido perspectivar histórica comunidade de e países politicamente a que, ainda sendo sua integração numa predominantemente económica, visa no entanto objectivos estratégicos de união política. De facto, aos oito países recém-saídos do ex-Bloco Leste poderia neste momento aplicar-se o título da reportagem que, nos “Retratos da Nova Europa”, é dedicada à Lituânia: “Entre duas Uniões”… Desta perspectivação política resulta que, se não a palavra-chave progresso, ao menos o “conceito-chave” que lhe está subjacente no discurso das instâncias europeias, esteja presente em grande parte dos textos, em particular nas reportagens sobre os países do alargamento, para os quais a adesão é em geral apresentada como um passo importante na consolidação da democracia política, quando não também 14 Apenas com excepção de Malta, já que, se os oito países do ex-Bloco Leste estiveram durante praticamente meio século no centro da “Guerra Fria”, também a história recente de Chipre tem sido marcada por grande conflitualidade. 25 do desenvolvimento económico e social, tudo o que reconduz, de novo, a uma ideia de confiança nas vantagens (políticas, económicas, sociais) que a adesão presumivelmente trará a esses países. Fotos: ainda as realidades política e económica A generalidade das 30 peças com referência explícita ao alargamento incluídas no número da “Visão” em análise é acompanhada de fotografias. No total, são em número de 80 15 as fotografias que ilustram as referidas 30 peças, o que representa uma média de 2,7 por cada uma, sendo que apenas duas delas (a “breve” do corpo da revista sobre o ex-comissário João de Deus Pinheiro e a peça de abertura do “Atlas” que, no entanto, é ilustrada por um desenho) não têm qualquer foto. Uma grande percentagem (90%) dessas fotos é constituída por imagens dos novos países ou de cidadãos desses países entrevistados pelos enviados da revista. A “Visão” utilizou quer fotografias próprias quer de agência, em especial da Associated Press. Do conjunto das 80 fotografias publicadas, 61 (76%) são da “Visão” 16 , 19 de agência (14 da AP, 2 da Magnum, 1 da IP e 1 da LUSA). 15 Considerou-se apenas uma foto a imagem dos rostos dos nove jornalistas da revista colocados, num mapa da Europa, sobre os países a que foram enviados. Essa imagem é utilizada duas vezes, uma no corpo da revista e outra no “Retratos da Nova Europa”. 16 Consideram-se neste número 6 fotos não assinadas, pequenas imagens do rosto dos autores dos textos que acompanham a assinatura. 26 Apesar de a análise do conteúdo das fotografias não fazer parte da lista das categorias previstas na ficha de trabalho adoptada 17 , tal análise, realizada segundo categorias temáticas idênticas às aplicáveis aos textos, revela-se bastante significativa, sendo os seus resultados grandemente coerentes com os da análise das peças jornalísticas e reforçando, pois, as conclusões a que eles conduzem 18 . Tomando em consideração apenas as fotos que acompanham as reportagens sobre os novos países – quer as publicadas no “dossier” “Retratos da Nova Europa” quer no “Atlas”, num total de 75 – verifica-se que a maior parte delas têm temática cultural ou religiosa, o que desde logo se compreende tendo em conta que o objectivo central de tais reportagens é, expressamente, o de oferecer aos leitores da revista “um olhar privilegiado sobre o quotidiano destes ‘distantes’ países que vai além da frieza dos números”, isto é, o de, ao lado das informações dadas pelos indicadores estatísticos, responder à pergunta: “Como são eles? Como é o sei dia-a-dia?” 19 . Observem-se, com efeito, os gráficos seguintes: Gráfico 11 17 Cf. ficha em anexo. A análise feita incide apenas sobre as fotos que integram o “dossier” “Retratos da Nova Europa” e o “Atlas da Nova Europa”, num total de 75, três das quais pequenas imagens de identificação dos autores de artigos de opinião (o PR e o comissário Verheugen). 19 Cf. “Um Mergulho na Europa dos 25”, “Visão” nº 582, p. 10. 18 27 Dossier/ Temas das fotografias 10 9 9 8 6 4 2 2 1 1 0 1 2 3 4 5 Gráfico 12 Atlas /"O Mundo dos 25"/ Temas das fotografias 15 14 13 11 9 10 6 5 0 1 Gráfico 13 2 3 4 5 28 TEMÁTICAS DAS FOTOGRAFIAS / Totais 20 20 14 15 15 15 11 10 5 0 1 2 3 4 5 1- Fotografias de temática cultural (incluindo a religiosa); 2 – Fotografias de temática económica; 3 – Fotografias de temática política: 4 – Fotografias de temática meramente turística; 5 – Outras (fotografias dos entrevistados ou dos jornalistas autores das peças). Como se vê, 27% das fotos (20 em 75) têm por fim mostrar aspectos da cultura e da vida religiosa dos povos dos novos países que “os afastam ou os aproximam dos habitantes do actual clube ‘rico’ da Europa Ocidental onde, apesar de tudo, nos situamos” 20 . A mesma intenção de “dar a conhecer” esses povos justifica ainda que 20% das fotografias (15 em 75) tenham carácter turístico, mostrando lugares ou acontecimentos reveladores do quotidiano desses povos. Apesar disso, é significativa, confirmando o que antes ficou dito a propósito da relevância dada às questões políticas e económicas, a 20 Id.,ibid.. 29 presença de elevado número de fotografias com essas temáticas. As fotografias de temática política e económica constituem, nas reportagens do “Atlas”, mais de 40% do total (22 em 53) e, no conjunto de ambos os projectos editoriais sobre o alargamento, um terço (25 em 75). Por fim, é ainda interessante comparar o espaço relativo dado pela “Visão” ao texto e às fotos nas reportagens sobre os novos países. No “dossier” “Retratos da Nova Europa” cerca de dois terços do espaço total (64%, isto é, 4330 de 6812 cm2) são preenchidos com fotografias e apenas um terço com texto. Já nas reportagens publicadas no “Atlas” a situação inverte-se: só um terço do espaço é ocupado com fotos (5140 de um total de 15880 cm2) e os dois terços restantes com texto. Acresce o facto de o “Atlas” dedicar um total de 58 páginas às reportagens sobre os novos países e o “dossier” apenas 16. E, sendo certo que as páginas do “dossier” têm mais 30% de superfície do que as do “Atlas”, é igualmente certo que o corpo das letras utilizadas no “Atlas” é também mais pequeno (10%) do que o do “dossier”. Tudo o que significa que os conteúdos das reportagens incluídas no “Atlas”, apesar da abundância de fotografias, são constituídos principalmente por texto informativo. Pelo contrário, os conteúdos do “dossier” são sobretudo visuais. 30 A quantidade de fotografias de temática política quer no “dossier” quer no “Atlas” confirma a verificação antes feita da prevalência das questões políticas como tema secundário nas reportagens da “Visão” sobre os novos países, valendo aqui as considerações antes produzidas a propósito de tal circunstância. Em conjunto com as fotografias de tema económico, as de temática política constituem um terço do total das imagens com que a “Visão” mostra a realidade dos países que agora chegam à União Europeia. As imagens que a “Visão” publica da realidade política e económica dos novos países documentam as condições em que se fundam as expectativas positivas desses países em relação à UE, vindo de novo ao encontro das palavras-chave de confiança e progresso que orientaram a política de comunicação da UE face ao alargamento. Sobre esta matéria, valem as considerações feitas no capítulo anterior a propósito da relevância das temáticas políticas e económicas nas reportagens quer do “dossier” quer do “Atlas”. Condições de produção 21 «Fazemos uma programação anual, no início do ano, dos assuntos que estão previstos e que consideramos importante tratar. O alargamento da 21 Este capítulo utiliza material de entrevistas expressamente recolhidas junto dos jornalistas autores das reportagens sobre o alargamento publicadas na edição da “Visão em análise, bem junto da responsável editorial que coordenou a edição quer do “Especial Europa” quer do “Atlas”. 31 UE foi um deles. Logo nessa reunião, defendi que era necessário a “Visão” fazer um trabalho desenvolvido sobre o tema, para ajudar os portugueses a compreender o impacto do alargamento, já que se tratava de novos membros concorrentes com Portugal, sobretudo a nível económico», Áurea Sampaio, editora executiva responsável pela equipa que fez o tratamento noticioso do alargamento da UE na “Visão”, explica assim os primeiros passos do trabalho desenvolvido, que nomeadamente conduziu ao “Especial Europa” e ao “Atlas da Nova Europa” da edição que temos vindo a analisar. «Comecei a juntar dados. Comprei muitos livros e, via Internet, reuni muitos elementos, nomeadamente do CIA Facts Book e do Financial Times. Ocorreu-me que era interessante e útil fazer um “Atlas” pois tínhamos juntado muitos dados – um produto “Visão” para as pessoas guardarem. Mas não queríamos um “Atlas” idêntico aos que se compram nas livrarias. Era necessário humanizá-lo, ir ao encontro dos problemas reais... E, então, a ideia evoluiu e pensou-se fazer um trabalho diferente, enviando jornalistas e fotógrafos aos locais». Ao propor um “Atlas” complementado com reportagens nos novos países membros, Áurea Sampaio teve a concordância da Direcção da “Visão”. O único problema eram os custos que um trabalho desses acarretaria e, portanto, «estudámos as disponibilidades económicas e optámos por arranjar um patrocinador, que foi a REN (Rede Nacional Eléctrica). Nessa altura definimos o número de páginas que seriam 32 publicadas, o número de caracteres por página e o ‘espaço’ para cada país. Fez-se uma pré-paginação ‘por alto’ com os dados que considerávamos mais importantes. Os grafistas trabalharam nos ícones que iriam ser feitos. Decidimos o espaço para as fotografias. Dar relevância às fotos é uma das marcas da “Visão”, por isso gastou-se muito dinheiro na parte fotográfica. Logo no início tudo se ‘encaixou’ bem, cada um sabia o que tinha que fazer e, na edição final, teve de se cortar muito pouco». A escolha de reportagens na perspectiva dos novos países é justificada assim: «Portugal está no grande grupo da UE e os nossos leitores conhecem bem a nossa realidade. Portanto, a preocupação foi dar a perspectiva dos outros, dos novos países, longínquos ou não, se tinham problemas idênticos ou divergentes dos nossos...». A “Visão” optou por dar a perspectiva dos novos países a partir de reportagens junto de famílias locais. «Era necessário um fio condutor, uma ligação entre as várias reportagens que servisse para comparar a vida das pessoas, a casa das pessoas, etc... Por isso, optou-se por encontrar famílias que, de alguma forma, fossem paradigmas desses países. Por exemplo, na Polónia procurámos uma família ligada à agricultura, já que este país compete connosco na obtenção de fundos para a agricultura». 33 A escolha e estabelecimento dos contactos com as famílias nos vários países foram feitos por cada jornalista, depois de designado para a reportagem. A escolha dos jornalistas foi feita «pelo perfil, pela apetência e por serem bons repórteres». A jornalista Alexandra Correia trata frequentemente assuntos ligados à agricultura, por isso foi escolhida para ‘cobrir’ a Polónia. Emília Caetano tinha estado nos Países Bâlticos, tinha já viajado com o presidente da República para esses países que, depois, tratou nas notícias do alargamento. Paulo Chitas também foi designado para a Hungria e a Eslovénia por já lá ter estado e conhecer as suas realidades. O mesmo se passou com Luís Ribeiro, enviado à República Checa e à Eslováquia. A jornalista Carla Alves Ribeiro, da secção de Economia, foi escolhida para ir a Malta, pois optou-se salientar a importância do turismo para a economia deste país. Rosa Ruela, que habitualmente trabalha na secção Sociedade, foi ao Chipre. «Antes de ir aos dois lados do Chipre, li muito sobre o assunto. Usei muita informação da The Economist e consultei os sites dos vários países envolvidos na questão, que têm Press Information Offices muito eficientes e propagandísticos. Ainda aqui, em Portugal, marquei encontros com os representantes diplomáticos da Turquia e de Chipre», afirma Rosa Ruela, descrevendo as diligências efectuadas antes da viagem e esclarecendo que «a embaixadora do Chipre em Portugal é 34 que me pôs em contacto com a família lá. Era a família do presidente da câmara». A família do Norte da ilha foi escolhida no local. Quando Rosa Ruela e Gonçalo Rosa da Silva para ali viajaram de automóvel, pediram, falando em inglês, uma indicação de como chegar a uma aldeia, a um indivíduo, à beira da estrada. O transeunte não só os ajudou a descobrir o caminho como, depois, os acolheu com a sua família, que acabou por ser a da reportagem. «A reportagem no Norte (República Turca do Norte do Chipre) correu menos bem – diz Ruela. Viajar naquela ilha é um pouco confuso. Tem que se entrar pelo Sul (República do Chipre) para se poder ir ao Norte. Se se entrar directamente pelo Norte, depois não se pode viajar para Sul, eles não deixam… Nós queríamos ouvir os dois lados. Por isso entrámos pela República do Chipre e alugámos um carro para ir ao Norte. Mas não podíamos dormir lá, só podíamos ficar lá até à meianoite, depois tínhamos de voltar…» Rosa Ruela ficou satisfeita com o tempo que teve à sua disposição, antes de viajar, para preparar a reportagem: «Embora não houvesse previsão do que ia acontecer no referendo, tinha já muitos elementos sobre os dois lados da ilha». Tinha a clara noção que a ilha representa um ponto estratégico para a Europa e para o Mundo e que «os cipriotas gregos e os cipriotas turcos pouco mandam. Há muitos países com 35 interesses que exercem várias pressões que determinam o futuro da ilha». Já na outra ilha, a de Malta, o trabalho não foi tão complicado, pois não havia ‘dois lados’ em confronto para ouvir, separados por uma fronteira difícil de transpor. Carla Alves Ribeiro necessitou apenas de quatro dias para a sua reportagem em Malta. «Tentei, antes de entrar em contacto com uma família lá, através do representante em Portugal da Air Malta, mas não foi possível. Por isso fomos para lá e, quando chegámos e estávamos a jantar, metemos conversa com o dono do restaurante, que nos apresentou à família que nos serviu para a reportagem». «Vi a ilha toda e falei com muita gente. Consegui entrevistar o novo primeiro-ministro de Malta porque, depois de chegar, falei com a oposição e,, quando ele soube acedeu em falar comigo. Falei com representantes de sindicatos e agências empresariais». Carla Alves Ribeiro diz que nunca tinha viajado até Malta. «Antes de viajar falei com várias pessoas que lá tinham estado e que me disseram que era uma ilha muito marcada pela religiosidade. Confirmei isso. As pessoas são muito religiosas, ouvem-se muitas vezes sinos tocar e a presença da religião é uma imagem forte. As pessoas vivem bem, embora tenha sentido que estavam pouco informadas sobre a adesão à UE». 36 As reportagens maiores e mais pormenorizadas elaboradas pelos jornalistas foram publicadas no “Atlas”. Além desse trabalho fez-se uma síntese com os elementos considerados mais importantes para sair no corpo da “Visão”, tendo presentes os critérios editoriais que presidem à revista. As reportagens não foram feitas com base em contactos estabelecidos com representantes da UE no nosso país ou no estrangeiro, nem foi dada relevância às propostas da UE para a cobertura do alargamento. De sublinhar ainda destas entrevistas que, embora tal circunstância não ressalte nas reportagens do “Especial Europa” e do “Atlas”, a informação expressamente referida pela editora executiva responsável por ambas as iniciativas editoriais de que a escolha das famílias “típicas” de cada país a partir de cujas posições seria visto o alargamento foi feita tendo em conta a perspectiva dos interesses concretos portugueses, bem como ainda o que a jornalista Carla Alves Ribeiro nos diz sobre a ausência de informação sobre o alargamento que verificou em Malta. * Conclusões 37 A análise quantitativa e qualitativa de conteúdos da edição da revista “Visão” publicada no período da pesquisa apurou a existência de 30 peças jornalísticas com referências explícitas ao alargamento. Essas peças dividem-se entre o corpo da revista (5), um “dossier” especial intitulado “Retratos da Nova Europa” (12, dez das quais reportagens sobre os países do alargamento) e uma separata intitulada “Atlas da Nova Europa” (13, dez das quais igualmente reportagens sobre os países do alargamento). A tonalidade geral das peças em relação ao alargamento e aos objectivos da política de informação da UE presente no discurso das diferentes instâncias comunitárias (expressos nas palavras-chave vontade política, confiança, transparência e progresso) é positiva (53%, correspondendo a 16 das 30 peças em análise 22 ). É no “Atlas”, em cujas reportagens o alargamento é visto da perspectiva dos novos países, que o tom positivo é mais expressivo: 85%, isto é, 11 das 13 peças analisadas. 12 peças em 30 (40%) assumem uma tonalidade neutra. Só em 2 (7%) a tonalidade é negativa. O tema principal dominante é o do alargamento visto (positivamente, como ficou dito) da perspectiva dos novos países (47% das peças, isto é, quase metade), seguido do tema do alargamento na sua dimensão global (20% das peças). O alargamento visto globalmente é, no entanto, 22 Às peças do “dossier” e do “Atlas” consideradas na análise feita no capítulo “Confiança dos novos países”, acrescentam-se agora também as cinco publicadas no corpo da revista. 38 tema principal apenas nos artigos assinados pelo presidente da República e pelo comissário Guenter Verheugen e nos textos de apresentação dos dois projectos especiais da revista sobre o alargamento. Como tema secundário avultam as questões políticas e, em menor escala, as económicas, Em conjunto, as duas constituem cerca de 50% dos temas secundários presentes. A prevalência das questões políticas e económicas como pano de fundo das peças da “Visão sobre o alargamento justifica-se pelas especiais circunstâncias (justamente políticas e económicas) em que a maior parte desses países, designadamente os oriundos do ex-Bloco Leste, chega à UE, no final de processos de transição marcados por profundas e rápidas mudanças e implicando a adesão importantes perdas da soberania recémreadquirida. As reportagens sobre esses países, bem como sobre Chipre, incluídas no “dossier” e no “Atlas” são, por isso, feitas na perspectiva da sua história política recente. As fotografias que acompanham essas reportagens, sobretudo as incluídas no “Atlas” (mais desenvolvidas do que as do “dossier”), confirmam a importância das temáticas políticas e económicas. 40% do total das fotografias que ilustram as reportagens do “Atlas” sobre os novos países mostram realidades políticas ou económicas. 39 O tratamento jornalístico dado pela “Visão” à cobertura do alargamento acolheu de forma diferente as palavras-chave que a UE se propôs em termos de política de comunicação para o discurso das instâncias europeias sobre o processo. Se das reportagens e demais textos da “Visão” sobre o alargamento, em particular os publicados quer no “Especial Europa” quer no “Atlas da Nova Europa”, ressalta a confiança dos novos países nas vantagens da adesão, bem como, mesmo se só secundariamente, a ideia de que a integração na UE resultará, para esses países, em progresso na consolidação da “democracia política, do modelo económico e do desenvolvimento social”, já as palavras-chave vontade política e transparência estão praticamente ausentes das abordagens do alargamento feitas na revista. Em relação à primeira, tal ausência resulta, desde logo, da circunstância de a perspectiva dos países já integrantes da UE sobre o alargamento não constituir tema (principal ou secundário) das peças em análise, apenas sendo objecto de uma referência episódica; ora a palavra-chave vontade política reporta-se exactamente à vontade de os países já integrantes da UE virem a acolher os 10 novos aderentes. Também as peças cujo tema principal é o do alargamento na sua dimensão global, designadamente os textos de opinião institucional (do presidente da República e do comissário Verheugen), omitem qualquer referência explícita a essa vontade política, se bem que nelas esteja obviamente implícita. Do mesmo modo, a questão da transparência é, em toda a revista, objecto apenas de uma brevíssima referência de passagem na 40 reportagem sobre a Hungria incluída no “Atlas”, onde se dá conta de algumas queixas de falta de informação. Resta observar que as referidas palavras-chave estão completamente ausentes dos conteúdos do corpo da revista, isto é, do seu “corpus” jornalístico normal, já que quer o “Especial Europa” quer o “Atlas da Nova Europa” constituem iniciativas circunstanciais e excepcionais, promovidas justamente, como é dito na sua apresentação editorial, para “assinalar” a data do alargamento. ***