Federação Nacional dos Professores
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Comunicação de Mário Nogueira em Seminário da
Universidade Nova
No passado dia 2 de maio, Mário Nogueira participou no seminário “Pacto Social, Trabalho e Sindicalismo em
Portugal: História e Sociologia”, organizado pela Universidade Nova de Lisboa (UNL). O Secretário Geral da
FENPROF apresentou uma comunicação no painel intitulado “O movimento sindical e os pactos sociais”
A ninguém interessará mais um pacto social do que aos que são permanentemente atacados: os trabalhadores. Contudo,
curiosamente, são estes que, de um pacto social, por norma, saem mais penalizados. Contradição?! Talvez não…
Da necessidade e importância de um pacto social fala-se, sobretudo, em tempo de crise. E quando se fala disso,
associa-se sempre à necessidade de garantir a chamada “paz social”, considerada “indispensável para levar por diante
as reformas necessárias” – é assim que é dito. Ou seja, à necessidade de os trabalhadores não protestarem, não se
manifestarem, não fazerem greves ou outras ações ditas desestabilizadoras, em suma, que não transformem o seu
descontentamento em luta, e que também não lutem em defesa de soluções que, quem decide, já decidiu não serem as
adequadas. Adequadas serão as medidas que os decisores políticos entenderam capazes de alterarem positivamente
uma conjuntura económica menos favorável, que tem implicações negativas no plano social e político, e para as quais se
pretende compreensão e colaboração da parte dos trabalhadores, sobretudo quando tais medidas resultam em
sacrifícios e perda de direitos por parte destes.
Como acordo que é, um pacto exige sempre várias partes, no mínimo duas, em que todas se comprometem com um
conjunto de práticas e opções que, no conjunto, deverão constituir solução equilibrada. O que, até hoje, por cá se
conheceu está longe de garantir tal equilíbrio. Recordo o designado Pacto Educativo, do tempo do ministro Marçal Grilo,
em que, na proposta, já eram fixados os objetivos, definidos os resultados e estabelecidos os parceiros que deveriam
comprometer-se na procura de cada solução concreta. Isto é, reserva-se para eles a possibilidade de sugerirem formas
de aplicação do que, estrategicamente, já estava estabelecido.
O pacto educativo, tido em conta como um verdadeiro pacto social, tendo em conta os parceiros que envolvia, já continha
quando ainda era proposta, os 10 compromissos a assumir pelos que nele convergissem, sendo que, em relação a
muitos deles, havia divergências profundas. Como poderiam os Sindicatos contribuir para concretizar o que, no plano das
ideias, os afastava da proposta? Não podiam. São exemplo de grande divergência, a municipalização da educação, a
criação de um sistema nacional de educação pré-escolar em vez de se investir numa rede pública adequada às
necessidades das populações, a valorização do papel do ensino privado e o reforço do princípio da designada “liberdade
de escolha” no ensino superior, a promoção de incentivos a uma meritocracia medida pela bitola ministerial, a celebração
dos designados contratos de autonomia das escolas, verdadeiras cartas de alforria à desresponsabilização do poder
central, a institucionalização do designado “voluntariado social” ou a fragilização da gestão democrática das escolas.
Perante a recusa dos Sindicatos em se comprometerem com este pacto, o poder político optou pelo mais fácil. Para si,
difícil seria negociar em torno do que não reunia acordo, procurando-o; simples foi acusar os sindicatos de
conservadores e corporativistas, tentando avançar sozinho com o seu programa político, afinal o pacto, que pretendia ver
socialmente legitimado. Tiveram dificuldade, claro.
Na negociação deste tipo de pactos, sejam mais ou menos alargados, há sempre questões que se colocam. Refiro, aqui,
cinco:
1 – As partes não são iguais. De um lado está o poder económico e ou o político, do outro, os sindicatos, ou seja, o
designado contrapoder. Quando não há acordo, todos os lados têm o poder de se demarcar, mas há um que nunca tem
o poder de decidir, neste caso os Sindicatos.
2 – A necessidade de um pacto social surge sempre como uma proposta dos decisores políticos e ou
económicos em tempo de crise. Nunca acontece eles quererem acordar mais benefícios para os trabalhadores quando
os tempos são de crescimento. Mesmo nesse tempo, os benefícios são sempre tirados a ferros pelos trabalhadores com
a sua ação. Por outro lado, em tempo de crise, com o objetivo de quase nada perderem e, se possível continuarem a
ganhar, o poder económico, para não sair beliscado nos seus resultados financeiros, e o político, para não sair fragilizado
nos seus resultados eleitorais, tentam, de imediato, evitar qualquer tipo de contestação organizada procurando amarrar
os trabalhadores, através das suas organizações sindicais, a acordos ou pactos que seriam contranatura.
A fórmula é sempre a mesma: os trabalhadores aceitariam a perda de direitos laborais e de poder de compra, aceitariam
a fragilização de respostas sociais a que têm acesso e concordariam com soluções que desvalorizam e deterioram as
suas condições de trabalho, por reconhecerem a inevitabilidade das medidas e, até, uma certa bondade nas mesmas; os
detentores do poder, então, face a essa postura compreensiva dos Sindicatos, garantiriam a sustentabilidade do
emprego e de direitos mínimos. Face ao compromisso assumido, os trabalhadores seriam levados a prescindir,
nomeadamente do seu direito de lutarem por emprego com direitos, por uma organização social justa e solidária, por
uma vida melhor. Este tipo de acordos ou pactos são propostos em momentos de grande pressão para os trabalhadores,
em que o desemprego se agiganta, a precariedade é quotidiano e o rendimento mensal começa a esgotar-se antes do
prazo. É com essas fragilizações que os detentores do poder procuram jogar e, nesse terreno, ganhar vantagem.
3 – A celebração de acordos parcelares é desejável, mas não a qualquer preço. Em cada setor e, nestes, em
relação a cada matéria específica é possível e desejável construir acordos, sendo que estes, no seu conjunto, podem, na
prática, constituir um verdadeiro pacto social. A negociação coletiva na Função Pública, ou a contratação coletiva no
setor privado, são os instrumentos legais que permitem encontrar convergências, construir consensos e chegar a acordos
parcelares. A FENPROF não nega a importância da negociação e de se chegar a acordo, pelo contrário, releva-a. Aliás,
sempre que uma negociação se inicia tem esse objetivo; todavia, o fim não justifica, por si, os meios, devendo o acordo
valer pelos resultados obtidos. A FENPROF, ao longo do tempo e, curiosamente, contra o que por vezes consta, nunca
se furtou a assumir as suas responsabilidades em sede de negociação. Por isso, só para falar do tempo mais recente,
celebrou acordos sobre carreiras em 1998 e em 2010, sobre horários e organização do trabalho em 2008 e, em 2002,
sobre emprego e estabilidade. Pelo meio, houve muitos processos negociais que, sem terminarem em acordo total,
permitiram convergências importantes registadas em documento político final e global da negociação.
4 – Qualquer acordo exige boa-fé negocial. O último acordo que a FENPROF celebrou com o governo foi sobre
carreiras e aconteceu em 8 de janeiro de 2010. Houve aproximações em sede de negociação, cedências e ganhos,
tendo-se chegado a um acordo com um horizonte temporal de 4 anos; a legislação que lhe correspondeu foi publicada
apenas em 23 de junho de 2010; o governo, o mesmo que negociou esse acordo, violou-o congelando as carreiras em 1
de janeiro de 2011. São comportamentos destes que nos fazem pensar sobre o acordo seguinte.
5 – Os principais trunfos dos Sindicatos, em negociação, são as alternativas que conseguem construir e a força
que lhes é dada pelos trabalhadores. Desde logo, a fundamentação das posições defendidas é um importante trunfo. É
necessário construí-las no debate com os trabalhadores, provar a sua exequibilidade e justeza e, assim, garantir o apoio
daqueles que representamos na negociação. Se estas constituírem verdadeiras alternativas às que o patronato ou o
governo defendem, mais fácil será unir os trabalhadores em torno das propostas sindicais, lutando por elas. E esse é o
segundo trunfo forte: a mobilização e a luta que for possível gerar em torno das propostas defendidas. Do outro lado, do
lado do poder, o trunfo é fortíssimo; precisamente o poder. Com ele pode decidir, pode impor!
É nesta correlação de forças que se desenvolve a negociação: o poder, sabendo que, em última instância, pode impor;
os sindicatos contando, para reforçarem as suas posições, com a presença, o compromisso, a disponibilidade dos
trabalhadores para, com a sua mobilização e luta, dificultarem a imposição pelo poder, obrigando-o a flexibilizar posições
e a ter de abrir mão de alguns dos seus propósitos.
Hoje, contudo, a situação está mais difícil ainda: o poder político está refém, como nunca, de gente sem rosto e de outra
bem conhecida que não tem qualquer pejo em recorrer à pressão e à chantagem, ameaçando empurrar as nações para a
“insolvência”, interferindo, dessa forma, na negociação. Sempre que podem, tentam contorná-la, dando por adquirido o
que deveria ser apenas proposta. Assim, impõem estreitíssima margem negocial ao patronato e margem zero ao poder
político.
Uma nota final:
Ouvimos, no dia 1, Sarkozy afirmar que os Sindicatos deveriam deixar cair as suas bandeiras e servir o país – é este o
conceito de concertação e acordo social que tem, neste momento, boa parte dos governantes europeus. Para os
Sindicatos, embarcarem nesta desvario seria aceitarem assinar pacto com o diabo. As bandeiras que Sarkozy quer que
os Sindicatos deixem cair são os direitos dos trabalhadores; aquilo a que estes governantes chamam país, são os seus
interesses políticos. E ele acrescentava que era contra a luta de classes porque era pela França. Tentava, com este
discurso, puxar pela ideia do “somos todos iguais”, não há explorados ou exploradores, já não há luta porque acabaram
as classes… afinal, é este o espírito dos que baniram do vocabulário laboral “patrões” e “trabalhadores”, resumindo tudo
a “colaboradores”.
Uns mais liberais, outros mais sociais-democratas, mas todos sob o fogo do poder económico, representado pelo FMI, e
do centro de poder neoliberal sedeado em Bruxelas, as políticas não se distinguem muito, sendo o estilo a principal
diferença detetável. Neste quadro político, económico e social o espaço para um pacto social é praticamente inexistente.
Aos trabalhadores cabe pugnar, lutando, pelos seus direitos, com a certeza que, cada um que for perdido, será de difícil
recuperação. Aos Sindicatos compete saber interpretar o descontentamento e a indignação de quem representam,
construir percursos alternativos e lutar por soluções de mudança que contribuam para uma sociedade justa, solidária e
inclusiva. Nos tempos que correm, de tanta descrença, de tanto desânimo, de tanta falta de confiança, aos Sindicatos
cabe transformar desespero em esperança e isso não conseguem juntando-se aos responsáveis pela situação e
legitimando as suas intenções. Não é esse o papel dos Sindicatos e não é isso que deles esperam os trabalhadores.
É certo que, com a luta, podemos não ganhar, mas perderemos sempre sem ela. E também há a honra e a dignidade e
essas não se vendem nem se oferecem. De pé será possível garantir direitos, de cócoras, na melhor das hipóteses,
conseguiremos esmolas. Os Homens e as Mulheres afirmam-se de pé!
Mário Nogueira
Secretário-Geral da FENPROF
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