ENSINO SUPERIOR
Cursos on-line atraem centenas de milhares de
brasileiros e abrem debate sobre a prática
Quando a estudante universitária Monica Aragão, de 28 anos, teve um filho, ficou cada vez mais difícil
conciliar as aulas com a maternidade. Os atrasos se tornaram constantes e o tempo para estudar não
poderia ser mais o determinado pela faculdade. Foi neste momento que a moradora de Marechal
Hermes, zona Norte do Rio, começou a utilizar sites de cursos on-line e passou a assistir aulas com
professores das mais diferentes instituições, desde a Universidade de São Paulo (USP) até a americana
Harvard.
— Sempre fui contra disciplinas on-line porque acho fundamental a presença do professor, mas passei
a ver que é algo que complementa. Com as limitações de horário que tenho desde que virei mãe, eu
agora posso ver a aula, parar e voltar quantas vezes eu quiser até entender a matéria — afirma Monica,
que começou utilizando as plataformas para eliminar horas obrigatórias na faculdade de Administração,
que frequenta, mas, por ter gostado da experiência, acabou fazendo outros cursos. — Já fiz “Gestão de
Recursos Humanos”, “Nova reforma ortográfica”, “Liderança ecoaching” e “Inglês”.
Em meio ao debate sobre a validade destas novas plataformas de ensino, os cursos on-line tiveram
uma expansão no mercado brasileiro, chamando a atenção das principais empresas do setor. O
Coursera, principal página de aulas pela web no mundo, já conta com mais de 400 mil usuários
brasileiros, o que fez com que o país passasse o Reino Unido no número de inscritos no site. O Brasil
fica em quarto lugar na lista, somente atrás de China, Estados Unidos e Índia. A grande presença
nacional num site que não tem aulas em Português levou a página a investir mais em traduções. Além
disso, o grupo passou a fazer parceria com a USP e a Unicamp para criar cursos voltados a professores
brasileiros, que devem entrar no ar nos próximos meses.
— Cerca de 50% dos brasileiros que fazem o Coursera querem ganhar novas habilidades para suas
carreiras — afirma Daphne Koller, presidente da empresa. — De fato, os brasileiros são três vezes mais
propensos que os chineses e duas vezes mais que os americanos a conseguir as certificações emitidas
pelo site, para mostrar publicamente o ganho que obtiveram.
PLATAFORMA NACIONAL EM ALTA
O crescimento não é pontual. Na plataforma Novo Ed, que reúne aulas da universidade americana de
Stanford, o público brasileiro ocupa o terceiro lugar. Já no site Udacity, que reúne aulas de diversas
faculdades dos Estados Unidos, os brasileiros disputam, mensalmente, a colocação entre os três
principais países que usam a plataforma.
ENSINO SUPERIOR
— O Brasil é um mercado estratégico para nós. Estamos concentrados em melhorar e expandir nossos
esforços para atender os alunos brasileiros — afirmou a consultora da Udacity, Shernaz Daver.
Em meio à concorrência de sites do exterior, foi um site brasileiro que teve o maior crescimento nos
últimos anos. O Veduca começou, em 2012, com cursos estrangeiros e atingiu 50 mil estudantes
naquele ano. Dois anos depois, o grupo passou a fazer parcerias com diferentes instituições brasileiras,
com o Google e com a Bovespa para empreender os mais variados tipo de curso. O resultado: 650 mil
usuários em dezembro passado — um deles justamente Monica. Carlos Souza, diretor executivo do
grupo, afirma que o motivo que a fez procurar o site é o principal entre os brasileiros:
— Num levantamento que fizemos, vimos que as pessoas nos procuram, primeiro, porque é de graça —
explica Souza. — Em segundo lugar, elas querem fazer o curso no seu próprio ritmo e, em terceiro,
consideram a qualidade do material. O fato de ser gratuito atrai muito e, no fim, as pessoas acabam
querendo pagar pelo certificado.
Um outro aspecto dos cursos pela internet é que eles não são utilizados somente de forma individual.
Muitos já foram incorporados dentro da realidade das escolas como forma de complementar a
educação.
— Pesquisas já mostram que a maneira mais efetiva de ensino é combinar o presencial e o on-line. O
aproveitamento é bem maior com o uso otimizado do tempo de estudo — afirma Souza.
Foi desta forma que o colégio D’Incao, em Bauru, passou a utilizar o iTunesU, aplicativo de educação
da Apple, em suas aulas. Os diretores da instituição enfatizam, no entanto, que a tecnologia surge como
um instrumento para o professor e que nunca irá substituí-lo.
— A plataforma apoia o aluno sem retirar a presença do professor. É impossível garantir a qualidade de
um curso sem a mediação. A sala de aula é o ambiente em que se garante o efetivo desenvolvimento
do aluno e do conteúdo, e a tecnologia é uma ferramenta que torna este local mais atrativo e interativo
— afirma o diretor Pedro D’Incao.
NECESSIDADE DE ADAPTAÇÃO
Porém, enquanto o Brasil vive um crescimento destes cursos, os Estados Unidos passam a rever a
metodologia. John Henessy, presidente de Stanford e um dos mais conhecidos pesquisadores sobre o
assunto, critica as plataformas por não serem atrativas o suficiente. Em estudo veiculado no ano
passado, o professor afirma que menos da metade dos alunos que se inscrevem no curso terminam de
assistir à primeira aula.
ENSINO SUPERIOR
— Quando surgiram em 2011, os cursos on-line eram vistos como verdadeira revolução no ensino.
Hoje, já conseguimos compreender que se trata de uma onda que tem que ser adaptada. Nada
substituiu o professor, mas muitas coisas podem ajudá-lo. As chances de um aluno se interessar por
uma aula on-line são muito maiores se ele tem uma empatia por aquele tema de alguma forma
presencial — afirma Joana Sampaio, especialista em Educação Básica pela Universidade Federal
Fluminense (UFF).
Fonte: O Globo
Data: 23 de fevereiro
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