O LUGAR E OS MOVIMENTOS OCUPACIONAIS DO TÉCNICO DE NÍVEL MÉDIO E DO TECNÓLOGO NA INDÚSTRIA METALMECÂNICA DE MINAS GERAIS Edmilson Leite PAIXÃO Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (CEFET-MG) João Bosco LAUDARES Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (CEFET-MG) RESUMO: Esse artigo apresenta parte dos resultados de Pesquisa de Mestrado (PAIXÃO, 2007), financiada pelo CNPq e FAPEMIG, na qual se investigou a atuação, capacitação e competências do técnico de nível médio, do tecnólogo e do engenheiro, bem como seus lugares na hierarquia ocupacional da FIAT S.A., de 1970 à atualidade. Questionou-se, a partir da demanda empresarial, se o tecnólogo tem ocupado a posição do técnico em termos de titularidade e/ou por migração do posto de trabalho. Como referencial teórico adotou-se o debate Qualificação X Competência. Na montadora, estabeleceu-se uma Política Estratégica objetivando requalificar técnicos de escolaridade média (então supervisores) em tecnólogos, considerados detentores de competências mais abrangentes, de 1997 a 2003. Os engenheiros têm sido concentrados em áreas que visem a excelência no World Class Manufacturing. Identificou-se uma degradação do valor social da qualificação do técnico frente à do tecnólogo. Estabeleceu-se assim um novo lugar relativo e uma nova relação entre esses profissionais com repercussões para as instituições formativas. PALAVRAS-CHAVE: Posição ocupacional do tecnólogo; Posição ocupacional do técnico de nível médio; Posição ocupacional do engenheiro. 1. Introdução Esse artigo resulta de uma Pesquisa de Mestrado (PAIXÃO, 2007), CEFET-MG, financiada pelo CNPq e FAPEMIG, a qual objetivou investigar a atuação, capacitação e competências, bem como os movimentos ocupacionais de técnicos de nível médio, tecnólogos e engenheiros em uma indústria automobilística mineira. Buscou-se, a partir da demanda da empresa, questionar se o tecnólogo tem ocupado a posição do técnico, tanto em termos de titularidade quanto por migração do posto de trabalho. Como referencial teórico, adotou-se o debate qualificação x competência, dentro da Sociologia do Trabalho Francesa. Tratou-se de estudo de caso, qualitativo e quantitativo, que abordou o tema de 1970 à atualidade. O método de coleta de dados foi a entrevista semi-estruturada com sujeitos da FIAT S.A., CEFET-MG e CREA-MG. O mesmo objeto de pesquisa tem sido abordado, dentro do mesmo enquadre metodológico, em duas Companhias Siderúrgicas também sediadas no Estado de Minas Gerais. Esse documento será desenvolvido da seguinte maneira: em primeiro lugar, a apresentação da discussão teórica; a seguir, a apresentação dos resultados da pesquisa de campo referentes ao técnico de nível médio e ao tecnólogo, em terceiro lugar, o diálogo teórico e as considerações finais. 2. Reflexão teórica Nessa seção, busca-se explicitar a discussão teórica que foi adotada como caminho para a compreensão do objeto de pesquisa. Busca-se ainda identificar o lugar, as alterações no movimento ocupacional de técnicos de nível médio a partir das contribuições teóricas de destacados autores, assim como a questão fundamental que deu origem à Pesquisa de Mestrado, aqui referida, e a esse artigo, em particular. A Lógica das Competências As discussões relativas à qualificação e formação profissional têm, pelo menos, a partir da Sociologia Francesa, ocupado um espaço no debate acadêmico desde os anos 1940. Mais recentemente, a partir das décadas de 1970 e 1980, ganham relevância as discussões relativas à competência. Nesse contexto, como um dos autores que trabalham a competência, ZARIFIAN (2001) busca apresentar uma definição ampla dessa noção que permita aos sujeitos mobilizá-la em campo. Para ele, a competência está ligada ao conceito de indivíduo, e se funda sobre três elementos essenciais: événement2, serviço e comunicação como descritos a seguir. O conceito de evento O evento se contextualiza, para o referido autor, a partir da automatização dos processos industriais. A pergunta que ele se faz é: como se reposiciona a atividade humana diante dessas mudanças rápidas nos sistemas produtivos. Sua resposta é a de que essa atividade humana se reposiciona no confronto com eventos. Segundo ele, evento, é o que ocorre de maneira parcialmente imprevista, inesperada, vindo perturbar o desenrolar normal do sistema de produção, superando a capacidade da máquina de assegurar sua autoregulagem. [...] São as panes, os desvios da qualidade, os materiais que faltam, as mudanças imprevistas na programação de fabricação, uma encomenda repentina de um cliente etc. Em resumo, tudo o que chamamos de acaso. (ZARIFIAN, 2001: p. 41) O que se depreende dessa definição é que, para além dos esforços de controlar o processo de trabalho, pretende-se também ter domínio sobre o imprevisto, o anômico, o imponderável, em uma busca sem fim do empresariado por maior produtividade e competitividade. O conceito de comunicação ZARIFIAN (2001) entende a comunicação como o processo de estabelecer ou construir um entendimento mútuo, o estabelecimento de pactos “recíprocos e bases de compromisso que serão garantia do sucesso das ações desenvolvidas em conjunto” (ZARIFIAN, 2001: p. 45). O comunicar-se implica em entender os problemas e as obrigações mútuos: a interdependência, a complementaridade e a solidariedade das ações. Implica também em entender a si mesmo, avaliando os efeitos de sua própria ação sobre os outros. Comunicar-se é ser capaz de acordar os objetivos de ação e assumi-los em conjunto, bem como estabelecer as regras que vão reger a relação comunicativa expressa nas ações humanas. Finalmente, é compartilhar “normas mínimas de justiça, que permitam acesso igualitário à informação e uma distribuição eqüitativa de seus benefícios.” O que não se constitui em fim da hierarquia, segundo o autor. (ZARIFIAN, 2001: p. 45, 46) O conceito de serviço Segundo ZARIFIAN (2001), Trabalhar é gerar um serviço, ou seja, é uma modificação no estado ou nas condições de atividade de outro humano, ou de uma instituição, que chamaremos de destinatários do serviço (o cliente, no setor privado, o usuário, no setor público). [...] Trata-se de perceber que o conceito de serviço concerne ao trabalho moderno, qualquer que seja o setor de atividade (terciário, indústria, agricultura). (ZARIFIAN, 2001: p. 48) Serviço é aquilo que é efetivamente oferecido a um cliente-usuário, modificando sua condição presente ou sua atividade. É o fim último da organização, justificando sua existência e sua sobrevivência, assim como o emprego dos assalariados que nela trabalham. Segundo o autor, na empresa industrial tradicional, a lógica do produto se funda na quantidade de itens vendidos, fluxo e produtividade. Contrariamente, na lógica do serviço, o foco se desloca para a “qualidade da compreensão do problema do cliente e, portanto, a qualidade da resposta que lhe é dada.” (ZARIFIAN, 2001: p. 54). Definição de competência A partir desses elementos, Zarifian propõe a sua definição tripartite de competência, pedindo que se observem com atenção os verbos e a abertura para a autonomia, responsabilidade e comprometimento do individuo. Em uma primeira abordagem, o autor afirma que “a competência é’ o tomar iniciativa’ e ‘o assumir responsabilidade’ do individuo diante de situações profissionais com as quais se depara” (ZARIFIAN, 2001, p. 68, grifos do autor). Nessa primeira formulação, segundo ele, a possibilidade de reconhecimento de um lugar de autonomia para o trabalhador e de automobilizacão do indivíduo. Em uma segunda abordagem, dentro do conceito de situação supracitado, “a competência é um entendimento prático de situações que se apóia em conhecimentos adquiridos e os transforma na medida em que aumenta a diversidade das situações” (ZARIFIAN, 2001, p. 72, grifos do autor). Segundo o autor, essa segunda abordagem enfatiza o processo de aprendizagem, considerado essencial no atuar, numa situação dada, com competência. Por fim, numa terceira abordagem, o autor situa, em sua definição, a competência como “a faculdade de mobilizar redes de atores em torno das mesmas situações, e a faculdade de fazer com esses atores compartilhem as implicações de suas ações, e fazêlos assumir áreas de co-responsabilidade” (ZARIFIAN, 2001, p. 74, grifos do autor). O autor destaca aqui o aspecto agregador da noção de competência, a capacidade de seu detentor de articular e mobilizar outros atores, atuando como coordenador. Para ZARIFIAN (2001), é através dessas três abordagens complementares que será possível apreender a competência e, logo, mobilizá-la conscientemente. Críticas às idéias de ZARIFIAN (2001): o conceito de qualificação As críticas mais contundentes a ZARIFIAN (2001) são apontadas por HIRATA (1994). As principais são aquelas que questionam a mudança que o autor alega estar ocorrendo no mundo do trabalho em favor da lógica das competências: • Para esses críticos a grande maioria das organizações permanece inserida na lógica do posto de trabalho e que a lógica das competências é ainda apenas uma tendência não confirmada; • As organizações que adotam o modelo de competências o fazem comumente de modo incompleto, mantendo setores e departamentos sob a lógica do posto de trabalho; • A presença de duas lógicas de gestão na mesma organização pode gerar zonas de exclusão e de privilégios que colocam trabalhadores submetidos a um modo de gestão aos geridos por outro modelo. Outras críticas alertam para os riscos de se substituir a noção de qualificação pela de competência, haja vista ser em torno da primeira que se têm construído há décadas as relações entre capital e trabalho, apresentando o risco adicional de gerar perdas de conquistas obtidas sob a lógica da qualificação. Noutro aspecto, os críticos apontam que a lógica das competências venha a serviço da intensificação do trabalho industrial, favorecendo o interesse do capital pelo aumento da mais-valia relativa (MARX, 1985), tanto em termos de métodos e técnicas quanto de base técnica. Importante frisar, as considerações de TARTUCE (2004), quando ela considera que mesmo assumindo a perspectiva multidimensional de Zarifian, ou seja, mesmo assumindo que a noção de competência também comporta o lado do reconhecimento simbólico e monetário, acredita-se aqui que, do ponto de vista teórico, a qualificação é ainda mais ampla para abarcar os fenômenos não só do mercado de trabalho "formal" como também do mercado "informal" e do desemprego. Se Zarifian acredita que a definição da qualificação é limitada, é porque ele considera apenas a qualificação do trabalho ou do trabalhador, e não as relaciona, como faz Naville. Se seguirmos a perspectiva navilleana, concluímos que é a qualificação que pode comportar tanto a dimensão individual - as competências dos indivíduos, suas qualidades - quanto a social - a maneira de qualificar essas qualidades, de reconhecer-lhes um valor. A definição das qualificações refere-se assim a um triplo desafio individual e coletivo, de aquisição de competências e de acesso aos empregos, de organização do trabalho e de evolução dos empregos, de status e de consideração social. TARTUCE (2004: p. 358). Por fim, quanto à formação do trabalhador, a lógica das competências mais que “estimula” a auto-formação a partir do discurso da empregabilidade, fundada na idéia de que é aquele quem deve se responsabilizar “pela obtenção e manutenção de seu emprego, através de um processo contínuo de formação e aperfeiçoamento” (ARANHA, 2001, p. 281). Pesquisa Acadêmica: o lugar e movimentos ocupacionais do técnico no Brasil Vivenciam-se ainda, na atualidade, reflexos de um movimento iniciado no setor produtivo, desde a década de 1990, denominado Reestruturação Produtiva, a qual busca alcançar uma organização do trabalho integrada e flexível (POCHMANN, 1999). Até o início dessa fase, o técnico ocupava posição de comando. Consoante com isso, segundo KUENZER (19851; 1988) em pesquisa com trabalhadores de uma empresa automobilística do sul do Brasil, no início da década de 1980, retratada na obra de 1985, a função de supervisão da empresa ficava a cargo dos técnicos de nível médio e engenheiros. Naquela ocasião, ela relata que o nível de qualificação da maioria dos trabalhadores não alcançava o primeiro grau completo. Outra autora, MACHADO (1989), apontava o técnico de nível médio, das décadas de 1980 e 1990, como membro de uma elite intelectual, no sentido gramsciano, que ocupava cargos de supervisão e fazia a intermediação entre a alta gerência e o chão de fábrica. Por sua vez, BURNIER (2003), tratando do lugar de técnicos de nível médio e engenheiros, aponta para a mudança ocorrida no mercado de trabalho do técnico de nível médio da década de 1980, o qual ocupava cargos de chefia (MACHADO, 1989), para a dura realidade da década seguinte. Nesta, os engenheiros foram empurrados para “os lugares antes ocupados pelos técnicos, e esses para os lugares antes ocupados pelos trabalhadores mais experientes. Em algumas montadoras automobilísticas, há técnicos de nível médio trabalhando como operadores de máquinas, o posto mais baixo do processo produtivo”. (BURNIER, 2003: p. 90 – grifos nossos). Ela atribui esses movimentos à redução do número de vagas e ao aumento da disponibilidade de trabalhadores mais qualificados. 3. Resultados de pesquisa de campo em empresa Esse artigo, assim como a Dissertação que o precedeu, busca contribuir com a resposta a uma questão levantada em artigo anterior (LAUDARES; TOMASI, 2003): – Que novo lugar é reservado ao técnico de nível médio a partir da reestruturação produtiva da década de 1990 e da introdução do tecnólogo no mercado de trabalho? Para responder a essa indagação, procedeu-se a uma pesquisa de campo em uma montadora de automóveis, estabelecida em Minas Gerais, desde 1976. Essa empresa, de origem Taylorista-fordista, está submetida, desde 1995, a processo de crescente influência do Modelo Toyota (especialmente nos níveis operacional e intermediário). Os resultados da referida pesquisa de campo ressaltam que foi estabelecida uma Política Estratégica (Convênio da montadora com o CEFET-MG), com o fim de requalificar técnicos de escolaridade média (supervisores) em tecnólogos, considerados detentores de competências mais abrangentes, de 1997 a 2003. A partir de 1997, em torno dessa parceria, tomada como movimento empresarial central no processo de requalificação de trabalhadores na montadora, tem-se que o técnico foi deslocado para o chão de fábrica (atividades instrumentais), onde ele é tido por essencial, ou para fora da empresa matriz, por meio de enxugamento e terceirização, perdendo os cargos de supervisão para os tecnólogos. No nível operacional, essa substituição não ocorreu – os técnicos que aí já trabalhavam não foram requalificados ou substituídos pelos tecnólogos. O lugar do técnico de nível médio na FIAT S.A. Todos os dados de pesquisa apontaram que o lugar desse profissional na empresa hoje é o piso de fábrica, fundamentalmente nas atividades instrumentais de manutenção da planta. É importante frisar que, apesar de estarem perdendo prestígio na montadora, os técnicos de nível médio ainda atendem a indústria. Ainda é considerado um profissional essencial, uma vez que suas competências formativas, técnicas e relacionais gerais, são de grande importância para o funcionamento da empresa. Se eles forem removidos, a empresa paulatinamente pára de funcionar; como diz o sujeito S6 ENGO: – “Os técnicos de nível médio são essenciais para nós; engenheiros”. Aqui se observa que ocorre apenas a substituição relativa do técnico de nível médio pelo tecnólogo, no nível tático, por requalificação ou efetiva troca de comando. No piso de fábrica, o técnico de nível médio não é ainda ameaçado, uma vez que possui a maior qualificação ali entre seus pares. Outro aspecto importante, relativo à demanda formativa na FIAT S.A., é o fato de o nível médio ser cada vez mais aceito e demandado ao trabalhador menos qualificado da base da hierarquia ocupacional. O lugar do técnico de nível médio tem sido cada vez mais depreciado na FIAT S.A., dos pontos de vista de seu valor social, político e cultural2 enquanto qualificação profissional (BRAVERMAN, 1987). Para este não há lugar em postos de trabalho de que exigem maior qualificação, assim como os discursos que sustentam o valor dessa mesma formação vêem sendo tomados como de menor importância. Outro ponto que se destacou nas entrevistas na montadora é que o técnico de nível médio tende a ser terceirizado. Esse é mais um indicador de degradação da qualificação desse profissional, na medida em que a empresa se interessa apenas em se ocupar daqueles ou daquilo que lhe é estratégico, a saber, essencial, o core business3. O que não se enquadra nesse padrão, é terceirizado e passa a ter menor valor social, político e cultural no mundo do trabalho da organização. O lugar do tecnólogo na FIAT S.A. Os dados de pesquisa na FIAT S.A. e no CEFET-MG indicam algumas especificidades que devem ser levadas em conta para não se cometer o erro em generalizações. O CEFET-MG ofertou, a partir de 1995, um profissional bastante diferenciado, da área de gestão, normalização e qualidade industrial. Enquanto tecnólogo de gestão do Curso de TNQI4, esse profissional apresentou-se muito vinculado, eficiente e eficaz nos processos da gerência intermediária. A FIAT S.A. teve a sensibilidade de perceber esse filão, após dois anos da fundação do curso em 1995, e firmou também o CCT 01/1997 – Convênio de Cooperação Técnica –, com o CEFET-MG. A partir de 1997, devido a esse fato, o curso ficou muito impregnado com essa parceria, não encontrando paralelo na lógica e funcionamento de outros Cursos Superiores de Tecnologia. Por fim, qualquer generalização dos resultados dessa pesquisa deve ser encarada sob a ótica dessas peculiaridades, uma vez que, noutras situações, outros tecnólogos são vinculados muito mais à produção, ao piso de fábrica, principalmente aqueles de formação estritamente técnica. Numa análise positiva, o tecnólogo na montadora tende a ser o que mais tem a ganhar nessa luta por lugares no processo produtivo. Isso porque ele traz em si a semente do atendimento dos interesses do mercado, e, por outro lado, ele o faz com competência, agregando valores formativos, sociais, políticos e culturais da empresa e da graduação, bem como conhecimentos e saberes dos níveis médio e superior. Ele agrega à qualificação e competência técnicas, aquelas de origem gerencial. Esse movimento de valorização do tecnólogo tem sido identificado na empresa, apesar do mesmo ocupar um espaço no mundo do trabalho, dentro e fora da organização, que pode ser considerado como instável, pelas declarações dos entrevistados da montadora, do CEFET-MG e do CREA-MG. Ainda que formado em um curso tido como “em fase de reconhecimento pelo mercado” e não sendo cotado como qualificação independente, mas sim um “apêndice”, por vezes interessante, para outras qualificações mais tradicionais (técnicos e engenheiros), do ponto de vista de parte dos entrevistados e de segmentos do Setor de Gestão de Pessoas das instituições. Outro aspecto se funda no caráter pragmático de sua formação, especialmente de seu PPP – Projeto Político Pedagógico –, que a CNI (2006) deseja aplicar também ao PPP de Cursos de Engenheira e Cursos Técnicos de nível médio. O setor produtivo tem grande interesse nesse pragmatismo formativo, e, nessa pesquisa, a montadora FIAT S.A.. Por fim, conforme declarações de entrevistados (S6 ENGO etc.), o tecnólogo pode se beneficiar de seu menor custo econômico relativo de formação profissional, em nível superior, comparado às qualificações tradicionais. 4. Diálogo: dados empíricos X aportes teóricos Com base nesses dados de pesquisa, tem-se que esse movimento da empresa entrou em choque com os resultados já relatados das pesquisas de KUENZER (1985; 1988) e de MACHADO (1989), os quais apontavam o técnico de nível médio, das décadas de 1980 e 1990, como membro de uma elite intelectual produtiva, que ocupava cargos de supervisão e fazia a intermediação entre a alta gerência e o chão de fábrica. De outro lado, os resultados dessa Pesquisa de Mestrado fornecem dados empíricos e fortalece a posição de BURNIER (2003), que apontava, a partir de suas pesquisas, a degradação das qualificações profissionais de técnicos e engenheiros, as mudanças na titularidade de seus postos e as tendências de seus movimentos ocupacionais. Como conseqüência desses movimentos, pode-se observar a degradação da qualificação do profissional técnico de nível médio, em quase todos os elementos ou quesitos do conceito, referido acima, dentro da montadora: no aspecto econômico da qualificação e no valor social, cultural e político da mesma. A exceção que se frisa aqui reside no aspecto de sua essencialidade técnica para o setor produtivo metal-mecânico. 5. Considerações finais Esse artigo aponta para quatro considerações finais essenciais. Em primeiro lugar, a de que o lugar (posto de trabalho) do técnico de nível médio, nessa montadora (indústria metal-mecânica), é revestido ainda de essencialidade: – Sem ele a empresa pára! Ele é um elemento fundamental, em especial na área de TPM - Total Production Maintenance. De outro lado, porém, seu lugar e a identificação de seu movimento ocupacional (na hierarquia) têm apontado para o chão de fábrica. Esse profissional tem sido deslocado para o Nível Operacional (piso de fábrica), sendo progressivamente afastado dos níveis de Alta e de Média Gerência. Um fator determinante5 nesse processo de enfraquecimento da posição dos técnicos de nível médio é o elemento de seleção de pessoal: nível de escolaridade. A partir de dados de pesquisa de campo anteriores, e na montadora referida aqui, se observa um fato recorrente, desde 1995, que a empresa está em processo de supressão da escolaridade média dos postos de trabalho do nível tático da organização, a faixa intermediária de gestão. Nesse processo se beneficiam profissionais com escolaridade de nível superior tais como o tecnólogo e o engenheiro. Em terceiro lugar, observa-se uma degradação geral, no sentido bravermaniano, do valor da qualificação social, política, cultural e profissional do técnico de nível médio. Isso ocorre tanto em relação à posição de supervisão que ocupava nas décadas de 1970 a 1990, quanto em relação aos seus colegas profissionais, em especial tecnólogos e engenheiros, dentro de parte do segmento metal-mecânico estudado. Consoante a uma degradação do valor social da qualificação do técnico, observou-se uma valorização da qualificação do tecnólogo e uma concentração dos engenheiros em áreas vinculadas ao World Class Manufacturing da empresa (produção toyotista enxuta – Lean Production). Em último lugar, esse resultado de pesquisa ressalta a necessidade de que as Instituições de Ensino Técnico e/ou Superior busquem analisar criticamente, em seus processos formativos atuais referentes a esses profissionais, a relação existente entre o tipo de profissional formado (egresso) e o tipo de profissional demandado pelo setor produtivo: os pontos de concordância e de conflito com o mercado – dentro de seus Projetos Político-Pedagógicos – e seus interesses, e as repercussões de suas decisões políticas para a própria instituição e para os corpos docente e discente. Por fim, a análise do movimento ocupacional, decorrente da Pesquisa de Mestrado, apontou para um novo lugar relativo e uma nova relação estabelecida entre os técnicos de nível médio, de um lado, e os tecnólogos e engenheiros, de outro, na escala e hierarquia ocupacional da montadora de automóveis mineira com repercussões para as instituições formativas de nível técnico e/ou superior. Referências ARANHA, A. V. S.; FERRETTI, C. J.. A formação profissional na Fiat Automóveis e a padronização internacional de trabalhadores da empresa. Tese (Doutorado), Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2000. BRAVERMAN, H.. Trabalho e Capital Monopolista: a degradação do trabalho no século XX. 3. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan S.A. 1987. BURNIER, S. L.. Visões de mundo e projetos de trabalhadores técnicos de nível médio. In: Antropolítica – Revista Contemporânea de Antropologia e Política. No. 15, jul-dez. 2003, p.83-96. CNI/SENAI/IEL. INOVA ENGENHARIA: propostas para a modernização da Educação em Engenharia no Brasil. Confederação Nacional da Indústria. Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial. Instituto Euvaldo Lodi. Brasília: IEL.NC/SENAI.DN, 2006. HIRATA, H. "Da polarização das qualificações ao modelo da competência". In: FERRETI, C. et. al. (orgs.). Novas tecnologias, trabalho e educação: Um debate multidisciplinar. Petrópolis: Vozes, 1994. pp. 129-142. KUENZER, A. Z. 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Rio de Janeiro: Elsevier Editora Ltda., 1999. 4 5 Curso Superior de Tecnologia em Normalização e Qualidade Industrial. A Pesquisa de Mestrado aqui referida identificou a relevância do elemento escolaridade como critério de recrutamento e seleção de Pessoal e de Gestão Empresarial. Várias pesquisas anteriores (resultado de Revisão Bibliográfica) foram listadas na Dissertação de Mestrado aqui citada e ressaltaram esse aspecto, tanto do ponto de vista educacional quanto econômico. Uma pesquisa de demanda de mercado (ARH) por esses profissionais, realizada pelo autor da dissertação, em 2006/2007, também apontou nessa direção.