O LUGAR E OS MOVIMENTOS OCUPACIONAIS DO TÉCNICO
DE NÍVEL MÉDIO E DO TECNÓLOGO NA INDÚSTRIA METALMECÂNICA DE MINAS GERAIS
Edmilson Leite PAIXÃO
Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (CEFET-MG)
João Bosco LAUDARES
Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (CEFET-MG)
RESUMO: Esse artigo apresenta parte dos resultados de Pesquisa de Mestrado (PAIXÃO,
2007), financiada pelo CNPq e FAPEMIG, na qual se investigou a atuação, capacitação e
competências do técnico de nível médio, do tecnólogo e do engenheiro, bem como seus lugares
na hierarquia ocupacional da FIAT S.A., de 1970 à atualidade. Questionou-se, a partir da
demanda empresarial, se o tecnólogo tem ocupado a posição do técnico em termos de
titularidade e/ou por migração do posto de trabalho. Como referencial teórico adotou-se o
debate Qualificação X Competência. Na montadora, estabeleceu-se uma Política Estratégica
objetivando requalificar técnicos de escolaridade média (então supervisores) em tecnólogos,
considerados detentores de competências mais abrangentes, de 1997 a 2003. Os engenheiros
têm sido concentrados em áreas que visem a excelência no World Class Manufacturing.
Identificou-se uma degradação do valor social da qualificação do técnico frente à do tecnólogo.
Estabeleceu-se assim um novo lugar relativo e uma nova relação entre esses profissionais com
repercussões para as instituições formativas.
PALAVRAS-CHAVE: Posição ocupacional do tecnólogo; Posição ocupacional do técnico de
nível médio; Posição ocupacional do engenheiro.
1. Introdução
Esse artigo resulta de uma Pesquisa de Mestrado (PAIXÃO, 2007), CEFET-MG,
financiada pelo CNPq e FAPEMIG, a qual objetivou investigar a atuação, capacitação e
competências, bem como os movimentos ocupacionais de técnicos de nível médio,
tecnólogos e engenheiros em uma indústria automobilística mineira.
Buscou-se, a partir da demanda da empresa, questionar se o tecnólogo tem ocupado
a posição do técnico, tanto em termos de titularidade quanto por migração do posto de
trabalho. Como referencial teórico, adotou-se o debate qualificação x competência,
dentro da Sociologia do Trabalho Francesa. Tratou-se de estudo de caso, qualitativo e
quantitativo, que abordou o tema de 1970 à atualidade. O método de coleta de dados foi
a entrevista semi-estruturada com sujeitos da FIAT S.A., CEFET-MG e CREA-MG.
O mesmo objeto de pesquisa tem sido abordado, dentro do mesmo enquadre
metodológico, em duas Companhias Siderúrgicas também sediadas no Estado de Minas
Gerais. Esse documento será desenvolvido da seguinte maneira: em primeiro lugar, a
apresentação da discussão teórica; a seguir, a apresentação dos resultados da pesquisa
de campo referentes ao técnico de nível médio e ao tecnólogo, em terceiro lugar, o
diálogo teórico e as considerações finais.
2. Reflexão teórica
Nessa seção, busca-se explicitar a discussão teórica que foi adotada como caminho
para a compreensão do objeto de pesquisa. Busca-se ainda identificar o lugar, as
alterações no movimento ocupacional de técnicos de nível médio a partir das
contribuições teóricas de destacados autores, assim como a questão fundamental que
deu origem à Pesquisa de Mestrado, aqui referida, e a esse artigo, em particular.
A Lógica das Competências
As discussões relativas à qualificação e formação profissional têm, pelo menos, a
partir da Sociologia Francesa, ocupado um espaço no debate acadêmico desde os anos
1940. Mais recentemente, a partir das décadas de 1970 e 1980, ganham relevância as
discussões relativas à competência.
Nesse contexto, como um dos autores que trabalham a competência, ZARIFIAN
(2001) busca apresentar uma definição ampla dessa noção que permita aos sujeitos
mobilizá-la em campo. Para ele, a competência está ligada ao conceito de indivíduo, e
se funda sobre três elementos essenciais: événement2, serviço e comunicação como
descritos a seguir.
O conceito de evento
O evento se contextualiza, para o referido autor, a partir da automatização dos
processos industriais. A pergunta que ele se faz é: como se reposiciona a atividade
humana diante dessas mudanças rápidas nos sistemas produtivos. Sua resposta é a de
que essa atividade humana se reposiciona no confronto com eventos. Segundo ele,
evento,
é o que ocorre de maneira parcialmente imprevista, inesperada, vindo perturbar o desenrolar
normal do sistema de produção, superando a capacidade da máquina de assegurar sua
autoregulagem. [...] São as panes, os desvios da qualidade, os materiais que faltam, as
mudanças imprevistas na programação de fabricação, uma encomenda repentina de um
cliente etc. Em resumo, tudo o que chamamos de acaso. (ZARIFIAN, 2001: p. 41)
O que se depreende dessa definição é que, para além dos esforços de controlar o
processo de trabalho, pretende-se também ter domínio sobre o imprevisto, o anômico, o
imponderável, em uma busca sem fim do empresariado por maior produtividade e
competitividade.
O conceito de comunicação
ZARIFIAN (2001) entende a comunicação como o processo de estabelecer ou
construir um entendimento mútuo, o estabelecimento de pactos “recíprocos e bases de
compromisso que serão garantia do sucesso das ações desenvolvidas em conjunto”
(ZARIFIAN, 2001: p. 45).
O comunicar-se implica em entender os problemas e as obrigações mútuos: a
interdependência, a complementaridade e a solidariedade das ações. Implica também em
entender a si mesmo, avaliando os efeitos de sua própria ação sobre os outros.
Comunicar-se é ser capaz de acordar os objetivos de ação e assumi-los em conjunto,
bem como estabelecer as regras que vão reger a relação comunicativa expressa nas
ações humanas. Finalmente, é compartilhar “normas mínimas de justiça, que permitam
acesso igualitário à informação e uma distribuição eqüitativa de seus benefícios.” O que
não se constitui em fim da hierarquia, segundo o autor. (ZARIFIAN, 2001: p. 45, 46)
O conceito de serviço
Segundo ZARIFIAN (2001),
Trabalhar é gerar um serviço, ou seja, é uma modificação no estado ou nas condições de
atividade de outro humano, ou de uma instituição, que chamaremos de destinatários do
serviço (o cliente, no setor privado, o usuário, no setor público). [...] Trata-se de perceber
que o conceito de serviço concerne ao trabalho moderno, qualquer que seja o setor de
atividade (terciário, indústria, agricultura). (ZARIFIAN, 2001: p. 48)
Serviço é aquilo que é efetivamente oferecido a um cliente-usuário, modificando sua
condição presente ou sua atividade. É o fim último da organização, justificando sua
existência e sua sobrevivência, assim como o emprego dos assalariados que nela
trabalham.
Segundo o autor, na empresa industrial tradicional, a lógica do produto se funda na
quantidade de itens vendidos, fluxo e produtividade. Contrariamente, na lógica do
serviço, o foco se desloca para a “qualidade da compreensão do problema do cliente e,
portanto, a qualidade da resposta que lhe é dada.” (ZARIFIAN, 2001: p. 54).
Definição de competência
A partir desses elementos, Zarifian propõe a sua definição tripartite de competência,
pedindo que se observem com atenção os verbos e a abertura para a autonomia,
responsabilidade e comprometimento do individuo.
Em uma primeira abordagem, o autor afirma que “a competência é’ o tomar
iniciativa’ e ‘o assumir responsabilidade’ do individuo diante de situações profissionais
com as quais se depara” (ZARIFIAN, 2001, p. 68, grifos do autor). Nessa primeira
formulação, segundo ele, a possibilidade de reconhecimento de um lugar de autonomia
para o trabalhador e de automobilizacão do indivíduo.
Em uma segunda abordagem, dentro do conceito de situação supracitado, “a
competência é um entendimento prático de situações que se apóia em conhecimentos
adquiridos e os transforma na medida em que aumenta a diversidade das situações”
(ZARIFIAN, 2001, p. 72, grifos do autor). Segundo o autor, essa segunda abordagem
enfatiza o processo de aprendizagem, considerado essencial no atuar, numa situação
dada, com competência.
Por fim, numa terceira abordagem, o autor situa, em sua definição, a competência
como “a faculdade de mobilizar redes de atores em torno das mesmas situações, e a
faculdade de fazer com esses atores compartilhem as implicações de suas ações, e fazêlos assumir áreas de co-responsabilidade” (ZARIFIAN, 2001, p. 74, grifos do autor).
O autor destaca aqui o aspecto agregador da noção de competência, a capacidade de
seu detentor de articular e mobilizar outros atores, atuando como coordenador. Para
ZARIFIAN (2001), é através dessas três abordagens complementares que será possível
apreender a competência e, logo, mobilizá-la conscientemente.
Críticas às idéias de ZARIFIAN (2001): o conceito de qualificação
As críticas mais contundentes a ZARIFIAN (2001) são apontadas por HIRATA
(1994). As principais são aquelas que questionam a mudança que o autor alega estar
ocorrendo no mundo do trabalho em favor da lógica das competências:
•
Para esses críticos a grande maioria das organizações permanece inserida na lógica do posto de
trabalho e que a lógica das competências é ainda apenas uma tendência não confirmada;
•
As organizações que adotam o modelo de competências o fazem comumente de modo incompleto,
mantendo setores e departamentos sob a lógica do posto de trabalho;
•
A presença de duas lógicas de gestão na mesma organização pode gerar zonas de exclusão e de
privilégios que colocam trabalhadores submetidos a um modo de gestão aos geridos por outro
modelo.
Outras críticas alertam para os riscos de se substituir a noção de qualificação pela de
competência, haja vista ser em torno da primeira que se têm construído há décadas as
relações entre capital e trabalho, apresentando o risco adicional de gerar perdas de
conquistas obtidas sob a lógica da qualificação.
Noutro aspecto, os críticos apontam que a lógica das competências venha a serviço
da intensificação do trabalho industrial, favorecendo o interesse do capital pelo aumento
da mais-valia relativa (MARX, 1985), tanto em termos de métodos e técnicas quanto de
base técnica.
Importante frisar, as considerações de TARTUCE (2004), quando ela considera que
mesmo assumindo a perspectiva multidimensional de Zarifian, ou seja, mesmo assumindo
que a noção de competência também comporta o lado do reconhecimento simbólico e
monetário, acredita-se aqui que, do ponto de vista teórico, a qualificação é ainda mais ampla
para abarcar os fenômenos não só do mercado de trabalho "formal" como também do
mercado "informal" e do desemprego. Se Zarifian acredita que a definição da qualificação é
limitada, é porque ele considera apenas a qualificação do trabalho ou do trabalhador, e não
as relaciona, como faz Naville. Se seguirmos a perspectiva navilleana, concluímos que é a
qualificação que pode comportar tanto a dimensão individual - as competências dos
indivíduos, suas qualidades - quanto a social - a maneira de qualificar essas qualidades, de
reconhecer-lhes um valor. A definição das qualificações refere-se assim a um triplo desafio
individual e coletivo, de aquisição de competências e de acesso aos empregos, de
organização do trabalho e de evolução dos empregos, de status e de consideração social.
TARTUCE (2004: p. 358).
Por fim, quanto à formação do trabalhador, a lógica das competências mais que
“estimula” a auto-formação a partir do discurso da empregabilidade, fundada na idéia de
que é aquele quem deve se responsabilizar “pela obtenção e manutenção de seu
emprego, através de um processo contínuo de formação e aperfeiçoamento” (ARANHA,
2001, p. 281).
Pesquisa Acadêmica: o lugar e movimentos ocupacionais do técnico no Brasil
Vivenciam-se ainda, na atualidade, reflexos de um movimento iniciado no setor
produtivo, desde a década de 1990, denominado Reestruturação Produtiva, a qual busca
alcançar uma organização do trabalho integrada e flexível (POCHMANN, 1999). Até o
início dessa fase, o técnico ocupava posição de comando.
Consoante com isso, segundo KUENZER (19851; 1988) em pesquisa com
trabalhadores de uma empresa automobilística do sul do Brasil, no início da década de
1980, retratada na obra de 1985, a função de supervisão da empresa ficava a cargo dos
técnicos de nível médio e engenheiros. Naquela ocasião, ela relata que o nível de
qualificação da maioria dos trabalhadores não alcançava o primeiro grau completo.
Outra autora, MACHADO (1989), apontava o técnico de nível médio, das décadas
de 1980 e 1990, como membro de uma elite intelectual, no sentido gramsciano, que
ocupava cargos de supervisão e fazia a intermediação entre a alta gerência e o chão de
fábrica.
Por sua vez, BURNIER (2003), tratando do lugar de técnicos de nível médio e
engenheiros, aponta para a mudança ocorrida no mercado de trabalho do técnico de
nível médio da década de 1980, o qual ocupava cargos de chefia (MACHADO, 1989),
para a dura realidade da década seguinte. Nesta, os engenheiros foram empurrados para
“os lugares antes ocupados pelos técnicos, e esses para os lugares antes ocupados pelos
trabalhadores mais experientes. Em algumas montadoras automobilísticas, há técnicos
de nível médio trabalhando como operadores de máquinas, o posto mais baixo do
processo produtivo”. (BURNIER, 2003: p. 90 – grifos nossos). Ela atribui esses
movimentos à redução do número de vagas e ao aumento da disponibilidade de
trabalhadores mais qualificados.
3. Resultados de pesquisa de campo em empresa
Esse artigo, assim como a Dissertação que o precedeu, busca contribuir com a
resposta a uma questão levantada em artigo anterior (LAUDARES; TOMASI, 2003): –
Que novo lugar é reservado ao técnico de nível médio a partir da reestruturação
produtiva da década de 1990 e da introdução do tecnólogo no mercado de trabalho?
Para responder a essa indagação, procedeu-se a uma pesquisa de campo em uma
montadora de automóveis, estabelecida em Minas Gerais, desde 1976. Essa empresa, de
origem Taylorista-fordista, está submetida, desde 1995, a processo de crescente
influência do Modelo Toyota (especialmente nos níveis operacional e intermediário).
Os resultados da referida pesquisa de campo ressaltam que foi estabelecida uma
Política Estratégica (Convênio da montadora com o CEFET-MG), com o fim de
requalificar técnicos de escolaridade média (supervisores) em tecnólogos, considerados
detentores de competências mais abrangentes, de 1997 a 2003.
A partir de 1997, em torno dessa parceria, tomada como movimento empresarial
central no processo de requalificação de trabalhadores na montadora, tem-se que o
técnico foi deslocado para o chão de fábrica (atividades instrumentais), onde ele é tido
por essencial, ou para fora da empresa matriz, por meio de enxugamento e terceirização,
perdendo os cargos de supervisão para os tecnólogos. No nível operacional, essa
substituição não ocorreu – os técnicos que aí já trabalhavam não foram requalificados
ou substituídos pelos tecnólogos.
O lugar do técnico de nível médio na FIAT S.A.
Todos os dados de pesquisa apontaram que o lugar desse profissional na empresa
hoje é o piso de fábrica, fundamentalmente nas atividades instrumentais de manutenção
da planta. É importante frisar que, apesar de estarem perdendo prestígio na montadora,
os técnicos de nível médio ainda atendem a indústria. Ainda é considerado um
profissional essencial, uma vez que suas competências formativas, técnicas e relacionais
gerais, são de grande importância para o funcionamento da empresa. Se eles forem
removidos, a empresa paulatinamente pára de funcionar; como diz o sujeito S6 ENGO:
– “Os técnicos de nível médio são essenciais para nós; engenheiros”.
Aqui se observa que ocorre apenas a substituição relativa do técnico de nível médio
pelo tecnólogo, no nível tático, por requalificação ou efetiva troca de comando. No piso
de fábrica, o técnico de nível médio não é ainda ameaçado, uma vez que possui a maior
qualificação ali entre seus pares. Outro aspecto importante, relativo à demanda
formativa na FIAT S.A., é o fato de o nível médio ser cada vez mais aceito e
demandado ao trabalhador menos qualificado da base da hierarquia ocupacional.
O lugar do técnico de nível médio tem sido cada vez mais depreciado na FIAT S.A.,
dos pontos de vista de seu valor social, político e cultural2 enquanto qualificação
profissional (BRAVERMAN, 1987). Para este não há lugar em postos de trabalho de
que exigem maior qualificação, assim como os discursos que sustentam o valor dessa
mesma formação vêem sendo tomados como de menor importância. Outro ponto que se
destacou nas entrevistas na montadora é que o técnico de nível médio tende a ser
terceirizado. Esse é mais um indicador de degradação da qualificação desse profissional,
na medida em que a empresa se interessa apenas em se ocupar daqueles ou daquilo que
lhe é estratégico, a saber, essencial, o core business3. O que não se enquadra nesse
padrão, é terceirizado e passa a ter menor valor social, político e cultural no mundo do
trabalho da organização.
O lugar do tecnólogo na FIAT S.A.
Os dados de pesquisa na FIAT S.A. e no CEFET-MG indicam algumas
especificidades que devem ser levadas em conta para não se cometer o erro em
generalizações.
O CEFET-MG ofertou, a partir de 1995, um profissional bastante diferenciado, da
área de gestão, normalização e qualidade industrial. Enquanto tecnólogo de gestão do
Curso de TNQI4, esse profissional apresentou-se muito vinculado, eficiente e eficaz nos
processos da gerência intermediária. A FIAT S.A. teve a sensibilidade de perceber esse
filão, após dois anos da fundação do curso em 1995, e firmou também o CCT 01/1997 –
Convênio de Cooperação Técnica –, com o CEFET-MG. A partir de 1997, devido a esse
fato, o curso ficou muito impregnado com essa parceria, não encontrando paralelo na
lógica e funcionamento de outros Cursos Superiores de Tecnologia. Por fim, qualquer
generalização dos resultados dessa pesquisa deve ser encarada sob a ótica dessas
peculiaridades, uma vez que, noutras situações, outros tecnólogos são vinculados muito
mais à produção, ao piso de fábrica, principalmente aqueles de formação estritamente
técnica.
Numa análise positiva, o tecnólogo na montadora tende a ser o que mais tem a
ganhar nessa luta por lugares no processo produtivo. Isso porque ele traz em si a
semente do atendimento dos interesses do mercado, e, por outro lado, ele o faz com
competência, agregando valores formativos, sociais, políticos e culturais da empresa e
da graduação, bem como conhecimentos e saberes dos níveis médio e superior. Ele
agrega à qualificação e competência técnicas, aquelas de origem gerencial.
Esse movimento de valorização do tecnólogo tem sido identificado na empresa,
apesar do mesmo ocupar um espaço no mundo do trabalho, dentro e fora da
organização, que pode ser considerado como instável, pelas declarações dos
entrevistados da montadora, do CEFET-MG e do CREA-MG. Ainda que formado em
um curso tido como “em fase de reconhecimento pelo mercado” e não sendo cotado
como qualificação independente, mas sim um “apêndice”, por vezes interessante, para
outras qualificações mais tradicionais (técnicos e engenheiros), do ponto de vista de
parte dos entrevistados e de segmentos do Setor de Gestão de Pessoas das instituições.
Outro aspecto se funda no caráter pragmático de sua formação, especialmente de seu
PPP – Projeto Político Pedagógico –, que a CNI (2006) deseja aplicar também ao PPP
de Cursos de Engenheira e Cursos Técnicos de nível médio. O setor produtivo tem
grande interesse nesse pragmatismo formativo, e, nessa pesquisa, a montadora FIAT
S.A.. Por fim, conforme declarações de entrevistados (S6 ENGO etc.), o tecnólogo pode
se beneficiar de seu menor custo econômico relativo de formação profissional, em nível
superior, comparado às qualificações tradicionais.
4. Diálogo: dados empíricos X aportes teóricos
Com base nesses dados de pesquisa, tem-se que esse movimento da empresa entrou
em choque com os resultados já relatados das pesquisas de KUENZER (1985; 1988) e
de MACHADO (1989), os quais apontavam o técnico de nível médio, das décadas de
1980 e 1990, como membro de uma elite intelectual produtiva, que ocupava cargos de
supervisão e fazia a intermediação entre a alta gerência e o chão de fábrica.
De outro lado, os resultados dessa Pesquisa de Mestrado fornecem dados empíricos
e fortalece a posição de BURNIER (2003), que apontava, a partir de suas pesquisas, a
degradação das qualificações profissionais de técnicos e engenheiros, as mudanças na
titularidade de seus postos e as tendências de seus movimentos ocupacionais.
Como conseqüência desses movimentos, pode-se observar a degradação da
qualificação do profissional técnico de nível médio, em quase todos os elementos ou
quesitos do conceito, referido acima, dentro da montadora: no aspecto econômico da
qualificação e no valor social, cultural e político da mesma. A exceção que se frisa aqui
reside no aspecto de sua essencialidade técnica para o setor produtivo metal-mecânico.
5. Considerações finais
Esse artigo aponta para quatro considerações finais essenciais. Em primeiro lugar, a
de que o lugar (posto de trabalho) do técnico de nível médio, nessa montadora (indústria
metal-mecânica), é revestido ainda de essencialidade: – Sem ele a empresa pára! Ele é
um elemento fundamental, em especial na área de TPM - Total Production
Maintenance. De outro lado, porém, seu lugar e a identificação de seu movimento
ocupacional (na hierarquia) têm apontado para o chão de fábrica. Esse profissional tem
sido deslocado para o Nível Operacional (piso de fábrica), sendo progressivamente
afastado dos níveis de Alta e de Média Gerência. Um fator determinante5 nesse processo
de enfraquecimento da posição dos técnicos de nível médio é o elemento de seleção de
pessoal: nível de escolaridade. A partir de dados de pesquisa de campo anteriores, e na
montadora referida aqui, se observa um fato recorrente, desde 1995, que a empresa está
em processo de supressão da escolaridade média dos postos de trabalho do nível tático
da organização, a faixa intermediária de gestão. Nesse processo se beneficiam
profissionais com escolaridade de nível superior tais como o tecnólogo e o engenheiro.
Em terceiro lugar, observa-se uma degradação geral, no sentido bravermaniano, do
valor da qualificação social, política, cultural e profissional do técnico de nível médio.
Isso ocorre tanto em relação à posição de supervisão que ocupava nas décadas de 1970 a
1990, quanto em relação aos seus colegas profissionais, em especial tecnólogos e
engenheiros, dentro de parte do segmento metal-mecânico estudado. Consoante a uma
degradação do valor social da qualificação do técnico, observou-se uma valorização da
qualificação do tecnólogo e uma concentração dos engenheiros em áreas vinculadas ao
World Class Manufacturing da empresa (produção toyotista enxuta – Lean Production).
Em último lugar, esse resultado de pesquisa ressalta a necessidade de que as
Instituições de Ensino Técnico e/ou Superior busquem analisar criticamente, em seus
processos formativos atuais referentes a esses profissionais, a relação existente entre o
tipo de profissional formado (egresso) e o tipo de profissional demandado pelo setor
produtivo: os pontos de concordância e de conflito com o mercado – dentro de seus
Projetos Político-Pedagógicos – e seus interesses, e as repercussões de suas decisões
políticas para a própria instituição e para os corpos docente e discente.
Por fim, a análise do movimento ocupacional, decorrente da Pesquisa de Mestrado,
apontou para um novo lugar relativo e uma nova relação estabelecida entre os técnicos
de nível médio, de um lado, e os tecnólogos e engenheiros, de outro, na escala e
hierarquia ocupacional da montadora de automóveis mineira com repercussões para as
instituições formativas de nível técnico e/ou superior.
Referências
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padronização internacional de trabalhadores da empresa. Tese (Doutorado), Pontifícia
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século XX. 3. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan S.A. 1987.
BURNIER, S. L.. Visões de mundo e projetos de trabalhadores técnicos de nível médio.
In: Antropolítica – Revista Contemporânea de Antropologia e Política. No. 15, jul-dez.
2003, p.83-96.
CNI/SENAI/IEL. INOVA ENGENHARIA: propostas para a modernização da Educação
em Engenharia no Brasil. Confederação Nacional da Indústria. Serviço Nacional de
Aprendizagem Industrial. Instituto Euvaldo Lodi. Brasília: IEL.NC/SENAI.DN, 2006.
HIRATA, H. "Da polarização das qualificações ao modelo da competência". In:
FERRETI, C. et. al. (orgs.). Novas tecnologias, trabalho e educação: Um debate
multidisciplinar. Petrópolis: Vozes, 1994. pp. 129-142.
KUENZER, A. Z. Pedagogia da Fábrica. São Paulo: Cortez, 1985.
KUENZER, A. Z. Ensino de 2º grau: o trabalho como princípio educativo. São Paulo:
Cortez, 1988.
LAUDARES, J. B.; TOMASI, A. P. N. O técnico de escolaridade média no setor
produtivo: seu novo lugar e suas competências. Educação & Sociedade, Campinas, SP,
v.24, n.85 , p. 1237-1256, dez. 2003.
MACHADO, L. R. S. Educação e divisão social do trabalho: contribuição para o
estudo do ensino técnico industrial brasileiro. 2. ed. São Paulo: Ed. Autores Associados
Cortez, 1989.
MARX, K. O capital: crítica da economia política. 2. ed. Tradução de Regis Barbosa e
Flávio R. Kothe. São Paulo: Nova Cultural, 1985. 1. v.
PAIXÃO, E. L.; LAUDARES, J. B. O Lugar do técnico e do tecnólogo na indústria
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na montadora Fiat Automóveis S.A. em Betim/MG. Dissertação (Mestrado Acadêmico
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POCHMANN, M. Mudanças na ocupação e a formação profissional. VI Encontro
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TARTUCE, G. L. B. P. Algumas reflexões sobre a qualificação do trabalho a partir da
sociologia francesa do pós-guerra. Educação & Sociedade, Campinas, SP , v.25, n.87,
p. 353-382, maio/ago 2004.
ZARIFIAN, P. Objetivo competência: por uma nova lógica. São Paulo: Atlas, 2001.
1
Nessa seção, estão sendo usadas as edições de Pedagogia da Fábrica de 1985 e a 4ª. ed., de 1995.
2
Sobre o impacto cultural, conferir ARANHA (2000). Sobre a perda de valor social de qualificações
profissionais, conferir BURNIER (2003).
3
Core business: do inglês, termo da administração que indica o negócio fundamental ou essencial de uma
organização, ligado à sua sobrevivência no mercado competitivo. Cf. PORTER, M. E. competição = On
competition: estratégias competitivas essenciais. 14ª. ed. Rio de Janeiro: Elsevier Editora Ltda., 1999.
4
5
Curso Superior de Tecnologia em Normalização e Qualidade Industrial.
A Pesquisa de Mestrado aqui referida identificou a relevância do elemento escolaridade como critério de
recrutamento e seleção de Pessoal e de Gestão Empresarial. Várias pesquisas anteriores (resultado de
Revisão Bibliográfica) foram listadas na Dissertação de Mestrado aqui citada e ressaltaram esse aspecto,
tanto do ponto de vista educacional quanto econômico. Uma pesquisa de demanda de mercado (ARH) por
esses profissionais, realizada pelo autor da dissertação, em 2006/2007, também apontou nessa direção.
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