Revista da SBEnBio - Número 7 - Outubro de 2014
V Enebio e II Erebio Regional 1
O OLHAR DOS ALUNOS SOBRE OS EXPERIMENTOS DE BIOGÊNESE:
UMA ATIVIDADE INTEGRADA ENTRE CIÊNCIAS E
INFORMÁTICA EDUCATIVA
Fabio Damasceno (Colégio Pedro II / ENII - Depto de Ciências e Biologia / RJ)
Maria da Glória Moreira D’Escoffier (Colégio Pedro II / ENII - Depto de Ciências da
Computação / RJ)
Márcia Valpassos Pedro (Colégio Pedro II / ENII - Depto de Ciências da Computação /
RJ)
Resumo
Um dos principais desafios da educação é despertar nos alunos o interesse pelos
temas abordados. Ao longo do século passado, uma das grandes estratégias de
motivação era a utilização de recursos audiovisuais. Apesar da inegável contribuição
para a construção do conhecimento, hoje se questiona a forma de utilização deste
recurso para o alunado, uma vez que este possui outra dinâmica frente à tecnologia - se
antes ficava em uma posição contemplativa, atualmente se relaciona com ela de maneira
mais atuante, não como sujeito inerte. Sendo assim, o presente relato descreve uma
atividade interdisciplinar, na qual se permitiu aos alunos a expressão de seus próprios
pontos de vista sobre os conceitos de biogênese, utilizando recursos tecnológicos e
aplicando-os a seus conhecimentos científicos.
Palavras-chave:
processo
de
ensino-aprendizagem,
recursos
tecnológicos,
interdisciplinaridade, biogênese
Introdução
Apesar de ainda persistirem inúmeras questões de infraestrutura nas mais diversas
escolas por todo país a serem resolvidas, existe de fato uma trajetória histórica
percorrida por grande parte delas com o intuito de viabilizar equipamentos e recursos
tecnológicos para as aulas. Segundo dados do Censo Escolar 2013, das 190.706 escolas
de educação básica do Brasil, 74% possuem aparelho de DVD, 33% retroprojetores e
77% aparelhos de televisão (INEP, 2013).
Este processo ao longo das gestões escolares de equipar as instituições educativas
com recursos audiovisuais pode estar atrelado às diversas teorias que preconizam a
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importância destes recursos enquanto ferramentas didáticas. Analisando-se sob um
enfoque histórico, a reprodução de filmes nas salas de aulas com propósitos educativos
remonta a década de 20 (Franco, 1994). Nas palavras de Hamze (2010, p. 1), “a
linguagem audiovisual torna possível a veiculação de uma enorme variável de
informações, sob os mais diversos contornos e gêneros. A televisão na escola significa,
não apenas mais um expediente pedagógico, mas também uma nova opção educativa de
colocar essa escola no mundo, abrindo novos espaços e novas perspectivas ainda não
integralmente explorados. A televisão, no mundo contemporâneo, com suas opções a
cabo, suas antenas parabólicas, traz o mundo para dentro da escola por meio dos
múltiplos programas, mas também introduz a escola em um novo espaço e nova
perspectiva com enfoque global”. Segundo Rosa (2000, p. 39), “um filme ou um
programa multimídia têm um forte apelo emocional e, por isso, motivam a
aprendizagem dos conteúdos apresentados pelo professor. Além disso, a quebra de
ritmo provocada pela apresentação de um audiovisual é saudável, pois altera a rotina da
sala de aula”.
É inegável a enorme contribuição que este tipo de abordagem nas aulas trouxe (e
ainda traz) para a construção do conhecimento. Em especial para os processos de
ensino-aprendizagem em Ciências e Biologia, a utilização de esquemas, vídeos e
ilustrações possibilitam que muitos dos temas, por suas próprias características
abstratas, sejam melhores compreendidos pelos alunos. Segundo Magarão (2012, p. 11),
“os recursos audiovisuais podem levar os alunos a compreenderem situações e
processos abstratos, despertar o interesse e motivação”.
No entanto, apesar do reconhecido papel deste tipo de abordagem para a educação,
é preciso refletir sobre alternativas complementares a estes recursos audiovisuais, com o
intuito de se buscar processos de aprendizagem nos quais os alunos sejam sujeitos
ativos em sua construção. Se por um lado é verdade que a utilização dos recursos
tecnológicos utilizados nas aulas (através de vídeos, apresentações e animações
projetadas em aparelhos de datashow) as tornam mais interessantes aos alunos, é latente
também que os processos de ensino-aprendizagem não ficaram de fato tão mais
distantes com a utilização destes recursos quando comparados à tradicional aula
expositiva no quadro. Segundo Prado (2009, p. 1), “para incorporar as novas formas de
ensinar usando as mídias, é comum o professor desenvolver em sala de aula uma prática
“tradicional”, ou seja, aquela consolidada com sua experiência profissional –
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transmitindo o conteúdo para os alunos – e, num outro momento, utilizando os recursos
tecnológicos como um apêndice da aula. São procedimentos que revelam intenções e
tentativas de integração de mídias na prática pedagógica. Revelam, também, um
processo de transição entre a prática tradicional e as novas possibilidades de
reconstruções. No entanto, neste processo de transição, pode ocorrer muito mais uma
justaposição (ação ou efeito de justapor = pôr junto, aproximar) das mídias na prática
pedagógica do que a integração”.
É preciso ir além e vislumbrar estratégias que utilizem estas novas tecnologias não
apenas na forma contemplativa e passiva, mas que possua como vereda central a
participação ativa dos alunos no uso destes recursos. Isto se torna necessário porque os
estudantes fazem uso constante destas ferramentas em seus cotidianos de maneira
atuante e dinâmica, não como sujeitos inertes. Em retrospectiva, se antes os recursos
audiovisuais eram, por si só, motivadores da aprendizagem, atualmente devemos somar
a eles a participação integrada dos próprios alunos, sendo capazes de modificar e dar
forma e voz a estes recursos, demandando-se para isto reflexões acerca de novas
estratégias pedagógicas para o uso da tecnologia educativa.
O último censo escolar demonstra que existem no país 1.608.829 computadores
para uso dos alunos da educação básica, sendo que 58% das escolas possuem conexão à
Internet (INEP, 2013). No entanto, não basta possuir o equipamento, é necessário
construir procedimentos educativos capazes de permitir o uso destas tecnologias pelos
alunos. Por conseguinte, atividades como a descrita no presente relato devem ser
incentivadas, para que os alunos tenham a tecnologia como aliada em seus processos de
aprendizagem, e que esta permita a integração ativa do mesmo com o saber.
Sendo assim, o objetivo principal desta proposta foi o de propiciar aos alunos um
momento de construção de suas percepções sobre a origem dos seres vivos a partir das
informações trabalhadas nas aulas de Ciências sobre os experimentos de biogênese,
através de uma atividade integrada entre Ciências e Informática Educativa. Desta
maneira, possibilitou-se aos alunos a utilização dos recursos tecnológicos enquanto
sujeitos ativos deste processo, sendo permitido assim que expressassem seus próprios
pontos de vista sobre os conceitos abordados, associando-se a tecnologia, o lúdico e a
criatividade ao conhecimento científico.
Metodologia
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Após as aulas de Ciências sobre origem e evolução da vida, os alunos realizaram as
atividades propostas durante as aulas de Informática Educativa. Todas as cinco turmas
do 7º ano do Ensino Fundamental do Colégio Pedro II - Campus Engenho Novo II
participaram do projeto. Os alunos foram divididos em duplas (média de 32 estudantes
por turma), e as atividades transcorreram sob supervisão e orientação direta das duas
professoras de Informática Educativa ao longo de quatro encontros no mês de abril de
2014 (duração de 45 minutos por encontro).
Primeiramente,
foi
apresentado
o
roteiro
de
trabalho
(https://sites.google.com/site/roteirostrab/ciencias/biogenese) e sorteadas entre as duplas
um dos três cientistas defensores das ideias de biogênese abordados nas aulas de
Ciências (Francesco Redi, Lazzaro Spallanzani e Louis Pasteur). A segunda etapa foi a
explicação das principais ferramentas do software LibreOffice Impress para a criação e
formatação dos slides e instruções gerais sobre o armazenamento dos arquivos. Cada
dupla deveria criar um diálogo para representar o experimento de um dos cientistas
sorteados. Neste diálogo, um personagem deveria fazer uma pergunta cuja resposta
baseava-se no experimento do cientista sorteado. Foi dada total liberdade de criação
para se desenvolver a história, desde os personagens envolvidos até os objetos e
ambiente na qual ela ocorreria.
Cada dupla dispunha de um computador com conexão à internet, um roteiro
explicativo da atividade (anexo I), sugestão de sites de busca, banco de imagens e o
programa LibreOffice Impress (de distribuição gratuita) para realização da proposta.
Foram utilizados como critérios avaliativos: 1) acordo entre o cientista
sorteado/explicação do experimento/conceito de biogênese; 2) coerência no diálogo e
utilização das próprias palavras dos alunos para desenvolvê-lo (sem cópia de textos da
Internet); 3) adequada utilização de plano de fundo, imagens de personagens e objetos
condizentes com a narrativa do experimento em questão; 4) representação apropriada do
experimento descrito; 5) poder de síntese para descrevê-lo e 6) criatividade.
Análise Quantitativa
O gráfico abaixo representa o desempenho das duplas por turma na atividade
proposta. Este desempenho está atrelado à análise dos parâmetros conceito, diálogo,
imagens, experimento, síntese e criatividade.
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Desempenho das duplas na atividade
por turma
% de desempenho
na atividade proposta
100
80
60
40
20
0
701
702
703
704
706
Total
Turmas
Figura 1 - Desempenho das duplas na atividade proposta por turma
Observa-se que todas as turmas apresentaram um percentual de desempenho acima
de 80% (turma 701 com 95%, turma 702 com 100%, turma 703 com 87,5%, turma 704
com 89% e turma 706 com 83%). Das setenta e oito duplas, apenas doze delas (15% do
total) não atingiram todos os parâmetros analisados de forma satisfatória.
O gráfico abaixo representa os parâmetros que não foram atingidos por estas
duplas, bem como a frequência de baixo desempenho para cada um destes parâmetros.
Frequência de baixo
desempenho no parâmetro
Frequência de parâmetros
com baixo desempenho
8
6
4
2
0
conceito
diálogo
imagem experimento
Parâmetro com baixo desempenho
Figura 2 - Frequência de parâmetros com baixo desempenho
Observa-se na figura acima que quatro dos seis parâmetros analisados na atividade
foram os responsáveis para que as doze duplas do total de setenta e oito não
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apresentassem um aproveitamento máximo na atividade como um todo. Dentre estes
parâmetros, os alunos apresentaram maior dificuldade na representação apropriada do
experimento descrito (sete duplas obtiveram baixo desempenho). Em seguida, duas
duplas apresentaram baixo desempenho tanto no parâmetro conceito (relação entre
cientista sorteado/explicação do experimento/conceito de biogênese) quanto no
parâmetro diálogo (coerência no diálogo entre as personagens e o experimento). Por
fim, apenas uma dupla apresentou baixo rendimento no parâmetro imagem (adequada
utilização de objetos condizentes com o experimento). Todas as duplas obtiveram um
desempenho máximo nos parâmetros poder de síntese e criatividade.
Análise Qualitativa
O conjunto de dados demonstra que, de maneira geral, os alunos entenderam a
proposta e conseguiram representar de maneira satisfatória os conceitos abordados em
sala de aula. As duplas interagiram com as ferramentas tecnológicas disponibilizadas, e
fazendo uso de criatividade e poder de síntese, construíram explicações sobre o conceito
de biogênese a sua maneira, a partir de seu entendimento, utilizando fatos concretos (as
etapas metodológicas das experiências) para ilustrar os diálogos criados com total
liberdade por eles.
Durante o desenvolvimento da proposta no laboratório de informática, observou-se
que os alunos se sentiram motivados na realização da atividade. Segundo Papert (1986,
p.19), “o envolvimento afetivo torna a aprendizagem mais significativa”. A escolha das
personagens e do ambiente em que o diálogo ocorre, a personalização do layout dos
slides e a criação de textos com uma linguagem informal foram fatores que
contribuíram para a empatia dos alunos com a atividade.
Com a elaboração dos diálogos, foi permitido aos alunos aplicarem o conceito
abordado na sala de aula em contextos criados por eles, resignificando o próprio
conceito. “O computador pode enriquecer ambientes de aprendizagem onde o aluno,
interagindo com os objetos desse ambiente, tem chance de construir o seu
conhecimento. Nesse caso, o conhecimento não é passado para o aluno. O aluno não é
mais instruído, ensinado, mas é o construtor do seu próprio conhecimento.”
(VALENTE, 1988, p. 1 e 2).
A atividade propiciou a criatividade, a autonomia e o trabalho colaborativo, já que
foi realizada em duplas. Essas são algumas das características que a sociedade atual
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exige do cidadão. “Ensinar não é transmitir conhecimento, mas criar possibilidades para
a sua produção ou construção.” (FREIRE, 1996, p. 22). Nas palavras de Prado (2001, p.
1) “a melhor forma de ensinar é aquela que propicia aos alunos o desenvolvimento de
competências para lidar com as características da sociedade atual, que enfatiza a
autonomia do aluno para a busca de novas compreensões, por meio da produção de
ideias e de ações criativas e colaborativas”.
Considerações Finais
A experiência relatada demonstrou como resultado não apenas a concreta e frutífera
possibilidade de se trabalhar de maneira interdisciplinar com outras áreas do
conhecimento, como também trouxe à tona uma reflexão sobre o papel histórico dos
recursos tecnológicos enquanto motivadores da aprendizagem. A atividade descrita nos
leva a repensar as estratégias pedagógicas ao se utilizar estes recursos, que ao
permitirem a participação ativa dos alunos, devem ser estruturadas para tal.
Propostas como esta nos permitem refletir sobre os processos de ensino aprendizagem em Ciências, que devem levar em consideração as diferentes percepções
conceituais que os alunos apresentam, para que, a partir delas, sejam estabelecidas
reconstruções dos conhecimentos científicos ao longo de suas trajetórias formativas,
contribuindo assim para processos de ensino-aprendizagem significativos.
Referências bibliográficas
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lições com cinema. São Paulo, FDE, vol 1, 1992.
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São
Paulo: Paz e Terra, 1996.
HAMZE, A. Linguagem audiovisual e a educação. In: Crônicas do site brasilescola,
2010. Disponível em: http://educador.brasilescola.com. Acesso em: 19 mai. 2014
INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira). Censo
Escolar 2013, 2013. Disponível em: http://portal.inep.gov.br/basica-censo. Acesso em:
19 mai. 2014
MAGARÃO, J.F. et al. Potencialidades pedagógicas dos audiovisuais para o ensino
de ciências: uma análise dos recursos disponíveis no portal do professor. III
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PRADO, M. E. B. B. Articulando saberes e transformando a prática. Série “Tecnologia e
Currículo” – Programa Salto para o Futuro, 2001. Disponível em:
http://www.eadconsultoria.com.br/matapoio/biblioteca/textos_pdf/texto23.pdf. Acesso
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PRADO, M.E.B. Integração de mídias e a reconstrução da prática pedagógica. In:
Crônicas do blog Mídias na Educação, 2009. Disponível em: http://midiasnaeducacaojoanirse.blogspot.com.br/2009/02/integracao-de-tecnologias-com-as-midias.html.
Acesso em: 19 mai. 2014
ROSA, P.R.S. O uso dos recursos audiovisuais e o ensino de Ciências.
Cad.Cat.Ens.Fís., v. 17, n. 1: p. 33-49, 2000.
VALENTE, J. A. Por quê o computador na educação?. In: VALENTE, J. A. (Org.).
Computadores e conhecimento: repensando a educação. Campinas:
UNICAMP/NIED, 1998.
1960
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