OS CANAIS DE DISTRIBUIÇÃO COMO ESTRATÉGIA DE SOBREVIVÊNCIA DE UMA ATIVIDADE AVÍCOLA: UM ESTUDO DE CASO MARIA CÂNDIDA SACCO MARCELINO RAFAEL MARCELINO RESUMO A sobrevivência de pequenos produtores rurais em suas atividades tem sido cada vez mais difícil, pois a competitividade está cada vez maior. A comercialização dos produtos agropecuários é uma das maiores dificuldades desses produtores, e tem sido um dos fatores decisivos para a sobrevivência dos mesmos no mercado. A avicultura, embora muitas vezes citada como adequada à pequena produção, tem mostrado-se sujeita à economia de escala significativa, onde a pequena produção está tendendo a desaparecer. O objetivo deste trabalho foi o de verificar como um pequeno produtor que explora uma atividade avícola – de postura, principalmente, e que tem sobrevivido no mercado por aproximadamente 45 anos, comercializa a sua produção, procurando identificar os canais de distribuição dessa produção e analisar as relações existentes entre o produtor rural e os agentes dos principais canais de distribuição identificados. Palavras-chaves: competitividade, canais de distribuição, comercialização 1. INTRODUÇÃO A abertura comercial no final dos anos 80 e posteriormente, a estabilização da economia, provocaram grandes mudanças no setor agropecuário, no Brasil. Outras mudanças também têm impactado a produção agropecuária, traçando novos cenários sobre o seu potencial competitivo, sendo uma das mais marcantes a tendência de concentração do setor produtivo, devido à economia de escala na maioria das atividades agropecuárias. A produção agropecuária, além de caracterizar-se cada vez mais por fortes economias de escala, com a geração de produtos homogêneos (commodities), depara-se com mercados altamente competitivos. Nesse mercado de produtos commodities e de alta competição, uma das estratégias mais oportunas é a diminuição de custos, através de ganhos de escala, e gerenciamento financeiro adequado. Verifica-se, portanto, a crescente complexidade de se gerir uma atividade agropecuária, e a necessidade de se buscar a eficiência econômica, indicando que a sobrevivência nestas atividades dependerá cada vez mais da habilidade e competência dos produtores rurais. Diante desse contexto, a sobrevivência de pequenos produtores rurais em suas atividades, tem sido cada vez mais difícil. Como tornar competitivos os pequenos empreendimentos rurais? Em se tratando de uma pequena atividade, na qual geralmente o produtor rural é quem cuida de todas as áreas, este acaba privilegiando a área de produção, que é a que ele melhor consegue administrar, em detrimento de outras áreas. Para ele, geralmente o mais importante é produzir, muitas vezes não importando a que custo, e na maioria das vezes não realizando o planejamento antecipado da comercialização dos produtos. Deve ser ressaltado que a maior dificuldade dos pequenos produtores rurais tem sido a comercialização de seus produtos, pois geralmente: a) sendo a produção agrícola pequena, os produtores não conseguem obter ganhos de escala e conseguir ofertar produtos com preços competitivos; b) a produção agrícola não é diferenciada, não conseguindo alcançar preços diferenciados; c) o pequeno produtor não tem informações suficientes sobre condições de mercado (preços, oferta, demanda, etc.), enfim, não têm uma orientação para o mercado. Este conjunto de fatores, relacionados à comercialização da produção, tem dificultado a sobrevivência dos pequenos produtores rurais em suas atividades agropecuárias. O objetivo deste trabalho foi o de verificar como um pequeno produtor que explora uma atividade avícola – de postura, principalmente, e que tem sobrevivido no mercado por aproximadamente 45 anos, comercializa a sua produção, procurando identificar os canais de distribuição dessa produção e analisar as relações existentes entre o produtor rural e os agentes dos principais canais de distribuição identificados. 2. REFERENCIAL TEÓRICO 2.1. COMPETITIVIDADE E SOBREVIVÊNCIA Do ponto de vista das teorias de concorrência, a competitividade pode ser definida como a capacidade de sobreviver e, de preferência, crescer em mercados correntes ou novos mercados. A competitividade é uma medida de desempenho das firmas individuais, mas esse desempenho depende de relações sistêmicas (FARINA & ZYLBERSZTAJN, 1998). É fundamental identificar os padrões de concorrência para poder dizer se as firmas são ou não potencialmente competitivas: em mercados de produtos de baixa diferenciação, predominam padrões de concorrência onde a liderança de custo é a principal vantagem competitiva; em mercados onde predominam a inovação em produto e processo, o atendimento a demandas por qualidade intrínsecas exigidas por consumidores e clientes – podem ser elementos determinantes da preservação e melhoria das participações. FARINA & LAZZARINI (1997) sugerem que para promover competitividade aos pequenos empreendimentos rurais deve-se: fazer uma seleção das atividades agropecuárias mais adequadas à pequena escala; promover uma contínua orientação ao mercado; buscar aspectos diferenciados para os produtos: denominações de origem, sistemas produtivos “ambientalmente amigáveis” e, até mesmo a própria sinalização de que o produto é oriundo de pequenos produtores (característica essa com valorização cada vez maior em alguns mercados da Europa). Ressaltam que na seleção das atividades mais adequadas à pequena produção, freqüentemente são citadas as explorações de suínos e aves, que entretanto têm se mostrado sujeitas a economias de escalas significativas. 2.2. COMPETITIVIDADE E A ECONOMIA DOS CUSTOS DE TRANSAÇÃO Coase no seu trabalho de 1937 reconhece que existem custos em usar os mecanismos de mercado. Estes custos são os de descobrir quais seriam os preços, quais os custos de negociar contratos individuais para cada transação de troca e os custos para precisamente especificar as condições de troca num contrato de longo prazo (HOBBS, 1996), e foram posteriormente chamados de custos de transação. Com a finalidade de reduzir custos de transação1, os agentes fazem uso de mecanismos apropriados para regular uma determinada transação – as “estruturas de governança” (WILLIAMSON, 1985). São exemplos de estrutura de governança: o mercado spot, contratos de suprimento regular, contratos de longo prazo com cláusulas de monitoramento, integração vertical. A eficiência está na adequação da estrutura de governança às características da transação à qual ela se vincula, ou seja, no alinhamento das estruturas de governança aos atributos das transações. AZEVEDO (2000) afirma que, por características intrínsecas aos produtos agrícolas, de elevada dose de incerteza e dependência entre as partes – o papel das instituições é ampliado, tendo forte impacto sobre um sistema agroindustrial, permitindo uma melhor coordenação de suas ações do que aquela que seria obtida por meio do uso de coordenação via preços. BARZEL (1982) foca os custos de transação que surgem das características intrínsecas aos produtos (Measurement): algumas informações sobre os produtos só podem ser obtidas após a efetivação da troca ou após o consumo - problema de mensuração das informações, sendo necessário que o arranjo institucional sinalize as informações relevantes, que no caso de características subjetivas, como sabor, podem ser sinalizados com o estabelecimento de uma marca, que pode prover o consumidor com informações sobre o produto que somente seriam obtidas após o consumo. Não havendo possibilidade de construção de marca pode-se estabelecer contratos fundados na reputação das partes, e o descontentamento com a execução de um acordo pode ser dar pela interrupção da transação (AZEVEDO, 2000). WILLIAMSON (1985) identifica nas transações três atributos principais, que servem de orientação para a análise: a) freqüência, b) incerteza e c) especificidade dos ativos. De acordo com FARINA & ZYLBERSZTAJN (1998) a freqüência é uma medida da recorrência com que uma transação se efetiva, sendo que em freqüência muito elevada os agentes terão motivo para não impor perdas aos seus parceiros, podendo desenvolver reputação. Num ambiente de incerteza o espaço para renegociação é maior, favorecendo surgimento do comportamento oportunista. As rupturas contratuais não são desejáveis na maioria dos casos. Segundo NORTH (1990), existem fatores que levam ao cumprimento automático das clausulas contratuais, minimizando riscos de quebra, sendo um deles a reputação, a marca da empresa, e o prejuízo que esta terá no mercado se não cumprir o acordo. 2.3. COMPETITIVIDADE E CANAIS DE DISTRIBUIÇÃO Canais de marketing ou de distribuição podem ser vistos como “um conjunto de organizações interdependentes envolvidas no processo de tornar o produto ou serviço disponível para consumo ou uso” (STERN et al., 1996, p. 1). Neste sentido, os agentes/atores de dado canal devem adaptar-se, ajustando suas organizações e programas às mudanças do ambiente que impactam toda a estrutura de distribuição. No processo de segmentação de mercados as empresas voltam-se à estratégia de focalização em mercados-alvo. O objetivo passa a ser o desenvolvimento de estratégias visando tornar sua oferta percebida como distinta da oferta de seus concorrentes. De acordo com MACHADO FILHO & NEVES (1997), a segmentação dos mercados consumidores é talvez a característica mais marcante das estratégias empresariais modernas com respeito ao desenvolvimento e ao aperfeiçoamento de produtos e serviços. 1 Definidos como os custos de a) elaboração e negociação dos contratos, b) mensuração e fiscalização de direitos de propriedade, c) monitoramento do desempenho, d) organização de atividades e e) de problemas de adaptação. Para ROSEMBLOON (1999) o desenvolvimento de estratégias ligadas aos canais de distribuição é central no planejamento de marketing, sendo que a satisfação do mercado-alvo, é a função da estratégia de preço, das comunicações, da distribuição, e do produto. E que os canais de distribuição são agentes de fundamental importância para a satisfação das necessidades do mercado-alvo, por serem justamente os agentes que estão em contato com ele. Cita que uma rede de distribuição capaz de responder rápida e flexivelmente aos consumidores é fator de diferenciação e de difícil cópia pelos concorrentes. 2.4. COMPETITIVIDADE E CAPITAL SOCIAL Além das vantagens competitivas, o fenômeno da proximidade social permite uma forma de coordenação entre os atores de um sistema agroindustrial, e é capaz de valorizar o conjunto do ambiente em que atuam. Esta proximidade supõe relações sociais diretas entre os atores, permitindo a montagem das “redes”, das “convenções”, em suma, das instituições que permitem ações cooperativas, capazes de enriquecer o tecido social de um certo grupo social. A este processo de enriquecimento, uma vertente do pensamento social contemporâneo vem chamando, com base nos trabalhos de COLEMAN (1990) e PUTNAM (1993/1996:177), de capital social, que diz respeito a “... características da organização social, como confiança, normas e sistemas, que contribuam para aumentar a eficiência da sociedade, facilitando as ações coordenadas”. Existem diferentes formas de definir o que é capital social. De acordo com COLEMAN (1990), o capital social apresenta-se tanto no plano individual como no coletivo. O primeiro tem a ver com o grau de integração social de um indivíduo e sua rede de contatos sociais; implica relações, expectativas de reciprocidade e comportamentos confiáveis; melhora a efetividade privada. COLEMAN (1988) examinou algumas formas que o capital social assumiria, e dentre elas estão as obrigações e expectativas, sendo que estas constituem o relacionamento entre os indivíduos e podem ter uma analogia com o capital financeiro. Nesta perspectiva, para que funcione, esse capital social depende da confiabilidade no meio social circundante, significando que essas obrigações serão pagas, o que, de fato é a garantia que mantém essas relações. O capital social é uma norma informal que promove a cooperação entre indivíduos; na esfera econômica reduz os custos de transação (FUKUYAMA, 2000). Smelser, citado por ABRAMOVAY (2000) afirma que a confiança, que está na raiz da acumulação de capital social, não pode ser reduzida à relação entre dois ou mais indivíduos: “é errado tratar a confiança apenas em termos de expectativas psicológicas, ‘jogos repetidos’ ou como condição sustentada apenas enquanto sirva os propósitos das pessoas em interação – por exemplo para reduzir custos de transação – e da qual elas desistirão assim que não sirva mais seus propósitos”. 2.5. A EXPLORAÇÃO AVÍCOLA: AVICULTURA DE POSTURA De acordo com dados da UBA2 o plantel estimado de poedeiras em 2000 foi de 60,10 milhões de cabeças, e a estimativa da produção nacional de ovos para aquele ano foi de 41,15 milhões de caixas (de 30 dúzias). Xavier3 afirma: “Acreditamos que devido às condições de 2 3 União Brasileira de Avicultura Anuário da Avicultura Industrial, v. 91, n. 1085, p. 52, Ano 2001 consumo de ovo no Brasil, um plantel um pouco menor geraria melhores preços de venda, tornando a atividade lucrativa” Enquanto o consumo mundial de ovos aumentou em 67,5% na última década, o do Brasil cresceu apenas 10,1% (SILVA, 2001), sendo que cada brasileiro consumiu no ano de 1999, 94 ovos. O consumo per capta verificado no Brasil é muito baixo, pois a recomendação da FAO4 é de 246 unidades por habitante ao ano. De acordo com Xavier3 a avicultura de postura tem enfrentado alguns problemas nos últimos anos: o setor não consegue operar com rentabilidade para garantir a amortização de investimentos feitos no passado, e também não foi possível a formação de capital de giro necessário. Apenas 7% da produção nacional está automatizada, sendo um processo ainda pequeno em termos de número de granjas. No Brasil os produtores de ovos, em sua grande maioria, estão há mais de duas décadas utilizando equipamentos simples, que exigem muita mão-de-obra e apresentam baixa produtividade. Acredita-se que a médio prazo as granjas convencionais viáveis serão minoria, ou seja, poderão sobreviver algumas, pequenas, com estrutura familiar, bem enxutas e com mercado específico, com bom trabalho comercial (ANTUNES, 2000). Além da intervenção na cadeia, é fundamental o resgate da imagem do ovo quanto aos seus reais níveis nutricionais, junto aos médicos e aos consumidores, sendo portanto necessárias ações para a promoção do consumo SILVA (2001). No longo prazo, as limitações impostas por recente legislação em alguns países europeus, em relação ao espaço ou ao banimento das gaiolas, sob a alegação do bem-estar das aves, devem abrir espaço para nossas exportações, uma vez que o custo da produção extensiva inviabilizará muitas granjas naquele continente. Assim, as restrições à produção intensiva poderão gerar oportunidade para o produto brasileiro, devido ao seu custo mais baixo (SILVA, 2001). 3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS O presente trabalho foi efetuado através do método de estudos de caso. A pesquisa realizada por meio desse método caracteriza-se por maior foco na compreensão dos fatos do que propriamente na mensuração (FARINA et al. (1997). O método de estudos de caso se propõe a investigar um fenômeno contemporâneo dentro do seu contexto real, onde os limites entre o fenômeno e o contexto não são claramente percebidos, por meio de múltiplas fontes de evidência: entrevistas, arquivos, documentos, observação, etc. (YIN, 1989). A possibilidade de se utilizar várias fontes de evidência é considerada uma das particularidades (e vantagens) da pesquisa baseada em estudos de caso. Neste trabalho foi utilizado principalmente o recurso da entrevista com o proprietário, quando se procurou levantar o histórico da propriedade, com o objetivo de obtenção de alguns parâmetros importantes para o estudo de caso. Estas entrevistas foram realizadas em visitas à propriedade. Foi explorada mais detalhadamente a área de comercialização e marketing, pelos motivos já expostos. Para tanto, foram entrevistados também alguns clientes do proprietário rural. Esta fase de visitas e entrevistas foi realizada entre março e abril de 2001. A partir da obtenção dos dados, procedeu-se à análise dos mesmos, associando-os a um referencial teórico, pois de acordo com ZYLBERSZTAJN (1999) o método de estudos de caso não trata apenas de uma história de uma empresa. 4 Food and Agriculture Organization 4. A EMPRESA RURAL: RESULTADOS 4.1. HISTÓRICO A propriedade estudada, com área de 0,60 ha, localiza-se em município do interior do Estado de São Paulo e pertence à família do proprietário - imigrantes italianos. Atualmente tem como explorações a avicultura - de postura principalmente, e a de corte. A atividade avícola foi iniciada no ano de 1957, com a avicultura de postura - 100 aves, com a produção totalmente comercializada na propriedade, no varejo. Na época havia 10 granjas pequenas no município, dedicadas à criação de aves de postura, e que comercializavam suas produções principalmente no município. No ano de 1960 ampliou-se a quantidade criada para 300 aves, com uma produção de 20 dúzias de ovos por dia, comercializada totalmente no município, no atacado e no varejo. Em 1962 passaram a dedicar-se também à avicultura de corte, com a criação de 1.200 cabeças/ano, permanecendo com 300 aves para postura. Até 1968 permaneceram praticamente com esta estratégia de produção e de comercialização. Em 1969 ampliaram a atividade de avicultura de postura, passando da criação de 300 para 1.000 cabeças, sem alteração na atividade de corte. Em 1970 começou-se a comercializar ovos também para atacadistas da região. De 1970 a 1977 houve a ampliação dos negócios, sendo que em 1977 o proprietário passou a criar 2.000 aves de postura, comercializando a produção no varejo e no atacado no município (principalmente) e na região (épocas maior produção). Também foi aumentado o número de aves de corte para 12.000 cabeças, com a produção comercializada em pequenos frigoríficos da região. Em 1977 havia apenas duas granjas no município, incluindo a do proprietário, número que em 1957 era de 10. A outra granja existente no município dedicava-se apenas à avicultura de postura. De 1977 a 1999 não houve mudanças relevantes na condução das atividades. Deve ser ressaltado que em 1999 havia no município apenas a granja do proprietário. No ano de 2000, após o Plano Real, o panorama do mercado de frango mudou bastante, tornando-se desfavorável para o proprietário, que diminuiu bastante a produção (3.500 cabeças/ano), aumentando a produção de aves para postura, passando a criar 6.500 cabeças de aves para postura. Esta situação permanece até hoje. Atualmente a comercialização do frango é realizada com 2 pequenos compradores da região, ou seja, 2 pequenos frigoríficos. Já a comercialização de ovos é feita no próprio município: no atacado (principalmente) e no varejo. 4.2. COMERCIALIZAÇÃO A comercialização da produção de ovos é feita no próprio município: no atacado (principalmente) e no varejo. A produção total, de 90 caixas (de 30 dúzias)/semana – 2.700 dúzias, é comercializada: 88% no atacado (2.376 dz/semana); e 12% (324 dz/semana) por vendas diretas (no varejo) na propriedade. Quanto à comercialização realizada no atacado – 2.376 dz/semana, foram identificados os canais de distribuição e suas participações no montante comercializado, com os dados obtidos discriminados na Tabela 1. TABELA 1 – Distribuição da comercialização de ovos no atacado – Abril/2001 Canal de distribuição Estabelecimentos varejistas (23): Mercearias, armazéns, açougues, pequenos supermercados, pequenos varejões Estabelecimentos fornecedores de refeições prontas (10): Restaurantes e lanchonetes Estabelecimentos fornecedores de produtos alimentícios preparados ou semi-preparados (07): Padarias, principalmente, e rotisserias Mercado institucional (01): Creches Municipais Atacadista intermediário (01): Entreposto de ovos da região Total Quantidade comercializada (dz/semana) 903 Participação comercialização (%) 261 11 452 19 190 8 570 24 2.376 100 38 Pelos dados verifica-se que do total comercializado no atacado, 76% foi distribuído pelo próprio proprietário e 24% foi vendido a um atacadista intermediário. Deve ser ressaltando que o proprietário apenas vende parte de sua produção a atacadistas intermediários quando o mercado não consegue absorvê-la totalmente. É importante destacar que, no caso do atacado, as entregas são realizadas pelo próprio proprietário. E que o produtor nunca teve interesse em comercializar os ovos nos grandes supermercados do município, pois segundo ele os preços pagos são menores e não há valorização do produto como no pequeno varejo. Toda a produção de ovos da propriedade rural sempre foi de ovos vermelhos, que alcança preços de venda superiores aos dos ovos brancos (5 a 10%). Segundo o proprietário, dois fatores foram decisivos para tal decisão: a preferência do consumidor, e a criação das raças de galinhas brancas não ser viável em galpões. 5. A EMPRESA RURAL: ANÁLISE DOS RESULTADOS Uma das estratégias de marketing utilizada pelo produtor foi a segmentação de mercado, atingindo um nicho de mercado, o de consumidores preocupados com a qualidade do produto e dos processos de produção: ovos vermelhos, que o produtor atribui à relação que o consumidor faz com a cor do ovo e a galinha caipira, de qualidade, de modo quase que artesanal, sem a automação dos equipamentos. E procurou desenvolver estratégias visando tornar sua oferta percebida como distinta da de seus concorrentes. MACHADO FILHO & NEVES (1997) afirmam que a segmentação dos mercados consumidores é a característica mais marcante das estratégias empresariais no desenvolvimento e aperfeiçoamento de produtos e serviços. O proprietário preocupa-se com a qualidade dos produtos, e de acordo ele seu lema é “fazer bem feito”. E tem conseguido produtos – ovos, no caso, de qualidade. Além dos ovos vermelhos alcançarem preços de venda superiores aos dos ovos brancos, deve ser ressaltado que o produtor não segue o preço estipulado pelo mercado, mas o preço de venda tem como referência o custo de produção. A comercialização dos ovos é realizada praticamente pelo próprio produtor: no varejo (propriedade), e no atacado - 41 clientes, diretamente, e para 1 atacadista intermediário. Observa-se a diversificação de clientes que a empresa possui. A não existência de granjas no município propicia vendas maiores no varejo, na propriedade, por consumidores que desejam adquirir “produtos frescos”, na origem, conforme citado por FARINA & LAZZARINI (1997), como fator a aumentar a competitividade dos produtos de pequenos produtores rurais. No atacado a maior parte do produto vendido é entregue pelo próprio produtor, diretamente a seus clientes. Quando a demanda é maior que a oferta do produto, o proprietário adquire o produto na região, produto este de qualidade comprovada, para fornecer aos seus clientes. E também não comercializa seus produtos em grandes supermercados. Analisando-se estes fatos, observa-se que o produtor procura “permanecer no patamar de produção atual, mantendo a qualidade dos produtos, quase que artesanais, não ampliando seus negócios para conseguir comercializar diretamente seus produtos e desse modo obter maiores lucros e dar maior atenção aos clientes.” A maior atenção aos clientes caracteriza-se pelas entregas semanais programadas, realizadas pelo próprio produtor, quando o mesmo tem a oportunidade de maior contato com os seus clientes, e pelo pronto atendimento, com continuidade no fornecimento do produto mesmo em época de escassez (aquisição, em outra granja da região). A entrega dos ovos realizada pelo produtor consiste numa ótima estratégia de marketing, pois é nesse contato com os clientes que é criado e mantido um maior vínculo, onde o produtor tem a oportunidade de acompanhar o mercado: as necessidades dos clientes, as pressões e os preços dos concorrentes, as inovações que surgem, enfim todas as informações de que precisa, além de enfatizar a qualidade de seu produto. O que vai de encontro ao exposto por ROSEMBLOON (1999), que enfatiza a importância de estratégias ligadas aos canais de distribuição central no planejamento de marketing, citando que os canais de distribuição são agentes de fundamental importância para a satisfação das necessidades do mercado-alvo, e que uma rede de distribuição capaz de responder rápida e flexivelmente aos consumidores é fator de diferenciação e de difícil cópia pelos concorrentes. Ao adotar este sistema de distribuição o produtor levou em consideração a estratégia geral da empresa e o posicionamento desejado no mercado , estando de acordo com as colocações de Narus & Anderson, citados em ROSEMBLOON (1999), que definiram posicionamento do canal como a reputação que um fabricante adquire entre os distribuidores por fornecer produtos, serviços, retornos financeiros, etc., que são superiores aos oferecidos pelos concorrentes, e que este aspecto deve ser levado em conta no planejamento, de modo a desenhar o canal, de tal forma que os membros verão, na empresa, um trabalho diferenciado frente ao desenvolvido pelos concorrentes. Desse modo, verifica-se que a estratégia adotada pelo produtor na distribuição de seus produtos, ou seja, número limitado de clientes, freqüentemente visitados pelo produtor, por ocasião da entrega do produto, ao longo do tempo, favoreceu uma proximidade social. Associado ao fato da boa qualidade do produto estar mantida, e do comprometimento do produtor na entrega do produto (mesmo em época de escassez), houve o surgimento de confiança por parte dos clientes no seu fornecedor. Por outro lado, a clientela é ciente de que o preço da venda do produto é baseado no custo de produção e não no de mercado, aceita e continua fiel, apesar de diversos fornecedores da região estarem constantemente ofertando seus produtos a custos mais baixos. Ou seja, estabeleceu-se uma relação de confiança entre o produtor e a maior parte de seus clientes. A confiança, de acordo com Smelser, citado por ABRAMOVAY (2000) está na raiz da acumulação de capital social, e de acordo com COLEMAN (1990), o capital social no plano individual tem a ver com o grau de integração social de um indivíduo e sua rede de contatos sociais; implica relações, expectativas de reciprocidade e comportamentos confiáveis; melhora a efetividade privada. Pode-se constatar que foi estabelecido um determinado padrão de comportamento do produtor e da maioria de seus clientes, ou seja, existe um conjunto de valores ou normas informais, que permitem e definem regras de cooperação entre eles. Ou seja, o capital social existente entre o produtor e a maior parte de seus clientes, que facilita bastante as transações entre eles, está de acordo com a afirmação de FUKUYAMA (2000), de que o capital social é uma norma informal que promove a cooperação entre indivíduos, e que na esfera econômica reduz os custos de transação. Pelo tempo de sobrevivência do produtor no mercado, sempre adotando – e aperfeiçoando – a estratégia de distribuição de seus produtos, acredita-se que a relação de confiança é mais ampla do que colocou Smelser, em ABRAMOVAY (2000), que a confiança não pode ser reduzida à relação entre dois ou mais indivíduos, e que “é errado tratar a confiança apenas em termos de expectativas psicológicas, ‘jogos repetidos’ ou como condição sustentada apenas enquanto sirva os propósitos das pessoas em interação – como para reduzir custos de transação – e da qual elas desistirão assim que não sirva mais seus propósitos”. Do ponto de vista da Economia dos Custos de Transação, foram analisados dois dos três principais atributos das transações: a freqüência e a incerteza. Verificou-se que o produtor entrega ovos freqüentemente (semanalmente) a seus clientes, e isso vem ocorrendo ao longo do tempo, e que em transações recorrentes os agentes podem desenvolver reputação, o que limita seu interesse em agir de modo oportunista (FARINA & ZYLBERSZTAJN, 1998). O ambiente estudado não é de incerteza, pois é caracterizado: pela entrega do produto semanalmente, sendo que na escassez deste o produtor se encarrega de suprir a clientela com produto semelhante (adquirido de terceiros); pela certeza do fornecimento de produto de qualidade; e também pela “previsibilidade” do preço do produto, uma vez que o mesmo não está sujeito a grandes alterações (baseado no custo de produção). Ou seja, como não há ambiente de incerteza, não há o favorecimento do aparecimento de comportamento oportunista (FARINA & ZYLBERSZTAJN, 1998) Ainda do ponto de vista da ECT, há custos de transação que surgem das características intrínsecas de produtos (BARZEL, 1982). No caso dos ovos, algumas informações sobre o produto só podem ser obtidas após o consumo do produto, havendo portanto, problema de mensuração das informações, e sendo necessário que o produtor sinalize as informações relevantes – qualidade, coloração da gema, “produto fresco” (pouco “tempo de prateleira”), o que pode ser feito com o estabelecimento de uma marca para prover o consumidor com informações sobre o produto que somente seriam obtidas após o consumo. Entretanto, este não é o caso do produtor em estudo, que comercializa os ovos – classificados por tamanho, em bandejas de papelão com capacidade para 2 ½ dúzias. Não havendo possibilidade de construção de marca, no caso devido à pequena escala de produção, uma alternativa é o estabelecimento de contratos fundados na reputação das partes, pois já que algumas informações são obtidas após o consumo, o descontentamento com a execução de um determinado acordo pode ser manifesto na interrupção da transação (AZEVEDO, 2000). Se por um lado a embalagem não é mais sofisticada e o produto não tem uma marca, que poderia lhe proporcionar um maior valor agregado, por outro lado, como ele já é conhecido no município (principalmente) e região como de qualidade e “fresco”, esse pode ser um tipo de embalagem que lhe dá uma característica mais natural. Com a finalidade de reduzir custos de transação, os agentes fazem uso de mecanismos apropriados para regular uma determinada transação, denominados “estruturas de governança” (WILLIAMSON, 1985). Nesse caso, o produtor e seus clientes realizam as suas transações através de contratos informais, de suprimento regular, de longo prazo, baseados na reputação das partes. 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS Concluiu-se que o que fez com que a empresa rural sobrevivesse com sua atividade nesses anos todos foi, principalmente, a estratégia utilizada pelo produtor rural na distribuição de seus produtos. O mesmo realizou a segmentação do mercado, procedeu à seleção do mercado-alvo, fornece produtos de boa qualidade, e com a freqüência desejada pelo cliente. Além desses fatores, os canais de distribuição utilizados, com o contato direto com os clientes, possibilitaram e colaboraram para a criação de uma relação de confiança, de uma reputação, com a formação de uma capital social que propiciou, mesmo na ausência de marca para os produtos, e sob pressão dos concorrentes – ofertando produtos a preço mais baixos, que os clientes se mantivessem fidelizados e que o produtor sobrevivesse em sua atividade por todos esses anos. Todos os fatores citados favoreceram a redução dos custos de transação, pois o produtor e seus clientes realizam suas transações através de contratos informais, de suprimento regular, de longo prazo, baseado na reputação das partes. 7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABRAMOVAY, R. O capital social dos territórios: repensando o desenvolvimento rural. 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