REVISTA BRASILEIRA DE OFTALMOLOGIA vol. 69 - nº 3 - Maio / Junho 2010 MAI/JUN 2010 VOLUME 69 NÚMERO 3 P. 141-210 Aplicação da radiofrequência na córnea 141 Revista Brasileira de ISSN 0034-7280 Oftalmologia PUBLICAÇÃO OFICIAL: SOCIEDADE BRASILEIRA DE OFTALMOLOGIA SOCIEDADE BRASILEIRA DE CATARATA E IMPLANTES INTRAOCULARES SOCIEDADE BRASILEIRA DE CIRURGIA REFRATIVA Indexada nas bases de dados: SciELO WEB OF SCIENCE Scientific Electronic Library OnLine Disponível eletronicamente: www.sboportal.org.br Publicação bimestral Editor Chefe Raul N. G. Vianna - Niterói - RJ Co-editores Acácio Muralha Neto - Niterói - RJ Ana Luisa Hofling de Lima - São Paulo - SP Helena Parente Solari - Niterói - RJ Jaco Lavinsky - Porto Alegre - RS José Beniz Neto - Goiania - GO Marcelo Luis Occhiutto - São Paulo - SP Marcio Bittar Nehemy - Belo Horizonte - MG Marcos Pereira de Ávila - Goiania - GO Paulo Fadel - Curitiba - PR Roberto Lorens Marback - Salvador - BA Sergio Kwitko - Porto Alegre - RS Corpo Editorial Internacional Baruch D. Kuppermann - Califórnia -EUA Christopher Rapuano - Phyladelphia -EUA Deepinder Kauer Dhaliwal - Pittsburg - EUA Felipe A. A. Medeiros - Califórnia - EUA Howard Fine - Eugene - EUA Jean Jacques De Laey - Ghent -Bélgica Lawrence P. 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Rehder- Sao Paulo- SP Laurentino Biccas Neto- Vitoria- ES Leiria de Andrade Neto- Fortaleza- CE Liana Maria V. de O. Ventura- Recife- PE Luiz Claudio Santos de Souza Lima - Rio de Janeiro - RJ Manuel Augusto Pereira Vilela- Porto Alegre- RS Marcelo Palis Ventura- Niteroi- RJ Marco Antonio Rey de Faria- Natal- RN Maria de Lourdes Veronese Rodrigues- Ribeirao Preto- SP Maria Rosa Bet de Moraes Silva- Botucatu- SP Mario Luiz Ribeiro Monteiro - São Paulo- SP Maurício Bastos Pereira - RJ Mario Martins dos Santos Motta- Rio de Janeiro- RJ Miguel Angelo Padilha Velasco- Rio de Janeiro- RJ Miguel Hage Amaro - Belém - PA Milton Ruiz Alves- Sao Paulo- SP Nassim da Silveira Calixto- Belo Horizonte- MG Newton Kara Jose - Sao Paulo - SP Newton Kara José Jr. - São Paulo - SP Octávio Moura Brasil do Amaral Fo.- Rio de Janeiro- RJ Oswaldo Moura Brasil- Rio de Janeiro- RJ Paulo Augusto De Arruda Mello- Sao Paulo- SP Paulo Schor- Sao Paulo- SP Remo Susanna Jr.- Sao Paulo- SP Renato Ambrosio Jr.- Rio de Janeiro- RJ Renato Luiz Nahoum Curi- Niteroi- RJ Riuitiro Yamane - Niterói - RJ Rogerio Alves Costa- Araraquara- SP Rubens Camargo Siqueira- S.J do Rio Preto- SP Sebastiao Cronemberger So.- Belo Horizonte- MG Sergio Henrique S. Meirelles- Rio de Janeiro- RJ Silvana Artioli Schellini - Botucatu- SP Suel Abujamra- Sao Paulo- SP Tadeu Cvintal- Sao Paulo- SP Valenio Peres Franca- Nova Lima- MG Virgilio Augusto M. Centurion- Sao Paulo- SP Walton Nose- Sao Paulo- SP Wesley Ribeiro Campos- Passos- MG Yoshifumi Yamane- Rio de Janeiro- RJ Redação: Rua São Salvador, 107 Laranjeiras CEP 22231-170 Rio de Janeiro - RJ Tel: (0xx21) 3235-9220 Fax: (0xx21) 2205-2240 Tiragem: 5.000 exemplares Edição: Bimestral Secretaria: Marcelo Diniz Editoração Eletrônica: Sociedade Brasileira de Oftalmologia Responsável: Marco Antonio Pinto DG 25341RJ Publicidade: Sociedade Brasileira de Oftalmologia Responsável: João Diniz [email protected] Contato publicitário: Westinghouse Carvalho Tels.: (11)3726-6941 / 9274-0724 [email protected] Revisão: Eliana de Souza FENAJ-RP 15638/71/05 Normalização: Edna Terezinha Rother Assinatura Anual: R$240,00 ou US$210,00 Impressão: Gráfica Colorset 142 Revista Brasileira de Oftalmologia Rua São Salvador, 107 - Laranjeiras - CEP 22231-170 - Rio de Janeiro - RJ Tels: (0xx21) 3235-9220 - Fax: (0xx21) 2205-2240 - e-mail: [email protected] - www.sboportal.org.br Revista Brasileira de Oftalmologia, ISSN 0034-7280, é uma publicação bimestral da Sociedade Brasileira de Oftalmologia Diretoria da SBO 2009-2010 Presidente Mário Motta Vice-presidente RJ Aderbal de Albuquerque Alves Jr. Vice-presidentes regionais Fernando Trindade João Borges Fortes Filho Miguel Hage Amaro Roberto Marback Secretário Geral Armando Crema 1º Secretário Almir Ghiaroni 2º Secretário Lília Muralha Tesoureiro Sansão Kac Diretor de Cursos Arlindo Portes Diretor de Publicações Raul Vianna Diretor de Biblioteca Ricardo Lima de Almeida Neves Conselho Consultivo Aderbal de Albuquerque Alves Celso Marra Pereira Morizot Leite Filho Luiz Carlos Portes Miguel Ângelo Padilha Oswaldo Moura Brasil Conselho Fiscal Efetivos Paiva Gonçalves Neto Gilberto dos Passos Giovanni Colombini Suplentes Mário Nagao Octávio Moura Brasil Roberli Bichara Pinto SOCIEDADES FILIADAS A SOCIEDADE BRASILEIRA DE OFTALMOLOGIA Associação Brasileira de Banco de Olhos e Transplante de Córnea Presidente: Dr. Ari de Souza Pena Sociedade Capixaba de Oftalmologia Presidente: Dr. César Fracalossi Barbieri Associação Matogrossense de Oftalmologia Presidente: Dr. Fabiano Saulo Rocha Jr. Sociedade Catarinense de Oftalmologia Presidente: Dr. Walbert de Paula e Souza Associação Pan-Americana de Banco de Olhos Presidente: Dr. Elcio Hideo Sato Sociedade Goiana de Oftalmologia Presidente: Dr. Solimar Moisés de Souza Associação Paranaense de Oftalmologia Presidente: Dr. Ezequiel Portella Sociedade Maranhense de Oftalmologia Presidente: Dr. Mauro César Viana de Oliveira Associação Rondoniense de Oftalmologia Presidente: Dr. Cleiton Cassio Bach Sociedade de Oftalmologia da Bahia Presidente: Dra. Cláudia Galvão Brochado Associação Sul Matogrossense de Oftalmologia Presidente: Dr. Beogival Wagner Lucas Santos Sociedade de Oftalmologia do Ceará Presidente: Dr. David da Rocha Lucena Associação Sul-Mineira de Oftalmologia Presidente: Dr. Elias Donato Sociedade Norte Nordeste de Oftalmologia Presidente: Dr. Raimundo Emanuel Menezes Maciel Sociedade Alagoana de Oftalmologia Presidente: Dr. Jack Arnold Oliveira Lima Sociedade de Oftalmologia do Nordeste Mineiro Presidente: Dr. Mauro César Gobira Guimarães Sociedade Brasileira de Administração em Oftalmologia Presidente: Dr. Renato Ambrósio Jr. Sociedade de Oftalmologia de Pernambuco Presidente: Dr. João Pessoa de Souza Filho Sociedade Brasileira de Catarata e Implantes Intraoculares Presidente: Dr. Marco Rey Faria Sociedade de Oftalmologia do Rio Grande do Norte Presidente: Dr. Uchoandro Bezerra Costa Uchôa Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica Ocular Presidente: Dra. Suzana Matayoshi Sociedade de Oftalmologia do Rio Grande do Sul Presidente: Dr. Afonso Reichel Pereira Sociedade Brasileira de Cirurgia Refrativa Presidente: Dr. José Ricardo Lima Rehder Sociedade Paraibana de Oftalmologia Presidente: Dr. Ivandemberg Velloso Meira Lima Sociedade Brasileira de Ecografia em Oftalmologia Presidente: Dr. Celso Klejnberg Sociedade Paraense de Oftalmologia Presidente: Dr. Ofir Dias Vieira Sociedade de Oftalmologia do Amazonas Presidente: Dr. Manuel Neuzimar Pinheiro Junior Sociedade Sergipana de Oftalmologia Presidente: Dr. Fábio Ribas Matos e Silva 143 Revista Brasileira de ISSN 0034-7280 Oftalmologia PUBLICAÇÃO OFICIAL: SOCIEDADE BRASILEIRA DE OFTALMOLOGIA SOCIEDADE BRASILEIRA DE CATARATA E IMPLANTES INTRAOCULARES SOCIEDADE BRASILEIRA DE CIRURGIA REFRATIVA Fundada em 01 de junho de 1942 CODEN: RBOFA9 Indexada nas bases de dados: SciELO Scientific Electronic Library OnLine WEB OF SCIENCE Disponível eletronicamente: www.sboportal.org.br Publicação bimestral LILACS Literatura Latino-americana em Ciências da Saúde Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior http://www.capes.gov.br Rev Bras Oftalmol, v. 69, n. 3, p. 141-210, Mai./Jun. 2010 Sumário - Contents Editorial 145 Um mundo diferente. Que mundo é este que, para mim, é diferente? Fernando Oréfice Artigos originais 146 Relação entre acuidade visual e atividades instrumentais de vida diária em idosos em seguimento ambulatorial Relationship between visual acuity and instrumental activities of daily living of the elderly in clinical segment 152 Micropuntura com radiofrequência no tratamento da ceratopatia bolhosa sintomática Micropuncture with radiofrequency for the treatment of symptomatic bullous keratopathy Sheila de Melo Borges, Fernanda Aparecida Cintra Adriana Carneiro Macedo, Cristiane Ishirara, Daniella Fairbanks, Vicente Vitiello Neto, José Ricardo Carvalho Lima Rehder 159 Avaliação corneana após ‘crosslink’ utilizando dois tipos diferentes equipamentos Corneal assessment after using two different types of crosslinking equipment Edna Motta Almodin, Juliana Motta Almodin, Flavia Motta Almodin 144 165 Avaliação do comportamento da pressão intraocular em pacientes com glaucoma primário de ângulo aberto assimétrico submetidos ao teste provocativo da ibopamina Evaluation of the intraocular pressure behavior in patients with assimetric primary open-angle glaucoma submitted to ibopamine provocative test Fernando Paulo Alves Lima, Letícia Trevisan Tecchio, Luciana Amizo Ferreira, Maurício Magarifuchi, Ricardo Giacometti Machado 170 Teste da ibopamina tópica em pacientes normais, suspeitos e portadores de glaucoma Topic ibopamine test in normal, suspects and glaucoma patients Marina Lotto Cordeiro, Walter Amorim, Jose Ricardo Carvalho Lima Rehder Relato de Caso 176 Retinocoroidite toxoplásmica reativada provavelmente por cirurgia refrativa Laser In Situ Keratomileusis - LASIK Probable reactivation of toxoplasmic retinochoroiditis by refractive surgery - Laser In Situ Keratomileusis - LASIK Afonso Medeiros, Marília Medeiros, Elisabeto Ribeiro Gonçalves, Isadora Meyer, João Pessoa de Souza Filho 180 Fratura de órbita por queda de cavalo e correção de estrabismo Orbit fracture by horse fall and strabismus correction Abelardo de Souza Couto Junior, Daniel Almeida de Oliveira, Clarissa Campolina de Sá Mattosinho, Renato Curi Artigo de Revisão 184 Toxoplasmose ocular adquirida Toxoplasmose ocular pós-natal Acquired ocular toxoplasmosis Post-birth ocular toxoplasmosis Fernando Oréfice, Ruy Cunha Filho, Alda Lúcia Barboza, Juliana Lambert Oréfice, Daniela Calucci Instruções aos autores 208 Normas para publicação de artigos na RBO EDITORIAL 145 Um mundo diferente. Que mundo é este que, para mim, é diferente? É um mundo diferente daquele escolhido pela maioria dos profissionais liberais, sejam médicos, advogados, engenheiros (e outros) que não se inclinam ao caminho traçado pela vida acadêmica. Se para todos, o estudo contínuo, ininterrupto em suas respectivas áreas, é necessário, para aqueles que abraçam a vida acadêmica, com dedicação ao estudo avançado, às novas experiências e às pesquisas, é ainda mais imprescindível, já que a propagação desses conhecimentos à nova geração é a meta maior, que norteia toda a atividade. A vida acadêmica proporciona, a nós que a ela nos dedicamos, uma satisfação muito grande, uma alegria enorme em poder dividir com os pós-graduandos e com o jovem acadêmico da iniciação científica, a experiência acumulada em anos e anos de trabalho, pesquisa e estudo. Ficamos felizes em poder abrir caminhos, mostrar novas perspectivas, estimular o pensamento criativo, que talvez um dia possa alcançar descobertas interessantes. Para isso, entretanto, há que estar preparado para ser um orientador competente, não apenas na parte científica, embasado no conhecimento profundo da matéria, mas também ter um espírito aberto às indagações do aluno, seus interesses e seus anseios. Sempre pronto a esclarecer: a divergir quando necessário, a apoiar e enaltecer quando merecido. A vitória deles é a nossa vitória maior e é também a nossa realização como mestre. Grato pelo convite. Fernando Oréfice Professor Titular de Oftalmologia da Universidade Federal de Minas Gerais Rev Bras Oftalmol. 2010; 69 (3): 145 ARTIGO ORIGINAL 146 Relação entre acuidade visual e atividades instrumentais de vida diária em idosos em seguimento ambulatorial Relationship between visual acuity and instrumental activities of daily living of the elderly in clinical segment Sheila de Melo Borges1, Fernanda Aparecida Cintra2 RESUMO Objetivo Avaliar a influêrcia da acuidade visual nas atividades instrumentais de vida diária em idosos em seguimento ambulatorial. Métodos Foram entrevistados, por meio de instrumento próprio, 64 idosos em seguimento ambulatorial num hospital universitário de Campinas/SP. Os sujeitos foram divididos em dois grupos, conforme os valores obtidos na medida da AV: o grupo I, composto pelos idosos com visão normal ou próxima do normal; e o grupo II, formado por aqueles com baixa visão. Foram realizadas correlações bivariadas entre as variáveis, a fim de identificar as seguintes relações entre os grupos de acuidade visual e as atividades instrumentais de vida diária. Resultados Foram observadas diferenças significativas entre os idosos com visão normal ou próxima do normal (grupo I) e aqueles com baixa visão (grupo II), com respeito às variáveis. O grupo II apresentou maior dificuldade do que o grupo I no escore total do instrumento, bem como nas seguintes tarefas: uso do telefone, preparo de refeições, trabalhos manuais, lavar e passar roupa e tomar corretamente os remédios. Conclusão: Neste estudo, idosos com baixa visão de ambos os sexos apresentam maior dificuldade para realizar as AIVDs do que idosos com visão normal ou próxima do normal. Descritores: Acuidade visual; Atividades cotidianas; Autonomia pessoal; mento; Idoso Envelheci- 1 Mestre em Gerontologia pela Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP – Campinas (SP), Brasil; Doutora, Professora do Departamento de Enfermagem da Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP – Campinas (SP), Brasil; 2 Recebido do Curso de Pós-graduação em Gerontologia da Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP – Campinas (SP), Brasil. Recebido para publicação em: 15/4/2009 - Aceito para publicação em 26/7/2009 Rev Bras Oftalmol. 2010; 69 (3): 146-51 Relação entre acuidade visual e atividades instrumentais de vida diária em idosos em seguimento ambulatorial 147 INTRODUÇÃO MÉTODOS declínio biológico é inevitável durante o processo de envelhecimento, uma vez que todos os sistemas do corpo sofrem perdas tanto nos aspectos estruturais como funcionais(1). Com a função visual não é diferente. Vários estudos populacionais internacionais relacionados aos problemas oftalmológicos no idoso se destacam em publicações nessa área: Beaver Dam Eye Study, Australian Blue Mountain Eye Study, The Blue Mountains Eye Study, Melbourne Visual Impairment Project, National Diet and Nutrition Wide Samples of British e Project SEE. Alguns destes estudos fornecem dados sobre a prevalência e a severidade da perda da visão em todo o mundo(2- 7). Estes dados mostram um aumento significativo na prevalência da deficiência visual com o aumento da idade, especialmente naqueles com 75 anos ou mais. Entre os idosos, a deficiência visual e a cegueira podem ser avaliadas como um importante problema de saúde pelo aumento de sua prevalência(8). Dentre as perdas sensoriais, alterações na visão têm sido associada à incapacidade física (9) e corresponde à terceira causa de incapacidade funcional nos idosos, depois dos problemas relacionados ao aparelho locomotor e os de origem cardiovascular(10) . A visão tem um importante papel para a independência funcional, tendo em vista que mecanismos sensoriais, principalmente os visuais, resultam em declínio na habilidade para desempenhar tarefas rotineiras essenciais para os indivíduos viverem diariamente (11). Admite-se que a deficiência visual torna-se mais prevalente com o aumento da idade e pode interferir no desempenho tanto nas atividades básicas de vida diárias (ABVDs) quanto nas Atividades instrumentais de vida diária (AIVDs)(12-16). Embora a relação entre função visual e capacidade funcional relacionada às atividades de vida diária na velhice seja conhecida como indicador importante da qualidade de vida nesta população(9), a avaliação desta relação ainda é pouco realizada. Assim, justifica-se a realização deste estudo em idosos em seguimento ambulatorial especializado no Brasil. Frente ao exposto, o nosso objetivo é avaliar a influência da visão, por meio da avaliação da acuidade visual, na capacidade funcional direcionada à realização das atividades instrumentais de vida diária em idosos em seguimento ambulatorial. Delineamento do estudo Trata-se de um estudo transversal integrante do Projeto Temático intitulado “Qualidade de vida em idosos fragilizados: indicadores de saúde e de bem-estar subjetivo”, o qual tem por objetivo geral identificar e analisar os fatores de predição e discriminação de fragilidade e bem-estar subjetivo em idosos residentes no município de Campinas e região, considerando o impacto destas variáveis sobre a qualidade de vida destas pessoas. Este Projeto é coordenado por docentes do Curso de Pós-Graduação em Gerontologia da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Campinas, São Paulo. O Local O estudo tem como campo de pesquisa o Ambulatório de Geriatria do Hospital das Clínicas da UNICAMP. Esta unidade recebe pacientes encaminhados de unidades básicas de saúde e de outras especialidades médicas do próprio serviço, em sua grande maioria. População e Amostra Os sujeitos do Projeto Temático são idosos com 65 anos ou mais, de ambos os sexos, que vivem na comunidade e são portadores de doenças somáticas. A amostra do Projeto Temático contou com 102 sujeitos selecionados por estratos, de acordo com sua presença no respectivo ambulatório. Os dados foram coletados no período de outubro de 2005 a julho de 2006. Os critérios para a participação deste estudo foram: Inclusão: aceite em participar da pesquisa com a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido; Exclusão: presença de déficit cognitivo que dificultasse a compreensão e resposta do instrumento; diagnóstico de doenças neurológicas (ex: acidente vascular encefálico, doença de Parkinson, lesão medular e poliomielite) que pudessem modificar a funcionalidade do indivíduo devido à sequela da doença. Participaram neste estudo 64 idosos com idade entre 65 e 92 anos [Média=76,33 (+6,86)]. Predominou o sexo feminino (56,25%) e a cor branca (82,81%); em menor proporção encontravam-se os pardos (10,94%) e negros (6,25%). Com respeito ao estado conjugal, 50% dos idosos eram casados, 42,19% viúvos, 3,13% divorciados e 4,69% solteiros. Grande parcela dos idosos frequentou apenas o ensino fundamental (62,50%), 9,38% o ensino médio, e uma proporção significativa (28,13%) revelou nenhuma escolaridade. A renda familiar men- Rev Bras Oftalmol. 2010; 69 (3): 146-51 148 Borges SM, Cintra FA sal informada variou entre zero e R$ 1.200, 00 (mediana = R$ 300,00 reais - Salário mínimo vigente na época igual a R$ 350,00). Desenvolvimento da pesquisa A coleta de dados do Projeto Temático foi efetuada por uma equipe treinada, da qual participou a autora do presente estudo. Nesta coleta foi utilizado um instrumento elaborado para este Projeto, que contém perguntas fechadas e escalas de avaliação. Este instrumento está dividido nas seguintes seções: I. Identificação pessoal; II. Dados sociodemográficos; III. Saúde física; IV. Antropometria; V. Mobilidade e flexibilidade; VI. Hábitos de vida; VII. Atividade física; VIII. Saúde bucal; IX. Aspectos funcionais e de satisfação com a alimentação; X. Quedas; XI. Estado cognitivo; XII. Fluência verbal; XIII. Estado depressivo; XIV. Bem-estar subjetivo; XV. Medida de independência funcional; XVI. Atividades instrumentais de vida diária; XVII. Atividades expandidas de vida diária. As entrevistas foram individuais, realizadas em sessão única e em ambiente reservado, no dia da primeira consulta ou do retorno dos idosos no referido serviço de atendimento ambulatorial. Para o presente estudo, foram utilizados os seguintes dados das seções: a) Seção I: Número de identificação do sujeito; b) Seção II: Dados sociodemográficos: gênero, idade, cor, estado conjugal, escolaridade e rendimento; c) Seção III: Medida de acuidade visual (AV) obtida pela Tabela de Snellen; d) Seção XVI: Atividades Instrumentais de Vida Diária de Lawton (AIVDs)(17). Todos os dados foram extraídos do banco de dados do Projeto Temático. Os participantes deste estudo (n = 64) foram divididos em dois grupos, conforme os valores obtidos da AV: Grupo I: AV ³ 20/60 em ambos os olhos (AO) ou AV ³ 20/60 no melhor olho, com correção óptica se fizer uso; Grupo II: AV < 20/60 AO, com correção óptica se fizer uso. Para facilitar a análise e a discussão consideramos a AV do grupo I como “normal” ou “próxima do normal” e a do grupo II como “baixa visão”. Na escala da AIVDs, foi utilizada a escala de Lawton e Brody (1969)(17) onde a pontuação varia entre nove e 27 pontos, o que corresponde a dependência máxima e independência máxima, respectivamente. Para cada questão são atribuídos três pontos para a tarefa realizada de forma “independente”, dois pontos para Rev Bras Oftalmol. 2010; 69 (3): 146-51 Figura 1: Relação entre acuidade visual e atividades instrumentais de vida diária “dependência parcial” e um ponto para a “dependência total”. Nesse trabalho, avaliamos a pontuação obtida em cada tarefa e o escore total do instrumento. Análise dos dados Os dados coletados foram inseridos no programa estatístico SPSS versão 8.0 System for Windowns e realizadas uma análises de comparação, para comparar as variáveis numéricas entre os grupos foram utilizados os testes de Mann-Whitney (2 grupos). Aspectos Éticos O Projeto Temático no qual este estudo está integrado foi aprovado pelo Comitê de Ética da Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP, parecer n° 240/2003. Os pacientes foram orientados sobre o anonimato e a liberdade em desistir a qualquer momento da pesquisa ao assinarem o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, conforme Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde. RESULTADOS Dentre os 64 idosos estudados, o grupo I foi representado por 64% (n=41), enquanto o grupo II foi representado por 36% (n=23) desta amostra. Com respeito às AIVDs, verificamos correlação estatisticamente significativa (p = 0,003) entre os grupos I e II e o escore total do instrumento, bem como nas Relação entre acuidade visual e atividades instrumentais de vida diária em idosos em seguimento ambulatorial 149 Tabela 1 Comparação entre as variáveis numéricas dos grupos de acuidade visual e as atividades instrumentais de vida diária (n=64) Tarefas das AIVDS Média Uso do telefone 2,76 Deslocamento para locais distantes sem planejamento especial 2,37 Fazer compras 2,39 Preparar refeições 2,80 Arrumar a casa 2,46 Trabalhos manuais 2,59 Lavar e passar roupa 2,39 Tomar remédios corretamente 2,61 Cuidar das finanças 2,59 Escore total 22,90 Grupo I * Grupo II ** Desvio Variação Desvio Variação Variação ***Valor padrão Mediana observada Média padrão Mediana observada possível de p 0,54 3 1a3 2,30 0,82 3 1a3 1a3 0,013 0,70 0,74 0,51 0,78 0,74 0,89 2 3 3 3 3 3 1a3 1a3 1a3 1a3 1a3 1a3 2,09 2,17 2,26 2,13 1,91 1,70 0,67 0,83 0,92 0,87 0,90 0,88 2 2 3 2 2 1 1a3 1a3 1a3 1a3 1a3 1a3 1a3 1a3 1a3 1a3 1a3 1a3 0,105 0,317 0,007 0,116 0,002 0,004 0,67 0,71 4,12 3 3 24 1a3 1a3 13 a 27 2,22 2,35 19,13 0,74 0,83 4,72 2 3 18 1a3 1a3 11 a 27 1a3 1a3 9 a 27 0,021 0,234 0,003 (*) Grupo I: visão normal ou próxima do normal (**) Grupo II: baixa visão (***) Valor de p - referente ao teste de Mann-Whitney seguintes tarefas: uso do telefone (p = 0,013), preparo de refeições (p = 0,007), trabalhos manuais (p = 0,002), lavar e passar roupa (p = 0,004) e tomar corretamente os remédios p = 0,021). Em todas as tarefas, as médias e medianas do grupo II foram inferiores às do grupo I, o que representa maior limitação dos idosos com baixa visão para o desempenho das AIVDs (tabela 1). Na figura 1, observamos diferença entre os grupos de AV em relação às AIVDs. Os grupos são diferentes quando observamos as caixas em relação às suas características: maior dispersão na caixa do grupo II, observação discrepante em ambos os grupos (o grupo I mostra observações menores e no grupo II, verificamos observações menores e maiores que as demais dentro do grupo). As medianas e as caudas não se sobrepõem, o que revela diferença entre os dois grupos. O teste de Mann-Whitney revelou diferença significante entre os dois grupos (p = 0,003). DISCUSSÃO Fisiologicamente no envelhecimento, existe uma relação hierárquica de perdas de habilidades funcionais, na qual observa-se inicialmente a perda das habilidades para as AIVDs e posteriormente para as ABVDs(18,19). Isto ocorre devido à diferença de complexidade entre tais atividades: as AIVDs são, na maioria das vezes, mais complexas do que as ABVDs(20). As AIVDs englobam as atividades funcionais necessárias para um indivíduo vi- ver de forma independente na comunidade, na qual a presença de dificuldades implica mais em uma redistribuição de tarefas entre os membros familiares (como alguém para ir fazer compras ou auxiliar nas tarefas domésticas) e menos em cuidado direto(19). Os idosos que reportam mais dificuldade nas tarefas de ABVDs e AIVDs têm duas vezes mais chances de baixa visão(13). Outro estudo, de um grupo de pesquisadores da Finlândia, observou que pessoas com diminuição da AV são cinco vezes mais prováveis a apresentar dificuldade em AIVDs do que uma pessoa com boa AV(16). No nosso estudo, observamos uma correlação de perdas das AIVDs em idosos com baixa visão, onde os idosos do grupo II (baixa visão) apresentaram mais dificuldade em realizar as AIVDs do que os idosos do grupo I (visão normal ou próxima do normal). Apesar de idosos de uma forma geral serem mais propensos a apresentarem algum comprometimento em AIVDs, apenas os idosos do grupo de baixa visão apresentaram comprometimento em algumas tarefas das AIVDs. Observamos, também no nosso estudo, que os idosos com baixa visão apresentaram dificuldade em utilizar o telefone, preparar refeições, trabalhos manuais, lavar e passar roupa e tomar corretamente os remédios. A função visual mostra estreita relação com a mobilidade(16), pois durante a locomoção, a visão é necessária para monitorar e analisar a localização e o movimento do corpo, bem como as condições ambientais para as quais o sistema motor deveria res- Rev Bras Oftalmol. 2010; 69 (3): 146-51 150 Borges SM, Cintra FA ponder(21). Porém, o declínio visual tem sido associado não apenas com a diminuição da mobilidade, mas também com a necessidade de fazer compras em mercados, preparo de refeições, andar fora de casa, cuidar das finanças(22), bem como tomar a medicação corretamente(23). Esta associação nem sempre é linear e facilmente compreendida, podendo essa relação entre deficiências sensoriais e dependência nas AIVDs ser indireta e complexa(24). Idosos que relatam ter dificuldade em três ou mais atividades de AIVDs são mais sugestionadas a ter incapacidades graves do que aqueles que relatam dificuldade em uma ou duas tarefas(13). Portanto, os idosos do grupo de baixa visão do nosso estudo, segundo a literatura, está mais propenso à incapacidade grave, já que em geral, eles apresentam dificuldade em cinco atividades das AIVDs. De qualquer forma, idosos de ambos os sexos, que apresentam dificuldades no desempenho das AIVDs, em geral necessitam de auxílio de outras pessoas que atuem como elo de ligação entre eles e seu entorno social, contribuindo muitas vezes para o afastamento do idoso do convívio social e, consequentemente, a tendência ao isolamento(19). CONCLUSÃO Observamos em nosso estudo que idosos com baixa visão de ambos os sexos apresentam maior dificuldade para realizar as AIVDs do que idosos com visão normal ou próxima do normal. Agradecimentos Ao curso de Pós-graduação em Gerontologia da UNICAMP, as professoras Fernanda Aparecida Cintra e Anita Liberalesso Neri, aos colegas de coleta de dados do Projeto temático e aos idosos que colaboraram com a pesquisa. ABSTRACT Objective: To evaluate the influence of visual acuity in instrumental activities of daily living in elderly patients in follow-up period. Methods: through own instruments, sixty-four elderly men and women were interviewed in clinical segment at an academic hospital of Campinas/ SP. They were then divided into two groups in accordance to the values that were obtained through the measure of the VA: the first group consisted of elderly people with normal vision or close to the normal, and the second group was formed of those with low vision. Bivariate correlations were made between the variables in order to identify the Rev Bras Oftalmol. 2010; 69 (3): 146-51 following relations: between groups of visual and instrumental activities of daily living. Results: Significant differences between the elderly with normal vision or close to the normal (group I) and those with low vision (group II) were found: the group II had greater difficulty than the group I total score of the instrument and the following tasks: telephone use, meal preparation, handicrafts, launder and take the medicine correctly. Conclusion: This study, elderly people with low vision of both sexes have more difficulty to carry out AIVDs than elderly people with normal vision or close to normal. Keywords: Visual acuity; Activities of daily living; Personal autonomy; Aging; Aged REFERÊNCIAS 1. Ribeiro JE, Freitas MM; Araújo GS, Rocha TH. Associação entre aspectos depressivo e déficit visual causado por catarata em pacientes idosos. Arq Bras Oftalmol. 2004; 67(5):795-9. 2. Attebo K, Mitchell P, Smith W. Visual acuity and the causes of visual loss in Australia. The Blue Mountains Eye Study. Ophthalmology. 1996;103(3):357-364. 3. Klaver CC, Wolfs RC, Vingerling JR, Hofman A, De Jong PT. Age-specific prevalence and causes of blindness and visual impairment in an older population. The Rotterdan Study. Arch Ophthalmol. 1998; 116(5):653-8. 4. van der Pols JC, Bates CJ, McGraw PV, Thompson JR, Reacher M, Prentice A, Finch S. Visual acuity measurements in a national sample of Britsh elderly people. 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Endereço para correspondência: Sheila de Melo Borges Rua Júlio Conceição, n° 231 CEP 11015-540 - Santos, (SP) Tel: (13) 32223851 Email: [email protected] Rev Bras Oftalmol. 2010; 69 (3): 146-51 ARTIGO ORIGINAL 152 Micropuntura com radiofrequência no tratamento da ceratopatia bolhosa sintomática Micropuncture with radiofrequency for the treatment of symptomatic bullous keratopathy Adriana Carneiro Macedo1, Cristiane Ishirara2, Daniella Fairbanks3, Vicente Vitiello Neto4, José Ricardo Carvalho Lima Rehder5 RESUMO Objetivo: Avaliar o efeito da micropuntura com radiofrequência no tratamento dos pacientes portadores de ceratopatia bolhosa sintomática. Métodos: Estudo prospectivo em 10 pacientes com ceratopatia bolhosa sintomática e baixa acuidade visual. Micropunturas com radiofrequência foram realizadas em estroma anterior nas áreas com descompensação epitelial. A evolução dos pacientes foi realizada através de dados clínicos (biomicroscopia, paquimetria, tonometria e estesiometria) e graduação de sintomas (intensidade da dor, sensação de corpo estranho, fotofobia e insônia devido à dor). Resultados: A comparação dos sintomas antes do tratamento e no pós-operatório apresentou redução da sensação de corpo estranho, da intensidade da dor e na insônia em mais de 90% dos pacientes. A medida da sensibilidade corneana pelo estesiômetro de Cocher Bonnet apresentou uma redução da sensibilidade, entre o pré tratamento e o pós de 1 semana, entre 0,5 a 2, em 5 pacientes . A comparação do pré-tratamento com o pós-tardio apresentou aumento na sensibilidade corneana em 07 pacientes variando de 0,5 a 2. A avaliação de espessura corneana através do exame de paquimetria ultrasônica e a medida de pressão intraocular dos pacientes através do tonômetro de aplanação de Goldman não obtiveram diferenças significativas. Conclusão: A micropuntura com radiofrequência mostrou-se um tratamento válido no controle dos sintomas da ceratopatia bolhosa principalmente na redução de sintomas como dor e sensação de corpo estranho. Descritores: Doenças da córnea/cirurgia; Edema da córnea; Lâmina limitante posterior da córnea/cirurgia 1 Estagiário no Setor Córnea e de Patologia Externa da Disciplina de Oftalmologia da Faculdade de Medicina do ABC – FMABC – Santo André (SP), Brasil; 2 Colaboradora no Setor Córnea e de Patologia Externa da Disciplina de Oftalmologia da Faculdade de Medicina do ABC – FMABC – Santo André (SP), Brasil; 3 Colaboradora no Setor de Córnea e Patologia Externa da Disciplina de Oftalmologia da Faculdade de Medicina do ABC – FMABC – Santo André (SP), Brasil; 4 Chefe do Setor de Córnea e Patologia Externa da Disciplina de Oftalmologia da Faculdade de Medicina do ABC – FMABC – Santo André (SP), Brasil; 5 Professor Titular da Disciplina de Oftalmologia da Faculdade de Medicina do ABC – FMABC – Santo André (SP), Brasil. Recebido para publicação em: 22/9/2009 - Aceito para publicação em 26/11/2009 Rev Bras Oftalmol. 2010; 69 (3): 152-8 Micropuntura com radiofrequência no tratamento da ceratopatia bolhosa sintomática 153 Figura 1: Imagem de biomicroscopia de córnea com bolha epitelial sem e com corante de fluoresceína INTRODUÇÃO A ceratopatia bolhosa é uma doença corneana causada por descompensação endotelial, com isso não há deturgescência adequada do estroma corneano, propiciando a formação de edema estromal com formação de bolhas epiteliais e subepiteliais(1-6). Essas, quando rompem expõem terminações nervosas causando dor, fotofobia e lacrimejamento(1-4-5). Os pacientes frequentemente apresentam diminuição da acuidade visual, fotofobia, epífora e um aumento do risco de ceratite infecciosa(3). São causas de ceratopatia bolhosa: trauma, glaucoma e anormalidades congênitas(2-3-6-8). Sem função endotelial adequada, há a hidratação do estroma corneano com perda dos ceratócitos e atenuação mais rompimento da camada de Bowman e membrana basal. Eventualmente há perda de glicosaminoglicans no estroma(9). Esses fatores levam a mudanças na superfície ocular com perda de adesividade epitelial evoluindo com erosão recorrente e depois persistente. Enquanto a ceratoplastia penetrante ou a ceratoplastia lamelar posterior(4) são os tratamentos definitivos para a ceratopatia bolhosa, existem alternativas terapêuticas com resultados variáveis que podem ser utilizadas no controle dos sintomas em pacientes sem potencial de recuperação visual ou naqueles sintomáticos que aguardam na fila de transplante de córnea(6). Vários tratamentos são relatados na literatura. Colírios antiglaucomatosos e hiperosmóticos como o NaCl 5% e dimetilpolisiloxane para tentar diminuir o edema epitelial e estromal, uso de lente de contato terapêutica (LTC), ceratotomia anular, epiceratoplastia, ceratectomia fototerapêutica por excimer laser (PTK), Figura 2: Aparelho de radiofrequência usado no procedimento de micropunturas e parâmetros utilizados recobrimento conjuntival (1) e com membrana amniótica (5) , criopexia (cauterização) e punção do estroma anterior (PEA-micropunctura)(1-8-10) com agulha de insulina. Em 1996, Cormier et al. relataram uma diminuição na formação de bolhas e alívio da dor em pacientes com ceratopatia bolhosa submetidos à puntura do estroma anterior(1-3). Com a micropuntura há destruição da camada de Bowman, induzindo fibrose e melhor adesão do epitélio ao estroma subjacente(1,9,11,12). A termoceratoplastia com radiofrequência (ceratoplastia condutiva) é um procedimento cirúrgico aprovado pelo FDA, em 2002, para fins refrativos. A radiofrequência eleva a temperatura no estroma corneano, provocando um encolhimento das fibras de colágeno de forma duradoura, comprovado em pesquisas microscópicas(6,10,13-15). O presente estudo tem por objetivo avaliar o efeito Rev Bras Oftalmol. 2010; 69 (3): 152-8 154 Macedo AC, Ishirara C, Fairbanks D, Vitiello Neto V, Rehder JRCL Figura 3: Aplicação da radiofrequência pela ponteira agulhada em região corneana na lâmpada de fenda e as cicatrizes corneanas observadas no seguimento pós-micropuntura por radiofrequência da micropuntura com radiofrequência no alívio da dor e melhora dos defeitos epiteliais recorrentes em pacientes portadores de ceratopatia bolhosa sintomática e pobre acuidade visual. MÉTODOS Após aprovação pelo Comitê de Ética e assinado Termo de Ciência e Consentimento, foi realizado estudo prospectivo em 10 pacientes, acompanhados no setor de Córnea e Patologia Externa da Disciplina de Oftalmologia da Faculdade de Medicina do ABC,no período de novembro de 2007 a julho de 2008. Os critérios de inclusão no estudo foram ceratopatia bolhosa descompensada (figura 1) e sintomática e melhor acuidade visual < 20/400. A avaliação oftalmológica incluiu medida da acuidade visual, biomicroscopia à lâmpada de fenda, estesiometria (estesiômetro de Cochet – Bonnet), Rev Bras Oftalmol. 2010; 69 (3): 152-8 paquimetria e medida de pressão intraocular. A mensuração dos sintomas foi realizada através de questionário aplicado aos pacientes durante cada retorno, sendo solicitada a graduação dos sintomas por questionário subjetivo numa escala de 0 a 3, e presença de insônia relacionada ao quadro doloroso. Os itens que constaram na avaliação foram os seguintes: sensação de corpo estranho, intensidade da dor, fotofobia. A micropuntura com radiofrequência foi realizada por dois fellows do serviço de córnea treinados para o procedimento. O mesmo foi realizado à lâmpada de fenda, sob anestesia tópica com colírio anestésico, colocação de blefarostato ligado ao aparelho de radiofrequência (Wavetronic) Loktal ®, ajustado a potência em 60 mJ no micropower e 55 mJ no power (figura 2). As perfurações foram realizadas no estroma anterior com ponteira reta, perpendicular ao plano da córnea, apenas nas áreas com evidências de bolhas, inclusive em região central de córnea (figura 3). Após o procedimento foi colocada lente de contato terapêutica e entre- Micropuntura com radiofrequência no tratamento da ceratopatia bolhosa sintomática 155 Tabela 1 Perfil epidemiológico e clínico dos pacientes avaliados no estudo Paciente Idade Sexo Olho acometido Condição ocular precipitante Patologia ocular associada Intervalo entre início dos sintomas e aplicação da micropuntura (meses) 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 71 73 75 77 79 43 79 88 79 70 Feminino Feminino Masculino Feminino Feminino Masculino Masculino Feminino Feminino Feminino OE OE OD OE OE OD OD OD OD OE ICE síndrome Pseudofácica Afácica Pseudofácica Afácica Pseudofácica Pseudofácica Pseudofácica Pseudofácica Pseudofácica Glaucoma _ _ _ _ _ _ Glaucoma _ _ 16 28 61 19 60 36 11 12 Tabela 2 Dados do exame oftalmológico Pacientes 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 Olho acometido OE OE OD OE OE OD OD OD OD OE Acuidade visual Paquimetria (média) Pressão intraocular Pré Pós 1 sem Póstardio Pré Pós 1 sem Póstardio MM CD50cm MM MM MM MM CD1m MM MM CD 30cm CD1m CD 1m MM MM MM MM CD50cm MM PL CD 30cm CD40cm CD 1m MM CD15cm MM MM CD40cm MM MM CD 1m 759 761 833 848 814 616 770 556 720 903 754 799 541 752 669 683 909 609 791 843 916 703 Pré Pós 1 sem 14 12 14 Mira irreg 12 12 Mira irreg 10 12 10 15 16 12 08 12 10 10 08 10 10 Pós tardio Mira irreg 12 Mira irreg 13 12 12 10 07 10 13 Tabela 3 Medidas de sensibilidade cornena estesiômetro de Cochet Bonnet Pacientes 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 Estesiometria Pré Pós 1 sem Pós-tardio 2 2 1,5 1,5 2 4 2,5 2,5 0 3,5 1,5 0 1,0 3 5 1,5 1,5 0 - 3 1,5 2 2 3,5 6 2 2,0 2 4 Rev Bras Oftalmol. 2010; 69 (3): 152-8 156 Macedo AC, Ishirara C, Fairbanks D, Vitiello Neto V, Rehder JRCL Figura 4: Seguimento tardio de paciente com afinamento corneano pós-micropuntura Tabela 4 Relação e graduação subjetiva dos sintomas pelos pacientes Pact 1 2 3 4 5 6 7 8 9 1 Sensação de CE Intensidade da dor Fotofobia Insônia por dor Pré Pós 1 sem Póstardio Pré Pós 1 sem Póstardio Pré Pós 1 sem Póstardio Pré Pós 1 sem Pós tardio 3 3 2 3 3 0 3 3 0 02 1 3 1 3 1 0 3 0 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 1 3 3 3 3 3 3 2 3 0 2 0 3 2 3 0 1 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 3 3 3 3 3 2 3 3 2 3 0 2 2 3 1 2 3 0 0 1 3 0 1 1 0 0 0 0 0 2 3 3 3 3 0 0 3 0 0 0 3 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 gue medicação tópica, Ofloxacino 4x/dia e Diclofenaco sódico colírio 3x/dia, para ser instilado pelo paciente durante 7 e 3 dias, respectivamente. Os retornos foram agendados para 1 semana após o procedimento, inicialmente, e nas semanas subsequentes até regressão importante dos sintomas. RESULTADOS Foram avaliados 10 olhos ( 5 olhos direito e 5 olhos esquerdo) de 10 pacientes. Sete eram do sexo feminino e 3 do sexo masculino. A idade dos indivíduos variou de 43 a 79 anos, média de 73,4 anos (tabela 1). A patologia ocular precipitadora do quadro de ceratopatia bolhosa foi trauma cirúrgico (pós-cirurgia de catarata) em 9 pacientes (90%) sendo, no mo- Rev Bras Oftalmol. 2010; 69 (3): 152-8 , 5 mento do estudo, 7 pseudofácicos e 2 afácicos; e em 1 paciente (10%) secundário à síndrome iridocorneana endotelial (ICE síndrome). A presença de doença ocular associada foi diagnosticado em 2 pacientes, ambos com glaucoma. O intervalo entre o início dos sintomas e a aplicação da micropuntura com radiofrequência variou de 11 meses a 61 meses, média de 24,3 meses (tabela 1). A aplicação da micropuntura com radiofrequência foi realizada nas regiões da córnea com evidência de bolha, inclusive região central, sendo necessárias entre 1 a 2 sessões (com intervalo de pelo menos 1 semana). O número de consultas variou de 3 a 10 (acompanhamento de 02 a 07 meses – média 3.4 meses) A melhor acuidade visual desses pacientes na avaliação pré-procedimento de micropuntura e após, no acompanhamento, encontra-se descrita na tabela 2. Micropuntura com radiofrequência no tratamento da ceratopatia bolhosa sintomática A avaliação de espessura corneana através do exame de paquimetria ultrassônica não obteve todas as leituras em alguns pacientes, tanto na visita inicial, como no seguimento. Na visita inicial, os valores paquimétricos variaram de 616 a 848 (média de 744,6) e na visita final de 609 a 916 (média de 771,5). Nos pacientes onde foi possível avaliar a diferença entre o pré e pós, houve aumento da espessura corneana em 2 pacientes (com variação média de 58µm), diminuição da espessura em 4 pacientes (com variação média de 67,7 µm). Em 2 pacientes o aparelho só conseguiu realizar leitura no pós- tardio, e em 1, apenas no pré-procedimento (tabela 2). A medida de pressão intraocular dos pacientes através do tonômetro de aplanação de Goldman também apresentou limitações de uso por irregularidade de superfície; A pressão média no pré e no pós-procedimento foi de 11,1. A variação de pressão no período estudado foi no máximo de + 5mmHg (tabela 2). Nos pacientes onde foi realizada a medida da sensibilidade corneana pelo estesiômetro de Cochet Bonnet, 5 pacientes apresentaram uma redução da sensibilidade, entre o pré-tratamento e o pós de 1 semana, entre 0,5 a 2 (média 1) e 2 pacientes apresentaram um aumento da sensibilidade de 1 no mesmo período. A comparação do pré-tratamento com o pós-tardio apresentou aumento na sensibilidade corneana em 07 pacientes variando de 0,5 a 2 (média 1,1) e redução de 0,5 em 3 pacientes (tabela 3). A tabela 4 apresenta os dados sobre a avaliação subjetiva dos pacientes pela graduação dos sintomas quanto a sensação de corpo estranho, intensidade da dor, fotofobia e insônia por dor. A insônia por dor foi referida como grau 3 por 5 pacientes (50%) no pré-tratamento, por 1 paciente no pós 1 semana e graduado em zero por 100% dos pacientes no pós-tardio. (Tabela 4). A recuperação após o procedimento na maioria nos pacientes ocorreu sem intercorrências, com retirada da lente terapêutica no máximo em 15 dias, mantendo cicatrizes no local da micropuntura (figura 3). No paciente 4, foi observado afinamento corneano progressivo em região paracentral temporal inferior a 2 mm, 2 meses após a aplicação das micropunturas por radiofrequência. Foi realizado tratamento com cola de cianoacrilato e lente de contato terapêutica associado à medicação tópica. O mesmo manteve progressão do afinamento, sendo necessário recobrimento conjuntival da área corneana alterada 15 dias após a tentativa com a cola. Havendo resolução completa do quadro (figura 4 ). 157 DISCUSSÃO A descompensação endotelial secundária se deve a diferentes causas, mais comumente trauma cirúrgico ou não, inflamação, glaucoma e distrofia de Fuchs cursa com edema estromal e bolhas epiteliais. Os sintomas relacionados ao quadro de ceratopatia bolhosa, devido a sua intensidade, interferem com a qualidade de vida dos pacientes(2,11) . Várias modalidades terapêuticas, descritas anteriormente, são utilizadas para alívio dos sintomas. Além do custo com a manutenção do tratamento, há aumento do risco de neovascularização corneana e infecção, no caso das lentes de contato para fins terapêuticos, ou aumento de inflamação, como no uso crônico de medicações tópicas. Apesar do tratamento de escolha ser a ceratopatia penetrante, alguns tratamentos de punturas no estroma anterior da córnea tem se mostrado efetivo no controle dos sintomas relacionados ao despreendimento epitelial, por estimular a produção de proteínas na matrix extracelular e induzir o desenvolvimento de fibroses subepiteliais, evitando descolamento, como descrito por Cornier et al.(1). A micropuntura com radiofrequência, além da ação mecânica de punção no epitélio, estimulando a reação de fibroblastos, provê uma ação térmica, permitindo encolhimento das fibras de colágeno(6,14). Os pacientes acompanhados nesse estudo não apresentaram padrão de resposta significante quanto aos dados paquimétricos pós-procedimento, havendo desde o aumento da espessura quanto a redução. A irregularidade corneana, dificultando leituras, e a variação individual de resposta à produção de proteínas e colágeno podem ocasionar essas variações. A aferição tonométrica também foi dificultada pela irregularidade epitelial associada ao quadro de ceratopatia bolhosa, pois as miras, observadas no tonômetro de aplanação de Goldman, tornavam-se muito irregulares para permitir leitura confiável. A estesiometria mostrou diminuição inicial da sensibilidade na primeira semana de acompanhamento, com retorno da sensibilidade no pós-procedimento tardio, possivelmente por reorganização dos nervos sensitivos corneanos após a injúria termomecânica. O que não foi acompanhado por aumento nos sintomas de desconforto, mostraram em mais de 90% dos pacientes redução da sensação de corpo estranho e da dor. A fotofobia se manteve sendo referida como queixa por 40% dos pacientes, mas em menor intensidade que o pré tratamento. A intercorrência ocorrida com um dos pacientes durante o acompanhamento, cursando com afinamento corneano, já foi relatada na literatura como possível compli- Rev Bras Oftalmol. 2010; 69 (3): 152-8 158 Macedo AC, Ishirara C, Fairbanks D, Vitiello Neto V, Rehder JRCL cação no procedimento(1), podendo ter sido desencadeada por maior número de punturas na área tratada, havendo necessidade de sempre preservar a área livre de puntura, como pela própria conduta medicamentosa adotada pelo paciente, apesar das orientações médicas, com permanência do uso tópico de antiinflamatório por 4 semanas. Os pacientes acompanhados nesse estudo diminuíram a necessidade de instilação frequente de colírios lubrificantes e o uso de lente de contato terapêutica. A micropuntura com radiofrequência mostrou-se um tratamento válido na ceratopatia bolhosa para a redução de sintomas como dor e sensação de corpo estranho. Tornou-se vantajoso quando comparado com a micropuntura com agulha, devido à menor necessidade de reaplicação. A desvantagem está no custo do equipamento e a necessidade de esterilização a cada uso. A segurança do procedimento depende não apenas de uma técnica rigorosa, mas do acompanhamento próximo dos pacientes nas primeiras semanas. Novos estudos comparativos são necessários para afirmar a eficácia do procedimento a longo prazo. REFERÊNCIAS 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. ABSTRACT Purpose: Evaluate the effect of micro puncture with radiofrequency as treatment of symptomatic patients with bullous keratopathy. Methods: Prospective study in 10 pacients with syntomatic bullous keratopathy and low vision. Micro puncture with radiofrequency was made in areas of the anterior stromal that had an epithelial descompensation. The evaluation of the patients was realized trough clinical examinations (biomicroscopy, pachymetry, tonometry and esthesiometry) and symptom graduation (pain intensity, foreign body sensation, photophobia and insomnia caused by pain). Results: The comparisons of symptoms before treatment and weeks after procedure showed a decrease, in 90% of patients, of the pain, foreign body sensation and insomnia. The measure of corneal sensibility by the Cocher Bonnet esthesiometer presents a reduction in corneal sensibility, among before and after one week of treatment, between 0,5 to 2, in 5 patients. But several weeks after treatment, the corneal sensibility aggrandized in 7 patients, between 0,5 to 2. The corneal thickness evaluation using ultra sonic pachymeter and Goldman tonometer not find important differences. Conclusion: The micro puncture with radiofrequency is a valid treatment in order to reduce symptoms in bullous keratopathy. Keywords: Corneal diseases/surgery; Corneal edema; Corneal stroma; Descemet membrane/surgery Rev Bras Oftalmol. 2010; 69 (3): 152-8 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15. Cormier G, Brunette I, Boisjoly HM, LeFrancois M, Shi ZH, Guertin MC. Anterior stromal punctures for bullous keratopathy. Arch Ophthalmol. 1996; 114 (6): 654-8. Gomes JA, Haraguchi DK, Zambrano DU, Izquierdo Junior L, Cunha MC, de Freitas D. Anterior stromal puncture in the treatment of bullous keratopathy: six-month follow-up. Cornea. 2001; 20(6): 570-2. Tsai TC, Su CY, Lin CP. Anterior stromal puncture for bullous keratophaty. Ophtahlmic Surgery, Lasers & Imaging. 2003; 34(5):371-4. Busin M, Arffa RG, Sebastiani A. Endokeratoplasty as an alternative to penetrating keratoplasdty for the surgical treatment of diseased endothelium: inicial results. Ophthalmology. 2000;107(11):2077-82. Pires RTF, Tseng SC, Prabhasawat P, Puangrsricharem V, Maskin ST, Kim JC. Amniotic membrane transplantation for symptomatic bullous keratopathy. 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Endereço para correspondência: Rua Daniel de Moraes, nº 80 Edf Residência Menlia - apto. 52 - Enseada CEP 11440-330 - Guarujá – (SP), Brasil Email: [email protected] ARTIGO ORIGINAL 159 Avaliação corneana após ‘crosslink’ utilizando dois tipos diferentes equipamentos Corneal assessment after using two different types of crosslinking equipment Edna Motta Almodin1, Juliana Motta Almodin2, Flavia Motta Almodin3 RESUMO Objetivo: Avaliação corneana pós-operatória com a utilização de crosslinking com dois equipamentos distintos. Métodos: Dois grupos de pacientes: grupo A com 36 olhos e grupo B com 19 olhos foram submetidos ao tratamento por crosslinking de colágeno corneano para estabilização de ceratocone. No grupo A foi utilizado o equipamento Crosslink (IROC - Alemanha) e no grupo B o equipamento X-link (Opto - Brasil). Resultados: Foi avaliado o tempo de reepitelização corneana, acuidade visual, biomicroscopia, topografia, tomografia corneana e microscopia especular após uma semana, 1 mês, 3 meses e 1 ano após os procedimentos cirúrgicos. Não houve diferença significativa na avaliação entre os dois grupos. Conclusão: O resultado pós-operatório nos dois grupos foi semelhante. Descritores: Ceratocone/cirurgia; Reagentes para ligações cruzadas; Riboflavina; Raios ultravioleta; Colágeno 1 Médica e Diretora do Provisão Hospital de Olhos de Maringá - Maringá (PR), Brasil; Médica do Provisão Hospital de Olhos de Maringá - Maringá (PR), Brasil; 3 Médica Estagiária do Instituto de Olhos Tadeu Cvintal - São Paulo (SP), Brasil; 2 O trabalho foi realizado no Provisão Hospital de Olhos de Maringá - Maringá (PR), Brasil. Recebido para publicação em: 26/11/2009 - Aceito para publicação em 6/4/2010 Rev Bras Oftalmol. 2010; 69 (3): 159-64 160 Almodin EM, Almodin JM, Almodin FM INTRODUÇÃO O ceratocone é uma doença corneana progressiva que frequentemente aparece na adolescência e na qual a córnea se afina e muda sua forma. A córnea normalmente é arredondada ou esférica, mas com o ceratocone, sofre uma protuberância que distorce e assume a forma de um cone. Isto afeta a maneira com que a luz entra no olho e chega à retina, alterando e distorcendo a visão (1) . O tratamento do ceratocone tem sido a utilização de lentes corretoras e nos casos avançados, transplante de córnea. Mais recentemente tem sido utilizado com sucesso o implante de anel intraestromal(2,3). Alguns autores têm estudado a redução na trama cruzada do colágeno (crosslinking) corneano relacionando aos níveis anormais de dehidronorleucina, provavelmente devido a mudanças na hidroxilação de resíduos de lysyl de colágeno normal ou síntese de colágeno anormal(4). O estudo biomecânico da córnea e sua capacidade de se alterar com modificações bioquímicas e biofísicas já vêm sendo estudados desde a década de 70. A comprovação destas modificações tem sido estruturada nas possíveis alterações do colágeno. Estas alterações do colágeno fazem com que a córnea fique mais propensa às degenerações e alterações que propiciam o abaulamento corneano, causando assim o ceratocone(4). Atualmente tem sido relatado a exposição corneana à ação de Riboflavina sob a irradiação de raios ultravioleta com a finalidade de causar enrijecimento corneano e se disponibilizando como forma alternativa de tratamento para ceratocone(5,6). O objetivo deste trabalho é avaliar o resultado corneano pós-tratamento por crosslinking utilizando dois equipamentos distintos. MÉTODOS Após aprovação pelo comitê em ética e pesquisa do Hospital Almodin Ltda., dois grupos de pacientes para este estudo prospectivo foram avaliados, sendo grupo A com 36 olhos e grupo B com 19 olhos. Esses pacientes foram submetidos ao tratamento por crosslinking de colágeno corneano para estabilização de ceratocone. No grupo A foi utilizado o equipamento Crosslink (IROC® - Alemanha) e no grupo B o equipamento X-link (Opto Brasil®). Em ambos os grupos os pacientes tinham entre 22 e 38 anos de idade, sendo que no grupo A 18 pacientes eram masculinos e 18 femininos e no grupo B 11 eram masculinos e 8 eram femininos. Os casos excluídos do presente estudo foram pacientes que apresentavam Rev Bras Oftalmol. 2010; 69 (3): 159-64 ceratocone avançado com estrias, leucomas ou espessuras corneanas menores de 400M. Os procedimentos foram realizados após ciência do termo de consentimento livre e esclarecido. Os procedimentos foram efetuados em ambiente cirúrgico, com utilização de assepsia e antissepsia com povidine. Foi realizado abrasão corneana no diâmetro de 9 mm, com utilização de colírio anestésico (Allergan®-Brasil) e lâmina de bisturi nº 10, aplicação de Riboflavina 0.1% em 20% de dextran (IROC®- Alemanha) de 5/5minutos intercalados com solução salina balanceada (BSSAlcon®, Brasil) até que a câmera anterior estivesse colorida de amarelo (30 minutos). A seguir, aplicação de ultravioleta (UV- Grupo A com Crosslink - Iroc Alemanha e Grupo B com X-link - Opto Brasil) - com 365nm, 3mw por 30 minutos. Durante a aplicação de UV era ministrado Riboflavina na mesma concentração, de 5/ 5minutos intercalada com BSS. Ou seja, 2,5 minutos após aplicação da Riboflavina era gotejado o BSS e 2,5 minutos após, novamente a Riboflavina e assim sucessivamente por 30 minutos. Após finalizado o procedimento era colocado uma lente de contato (Focus Monthly - Ciba Vision-Brasil®). Na liberação era prescrito Gatifloxacino 0.3% de 6/6h por 1 semana, Predinisolona 12/ 12h, lubrificante - ácido polivinílico 1.4% de 6/6h por 30 dias e analgésico oral fosfato de codeína 7.5mg 12/12h por 5 dias. A Prednisolona era mantida até a reepitelização corneana e após a mesma, era aumentado para 6/6 h por mais 3 semanas, O acompanhamento pós-operatório foi realizado através da avaliação com lâmpada de fenda, medida de acuidade visual, microscopia especular, topografia corneana e refração. A avaliação pósoperatória foi realizada com 24 h, 8 dias , 30 dias, 6 meses e 1 ano. A avaliação de 24 h foi somente clínica e as demais avaliações foram clínica e mensurações. RESULTADOS Analisamos o resultado de 55 olhos operados entre setembro de 2006 a dezembro de 2007, que tinham seguimento por até 1 ano. Os pacientes foram examinados com 24h, 1 semana, 1 mês, 3 meses, 6 meses e 1 ano. Os exames para avaliação de resultados foram: biomicroscopia, medida de acuidade visual, refração, microscopia especular, e topografia corneana. Na biomicroscopia foi avaliado o tempo de reepitelização para retirada da lente de contato e a presença ou não de haze. A reepitelização ocorreu entre 3 a 45 dias, sendo que a média foi de 10 dias com o aparelho IROC e 13 Avaliação corneana após ‘crosslink’ utilizando dois tipos diferentes equipamentos 161 Gráfico 1 Gráfico 2 Tempo médio de cicatrização do epitélio Comparativo de ceratometria média topográfica pré e pós-operatória com máquina IROC Gráfico 3 Gráfico 4 Comparativo de ceratometria média topográfica pré e pós-operatória com máquina X-link-Opto Demonstrativo percentual de Haze dias com o X-link Opto (gráfico 1). Nos 2 grupos, a acuidade visual destes pacientes mostrou piora no primeiro mês, voltando ao estágio inicial ou com melhora de uma a duas linhas de visão no sexto mês, conforme mostram as tabelas 1 e 2 A refração média em equivalente esférico também não apresentou melhora significativa. A refração em equivalente esférico piora no primeiro mês e volta ao valor pré-operatório ou com melhora média de 0.5 dioptria, em 6 meses (tabelas 3 e 4). A média de ceratometria topográfica também não mostra melhora significativa de aplanamento na curvatura máxima. O gráfico demonstra a diminuição de apenas uma dioptria na curvatura corneana em 6 meses e no IROC houve até um aumento de uma e meia dioptria na curvatura máxima no primeiro mês de pós-operatório, sendo que em 6 meses estava igual ou 1 dioptria menor que o valor inicial de pré-operatório (gráficos 2 e 3). O haze 1+/4+ esteve presente em todos os casos, sendo que desapareceu nos primeiros 30 dias e 13% (7 olhos) apresentaram haze 2+/4+ a 3+/4+, sendo que o mais duradouro desapareceu com o uso de corticóide, voltando à visão inicial. A máquina IROC foi responsável por 7% destes casos e o X-link Opto 6%. Apenas um olho (1.8%) permaneceu com baixa de 3 linhas de visão em comparação com o pré-operatório por mais de 6 meses, decorrente do haze (gráfico 4). A microscopia especular permanece igual ou com pequena diminuição de células endoteliais nos 2 grupos. Porém nossa máquina de microscopia especular é de contato e pode ter pequenos desvios de contagem celular aos exames. A diminuição é tão insignificante que consideramos contagem endotelial não alterada neste grupo em que respeitamos os 400 micras de espessura corneana, medida pela paquimetria (gráficos 5 e 6). DISCUSSÃO O crosslink de colágeno corneano com Riboflavina e ultravioleta é um método de tratar ectasias progressivas e os parâmetros de tratamento atualmente aceitos induzem o crosslink de colágeno em 250 a 350 micras de profundidade no estroma anterior corneano(7). Relatos mais recentes têm demonstrado que esta associação provoca apoptose dos queratócitos, atingindo até 300 micras de profundidade na córnea(8). Esta população de queratócitos é recomposta em até Rev Bras Oftalmol. 2010; 69 (3): 159-4 162 Almodin EM, Almodin JM, Almodin FM Gráfico 5 Gráfico 6 Microscopia especular comparativa pré e pós-operatória-Máquina IROC Microscopia especular comparativa pré e pós-operatória-Máquina X-Link-Opto 6 meses, e desde que se respeite o limite de 400 micras na espessura corneana não foi evidenciado danos ao endotélio, cristalino ou retina(9). Pesquisadores têm demonstrado a utilização do crosslink em keratectasias após LASIK(10, 11). O recente alargamento das indicações na utilização desta nova metodologia tem sido utilizado no tratamento de úlceras corneanas, melting e ceratopatia bolhosa(10, 12). Em 2006, Seiler et al. publicaram um artigo em que vinte e três olhos de 22 pacientes com ceratocone avançado (K máximo de 48-72D) foram estudados. Submeteram estes olhos a uma abrasão corneana central, gotas de riboflavina fotossensibilizadora foram aplicadas e depois os olhos foram expostos a UVA (370nm, 3mW/cm2 em 1 cm de distância), durante 30 minutos. Foram executados exames pós-operatórios a cada 6 meses, incluindo medida de acuidade visual, topografia corneana, exame de lâmpada de fenda, medida da densidade de células endoteliais, e documentação fotográfica. O tempo de seguimento foi de 3 meses a 4 anos. Os resultados mostraram que em todos os olhos tratados houve parada da progressão do ceratocone. Em 16 olhos (70%) houve regressão com diminuição na K máxima de 2.01 D e do erro refrativo em 1.14 D. Córnea e cristalino transparentes, densidade de células endoteliais e pressão intraocular inalterados. A acuidade visual melhorou ligeiramente em 15 olhos (65%) e ele concluiu que novos estudos precisavam ser efetuados, mas o crosslink de colágeno poderia ser um novo modo de parar a progressão da ectasia em ceratocone(13, 14). Em nosso estudo não houve nenhuma alteração significativa na microscopia especular destes pacientes, nos mostrando que respeitando as 400µ de espessura corneana, como relatado na literatura, não há lesão a nível de endotélio. Nossa experiência comprovou o Tabela 1 Rev Bras Oftalmol. 2010; 69 (3): 159-64 IROC - Média de acuidade visual pré e pós-operatória Média DP Pré-operatório 1 mês 6 meses 12 meses 20/24.72 0,36 20/27.50 0,23 20/29.05 0,16 20/23.33 0,20 Tabela 2 X-Link OPTO - Média de acuidade visual pré e pós-operatória Média DP Pré-operatório 1 mês 6 meses 12 meses 20/25.26 0,31 20/39.47 0,25 20/20.52 0,13 20/21.05 0,18 Tabela 3 IROC - Refração em equivalente esférico e desvio padrão Média DP Pré-operatório 1 mês 6 meses 12 meses -2.89 0,06 -3.00 0,25 -2.93 0,11 -2.81 0,22 Tabela 4 X-Link-OPTO - Refração em equivalente esférico e desvio padrão Média DP Pré-operatório 1 mês 6 meses 12 meses -2.17 0,03 -2.18 0,21 -2.02 0,16 -2.03 0,20 Avaliação corneana após ‘crosslink’ utilizando dois tipos diferentes equipamentos efeito do crosslink estabilizando a ceratometria corneana topográfica e o crosslink pôde nos auxiliar, mostrando estabilidade da refração em um ano. Nenhuma alteração de cristalino ou retina foram observados nestes casos e nenhuma intercorrência per ou pós-operatória, portanto nenhum efeito adverso, o que nos mostra a segurança da técnica já descrita por vários autores. Ceratite por Staphylococcus epidermidis ou Escherichia coli já foi confirmado como complicação de crosslink, que melhorou com uso de antibiótico fortificado, deixando astigmatismo residual significativo (15, 16) . Caso de melting corneano após 5 dias de crosslink também já foi descrito. O raspado corneano foi positivo para Acanthamoeba (17). Ceratite epitelial geográfica e iritis por herpes também já foram descri.tas como complicação nesta técnica. Crosslink pode induzir Ceratite herpética com iritis igual em pacientes sem história de doença herpética. Diagnóstico precoce e tratamento formal são essenciais para um resultado favorável. Na nossa experiência não tivemos nenhum caso de infecção ou contaminação no pós-operatório e a avaliação pos-operatória revelou resultados semelhantes aos encontrados na literatura(18) . CONCLUSÃO Muito ainda temos que estudar em ceratocone, biomecânica e flexibilidade corneana. Estudos devem ser feitos para colocar os parâmetros de indicação e limites entre as duas técnicas, pois senão estaremos congelando córneas com refrações que podem ser melhoradas com o implante de anel. Faz-se necessário pesquisas para avaliar os limites do crosslink e do implante do anel. Cremos que isto venha nos ajudar a induzir que devemos começar a pensar em normatizar a utilização das duas técnicas. Desta maneira, poderemos melhorar a acuidade visual naqueles que tenham má qualidade refrativa e depois fazermos o crosslink para estabilização destas córneas. O crosslink como primeira escolha deveria ser utilizado apenas nas córneas que tenham boa qualidade refrativa. Mas, devemos sempre abrir um leque para novas tecnologias que vêm se despontando. Poderia ser reduzida a necessidade de ceratoplastia penetrante em ceratocone. Dado a simplicidade da técnica e custos mínimos, isto também poderia ser bem apropriado para países em desenvolvimento. Porém, os resultados a longo prazo se fazem 163 necessários para avaliar a duração do endurecimento e excluir efeitos colaterais. ABSTRACT Objective: Postoperative corneal assessment after using two different types of crosslinking equipment Methods: Two groups of patients, group A with 36 eyes, and group B with 19 eyes, were submitted to the treatment for the stabilization of keractoconus by corneal collagen crosslinking. In group A the equipment used was Crosslink (IROC - Germany), while in group B the equipment was used was Xlink (Opto - Brazil).Results: Corneal reepithelization time, visual acuity, biomicroscopy, topography, corneal tomography and specular microscopy were assessed at 1 week, 1 month, 3 months, and 1 year after the surgical procedures. No significant differences were found in the assessment between the two groups. Conclusion: The postoperative results of both groups were similar. Keywords: Keratoconus/surgery; Cross-linking reagents; Riboflavin; Ultraviolet rays; Collagen REFERÊNCIAS 1. 2. Carlson AN. Keratoconus. Ophthalmology. 2009;116(10):2036-7. Mahmood H, Venkateswaran RS, Daxer A. Implantation of a Complete Corneal Ring in an Intrastromal Pocket for Keratoconus. J Refract Surg. 2010; 25:1-6. 3. Ferrara P, Torquetti L. Clinical outcomes after implantation of a new intrastromal corneal ring with a 210-degree arc length. J Cataract Refract Surg. 2009;35(9):1604-8. 4. 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Endereço para correspondência: Edna Motta Almodin Rua Silva Jardim,nº 359 - Centro CEP 87013-000 - Maringá (PR), Brasil Fax: (44) 3225-1168 e-mail: [email protected] ARTIGO ORIGINAL 165 Avaliação do comportamento da pressão intraocular em pacientes com glaucoma primário de ângulo aberto assimétrico submetidos ao teste provocativo da ibopamina Evaluation of the intraocular pressure behavior in patients with assimetric primary open-angle glaucoma submitted to ibopamine provocative test Fernando Paulo Alves Lima1, Letícia Trevisan Tecchio2, Luciana Amizo Ferreira3, Maurício Magarifuchi4, Ricardo Giacometti Machado5 RESUMO Objetivo: Avaliar o efeito da ibopamina a 2% tópica e comparar a variação na pressão intraocular (PIO) em olhos com glaucoma primário de ângulo aberto assimétrico (GPAA). Métodos: Quinze pacientes (30 olhos) com GPAA com evolução assimétrica da neuropatia entre os dois olhos, onde comparamos em cada paciente a resposta a ibopamina e o defeito perimétrico, caracterizado por uma diferença de pelo menos 5dB de MD entre os olhos. O teste estatístico utilizado foi o t Student bicaudal e para significância estatística estabeleceu-se p <0,05. Resultados: Em 80% dos casos, (12/15 pacientes) o olho mais afetado pelo defeito perimétrico apresentou um aumento da PIO e/ou uma variaçã da PIO pós-ibopamina maior, sendo o resultado estatisticamente significativo (p<0,0001 e p = 0,0006), respectivamente. Conclusão: Este estudo mostrou que o defeito perimétrico no GPAA é significativamente relacionado com a positividade do teste de ibopamina sendo que olhos com maior defeito no campo visual apresentam maiores picos de PIO (max-PIO) pós-ibopamina e/ou uma maior variação em relação a sua PIO prévia ao teste (v-PIO). Descritores: Pressão intraocular/efeito de drogas; Glaucoma de ângulo aberto/ quimioterapia; Campo visual; Perimetria/métodos; Soluções oftálmicas/administração & dosagem; Desoxiepinefrina/administração & dosagem; Desoxiepinefrina/análogos & derivados; Midriáticos/uso diagnóstico 1 Residente do Instituto de Oftalmolgia Tadeu Cvintal - São Paulo (SP), Brasil; Estagiário do Setor de Glaucoma do Instituto de Oftalmologia Tadeu Cvintal - São Paulo (SP), Brasil; 3 Oftalmologista Assistente do Setor de Glaucoma do Instituto de Oftalmologia Tadeu Cvintal - São Paulo (SP), Brasil; 4 Oftalmologista Chefe do Setor de Glaucoma do Instituto de Oftalmologia Tadeu Cvintal - São Paulo (SP), Brasil; 5 Oftalmologista Assistente do Setor de Glaucoma do Instituto de Oftalmologia Tadeu Cvintal - São Paulo (SP), Brasil. 2 Recebido para publicação em: 27/5/2009 - Aceito para publicação em 5/1/2010 Rev Bras Oftalmol. 2010; 69 (3): 165-9 166 Lima FPA, Tecchio LT, Ferreira LA, Magarifuchi M, Machado RG INTRODUÇÃO O glaucoma primário de ângulo aberto (GPAA) é definido como uma neuropatia óptica crônica progressiva, geralmente bilateral, não necessariamente simétrica, caracterizada por um típico dano à cabeça do nervo óptico, com defeitos característicos no campo visual, cursando geralmente com aumento da pressão intraocular (PIO), sem uma causa aparente(1). Em geral, afeta mais de 67 milhões de pessoas no mundo, dos quais 10% são considerados legalmente cegos, sendo o de ângulo aberto o mais frequente dentre todos os glaucomas, acometendo, no Brasil, dois em cada 100 de uma população geral com mais de 40 anos de idade. A estimativa para 2020 é a de que 79.6 milhões de pessoas no mundo serão afetadas pelo glaucoma, sendo que 74% destas serão portadoras de glaucoma primário de ângulo aberto. A raça negra apresenta uma maior incidência; ambos os sexos são acometidos igualmente(2-5). O curso da doença é silencioso, progressivo e bilateral, porém, com frequência, apresenta-se com um padrão assimétrico entre os olhos. Dessa forma, os sintomas subjetivos em geral aparecem em graus moderadamente avançados da doença, sob a forma de escotomas isolados detectados na perimetria, uma vez que há evidências de que essas alterações de campo visual surgem apenas quando 20 a 40% das fibras nervosas já foram destruídas(6-8). A variação da PIO é um fator de risco importante para a progressão da doença, sendo fundamental sua observação para o tratamento adequado. Acredita-se que a característica principal da doença seja a variação da PIO, com diferenças geralmente superiores a 5 mmHg. Aproximadamente um terço dos pacientes com PIO dentro da normalidade em mensurações realizadas em horário de consultório apresentam picos de pressão ao longo do dia, principalmente pela manhã, que levam a progressão da doença(9,10). Desta maneira, para a detecção desses picos, é realizada a curva de tensão diária (CTD), com medidas a partir das 6h às 24h, com aferições a cada três horas, calculando em seguida a média e a variabilidade da PIO. A curva isolada, apesar de não diagnosticar o glaucoma, é um dado a mais para o diagnóstico de casos duvidosos. Além da CTD, existe o teste de sobrecarga hídrica (TSH), que consiste na ingestão de 1000 ml de água em 5 min. A PIO é medida imediatamente antes do teste e a cada 15min após a ingestão até que a PIO volte ao nível basal. O teste baseia-se na teoria de que olhos glaucomatosos irão apresentar um maior aumento e variação dos níveis pressóricos em comparação com indivíduos normais.(11,12) Rev Bras Oftalmol. 2010; 69 (3): 165-9 Estudos indicam que um teste provocativo, utilizando a ibopamina a 2%, pode ser muito útil na avaliação do glaucoma.(13,14) A ibopamina(3,4) (di-isobutirilester de N-metildopamina) é um análogo da epinina, que é uma catecolamina que exibe atividade tanto nos receptores adrenérgicos como dopaminérgicos. A ação adrenérgica causa uma midríase não cicloplégica, enquanto que a ação dopaminérgica leva a um aumento da produção do humor aquoso. Desta maneira, visto que muitos pacientes com glaucoma apresentam um sistema de drenagem alterado, este teste foi postulado para detectar precocemente o glaucoma, uma vez que os pacientes com glaucoma apresentariam um pico e uma variação de PIO mais importante que pacientes normais.(14,15) A hipótese aventada é a de que o olho com dano glaucomatoso mais avançado apresenta um pico pressórico e/ou uma variação mais ampla da PIO em relação ao olho contralateral. MÉTODOS O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em pesquisa do Instituto de Oftalmologia Tadeu Cvintal, sendo o mesmo conduzido de acordo com a Declaração de Helsinki. Os critérios de inclusão foram pacientes com > ou = 40 anos de idade; glaucoma primário de ângulo aberto (definido como defeito localizado ou difuso de rima neural e com defeitos característicos em campo visual); gonioscopia compatível com ângulo aberto (definida como seio camerular aberto até pelo menos o esporão escleral em 360°); uso de medicações idêntico em ambos os olhos (monoterapia ou terapia conjugada); assimetria no valor do “mean deviatio” (MD) maior ou igual a cinco decibéis (5 db) entre um olho e outro. Os critérios de exclusão foram doenças retinianas associadas, cirurgias oculares prévias, laser e catarata. Duas gotas de ibopamina a 2% foram instiladas com uma diferença de cinco minutos entre elas e a PIO foi mensurada antes da instilação, 30, 60 e 180 minutos após a instilação da gota inicial, utilizando-se o tonômetro de Goldmann. A amplitude de variação da PIO e a PIO máxima pós-ibopamina foi comparada com a severidade do glaucoma. Em cada paciente, a PIO do olho mais afetado foi comparada utilizando-se os parâmetros: PIO prévia ao uso da ibopamina (prev-PIO), PIO máxima após o uso da ibopamina (max-PIO), Variação PIO após ibopamina (v-PIO). Para análise do trabalho foram concebidos dois grupos: A - olhos que apresentavam maior defeito de 167 Avaliação do comportamento da pressão intraocular em pacientes com glaucoma primário de ângulo aberto ... campo visual; e B - olhos que apresentavam menor defeito de campo visual. No momento da realização dos exames, os examinadores desconheciam qual olho do paciente apresentava maior lesão demonstrada pela perimetria. As médias foram comparadas pelo test t Student bicaudal e para significância estatística estabeleceu-se p < 0,05. RESULTADOS A população que foi submetida ao teste era composta de 15 pacientes (nove homens e seis mulheres), com média de idade de 69,4 anos, com faixa de variação entre 40 a 84 anos. Todos os pacientes utilizavam medicações antihipertensivas pertencentes à classe dos betabloqueadores, inibidores da anidrase carbônica e agonistas alfa-adrenérgicos, sendo utilizada em ambos os olhos, dos quais quatro utilizavam análogos das prostaglandinas. As medicações eram utilizadas pelos pacientes em monoterapia ou de maneira combinada. A média do defeito perimétrico no olho mais afetado foi de -11.82 dB (Octopus 1-2-3) e a média do defeito perimétrico no olho menos afetado foi de -5,27 dB (Octopus 1-2-3). Houve um cuidado particular para instilar a mesma quantidade de droga em ambos os olhos, visto que o efeito hipertensivo da ibopamina é dose dependente. Além disso, duas amostras de ibopamina a 2% foram necessárias, uma vez que o efeito hipertensivo, diferentemente do efeito midriático, pode diminuir sete dias após a preparação do colírio e, em nosso estudo, um grupo foi submetido aos testes em dezembro de 2007 e outro grupo em janeiro de 2008. Após o teste de ibopamina, em 80% (12/15) dos pacientes, o olho com maior defeito no campo visual foi o que apresentou o maior pico pressórico pós-ibopamina e/ou uma variação mais ampla da PIO. Max - PIO e v - PIO, dentro de nossa análise, foram significativamente diferentes no olho mais e menos afetado (tabela 1). DISCUSSÃO A ibopamina a 2% é um midriático não cicloplégico que aumenta a produção do humor aquoso (3) , induzindo hipertensão ocular em olhos glaucomatosos, onde o sistema de drenagem geralmente encontra-se prejudicado, o que tem sido demonstrado em uma série de estudos(16-17). Dessa forma, objetivamos Tabela 1 Médias e desvio padrão da pressão intraocular prévia ao teste, Pico de PIO pós-ibopamina e variação de PIO pós-ibopamina PIO Prévia PIO Máxima Variação PIO Grupo A Olho com > defeito Grupo B Olho com < defeito 14.8 ± 4.0 22.7 ± 6.1 7.9 ± 3.5 13.4 ± 3.2 19,4 ± 4,7 6.0 ± 3.0 Diferença Valor de p 1,3 ± 2,2 0,0359 3,2 ± 2.3 <0.0001 1,9 ± 1,7 0,0006 formular a hipótese de que em indivíduos com GPAA assimétrico, os olhos com defeitos perimétricos mais avançados apresentariam maiores valores de pico de PIO e/ou uma maior variação da PIO, pela presença de uma drenagem menos eficiente nestes olhos. Em relação à variação da PIO, estudos têm demonstrado que estas variações têm associação com a aparente progressão do campo visual, independente da média da PIO(18-19). Em nosso estudo, onde consideramos uma diferença mínima de 05 dB entre os olhos, observamos que 12 dos 15 pacientes apresentaram um maior pico de PIO pós-ibopamina (max-PIO) e/ou uma maior variação da PIO (v-PIO) nos olhos com maior defeito perimétrico, indo de encontro ao que foi descrito na literatura(20). Todavia, em outro estudo mais recente, esta relação não foi estatisticamente significante, provavelmente devido ao fato de não ter sido feita uma seleção rigorosa dos pacientes em relação à diferença no MD(21). Dos pacientes de nosso estudo, quatro faziam uso de análogos de prostaglandinas para o controle da PIO, isoladamente ou associado a outras drogas e em todos estes pacientes o teste provocativo foi positivo, compactando com o que já havia sido descrito em um amplo estudo com um grupo de 52 pacientes em uso de Latanoprost, onde foi evidenciado que o aumento da PIO pós-administração de ibopamina não é influenciado pelo uso da droga em questão(22). Todavia, esta relação ibopamina e análogos da prostaglandina, ainda necessita de mais estudos, uma vez que há trabalhos que indicam que o uso destas drogas levam a uma diminuição da sensibilidade do teste provocativo da ibopamina(21). É importante ressaltar que em pacientes com GPAA avançado, o teste deve ser realizado com maior cautela, visto que dois pacientes de nosso estudo com GPAA avançado desenvolveram, após o teste, picos pressóricos muito elevados, iguais ou acima de 30 mmHg. Rev Bras Oftalmol. 2010; 69 (3): 165-9 168 Lima FPA, Tecchio LT, Ferreira LA, Magarifuchi M, Machado RG No presente estudo, o teste provocativo da ibopamina mostrou-se uma ferramenta auxiliar para a propedêutica do glaucoma, auxiliando na avaliação do sistema de drenagem do aquoso dos olhos dos pacientes, podendo realmente revelar defeitos no equilíbrio hidrodinâmico do aquoso. Estudos comparando o teste provocativo da ibopamina e a curva tensional diária em pacientes com glaucoma têm sido realizados, mostrando correlação estatisticamente significativa(23), porém mais estudos comparando o teste provocativo da ibopamina, a curva tensional diária e a curva hídrica fazem-se necessários. Diante disso, sugere-se que, nos próximos estudos, seja feita a comparação do teste provocativo da ibopamina e de seus resultados nos glaucomas iniciais, avaliando os pacientes que apresentaram uma resposta assimétrica anos após o teste, para saber se o olho que apresentou uma resposta mais acentuada no primeiro momento apresentou também defeito perimétrico mais acentuado, o que pode, no futuro, ajudar no seguimento desses pacientes. CONCLUSÃO Este estudo mostrou que o defeito perimétrico no GPAA é significativamente relacionado com a severidade do defeito de drenagem e com a positividade do teste de ibopamina, sendo que olhos com maior defeito no campo visual apresentaram maiores picos de PIO (max-PIO) pós-ibopamina e/ou uma maior variação em relação a sua PIO prévia ao teste (v-PIO). ABSTRACT Objective: To evaluate the topic 2% ibopamine effect in the intraocular pressure (IOP) of eyes with assimetric primary open-angle glaucoma (POAG). Methods: 15 patients (30 eyes) with primary open-angle glaucoma showing assimetric nerve disease evolution were assessed. We compared in all patients, the ibopamine response and the visual field defect between both eyes. The visual field, to be considered, should have at least 5 dB in MD difference between them. The statistical analysis was done with the Two-Tailed Student Test, with a Statistics significance of p<0.05. Results: In 80% of the cases, (12/ 15 patients), the most affected eye in the visual field presented a greater variation and/or higher intraocular pressure after the ibopamine provocative test. The difference was statistically significant (p<0.00001 and p= 0.0006) respectively. Conclusion: This study showed that the visual field defect in GPAA is significantly Rev Bras Oftalmol. 2010; 69 (3): 165-9 connected with the positivity of the ibopamine test. The most affected eyes in the visual field presented a higher intraocular pressure (max-PIO) and/or a greater variation (v-PIO) after the ibopamine provocativetest. Keywords: Intraocular pressure/drug effects; Glaucoma, open-angle/drug therapy; Visual fields; Perimetry/methods; Ophthalmic solutions/administration & dosage; Deoxyepinephrine/administration & dosage; Deoxyepinephrine/analogs & derivatives; Mydriatics/ diagnostic use. REFERÊNCIAS 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. Fechtner RD, Weinreb RN. 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Endereço para correspondência: Instituto de Oftalmologia Tadeu Cvintal Rua Maria Figueiredo, nº 283 - Paraíso CEP 04002-001 - São Paulo (SP), Brasil Email: [email protected] Rev Bras Oftalmol. 2010; 69 (3): 165-9 ARTIGO ORIGINAL 170 Teste da ibopamina tópica em pacientes normais, suspeitos e portadores de glaucoma Topic ibopamine test in normal, suspects and glaucoma patients Marina Lotto Cordeiro¹, Walter Amorim², Jose Ricardo Carvalho Lima Rehder³ RESUMO Objetivo: O objetivo deste estudo é avaliar os efeitos da ibopamina tópica a 2% sobre a Pio (pressão intraocular) em olhos normais, suspeitos e olhos com glaucoma primário de ângulo aberto (GPAA) e sua eficácia como teste provocativo para glaucoma. Método: Foram selecionados 10 pacientes (20 olhos) com GPAA, 10 pacientes (20 olhos) suspeitos de GPAA e 10 pacientes (20 olhos) normais e submetidos ao teste da ibopamina a 2%. O teste foi considerado positivo quando, em uma das medidas (30, 45 e 60 minutos) após a instilação de 2 gotas de colírio de ibopamina a 2%, com intervalo de 5 minutos entre as gotas, houve aumento da Pio maior ou igual a 4 mmHg. Resultados: O teste da Ibopamina foi positivo em 16 (80%) olhos com GPAA (grupo 1), 9 (45%) olhos suspeitos (grupo 2) e 6 (30%) dos olhos considerados normais (grupo 3). A melhor relação sensibilidade/especificidade foi observada no minuto 60 para ambos os olhos (área sob a curva ROC: 0,90; sensibilidade: 90% e especificidade: 90%). Todos os pacientes referiram discreta ardência à instilação do colírio. Conclusão: Os resultados deste estudo sugerem que a ibopamina em forma de colírio pode representar uma alternativa na avaliação do equilíbrio hidrodinâmico intraocular em olhos com glaucoma. Descritores: Agonistas dopaminérgicos/administração & dosagem; Glaucoma de ângulo aberto/diagnóstico; Pressão intraocular/efeito de drogas; Soluções oftálmicas; Sensibilidade e especificidade 1 Residente do 1° ano do Departamento de Oftalmologia da Faculdade de Medicina do ABC - FMABC - Santo André (SP), Brasil; Chefe do Setor de Glaucoma do Departamento de Oftalmologia da Faculdade de Medicina do ABC - FMABC - Santo André (SP), Brasil; 3 Professor Titular do Departamento de Oftalmologia da Faculdade de Medicina do ABC - FMABC - Santo André (SP), Brasil; 2 Trabalho realizado no Departamento de Oftalmologia da Faculdade de Medicina do ABC - FMABC - Santo André (SP), Brasil. Recebido para publicação em: 18/8/2009 - Aceito para publicação em 10/9/2009 Rev Bras Oftalmol. 2010; 69 (3): 170-5 Teste da ibopamina tópica em pacientes normais, suspeitos e portadores de glaucoma INTRODUÇÃO A ibopamina (3,4 diisobutirilester de N-metildopamina) é uma droga simpatomimética dopaminérgica periférica que aumenta o fluxo sanguíneo renal e é utilizada, por via oral, no tratamento da insuficiência cardíaca congestiva. Na forma tópica ocular exerce sobre o olho ação midriática, não-cicloplégica, e ativa os receptores D1 dopaminérgicos presentes no epitélio secretor não pigmentado do corpo ciliar, sendo capaz de induzir aumento da pressão intraocular (Pio) em olhos com vias de escoamento do humor aquoso alteradas(1,2). O efeito hipertensivo da ibopamina tópica é transitório (150 a 180 minutos) e não está relacionado à midríase e sim, ao aumento da produção de humor aquoso(3-6). O objetivo deste estudo é avaliar os efeitos da ibopamina tópica a 2% sobre a Pio em olhos normais, suspeitos e olhos com glaucoma primário de ângulo aberto e sua eficácia como teste provocativo para glaucoma. MÉTODOS Design do estudo e população A coleta de dados foi realizada no Departamento de Glaucoma da Disciplina de Oftalmologia da Faculdade de Medicina do ABC. Foram examinados 30 pacientes (60 olhos) e distribuídos em 3 grupos distintos, de acordo com os critérios de inclusão previamente estabelecidos. Do total de pacientes, 13 eram do sexo masculino e 17 do sexo feminino. A média de idade foi de 58 anos, variando entre 46 e 78 anos. Os olhos foram divididos em 3 grupos de 10 pacientes, que apresentaram as seguintes características: Grupo 1: 20 olhos de 10 pacientes, 5 do sexo masculino e 5 do sexo feminino; idade média de 62 anos (variando entre 45 e 78 anos), com o diagnóstico de glaucoma primário de ângulo aberto, de acordo com os seguintes critérios: · Seio camerular aberto, evidenciado pela gonioscopia (desde Linha de Shwalb até Esporão Escleral visível em todos os olhos); · Fundoscopia, mostrando ao exame do disco óptico, alterações características de glaucoma; · Perimetria computadorizada Humphrey, Threshold Test, Central 24-2, convencional, apresentando alteração característica para glaucoma e correspondente à fundoscopia; 171 · Olhos não submetidos a procedimentos cirúrgicos incisionais ou laser; · Pio detectada >21 mmHg; · Excluídos pacientes utilizando análogos de prostaglandina para o tratamento de glaucoma. Grupo 2: 20 olhos, de 10 pacientes, 4 do sexo masculino e 6 do sexo feminino; idade média de 51 anos (variando entre 38 e 72 anos), com a suspeita de glaucoma primário de ângulo aberto (hipertensos oculares), de acordo com os seguintes critérios: · Fundoscopia, mostrando ao exame do disco óptico, alterações características de glaucoma; · Perimetria computadorizada Humphrey, Threshold Test, Central 24-2, convencional, normal; · Pio detectada > 21 mmHg. · Olhos não submetidos a procedimentos cirúrgicos incisionais ou laser; Grupo 3: 20 olhos, de 10 pacientes, 4 do sexo masculino e 6 do sexo feminino; idade média de 61 anos (variando entre 46 e 78 anos), de acordo com os seguintes critérios: · Pio detectada menor que 21 mmHg; · Perimetria computadorizada Humphrey, Threshold Test, Central 24-2, convencional, normal; · Seio camerular aberto evidenciado pela gonioscopia; · Fundoscopia normal; · Olhos não submetidos a procedimentos cirúrgicos incisionais ou laser. Coleta de dados Todos os pacientes foram submetidos ao teste da ibopamina a 2% seguindo a sequência: 1.Tonometria de aplanação com tonômetro de Goldman; 2.Instilação de 1 gota de colírio - ibopamina a 2%; 3.Intervalo de 5 minutos; 4.Instilação de 1 gota de colírio - ibopamina a 2%; 5.Intervalo de 30 minutos; 6.Tonometria de aplanação com o mesmo tonômetro e pelo mesmo examinador; 7.Intervalo de 15 minutos (45 minutos após segunda gota); 8.Tonometria de aplanação com o mesmo tonômetro e pelo mesmo examinador; 9.Intervalo de 15 minutos (60 minutos após segunda gota); 10.Tonometria de aplanação com o mesmo tonômetro e pelo mesmo examinador. Rev Bras Oftalmol. 2010; 69 (3): 170-5 172 Cordeiro ML, Amorim W, Rehder JRCL Tabela 1 Idade dos pacientes e medidas da Pio média do teste da ibopamina para OD Pio média OD Pio média OD Pio média OD 30’após 45’após 60’após Idade média Pio média OD ibopamina ibopamina ibopamina (anos) (mmHg) (mmHg) (mmHg) (mmHg) Grupo 1 Grupo 2 Grupo 3 62,30 50,70 60,70 18,00 16,20 15,50 24,10 19,20 17,50 22,80 18,30 17,00 21,70 18,10 15,50 Tabela 2 Idade dos pacientes e medidas da Pio média do teste da ibopamina para OE Pio média OE Pio média OE Pio média OE 30'após 45'após 60'após Idade média Pio média OE ibopamina ibopamina ibopamina (anos) (mmHg) (mmHg) (mmHg) (mmHg) Grupo1 Grupo2 Grupo3 62,30 50,70 60,70 17,50 16,10 15,40 22,60 17,80 17,40 22,20 17,50 16,70 21,60 18,10 18,43 Tabela 3 Dados sobre a positividade do teste da ibopamina nos diferentes grupos Positivos Negativos Total Grupo 1 Grupo 2 Grupo 3 Total 16 4 20 9 11 20 6 14 20 31 29 O teste da ibopamina foi considerado positivo quando o aumento da Pio, em qualquer uma das medidas após a instilação, foi igual ou superior a 4 mmHg em relação a Pio inicial. Todos os colírios de ibopamina foram manipulados pela mesma farmácia de manipulação (Ophtalmos) e pelo mesmo profissional. RESULTADOS O teste da Ibopamina foi positivo em 16 (80%) olhos com GPAA (grupo 1), 9 (45%) olhos suspeitos (grupo 2) e 6 (30%) dos olhos considerados normais (grupo 3). Todos os pacientes apresentaram midríase (>6mm) e queixaram-se de ardência após a instilação do colírio de ibopamina a 2%. Nenhum efeito adverso Rev Bras Oftalmol. 2010; 69 (3): 170-5 sistêmico foi observado e/ou atribuído à ibopamina. Os dados foram analisados utilizando-se o programa estatístico SPSS em sua versão 13.0. Adotamos o nível de significância de 5% (0,005) para aplicação dos testes estatísticos, ou seja, quando o valor da significância calculada (p) for menor que 5%, observamos uma diferença dita “estatisticamente significante”. Não observamos diferenças estatisticamente significantes entre os grupos na análise das idades, bem como das pressões oculares basais bilateralmente. Nesta avaliação, foi aplicado o teste de KruskalWallis com o intuito de verificarmos possíveis diferenças entre os três grupos quando comparados concomitantemente. Após a utilização da ibopamina tópica, porém, observamos que os grupos passaram a se comportar de maneira diferente. Houve significância estatística nesta divergência em suas avaliações nos minutos 30, 45 e 60, Teste da ibopamina tópica em pacientes normais, suspeitos e portadores de glaucoma tanto no olho direito quanto no esquerdo.Os grupos apresentaram-se mais diferentes entre si nas medidas da Pio após 45 e 60 minutos da utilização da ibopamina tópica em relação à medida após 30 minutos, com valor de p no olho esquerdo variando de 0,014 (minuto 30) para 0,003 (minuto 60) e 0,041 (minuto 30) para 0,009. Utilizamos o teste de Mann-Whitney para identificarmos quais grupos diferem entre si para aquelas variáveis que se demonstraram estatisticamente significantes, ou seja, comportamentos diferentes na análise concomitante. Na avaliação dos grupos controle x suspeito observamos apenas comportamentos diferentes (p=0,020) na variável minuto 60 para olho esquerdo. Já na avaliação pareada dos grupos controle x glaucomatoso, houve diferença estatisticamente significante em todas as variáveis (minutos 30, 45 e 60) bilateralmente, sendo esta análise demonstrativa que a elevação da Pio varia de maneira mais significativa nos portadores de glaucoma. A avaliação dos grupos suspeitos x glaucomatosos apresentou comportamento intermediário em relação às anteriores, com diferenças estatisticamente significantes no minuto 30 para o olho esquerdo (p=0,030) e no minuto 45 para o olho esquerdo (p=0,002). Observamos, portanto, que os grupos controle e glaucomatoso apresentam-se como sendo os “mais diferentes” entre si após utilização da ibopamina e que os grupos controle e suspeito foram os que menos divergiram após a sua utilização. Com o intuito de verificarmos possíveis diferenças entre os quatro momentos de observação, quando comparados concomitantemente por grupo considerado, utilizamos o teste de Friedman. Nos grupos controle, suspeito e glaucomatoso foi obtida diferença estatística, ou seja , dentro de cada grupo houve diferença de comportamento da Pio nas medidas basal, 30, 45 e 60 minutos. Como em todas as comparações realizadas observamos diferenças estatisticamente significantes, utilizamos o Teste dos Postos Sinalizados de Wilcoxon para identificarmos os momentos que se diferenciam entre si. Na avaliação do grupo controle, observamos que o “basal” diferencia-se do momento “30”,o momento “30” diferencia-se do momento “60”, e o momento “45”diferencia-se do momento “60”, para ambos os lados. Na avaliação do grupo suspeito e glaucomatoso, no geral, o momento “basal” diferencia-se dos demais momentos que, por sua vez, são estatisticamente semelhantes. Para identificarmos valores de “notas de corte” ou “cutoffs” para o par de grupos controle e glaucomatoso utilizamos a análise da curva ROC considerando os lados e momentos de observação. A melhor relação sensibilida- 173 de/especificidade para o teste, tanto para o olho direito quanto para o olho esquerdo foi observada no momento (minuto) 60, atingindo área sob curva de 0,90 bilateralmente. A nota de corte correspondente ao minuto 60 para o olho direito encontrada foi 17,00, indicando valor de sensibilidade e especificidade do teste de 90%.A nota de corte correspondente ao minuto 60 para o olho esquerdo encontrada foi de 16,50, indicando valor de sensibilidade e especificidade de 90%. Para os diversos momentos de observação, valores de Pio menores a cada nota de corte correspondente indicam maior probabilidade de pertinência ao grupo controle, enquanto valores maiores do que a nota de corte, indicam maior probabilidade de pertinência ao grupo glaucomatoso. DISCUSSÃO A ibopamina (N-metildopamina 3,4 ester diisobutírico) utilizada como colírio é hidrolizada à epinina, um análogo da dopamina quando em contato com meio ocular. A epinina combina-se com receptores alpha adrenérgicos e D1 dopaminérgicos que causam,respectivamente, após sua ativação, midríase não cicloplégica e aumento na produção de humor aquoso. Devido à deficiente drenagem intraocular presente em indivíduos glaucomatosos, estes pacientes apresentam aumento da Pio significativo quando submetidos à aplicação de ibopamina tópica(2,5,7). Seguindo este princípio, diversos testes foram estudados como indicadores prognósticos do glaucoma, como os testes de sobrecarga hídrica, provocativos de midríase e ensaios terapêuticos(8). Existem relatos na literatura demonstrando que a ibopamina tópica é capaz de identificar alteração no escoamento do humor aquoso mesmo em olhos com Pio estatisticamente normal(3), sendo porém este aumento mais evidente em olhos glaucomatosos, evidenciando a comprovada ação sobre o equilíbrio hidroeletrolítico ocular. Utilizamos em nosso estudo a ibopamina a 2%, bem como em outros ensaios descritos na literatura. Um estudo, comparando ibopamina tópica a 1 e 2% como teste provocativo para GPAA, encontrou a melhor relação sensibilidade/especificidade na observação da Pio após 45 minutos da administração de ibopamina a 2%, porém não foi encontrada diferença estatisticamente significante em qualquer medida comparando as duas concentrações. Os autores recomendam a utilização da ibopamina a 2% como teste provocativo por sua maior sensibilidade. A ibopamina a 1% é indicada para o tratamento da Rev Bras Oftalmol. 2010; 69 (3): 170-5 174 Cordeiro ML, Amorim W, Rehder JRCL hipotonia ocular por sua menor concentração e também, boa relação sensibilidade/especificidade(7,9). Em nosso estudo, todos os pacientes relataram ardência de leve intensidade após aplicação do colírio, queixa esta frequente nos relatos da literatura. Alguns (3) pacientes queixaram-se do odor desagradável do colírio, sendo esta queixa pouco frequente em estudos semelhantes. Utilizamos 2 gotas de ibopamina a 2% com intervalo de 5 minutos entre cada aplicação, bem como relatos prévios da literatura(7,8,10) e consideramos o teste positivo quando observado aumento igual ou maior a 4 mmHg em relação a Pio basal, o que é descrito na grande maioria dos relatos, embora alguns estudos considerem um aumento maior ou igual a 3 mmHg como positivo(7). Utilizamos ibopamina em pacientes glaucomatosos em uso ou não de medicação hipotensora, exceto os análogos de prostaglandinas, devido ao estudo na literatura que observou comportamento semelhante das pressões ao teste com diferentes drogas hipotensoras, o que não foi observado nos usuários de análogos de prostaglandinas. No estudo essa diferença é atribuída hipoteticamente à drenagem alternativa pela via úveo-escleral(8.11). Realizamos aferição da Pio em 30, 45 e 60 minutos, como descrito na grande maioria dos estudos. Um estudo(8) realizou a medida em 180 minutos, o que não concordamos, considerando tempo excessivo dispendido pelo paciente e metabolização de grande parte da ibopamina, perdendo assim importância para real aplicação do teste no ambulatório oftalmológico. Em nosso estudo, os grupos controle e glaucomatosos foram os que demonstraram comportamentos mais diferentes entre si, com maior elevação da Pio em glaucomatosos. Observamos também que dentro de cada grupo, o momento de observação (30, 45 ou 60) gera valores estatisticamente diferentes entre si, sendo a principal variação nas comparações das medidas após a administração da ibopamina com a Pio basal e não propriamente com os momentos de observação entre si. Um estudo comparativo da Pio em 30, 60 e 180 minutos observou um aumento estatisticamente maior no minuto 30, com sensibilidade de 87% e especificidade de 95%(8). Já na avaliação de Magacho et al.(7) o teste demonstrou melhores resultados no minuto 45 para ambos os olhos com sensibilidade de 84,6% e especificidade de 73,3%. Em nossa avaliação, encontramos melhor eficiência do teste no minuto 60, bilateralmente,atingindo valores de sensibilidade e especificidade de 90%. Rev Bras Oftalmol. 2010; 69 (3): 170-5 CONCLUSÃO O teste provocativo da ibopamina a 2% pode ser utilizado com segurança na propedêutica do GPAA. A ibopamina gera maiores alterações na Pio em pacientes glaucomatosos, alcançando maior sensibilidade e especificidade como teste diagnóstico quando a Pio é medida 60 minutos após sua aplicação. ABSTRACT Purpose: Evaluation of the effects of topic ibopamine in normal eyes, suspects and eyes with primary open-angle glaucoma (POAG) as well as your efficacy as a provocative test for glaucoma. Methods: 10 POAG pacients (20 eyes), 10 pacients suspects of POAG (20 eyes) and 10 normal Pacients (20 eyes) were selected and submitted to the topic ibopamine test. The test was considered positive when in one of the measures (30, 45 and 60 minutes) after instillation of 2 drops of 2% ibopamine, 5 minutes apart, the intraocular pressure (IOP) elevation was = 4 mmHg. Results: The ibopamine test was positive in 16 (88%) eyes with POAG, 9 (45%) eyes suspects of POAG and 6 (30%) normal eyes. The best sensitivity/specificity ratio was achieved at 60 minutes for both eyes (Se/Sp: 90%) . All patients described a slight burning after ibopamine's instillation. Conclusion: The results of this study suggests that topical 2% ibopamine is a secure alternative to evaluate outflow system impairment in eyes with glaucoma. Keywords: Dopamine agonists/administration & dosage; Open-angle glaucoma/diagnosis; Intraocular pressure/drug effects; Ophthalmic solutions; Sensitivity and specificity REFERÊNCIAS 1. 2. 3. 4. Virno M, Taverniti L, Taloni M, Ioppolo A, Pellegrino N. Studio sperimentale degli effetti locali e sistemici dell'ibopamina, farmaco dotato di attivitá adrenergica e dopaminergica. Boll Ocul. 1986;65:1169 Virno M, Taverniti L, Motolese E, Taloni M, Bruni P, PecoriGiraldi J. Ibopamina: nuovo midriatico non cicloplegico (nota preliminare). Boll Ocul. 1986;65:1135-46 Virno M, Pecori-Giraldi J, Taverniti L, Taloni M, Pannarale L. Intraocular hypertensive effects of topically administered ibopamine in eyes with hydrodynamic disorders: provocative test for glaucoma. 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Arq Bras Oftalmol. 2006;69(5):695-9. Magacho L, Costa ML, Lima FE, Magacho B, Ávila MP. Análogos das prostaglandinas diminuem a sensibilidade do teste provocativo da ibopamina no glaucoma. Arq Bras Oftalmol. 2006;69(2):193-6. 175 9. Lima FE, Pacífico M, Carvalho D, Avila M. Ibopamina tópica em hipotensão ocular. Rev Bras Oftalmol. 1999;58(2):143-7. 10. Lima FE, Guimarães NLD, Santos LM, Costa LP, Ávila M. Ibopamina tópica na propedêutica do glaucoma. Rev Bras Oftalmol. 2002;61(2):109-13. 11. Magacho L, Lima FE, Costa ML, Fayad FA, Guimarães NL, Avila MP. Ibopamine provocative test and glaucoma: consideration of factors that may influence the examination. Curr Eye Res. 2004;28(3):189-93. Endereço para correspondência: Marina Lotto Cordeiro Rua das Aroeiras, nº 392- apto 101 CEP 09090-000 - Santo André (SP), Brasil E-mail: cordeiromarina@hotmail Rev Bras Oftalmol. 2010; 69 (3): 170-5 RELATO 176 DE CASO Retinocoroidite toxoplásmica reativada provavelmente por cirurgia refrativa Laser In Situ Keratomileusis - LASIK Probable reactivation of toxoplasmic retinochoroiditis by refractive surgery - Laser In Situ Keratomileusis - LASIK Afonso Medeiros1, Marília Medeiros2, Elisabeto Ribeiro Gonçalves3, Isadora Meyer4, João Pessoa de Souza Filho5 RESUMO O presente trabalho objetiva demonstrar provável relaço entre recorrência de toxoplasmose ocular e cirurgia refrativa (LASIK). Trata-se de relato de caso de um paciente de 33 anos de idade com recorrência de retinocoroidite toxoplásmica após cirurgia de LASIK. O exame fundoscópico do olho esquerdo revelou foco de retinocoroidite em atividade, satélite a cicatriz antiga de toxoplasmose ocular, 17 dias após cirurgia de LASIK. Os autores apresentam subsídios para o estabelecimento de relação causal entre LASIK e a reativação de retinocoroidite toxoplasmática. Descritores: Ceratomileuse assistida por excimer laser in situ/efeitos adversos; Toxoplasmose ocular/etiologia; Coriorretinite; Miopia/cirurgia; Recidiva; Relatos de casos. 1 Chefe do Departamento de Uveíte do Instituto de Olhos do Recife - Recife (PE), Brasil; Oftalmologista do Departamento de Cirurgia Refrativa do Instituto de Olhos do Recife - Recife (PE), Brasil; 3 Chefe do Serviço de Retina e Vítreo e de Eletrofisiologia Ocular do Instituto de Belo Horizonte - Belo Horizonte (MG), Brasil; 4 Médica Residente em Oftalmologia do Instituto de Olhos do Recife - Recife (PE), Brasil; 5 Professor Adjunto de Oftalmologia da Universidade Federal da Paraíba - UFPA - João Pessoa (PB), Brasil e da Universidade Federal de Campina Grande - UFCG - Campina Grande (PB), Brasil. 2 Instituição: Instituto de Olhos do Recife (Recife-PE) Recebido para publicação em: 28/1/2010 - Aceito para publicação em 19/3/2010 Rev Bras Oftalmol. 2010; 69 (3): 176-9 Retinocoroidite toxoplásmica reativada provavelmente por cirurgia refrativa - Laser In Situ Keratomileusis - LASIK INTRODUÇÃO A manifestação ocular mais comum da toxoplasmose consiste em focos de necrose retiniana, com subjacentes coroidite e vitreíte. A lesão se mantém ativa durante semanas e, depois de cicatrizada, pode conter cistos do Toxoplasma gondii, de forma que o protozoário permanece viável nos tecidos durante anos. A relação entre rotura traumática da parede dos cistos toxoplásmicos e recorrência da toxoplasmose ocular pode ser explicada pela reação de hipersensibilidade desencadeada pela liberação de antígenos intracísticos. Essa liberação alteraria o delicado equilíbrio de imunorregulação, dando início ao processo de sensibilização retiniana. Já foi demonstrado em animais de laboratórios modificações na imunorregulação medidas também pelo estresse e, por isso, acredita-se que o estresse emocional pode atuar como fator causal ou de recorrência de algumas formas de uveíte (1) . Alterações no mecanismo de imunorregulação podem ser atribuídas a causas relacionadas ao hospedeiro (alterações na imunidade celular, por exemplo), ao parasita (crescimento dos cistos ou reação cruzada de antígenos, induzindo autoimunidade) ou externos, como infecções bacterianas ou virais, debilitação física e emocional, exposição a radiações ionizantes (UV). Esses fatores de estresse podem atuar, igualmente, como gatilho para a recorrência da uveíte(2). Apresentamos um caso de recidiva da toxoplasmose ocular, possivelmente, desencadeada por cirurgia refrativa (LASIK). A 177 Relato do Caso Paciente do sexo masculino, 33 anos, leucodérmico, com passado de retinocoroidite por toxoplasmose OE há 6 anos, tratado, na ocasião, com sulfadiazina e pirimetamida. À oftalmoscopia do OE, apresentava cicatriz de retinocoroidite pigmentada medindo 4DP, de localização nasal à papila. Foi submetido à cirurgia refrativa (Laser Assisted in Situ Keratomileusis - LASIK) em ambos os olhos (AO), inicialmente em OD, com intervalo de 4 dias para o outro olho, com excimer laser Nidek, modelo EC5000. Foi prescrito colírio de tobramicina associado à dexametasona no pós-operatório de AO. No 1º DPO de AO evoluiu sem intercorrências, com acuidade visual sem correção (AV-SC) de 20/25 AO. No 13º DPO do OE, queixou-se de turvação neste olho, com redução da AV-SC para 20/60 em OE. À biomicroscopia do OE, apresentava precipitados ceráticos finos (+), células aquosas (+), inversão do sistema de plicatas, células vítreas (+), presença do anel de Weiss. A pressão intraocular era de 15 mmHg e na fundoscopia notava-se foco ativo de retinocoroidite, satélite (inferior) à antiga cicatriz nasal (figura 1A). A sorologia para toxoplasmose revelou anticorpo anti IgG (IMF indireta) reagente 1/16.000. Submetido ao tratamento clássico com sulfadiazina, pirimetamida, prednisona e ácido folínico, houve boa resposta, com remissão do foco inflamatório retinocoroidiano (figura 1B) e melhora da AV. B Figura 1: A - Retinografia do OE, 17 dias pós-LASIK. Vítreo reativo, turvo, com foco em atividade, satélite à cicatriz antiga de retinocoroidite toxoplásmica; B - Retinografia do OE, 49 dias pós-LASIK; Vítreo claro, remissão do foco inflamatório Rev Bras Oftalmol. 2010; 69 (3): 176-9 178 Medeiros A, Medeiros M, Gonçalves ER, Meyer I, Souza Filho JP DISCUSSÃO A técnica de LASIK, respeitados os limites de indicação, é considerada procedimento refrativo seguro e as complicações associadas a ela são pouco frequentes, estando diretamente relacionadas à experiência do cirurgião e à qualidade dos equipamentos utilizados(3). O LASIK se mostra seguro também para o seguimento posterior, pois as alterações retinianas, encontradas após seu uso parecem refletir a predisposição natural dos olhos míopes a patologias degenerativas da retina(4). A medida do comprimento axial não parece apresentar diferença significativa antes e durante a cirurgia de LASIK, mas ocorre diminuição da espessura do cristalino durante o período de sucção. É sugerido que, em pacientes jovens, nos quais o vítreo anterior encontra-se aderido à cápsula posterior, essa diminuição da espessura do cristalino, sem que haja alteração no comprimento axial, gere grande tração anterior sobre o corpo vítreo. Isso poderia tracionar áreas de forte aderência vítrea, como a mácula, causando buraco macular, e, nas áreas de pouca aderência vitreorretiniana, causar descolamento do vítreo(5). O que nós discutimos é a possibilidade de relação causal entre o LASIK e a recorrência da toxoplasmose retiniana. Na literatura científica há, em 2005, relato de um caso de reativação de toxoplasmose ocular em um homem de 34 anos, 52 dias após submeter-se à cirurgia de LASIK(2). Caso semelhante ocorreu 5 dias após realização do mesmo procedimento, em um homem de 24 anos(6). Nesses dois pacientes, durante exame pré-operatório, não foi vista qualquer alteração ocular, além da ametropia a ser corrigida e de cicatriz pigmentada de coriorretinite no mesmo olho, acometido após a cirurgia. Em ambos os casos, os pacientes foram tratados com esteróides tópicos no pós-operatório imediato, associados a colírio de tobramicina e, em um deles, foi usado também carboximetilcelulose tópico até a introdução do tratamento da coriorretinite(5,6). As referências são mais numerosas quanto à cirurgia da catarata como fator causal dessa reativação, que atuaria de maneira similar ao provável mecanismo introduzido pelo LASIK. O exato mecanismo etiopatogênico não é conhecido, embora o trauma mecânico induzido pela cirurgia esteja entre as possíveis causas. Argumenta-se que a rotura de cistos toxoplasmáticos, até então inativos, podem ser responsabilizada pela reativação da toxoplasmose pósfacectomia. Embora nunca tenha sido provado em estudos com animais, sugere-se também que a parede do Rev Bras Oftalmol. 2010; 69 (3): 176-9 Figura 2: Atuação da compressão/descompressão ântero-posterior e da onda de choque induzida pelo laser na gênese das roturas retinianas, das alterações maculares e da fratura dos cistos toxoplásmicos intrarretinianos. A - Aumento do comprimento axial do olho causado pelo anel de sucção; Simultaneamente, como o globo é um sistema fechado, ele se contrai ao longo do eixo horizontal, reduzindo o diâmetro equatorial. A lente e a hialóide anterior, solidárias, são deslocadas para frente, o que pode acelerar o deslocamento ou gerar trações na base do vítreo; B - Quando a sucção é repentinamente relaxada, a excessiva descompressão causa expansão equatorial associada ao encurtamento axial do globo. Esses eventos podem causar uma tração vitreorretiniana aguda na base vítrea e no polo posterior; C - Adicionalmente, a energia da onda de choque induzida pelo laser sobre a córnea durante a fotoablação, dirigiu-se para trás, podendo desempenhar importante papel no surgimento do descolamento posterior do vítreo; D e E - Representação esquemática dos cistos toxoplásmicos intrarretinianos íntegros (D) e rotos (E) cisto toxoplásmico perde sua elasticidade com o envelhecimento e pode sofrer fratura como resultado de trauma contuso(7). Além da própria cirurgia, provavelmente outros fatores relacionados a ela (energia transmitida ao olho durante a facoemulsificação, estresse psicológico da cirurgia ou uso pós-operatório de esteróides tópicos) podem contribuir para o desenvolvimento de recorrências. Alguns desses fatores são compartilhados com a cirurgia de LASIK. É proposto que pelo menos um dos prováveis mecanismos seja semelhante na facectomia e no LASIK: as ondas de choques acústicas geradas dentro do globo durante as cirurgias(2,6). O excimer laser provoca uma onda Retinocoroidite toxoplásmica reativada provavelmente por cirurgia refrativa - Laser In Situ Keratomileusis - LASIK de choque de 3.3 km/seg em 40 nanossegundos e gera uma pressão acima de 100 atmosferas. Admiti-se, embora com incertezas relacionadas às bases fisiopatológicas, que a força da amplitude da onda fotoacústica gerada durante a fotoablação da córnea com o excimer laser pode ser considerada perigosa para a retina e estruturas subretinianas(8,9). Outras fontes afirmam o contrário: essas ondas, ao chegarem à retina, já teriam sido significantemente atenuadas, sem causar mais danos(10). A hipertensão e a rápida descompressão é outro possível fator envolvido nas complicações retinianas do LASIK(2,6). Postula-se que a súbita hipertensão durante a sucção realizada pelo ceratótomo e a imediata redução da pressão com o relaxamento dessa sucção, pode exercer uma tração mecânica (estiramento) da base vítrea, levando a alterações retinianas e, entre elas, o buraco macular e o descolamento de retina(8). Talvez, o mecanismo de compressão/descompressão tenha atuado decisivamente na recorrência da toxoplasmose retiniana que se seguiu ao LASIK no caso relatado, embora seja mais lógico esperar que esses dois mecanismos (ondas de choque e compressão/descompressão) se consorciem para produzir as alterações do complexo vitreorretiniano. A facectomia intracapsular ou extracapsular convencionais e a facoemulsificação atuariam através do trauma contuso e das ondas ultrassônicas, liberando radicais livres que atuariam como mediadores inflamatórios e provocando fraturas nos cistos toxoplásmicos quiescentes. No LASIK temos a presença da onda de choque fotoacústica e o mecanismo de compressão/ descompressão, possivelmente provocando alterações vitreorretinianas já descritas. É possível que a onda de choque atue diretamente sobre o cisto, rompendo sua parede e liberando antígeno toxoplásmicos, à semelhança do que faz a onda sônica da facoemulsificação(2). As alterações induzidas pela compressão/descompressão também poderiam atuar sobre os cistos, imprimindo-lhes forças que deformariam suas paredes, culminando com fratura e liberação do material intracístico potencialmente antigênico. A fisiopatogenia poderia também consorciar os dois mecanismos: ondas de choque e compressão/ descompressão (figura 2). A recorrência da toxoplasmose poderia ser apenas uma coincidência e a pequenez de casos descritos não se presta ao estabelecimento de uma relação causal segura e definitiva entre a cirurgia do LASIK e essa refração. Por outro lado, não podemos descartar a associação, conhecendo os princípios da cirurgia do LASIK e seus possíveis efeitos adversos sobre o complexo vitreorretiniano. 179 ABSTRACT The aim of this article is to demonstrate the probable relationship between the recurrence of toxoplasmic retinochoroiditis and refractive surgery (LASIK). The case consists in a toxoplasmic retinochoroditis recurrence observed in a 33-year-old patient after a LASIK surgery. Fundoscopy revealed a retinochoroiditis focus in activity in the left eye seventeen days after the surgery, adjacent to an old scar of ocular toxoplasmosis. The authors present findings that reinforce possible causal links between LASIK and the recurrence of toxoplasmic retinochoroiditis. Keywords: Keratomileusis, laser in situ/adverse effects ; Ocular toxoplasmosis/etiology; Chorioretinitis; Myopia/surgery; Recurrence; Case reports. REFERÊNCIAS 1. Tabbara KF. Ocular toxoplasmosis. Int Ophthalmol. 1990;14(56): 349-51. 2. Barbara A, Shehadeh-Masha'our R, Sartani G, Garzozi HJ. Reactivation of ocular toxoplasmosis after LASIK. J Refract Surg. 2005;21(6): 759-61. 3. Pereira T, Forseto AS, Nosé W. Complicações pré e pósoperatórias em 1.000 olhos submetidos a LASIK. Arq Bras Oftalmol. 2001;64(6): 499-506. 4. Nassaralla JJ, Santos RR, Nassaralla BA. Alterações retinianas após LASIK. Rev Bras Oftalmol. 2002;61(12): 845-52. 5. Mirshahi A, Kohnen T. Effect of microkeratome suction during LASIK on ocular structures. Ophthalmology. 2005;112(4):645-9. 6. Fontaine F., Fourmaux E., Colin J. Reactivation of ocular toxoplasmosis after laser in situ keratomileusis. J Fr Ophtalmol. 2006;29(5): 11. 7. O'Connor GR. 15th Edward Jakson Memorial Lecture. Factors related to the initiation and recurrence of uveitis. Am J Ophthalmol. 1983;96(3): 577-99. 8. Melki AS, Azar DT. Lasik complications: etiology, management, and prevetion. Surv Ophthalmol. 2001;46(2): 95-116. 9. Loewenstein A, Goldstein M, Lazar M. Retinal pathology occurring after excimer laser surgery or phakic intraocular lens implantation: evaluation of possible relationship. Surv Ophthalmol. 2002;47(2): 125-35. 10. Spörl E, Gruchmann T, Genth U, Mierdel P, Seiler T. Laserinduced pressure waves in the eye. Propagation characteristics. Ophthalmologe. 1997;94(8): 578-82. Endereço para correspondência: Isadora Meyer Rua Vicente, nº 137 CEP 52020-130 - Recife (PE), Brasil Tel: (81) 32679204 / (81) 86527812 Fax: (81) 3423-5353. E-mail: [email protected]. Rev Bras Oftalmol. 2010; 69 (3): 176-9 RELATO 180 DE CASO Fratura de órbita por queda de cavalo e correção de estrabismo Orbit fracture by horse fall and strabismus correction Abelardo de Souza Couto Junior1, Daniel Almeida de Oliveira2, Clarissa Campolina de Sá Mattosinho3, Renato Curi4 RESUMO Descreve-se uma paciente com fratura orbitária grave causada por queda de cavalo. Relato do seu tratamento cirúrgico com correção do estrabismo e tentativa de correção da enoftamia. Descritores: Fraturas orbitárias; Enoftalmia/cirurgia; Transtornos da motilidade ocular; Estrabismo/cirurgia; Diplopia; Relatos de casos 1 Doutor, Professor Titular de Oftalmologia da Faculdade de Medicina de Valença; Coordenador da Residência Médica em Oftalmologia do Instituto Benjamin Constant - IBC; Professor da Pós-graduação em Oftalmologia da Pontifícia Universidade Católica PUC RIO/SBO - Rio de Janeiro (RJ), Brasil; 2 Residente em Oftalmologia do Instituto Benjamin Constant - Rio de Janeiro (RJ), Brasil; 3 Médica Oftalmologista com subespecialização em Glaucoma do Centro de Diagnose Ocular Copacabana - Rio de Janeiro (RJ), Brasil; 4 Professor Titular de Oftalmologia da Universidade Federal Fluminense - UFF - Niterói (RJ), Brasil. Trabalho realizado no Hospital Souza Aguiar - Rio de Janeiro (RJ), Brasil. Recebido para publicação em: 8/9/2009 - Aceito para publicação em 27/11/2009 Rev Bras Oftalmol. 2010; 69 (3): 180-3 Fratura de órbita por queda de cavalo e correção de estrabismo INTRODUÇÃO O s traumatismos de face são frequentemente acompanhados de fratura de órbita(1-5). Esse tipo de fratura é chamada de verdadeira quando não afeta o rebordo orbitário, como por exemplo, na fratura tipo “blow out”, em que a porção posteromedial é a mais acometida por sua fragilidade. A lâmina papirácea do osso etmóide constitui outro local frágil onde frequentemente ocorre fratura(1,6). Várias teorias foram aventadas para a explicação do mecanismo de fratura, como transmissão de energia do bulbo ocular para a parede óssea e transmissão intraóssea, mas nenhuma isoladamente explica de maneira satisfatória todos os casos(3). A estética e a diplopia são aspectos perturbadores para os pacientes vítimas de fratura de órbita(1-2,4-6). Neste relato, descreve-se um caso grave de fratura de órbita decorrente de traumatismo por queda do cavalo com seqüela de enoftalmia e diplopia, e o tratamento proposto. Relato do caso: Paciente do sexo feminino, 24 anos, solteira, procurou atendimento no Hospital Municipal da Piedade após traumatismo facial decorrente de queda de cavalo. Tendo sido avaliada pelo setor de Neurologia, foi encaminhada após trinta dias para o Setor de Órbita do Serviço de Oftalmologia. Apresentava posição viciosa da cabeça, com inclinação para direita, enoftalmia, hiposfagma subtotal e 181 midríase média de olho direito. A acuidade visual sem correção era de 1,0 em ambos os olhos. O reflexo fotomotor direto apresentava-se diminuído no olho direito, enquanto o reflexo fotomotor consensual apresentava-se normal. A motilidade extrínseca estava diminuída na supraversão do olho direito, havendo diplopia bilateral quando o paciente dirigia o olhar superiormente e lateralmente à direita. No teste de cobertura, foi observada hipertropia esquerda. À biomicroscopia, observava-se hiposfagma subtotal e midríase no olho direito. A tonometria de aplanação indicava 12 mmHg no olho direito e 14 no esquerdo. O teste de dução forçada apresentava moderada restrição à elevação. A oftalmoscopia binocular indireta não demonstrava alteração em nenhum dos olhos. O teste da pilocarpina a 0,5% foi positivo, indicando provável lesão das fibras parassimpáticas do III nervo ao nível do oblíquo inferior. A tomografia computadorizada em cortes axial e coronal (7) apresentava fratura na parede medial, na lâmina papirácea, na parede lateral e no assoalho orbitário direito (figura 1). A campimetria visual manual não mostrava alterações. A exoftalmometria de Hertel era 16,5 mm para o olho direito e 20 mm para o esquerdo. Levando-se em consideração o reflexo corneal, havia um desnível de aproximadamente 2 mm entre os olhos(8). Figura 1: Tomografia computadorizada, evidenciando fratura na parede medial, na lâmina papirácea, na parede lateral e no assoalho orbitário direito Rev Bras Oftalmol. 2010; 69 (3): 180-3 182 Couto Junior AS, Oliveira DA, Mattosinho CCS, Curi R Desse modo, foi indicada e realizada a osteossíntese do rebordo orbitário inferior com fio de aço e redução da hérnia na fratura "blow-out" com implante de polietileno poroso tipo "b sheet". Durante a cirurgia, foi necessária a colocação de duplo implante: polietileno poroso (1 mm de espessura) e silicone em folha (1 mm de espessura), pois o desnível entre os olhos era de aproximadamente de 2 mm(1-2,4-6). Nas consultas pós-operatórias foi observado alinhamento dos reflexos corneais e desaparecimento da posição viciosa de cabeça, além da enoftalmia (figura 2). A diplopia persistia, apesar de ter sido relatada melhora subjetiva pela paciente. Optou-se por tratamento cirúrgico do estrabismo. Contudo não houve aceitação do tratamento proposto pela paciente. Cinco meses após a cirurgia, a paciente relatou piora subjetiva da diplopia. Sete meses após a cirurgia, notou-se hipertropia esquerda. Foi constatada paresia do músculo oblíquo superior esquerdo com hiperfunção do oblíquo inferior esquerdo. O teste de Bielschowsky foi positivo para a esquerda (figura 3). A correção estrabológica constou de debilitamento do músculo oblíquo inferior esquerdo (contralateral à fratura), que resultou em recuperação total e a paciente passou a apresentar visão binocular normal(9). Figura 2: Situação pós-operatória: alinhamento dos reflexos corneais e enoftalmo DISCUSSÃO Em relação à fratura de órbita, foi possível realizar a osteossíntese e correção do afundamento ósseo do assoalho da órbita, além do desencarceramento do reto inferior. Houve melhora significativa da diplopia e consequentemente da posição da cabeça, entretanto, ainda insuficiente para uma perfeita visão binocular. Esta somente foi obtida após debilitamento cirúrgico do músculo oblíquo inferior contralateral ao da fratura(1-2,6,10). A hipótese de paresia IV nervo intracraniano deve ser considerada para este caso. O IV nervo emerge na face posterior da ponte, contornando-a no véu medular anterior para se dirigir ao outro lado, onde vai inervar o oblíquo superior contralateral. No véu medular, cruza com o IV nervo oposto, que segue trajeto inverso. O traumatismo craniano fechado, ao mover as estruturas internas do crânio, pode provocar lesão do IV nervo, neste local de cruzamento, que pode ser uni ou bilateral. No caso em pauta, teria sido afetado o IV nervo ipsolateral à fratura orbitária, o IV nervo direito, com paresia do oblíquo superior esquerdo. Deve-se observar que a paresia do oblíquo foi no lado contrário ao da fratura orbitária, o que poderia gerar dúvida etiológica em um Rev Bras Oftalmol. 2010; 69 (3): 180-3 Figura 3: Posições diagnósticas, indicando paresia do músculo oblíquo superior esquerdo com hiperfunção do oblíquo inferior esquerdo exame mais apressado(9). Em relação à enoftalmia, houve pequena melhora, pois a correção cirúrgica somente foi realizada quarenta dias após o traumatismo, porque a avaliação neurológica retardou a oftalmológica. Em traumas que afetem a região ocular, é importantíssima a participação conjunta do oftalmologista desde a primeira avaliação com o neurologista. Sabe-se que fraturas com mais de 2 a 3 semanas determinam uma fibrose retrobulbar difícil de ser corrigida sem iatrogenia(6). Nesta paciente, o “foward traction test” (8), realizado no ato operatório, foi negativo, comprovando essa assertiva. Para melhora do aspecto estético devido à enoftalmia, que muito incomodava a paciente, foi proposto um enxerto autógeno de gordura no sulco palpebral inferior(4). Fratura de órbita por queda de cavalo e correção de estrabismo É primordial uma avaliação multidisciplinar adequada e indicação precoce da correção cirúrgica(6) no intuito de melhorar a qualidade de vida do paciente, com preservação da visão e da estética, reintegrando-o à sociedade. Neste caso em particular, apesar do grande esforço da equipe médica para atingir visão binocular e o melhor aspecto estético possível, a correção da enoftalmia não foi totalmente alcançada, sendo uma queixa tardia da paciente. ABSTRACT Description of a patient with orbital fracture cause by a horse fall. Follow-up the surgical treatment of the strabismus and the enophtlamos. Keywords: Orbital fractures; Enophthalmos/ surgery; Ocular motility disorders; Strabismus/surgery; Diplopia; Case reports REFERÊNCIAS 1. 2. Kummoona R. 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Lahbabi M, Lockhart R, Fleuridas G, Chikhani L, Bertrand JC, Guilbert F. [Post-traumatic enophthalmos. Physiopathologic considerations and current therapeutics]. Rev Stomatol Chir Maxillofac. 1999; 100(4):165-74. French. 9. Souza-Dias C. Estrabismo. Rio de Janeiro: Cultura Médica; 1999. 10. Biesman BS, Hornblass A, Lisman R, Kazlas M. Diplopia after surgical repair of orbital floor fractures. Ophthal Plast Reconstr Surg. 1996;12(1):9-16. Endereço para correspondência: Abelardo de Souza Couto Jr. Av. N. Sra. de Copacabana, nº 1120/901 CEP 22060-000 - Niterói (RJ), Brasil e-mail: [email protected] Rev Bras Oftalmol. 2010; 69 (3): 180-3 ARTIGO 184 DE REVISÃO Toxoplasmose ocular adquirida Toxoplasmose ocular pós-natal Acquired ocular toxoplasmosis Post-birth ocular toxoplasmosis Fernando Oréfice1, Ruy Cunha Filho2, Alda Lúcia Barboza3, Juliana Lambert Oréfice4, Daniela Calucci5 1 Doutor, Professor Titular da Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG - Belo Horizonte (MG), Brasil; Diretor da Divisão de Uveíte do Centro Brasileiro de Ciências Visuais - CBCV - Belo Horizonte (MG), Brasil; 2 Médico Estagiário do Centro Brasileiro de Ciências Visuais e do Serviço de Uveíte do Hospital São Geraldo do Hospital das Clinicas da Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG - Belo Horizonte (MG), Brasil; 3 Doutora da Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG - Belo Horizonte (MG), Brasil; 4 Doutora, Diretora da Divisão de Imagens do CBCV; Assistente voluntária do Serviço de Uveíte do Hospital São Geraldo do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG - Belo Horizonte (MG), Brasil; 5 Tecnóloga em Oftalmologia do CBCV - Centro Brasileiro de Ciências Visuais - CBCV - Belo Horizonte (MG), Brasil. Recebido para publicação em: 30/4/2009 - Aceito para publicação em 24/3/2010 Rev Bras Oftalmol. 2010; 69 (3): 184-207 Toxoplasmose ocular adquirida - Toxoplasmose ocular pós-natal INTRODUCTION T he T.gondii, etiologic agent of toxoplasmosis, is an obligate intracellular protozoan, with worldwide distribution. This parasite has shown a wide geographic distribution and behaves as a high infectivity and low pathogenicity agent, as observed that half of the population is infected and only a reduced proportion of it presents the disease (Holland, 1999a). In Brazil, 50 to 83% of the adult population is soropositive for T.gondii (Oréfice; Bahia-Oliveira, 2005). The most common presentation form of post-birth systemic toxoplasmosis (PNST) an asymptomatic one that happens in 80-90% of all cases (Akstein; Wilson; Teutsch, 1982; Mansur; Jones; Lempert, 1978; Stagno; Dykes;Amos, 1980). The ocular compromise of this infection may occur during the acute phase or several years after the systemic disease, and in latency interval is quite variable. This characteristic makes the diagnosis of post-birth ocular toxoplasmosis (PNOT) difficult, as long as the cases with ocular compromising at the inactive stage of the disease can be misunderstood with late manifestation of congenital infection (Akstein; Wilson; Teutsch, 1982; Couvreur; Thulliez, 1996; Mansur; Jones; Lempert, 1978; Melamed, 1994). Although two and five cases of PNOT reported of by Hogan (1958) and Hogan e Kimura (1964) respectively, Perkins (1973) considered that ocular involvement of post-birth systemic toxoplasmosis (PNST) occurs in 2-3% of cases and that in United Kingdom, almost all cases of ocular toxoplasmosis had a congenital origin. Besides that, the complications of systemic toxoplasmosis are more frequent when central nervous system is involved. These conceptions prevailed for long years. Nevertheless, Glasner, Silveira and KruszonMoran (1992), Gilbert and Standford (2000) emphasized the relevance of post-birth systemic toxoplasmosis (PNST). Besides that, the high prevalence of postbirth infection showed in southern Brazil suggests that the post-birth infection may be a common form of transmission of the disease (Glasner; Silveira; KruszonMoran, 1992). Another study made in the same region proved that 8.3% of the individuals with post-birth infection, who have not developed retinochoroiditis, presented scar passed a period of 7 years (Silveira et al., 2001). Gilbert and Standfort (2000) reported that two thirds of the cases of ocular toxoplasmosis in the United Kingdom are from post-birth origin. The PNST may cause serious consequences to immunosupressed individuals, fetus of pregnant women carrying negative serology of the disease and may cause 185 irreversible damage to the vision, mainly when the optic nerve and macula are involved (Lieb et al., 2004). The diagnosis of the systemic post-birth disease and the recognition of the origin of infection are essential to understand the basic mechanisms of the disease, principally for protection of high risk patients, to prevention planning programs and to guidance about therapeutic consequences (Bosch-Driessen; Rothova, 1999). The specific treatment of PNOT consists in the use of pirimetamin, sulfadiazin and folinic acid. Whenever an intense inflammation occurs, the use of systemic corticosteroids is indicated. Thus, the precise diagnosis of PNST is quite important, once it is known that the use of steroids during parasythemia (with no specific drugs for toxoplasmosis) may cause severe destruction of the retina and uncontrolled dissemination of the infection (Ronday et al. 1995). Outbreaks of PNST have been described in several countries (Burnett et al. 1998, Mansur; Jones; Lempert, 1978; Moura et al., 2006). In fact, speaking of epidemiology, the PNST has assumed an important role all over the world. It reasserts not only about the importance of diagnosis in the patient infected with the systemic disease, but also about the need of investigation of the origin f acute disease: how many persons were contaminated, when it happened and what were its complications. Luft and Remington (1984) proved that the acute toxoplasmic infection in family members of patients with lymphadenopathy caused by T.gondii is common. They also showed that toxoplasmosis can be found in groups or persons infected from the same origin (Akstein; Wilson; Teutsch, 1982; Gonçalves et al., 1995; Teutsch et al.,1979). Additionally, the presence of ocular toxoplasmosis has been verified in more than one brother / sister in the same family (Pinheiro; Oréfice, 1990; Silveira et al., 1988). Recent studies have been discussing the true role of the post-birth systemic infection in ocular disease. Some authors (Bahia-Oliveira et al., 2003; Bowie et al., 1997; Burnett et al., 1998; Ross et al., 2001; Silveira et al., 2001) have suggested that the post-birth systemic infection might be an important cause of ocular toxoplasmosis. Oréfice et al. (2009) evaluated cases with clinical, serologic and epidemiologic evidences of post-birth ocular toxoplasmosis and episodes of ocular affection as the only manifestation of the systemic infection where there were no other clinical evidences of PNST. Researches about this subject with such a large sample are rare in the world literature, once this is a difficult diagnosis disease and with cases of conflicting diagnosis (tables 1,2). Rev Bras Oftalmol. 2010; 69 (3): 184-207 186 Oréfice F, Filho RC, Barboza AL, Oréfice JL, Calucci D INTRODUÇÃO O T.gondii, agente etiológico da toxoplasmose, é um protozoário intracelular obrigatório, de distribuição mundial. O parasito tem ampla distribuição geográfica e comporta-se como agente de alta infecciosidade e baixa patogenicidade, visto que 50,0% ou mais da população estão contaminados pelo T.gondii e apenas uma proporção reduzida apresenta a doença (Holland, 1999). No Brasil 50,0 a 83,0% da população adulta é soropositivo (Oréfice; Bahia-Oliveira, 2005). A forma de apresentação mais comum da toxoplasmose sistêmica pós-natal (TSPN) é a forma assintomática que acomete 80-90% dos casos (Akstein; Wilson; Teutsch, 1982; Mansur; Jones; Lempert, 1978; Stagno; Dykes; Amos, 1980). O comprometimento ocular nessa infecção pode ocorrer durante a fase aguda ou muitos anos após a doença sistêmica, sendo o intervalo de latência muito variável. Isso torna difícil o diagnóstico da toxoplasmose ocular pós-natal (TOPN), já que os casos com comprometimento ocular na fase inativa da doença podem ser confundidos com infecção congênita de aparecimento tardio (Akstein; Wilson; Teutsch, 1982; Couvreur; Thulliez, 1996; Mansur; Jones; Lempert, 1978; Melamed, 1994). Apesar do relato de dois em cinco casos de TOPN descritos por Hogan (1958) e por Hogan e Kimura (1964), Perkins (1973), respectivamente afirmarem que o envolvimento ocular na TSPN ocorre em 2 a 3% dos casos e que no Reino Unido, quase todos os casos de toxoplasmose ocular eram de origem congênita. Ademais, que as complicações da toxoplasmose sistêmica são mais frequentes quando há envolvimento do SNC. Esses conceitos prevaleceram por vários anos. Entretanto, Glasner, Silveira e Kruszon-Moran (1992) e Gilbert e Standford (2000) ressaltaram a importância da infecção sistêmica pós-natal na toxoplasmose ocular. Além disso, a alta incidência da infecção pós-natal documentada no sul do Brasil sugere que a infecção pós-natal pode ser uma forma comum de transmissão da doença (Glasner; Silveira; Kruszon-Moran, 1992). Outro estudo na mesma região comprovou que 8,3% dos indivíduos com infecção pós-natal, que não tinham retinocoroidite, apresentaram cicatriz após período de sete anos (Silveira et al., 2001). Gilbert e Standfort (2000) relatam que dois terços dos casos de toxoplasmose ocular do Reino Unido são de origem pós-natal. A TSPN pode trazer sérias consequências a imunodeprimidos, fetos de mulheres grávidas com sorologia negativa da doença, além de comprometer a visão, levando a danos irreversíveis, principalmente quan- Rev Bras Oftalmol. 2010; 69 (3): 184-207 do o nervo óptico e mácula são envolvidos (Lieb et al., 2004). O diagnóstico da doença sistêmica pós-natal e o reconhecimento da origem da infecção são essenciais para o entendimento dos mecanismos básicos da infecção, principalmente para a proteção dos pacientes de risco, para o planejamento de programas de prevenção e para orientação quanto às consequências terapêuticas (Bosch-Driessen; Rothova, 1999). O tratamento específico da TOPN consiste no uso de pirimetamina, sulfadiazina e ácido folínico. Quando há intensa reação inflamatória, está indicado o uso de corticosteróides via sistêmica. Assim, é importante o correto diagnóstico da TSPN porque é sabido que a administração de corticosteróides durante a parasitemia (sem medicação específica para toxoplasmose) pode causar acentuada destruição da retina e disseminação descontrolada da infecção (Ronday et al., 1995). Surtos de TSPN têm sido descritos em vários países (Burnett et al., 1998, Mansur; Jones; Lempert, 1978; Moura et al., 2006). De fato, em relação à epidemiologia, a TSPN tem assumido importante papel em todo o mundo. Isto chama a atenção para a importância do diagnóstico não só do paciente acometido pela TSPN, mas também da investigação da origem da doença sistêmica aguda: quantos foram contaminados, quando ela ocorreu e suas complicações. Luft e Remington (1984) comprovaram que a infecção toxoplásmica aguda em membros de família de pacientes com linfadenopatia causada pelo T.gondii é comum. E que a toxoplasmose pode ser encontrada em grupos ou pessoas infectadas a partir de uma origem comum (Akstein; Wilson; Teutsch, 1982; Gonçalves et al., 1995; Teutsch et al.,1979). Adicionalmente tem sido verificada a presença de toxoplasmose ocular em mais de um irmão em uma mesma família (Pinheiro; Oréfice, 1990; Silveira et al., 1988). Estudos recentes têm discutido o verdadeiro papel da infecção sistêmica pós-natal na doença ocular. Alguns autores (Bahia-Oliveira et al., 2003; Bowie et al., 1997; Burnett et al., 1998; Ross et al., 2001; Silveira et al., 2001) têm sugerido que a infecção sistêmica de origem pós-natal seja uma importante causa de toxoplasmose ocular. Oréfice et al. (2009) avaliaram casos com evidências clínicas, sorológicas e epidemiológicas de toxoplasmose ocular pós-natal e episódios de comprometimento ocular como única manifestação da infecção sistêmica em que não havia outras evidências clínicas de TSPN. Pesquisas a respeito deste assunto e com tamanha amostra são escassas na literatura mundial, pois essa doença é de difícil diagnóstico e com casos de diagnósticos frequentemente conflitantes (quadros 1 e 2). 187 Toxoplasmose ocular adquirida - Toxoplasmose ocular pós-natal Quadro 1 Diagnóstico de toxoplasmose ocular pós-natal (TOPN) segundo diversos autores Autor (data de publicação) Critérios diagnósticos de toxoplasmose sistêmica pós-natal Toxoplasmose ocular pós-natal (n) Hogan (1958) Hogan (1964) Darrell et al. (1964) * Mansur, Jones e Lempert (1978) Michelson et al. (1978) Glasner, Silveira e Kruszon-Moran (1992)** Silveira et al. (2001)*** Oréfice et al. 2009, ARVO DT, Clínica**** DT, Clínica Epidemiologia , DT IFI (IgG+), FC, Clínica IFI (IgG+), cistos T.gondii pós-biópsia linfonodo Epidemiologia, IgG+ Soroconversão IgG+, IgM+, clínica, gravidez***** 02 05 21 01 01 21,3% 2 47 (*) Em 80% da população de 162 pessoas com sorologia positiva para toxoplasmose, lesão de retinocoroidite foi encontrada em apenas pessoas com mais de 20 anos de idade. Devido ao fato de a retinocoroidite não ter sido encontrada em indivíduos jovens, concluiu-se que as lesões encontradas em indivíduos acima de 20 anos seriam de origem pós-natal; (**) 99,5% de 184 casos com toxoplasmose ocular apresentaram IgG+. Em pessoas acima de 13 anos, 21,3% apresentaram toxoplasmose ocular. “A baixa prevalência em crianças nesta população sugere que a toxoplasmose ocular é sequela de infecção pós- natal”; (***) Entre 109 casos soronegativo para toxoplasmose em 1990, 21 tornaram-se soropositivo em 1997; (****) Clínica - sintomas sistêmicos como: febre, mal-estar, linfonodos; (*****) Gravidez refere-se aos casos de mulheres que tiveram toxoplasmose durante a gravidez; DT - Dye Test; FC = Fixação do complemento; IFI = imunofluorescência indireta; IgG = imunoglobulina G; IgM = imunoglobulina M Quadro 2 Presença de imunoglobulina M antiT.gondii e frequência de toxoplasmose ocular pós-natal (TOPN) segundo diversos autores Autor (data de publicação) Leblanc et al. (1985) Hausmann e Richard (1991) Beniz (1993) Melamed (1994) Nussenblatt e Belfort (1994) Oréfice e Tonelli (1995) Ronday et al. (1995) Stehling e Oréfice (1996) Montoya e Remington (1996)* Couvreur e Thulliez (1996) Burnett et al. (1998)** Holland et al. (1999a)*** Chiquet et al. (2000) Ross et al.(2001) Bosch-Driessen et al. (2002)**** Atamaca, Simsek e Batioglu (2004)***** Lieb et al. (2004) Hassene et al. (2008) Siqueira, Jorge e Figeiredo (2007) Oréfice et al. 2009, ARVO Pacientes IgM + (n) Pacientes com toxoplasmose ocular pós-natal (n) 01 01 03 01 02 01 08 06 21 49 100 08 01 05 10 05 01 01 01 47 01 01 03 01 02 01 08 06 22 43 20 10 01 05 14 49 01 01 01 47 (*) Um paciente apresentou IgM negativo, porém IgA e IgE positivos; (**) Surto com 100 casos TSPN (nem todos os casos do surto apresentaram IgM +. Porém, todos com lesão ocular apresentaram IgM positivo); (***) Um paciente apresentou IgM negativo. Entretanto, apresentou altos títulos de IgG e clínica (febre, linfonodos); (****) Diagnóstico TSPN foram presença de IgM e/ou IgA contra o T.gondii. Aumento dos títulos de IgG no soro; (*****)Diagnóstico de TOPN: presença de lesão única na retina na ausência de cicatrizes em nenhum dos olhos e aumento dos títulos de IgG contra o T.gondii no soro; IgA - imunoglobulina A; IgE - imunoglobulina E IgG-Imunoglobulina G Rev Bras Oftalmol. 2010; 69 (3): 184-207 188 Oréfice F, Filho RC, Barboza AL, Oréfice JL, Calucci D Revisão da literatura Histórico geral Laveran (1900) parece ter sido o primeiro autor a descrever o T. gondii em pardais de Java. Nicolle e Manceaux (1908) identificaram o protozoário T. gondii em um roedor norte-africano, Ctenodactylus gondii. Denominou-o, então, Leishmania gondii. Porém, após captura de outros roedores gondiis no ano seguinte e na mesma área, observou que se tratava de um novo protozoário, sendo então denominado toxoplasma. Na mesma época, Splendore (1908), no Brasil, identificou o T. gondii em coelhos. Os coelhos morreram por paralisia. Eles foram necropsiados e encontraram-se corpúsculos parasitários císticos. O oftalmologista Janku (1923) foi considerado o primeiro autor a descrever a toxoplasmose em humanos na cidade de Praga. Ele realizou necropsia em uma criança de 11 meses de idade que foi ao óbito devido a uma doença grave e disseminada caracterizada por hidrocefalia, microftalmia e coloboma de mácula. No Brasil, Margarino Torres, em 1927, descreveu um microorganismo intracelular encontrado em lesões do sistema nervoso central (SNC), músculo-esquelético e coração de um recém-nascido que foi ao óbito devido à meningoencefalite. Ele considerou as lesões semelhantes às produzidas na toxoplasmose experimental, apesar de ter classificado o parasito como Encephalitozoon Chagasi. Wolf, Cowen e Paige (1939), nos Estados Unidos, identificaram parasitos nas lesões do SNC de recém-nascido que apresentou encefalomielite grave, convulsões, dificuldade respiratória e retinocoroidite bilateral. Inocularam o material em animais de laboratório experimentalmente e concluíram que se tratava de toxoplasmose. A tétrade de sinais clínicos da doença congênita (hidrocefalia ou microcefalia, retardo psicomotor, calcificações intracranianas e retinocoroidite) foi evidenciada por Sabin e Feldman (1948). Os primeiros a relacionarem a doença ocular com a infecção toxoplásmica foram Vail, Strong e Stepheson (1943). Eles informaram seis casos de retinocoroidite em adultos e jovens, nos quais encontraram títulos séricos de anticorpos neutralizantes para toxoplasmose. Koch et al. (1943) mostraram os achados oftalmológicos em seis casos de encefalomielite toxoplásmica infantil diagnosticada clinicamente. As lesões oculares eram frequentemente focais, bilaterais e múltiplas, sendo a região macular quase sempre envol- Rev Bras Oftalmol. 2010; 69 (3): 184-207 vida, embora outras lesões periféricas pudessem coexistir. Eles consideraram as lesões necrotisantes e inflamatórias de retina similares às encontradas no cérebro. Sugeriram que a reticoroidite toxoplásmica deveria ser procurada em crianças com alterações do SNC na primeira infância. Realizando um teste de neutralização em 211 pacientes para avaliar sua especificidade, Heidelmann (1945) concluiu que reações não específicas poderiam ocorrer em 10 a 14% dos casos sem evidência clínica de toxoplasmose. Sendo assim, a demonstração de anticorpos neutralizantes deveria ser realizada com cautela no diagnóstico de retinocoroidite congênita; e na ausência desses anticorpos também não excluiriam a possibilidade de infecção. Foi a partir de 1948 que se iniciaram os primeiros estudos epidemiológicos da toxoplasmose. Sabin e Feldman (1948) desenvolveram o teste do corante ou teste de Sabin-Feldman. Verificaram que o citoplasma do T. gondii tornava-se distorcido e pouco corado após contato com soro imune. Este inibe a coloração do citoplasma do toxoplasma vivo pelo azul de metileno. O teste torna-se positivo no início da infecção, com títulos ascendentes nas fases ativas e diminui posteriormente. Sendo assim, tem valor diagnóstico e indica a evolução da doença. Frenkel (1949) descreveu as fases da infecção toxoplásmica baseada na patogênese e nas manifestações clínicas da infecção. Segundo o autor, a recorrência da retinocoroidite em pacientes com cicatrizes na fase crônica é atribuída à persistência do toxoplasma em estágio latente nos pseudocistos que, quando rompidos, liberam material antigênico. A retinocoroidite foi considerada o sinal clínico mais frequente na toxoplasmose crônica em pacientes assintomáticos. Um percentual de 23% dos casos de uveíte posterior tem como agente etiológico o T.gondii (Busacca; Nobrega; Trapp, 1950). Foi a partir de Wilder (1952) que uma nova fase se iniciou no estudo da toxoplasmose ocular. Avaliaramse 53 olhos enucleados de pacientes com inflamação ocular e que se apresentavam dolorosos ou cegos ao exame. Foram encontrados toxoplasmas no centro das lesões de retinocoroidite, na parte necrótica. A oftalmia periódica em cavalos, causada pela Leptospira pomona e pela Leptospira grippotyphosa, foi avaliada por Witmer (1954), que analisou o soro e o humor aquoso pela eletroforese e dosagem de anticorpos nos dois fluidos. Essa investigação revelou a produção local de anticorpos, pois em alguns casos houve maior concentração de anticorpos específicos no humor aquoso em relação ao soro. Toxoplasmose ocular adquirida - Toxoplasmose ocular pós-natal Avaliando o soro e humor aquoso de 67 pacientes (metade com suspeita de toxoplasmose ocular), O'Connor (1957) salientou que 11 delas apresentavam títulos positivos no soro e humor aquoso, enquanto sete exibiam títulos positivos apenas no humor aquoso. Esse fato levou-o a concluir que houve formação de anticorpos intraocular. Goldman (1957) desenvolveu o teste de imunofluorescência para o T. gondii e, a partir de 1960, a toxoplasmose passou a ser considerada a maior causa de uveíte no mundo. Desmonts (1966) estabeleceu coeficiente toxoplásmico do humor aquoso, que exprimiria a concentração relativa de anticorpos no humor aquoso em relação ao soro, considerando a quantidade de globulinas totais em cada fluido. Salientou-se que somente o coeficiente de anticorpos acima de um provaria a produção de anticorpos para toxoplasmose. Comparando o teste de Sabin-Feldman com imunofluorescência indireta (IFI), Camargo (1964) obteve total concordância quanto à positividade, mas observou títulos mais altos de positividade com a IFI, a qual considerou de execução mais fácil, preconizando seu uso no diagnóstico de toxoplasmose. Histórico da toxoplasmose sistêmica pós-natal Darling (1908, citado por Chaves-Caballo, 1970), patologista do Panamá, descreveu um caso de um homem de 20 anos de idade com uma doença aguda caracterizada por febre, cefaléia e rigidez muscular. Exame microscópico do tecido muscular revelou organismos encistados, os quais Darling interpretou como sendo sarcosporidia. Chaves-Caballo (1970) constatou que, na verdade, esse organismo se tratava de T. gondii e preconizou que Darling deveria ter recebido o crédito por ter sido o primeiro a descrever toxoplasmose em um adulto humano. Os primeiros casos da forma adquirida da doença com comprovação histológica foram notificados por Pinketon e Henderson (1941). Relataram dois casos fatais de uma doença exantemática febril com pneumonite atípica em adultos, tendo sido encontrada grande quantidade de toxoplasmas intracelulares em tecidos de ambos os casos. Ao examinar uma paciente oligofrênica admitida no hospital, Siim (1950) observou linfonodos axilares e inguinais. Um linfonodo foi excisado e apresentava alterações compatíveis com infecção por T. gondii. Além disso, teste do corante mostrou-se com títulos muito altos. Wising (1952) foi o primeiro a descrever um caso 189 de toxoplasmose ocular adquirida durante o curso da doença sistêmica. A infecção ocular ocorreu no estágio final de uma doença febril em uma mulher de 31 anos com linfadenopatia generalizada. O soro dessa paciente mostrou aumento importante dos títulos do teste do corante durante o curso da doença e a fixação do complemento comprovou aumento dos títulos mais tardiamente. Para Hogan (1958), para um diagnóstico conclusivo de infecção toxoplásmica seria necessário o isolamento do protozoário do fluido ou tecido do paciente com doença aguda. Nesse mesmo trabalho, ele descreveu dois casos de toxoplasmose ocular que se desenvolveu com duas semanas e quatro meses, respectivamente após a infecção toxoplásmica sistêmica aguda sintomática. Posteriormente Hogan (1964) avaliou 240 casos de uveítes de provável origem toxoplásmica, classificando-os, segundo o aspecto clínico, evolução, sorologia e presença ou ausência de calcificações cerebrais, em toxoplasmose congênita e adquirida. Encontrou 40 pacientes com toxoplasmose ocular congênita e cinco com toxoplasmose ocular adquirida; dois casos ocorreram no mesmo tempo que a toxoplasmose aguda sistêmica. O estudo epidemiológico de Darrell et al. (1964), entre nativos de uma ilha no Pacífico Sul, Moen, objetivou determinar a prevalência de doença retinocoroidiana e a prevalência de anticorpos antiT.gondii na região. Teste do corante positivo foi encontrado em 80% de 162 pessoas testadas e a porcentagem de testes positivos aumentou com a idade. Altos títulos de 1:1024 foram encontrados em 30% das pessoas com idade entre 5-9 anos e em 48% das com idade entre 10-19 anos. Retinocoroidite foi apresentado por 21 (11%) paciente e todos eles tiveram teste do corante com títulos de 1:64 ou maior. Lesões de retinocoroidite não foram constatadas em pessoas com menos de 20 anos, mas houve aumento da frequência nos grupos mais velhos (> 20 anos). Como a retinocoroidite não foi encontrada entre os nativos nas faixas etárias de 5-9 e 10-19 anos, então esses títulos altos não seriam causados por toxoplasmose congênita, e sim originados da infecção toxoplásmica adquirida que ocorreu na infância e adolescência dessas pessoas. Kean, Kimball e Christensen (1969) realçaram um surto de toxoplasmose adquirida aguda envolvendo cinco estudantes de Medicina, em Nova York, que comeram carne de hambúrguer contaminada. Todos manifestaram cefaléia, mialgia, febre e linfadenopatia. O teste do corante Sabin-Feldman e a fixação do complemento revelou títulos muito altos. Avaliação oftalmológica foi realizada em quatro pacientes e estes não apresentaram lesões de retinocoroidite. Rev Bras Oftalmol. 2010; 69 (3): 184-207 190 Oréfice F, Filho RC, Barboza AL, Oréfice JL, Calucci D Em revisão de literatura para tentar esclarecer a frequência da toxoplasmose ocular congênita e adquirida, Perkins (1973) estabeleceu como critérios diagnósticos de toxoplasmose recentemente adquirida: a detecção de altos níveis de anticorpos, principalmente o aumento progressivo dos títulos; a observação do micro-organismo em biópsia de tecidos ou fluidos; e a demonstração da infecção toxoplásmica em animais após a inoculação de extratos de tecidos infectados com o protozoário. Além disso, ressaltou que os casos de retinocoroidite com evidência de sorologia positiva para toxoplasmose devem ser considerados de origem congênita, a menos que haja clara história de sinais e sintomas de toxoplasmose recente. Ele concluiu com esse trabalho que: a infecção subclínica por toxoplasmose é muito comum no mundo e que as manifestações sistêmicas são raras na doença adquirida e, mesmo nesses casos, o envolvimento ocular ocorre em 2 a 3%; as complicações da toxoplasmose sistêmica são mais frequentes quando o SNC é acometido (quando o SNC é comprometido, lesões oculares são encontradas em um quarto dos casos); uveíte como sinal único de toxoplasmose adquirida é muito raro; quase todos os casos de retinocoroidite vistos no Reino Unido são consequentes à infecção congênita; não há evidências convincentes de que uveíte anterior, vasculite retiniana ou coroidite geográfica sejam causados por toxoplasmose; infecção uterina pode ser responsável por aborto, mas toxoplasmose congênita nunca foi confirmada em irmãos; uma mulher com anticorpos circulantes contra T. gondii não terá uma criança com toxoplasmose congênita. Um surto de toxoplasmose em pessoas que viviam num mesmo domicílio em Nova York foi verificado após ingestão de carne contaminada (Mansur; Jones; Lempert, 1978). O objetivo desse estudo foi demonstrar a capacidade da infecção toxoplásmica aguda em causar infecção em várias pessoas ao mesmo tempo, partindo de uma origem em comum. Seis dos sete pacientes acometidos tiveram altos títulos de anticorpos contra T.gondii, consistentes com infecção recente (títulos de DT e IFI maior que 1:1024 e FC maior que 1:4 são sugestivos de infecção recente). Cinco (83%) dessas pessoas eram sintomáticas. As manifestações mais comuns foram febre e linfadenomegalia, que se desenvolveram sete a 18 dias após a ingestão da carne supostamente infectada. Um paciente apresentou lesão de retinocoroidite 129 dias após a infecção sistêmica aguda. Michelson et al. (1978) encontraram um caso de uma mulher de 43 anos na Pensilvânia que desenvolveu toxoplasmose adquirida sistêmica (febre e linfoa- Rev Bras Oftalmol. 2010; 69 (3): 184-207 denomegalia). Oito dias após, apresentou embaçamento visual no olho direito. Submetida ao exame oftalmológico, foi evidenciada lesão de coriorretinite no olho direito. A IFI (IgG) para toxoplasmose foi de 1:1024 e cinco dias após chegou a 1:2048. Foi realizada biópsia excisional de linfonodo axilar. O material foi corado pelo Giemsa, onde foram encontrados cistos consistentes com T. gondii. O diagnóstico foi então confirmado pelo isolamento de T. gondii após injeção intraperitoneal em camundongos. Um surto de toxoplasmose aguda que ocorreu em outubro de 1977 em Atlanta, Geórgia, em pessoas que cuidavam dos estábulos foi avaliado por Teutsch et al. (1979). Trinta e sete pessoas apresentaram toxoplasmose sistêmica adquirida aguda. Entre essas 37 pessoas, o diagnóstico de 36 foi baseado somente na sorologia, como se segue: 30 apresentaram IFI-IgG positivos, com títulos > 1:4096; e 31 apresentaram títulos de IFI-IgM positivos; 25 apresentaram ambos os critérios sorológicos. O diagnóstico de toxoplasmose aguda foi estabelecido por um dos três métodos: presença no soro de títulos de anticorpos antiT.gondii > 1:4096 pelo teste IFI; demonstração de anticorpos específicos antiT.gondii IgM >1:16 pelo teste IFI; ou presença da tríade clínica: febre, cefaléia e linfadenomegalia. Dois de três gatos adultos que viviam nos estábulos tinham positividade para toxoplasmose. Os dados sugerem que oocistos de toxoplasma foram a origem da infecção. Stagno et al. (1980) documentaram um surto de toxoplasmose com evidência clínica, sorológica e epidemiológica, envolvendo 10 membros de uma mesma família de 30 pessoas no Alabama. O principal paciente acometido apresentou manifestações clínicas incomuns como abscesso cerebral, lesões de retinocoroidite progressivas e múltiplas, tonteira, alterações neurológicas, hepatoesplenomegalia, pneumonite e eosinofilia. Esse paciente de três anos de idade era previamente sadio. A toxoplasmose foi confirmada pela demonstração do micro-organismo no cérebro e fluido cérebro-espinhal e existência de anticorpos antiT.gondii IgG e IgM positivos no soro. Alta taxa de soropositividade para toxoplasmose foi encontrada nas crianças em idade pré-escolar dessa família. De 11 crianças, sete (68%) eram soropositivo para toxoplasmose; entre as sete, seis tinham títulos indicativos de infecção recente para toxoplasmose. Essas crianças e um adulto manifestaram, ainda, sinais e sintomas de infecção aguda por toxoplasmose. O adulto teve congestão nasal, linfadenopatia cervical, tosse não produtiva. As crianças apresentaram: tosse não produtiva (todas as seis), congestão nasal (cinco), linfadenopatias (cinco), mal-estar (quatro), pneumonite (quatro), leucocitose (três), Toxoplasmose ocular adquirida - Toxoplasmose ocular pós-natal eosinofilia (dois), coriorretinite (dois) e envolvimento do SNC (um). Geofagia foi associada estatisticamente à toxoplasmose aguda entre as crianças. Evidência epidemiológica indicou que o surto foi provavelmente causado pela ingestão de oocistos de fezes de gato. A família possuía uma gata. A sorologia para toxoplasmose (hemaglutinação indireta) na gata salientou títulos positivos. Além disso, foram colhidas amostras no solo do jardim da casa, onde foram encontrados oocistos de T.gondii. Em 1982, Akstein, Wilson e Teutsch (1982) pesquisaram um surto de toxoplasmose nos Estados Unidos, em Atlanta, Georgia. Estudo epidemiológico realizado pelo Center for Disease Control (CDC) sugeriu que a origem dos oocistos de toxoplasma era de gatos infectados que viviam nos estábulos e que as pessoas foram contaminadas por aspiração dos oocistos ou contágio oral, através das mãos; 37 pessoas ficaram doentes e/ou tiveram evidência sorológica de infecção aguda por toxoplasmose; 36 demonstraram anticorpos antiT.gondii; 30 dos 36 apresentaram títulos de IFI-IgG positivos > 1:4096; e 31 tiveram títulos de IFI positivos para IgM. Somente um paciente foi classificado como caso baseado apenas na síndrome clínica. Todos, exceto dois, eram sintomáticos e 25 tiveram a tríade clínica completa: febre, cefaléia e linfadenopatia. A todos os 37 pacientes foi oferecido exame oftalmológico um ano e quatro anos após o surto, tendo 17 sido examinados um ano após o surto. Todos os 37 pacientes foram aconselhados a procurar seu médico oftalmologista, caso apresentassem qualquer sintoma visual, e contatar os autores para posterior seguimento. Depois de quatro anos, 21 pacientes foram reexaminados pelos autores e quatro por seu oftalmologista. Três indivíduos estavam vivendo fora de Geórgia, mas não relataram sintomas visuais. Após o primeiro ano, nenhum dos 17 exibiu doença ocular. Posteriormente ao reexame quatro anos após o surto, um paciente dos 28 examinados apresentou lesão ocular compatível com toxoplasmose. Ao acompanhar 36 indivíduos que habitavam uma fazenda no interior de Minas Gerais, Coutinho et al. (1982) encontraram que nove desses pacientes apresentaram a forma glandular da toxoplasmose adquirida sistêmica entre maio e agosto de 1976, bem como títulos de anticorpos antiT.gondii IgG e IgM positivos pelo método IFI. Um total de 12 pessoas foi classificado como indefinido - ou por apresentarem clínica de toxoplasmose aguda, porém com títulos de anticorpos baixos (dois casos), ou por não apresentarem clínica da doença aguda, mas com sorologia consistente de infecção recente (sete casos). Dezessete casos apresentaram positividade para 191 IgM. São fatores suspeitos da causa do surto: a carne de porco mal-cozida durante um churrasco e o solo ou vegetais contaminados com oocistos. Benenson et al. (1982) descreveram um surto de toxoplasmose aguda sistêmica que ocorreu no Panamá em 39 de 98 soldados norte-americanos, verificando que os anticorpos IFI antiT.gondii IgM de 28 dos 39 eram acima de 1:64. Testes sorológicos de 59 assintomáticos revelaram anticorpos antiT.gondii IgM >1:64 em três deles. Identificou-se um total de 31 casos confirmados de toxoplasmose aguda (IgM IFI>1:64). Além disso, quatro soldados tiveram resultados sorológicos, indicando provável infecção, e 32 dos 35 soldados (91%) eram sintomáticos. Os sintomas mais frequentes eram febre em 90% dos casos, calafrios em 87%, cefaléia em 77%, mal-estar em 74%, mialgia em 68%, rigidez de nuca em 35%, dor abdominal em 55%, náuseas e vômitos em 36%, artralgias em 29% e dor ocular em 26%. Linfadenopatia foi observada em 77% dos casos e a localização mais acometida foi a cadeia cervical posterior em 58%, axilar em 48% e anterior em 19%. Esplenomegalia manifestou-se em um paciente e hepatomegalia em dois. Nenhum teve comprometimento ocular juntamente com a doença aguda. Eles ingeriram água de um riacho e se contaminaram. Para determinar a ocorrência de T.gondii em familiares de nove pessoas que apresentaram linfadenopatia devido à toxoplasmose sistêmica aguda, Luft e Remington (1984) procederam a um estudo que considerou infecção por toxoplasma sistêmica aguda a presença de anticorpos IgM pelo método duplo-sanduíche Enzyme Linked Immuno Sorbent Assay (ELISA). Em cinco das nove famílias estudadas, pelo menos mais de um membro de cada família tiveram evidência sorológica de infecção aguda recente por T. gondii. Em três das cinco famílias, os títulos de antiIgG e IgM para T. gondii em vários membros que tiveram evidência sorológica de aquisição de infecção recente eram similares, independentemente se a linfoadenopatia estava presente ou não. Um total de 20 pessoas apresentou IgM positiva. Em quatro das cinco famílias nos quais múltiplas pessoas foram infectadas, havia gatos; em duas, membros ingeriram leite de cabra não-pasteurizado antes da infecção; em uma verificou-se ingestão de carne de cordeiro mal passada duas semanas antes de sintomas sistêmicos de febre e mal-estar. Concluiu-se que surtos de infecção por toxoplasma ocorrem frequentemente entre membros da mesma família e com a origem da infecção em comum. E que a resposta humoral não se altera com as várias formas de apresentação clínica da doença sistêmica. Mulher francesa de 28 anos e grávida com cinco meses de gestação apresentou linfonodos Rev Bras Oftalmol. 2010; 69 (3): 184-207 192 Oréfice F, Filho RC, Barboza AL, Oréfice JL, Calucci D submaxilares. O teste do corante foi positivo e anticorpos antiT.gondii IFI IgM positivos. A criança nasceu com sinais de toxoplasmose congênita como calcificações cerebrais, hepatoesplenomegalia, microftalmia e cultura de placenta positiva para toxoplasmose. Aos seis anos de idade, a criança teve lesões de retinocoroidite. A mãe, cinco anos após a doença sistêmica, apresentou lesão de retinocoroidite no olho direito (Leblanc et al., 1985). A ocorrência de toxoplasmose ocular em 112 famílias na cidade de Erechim, Rio Grande do Sul, Brasil, foi analisado por Silveira et al. (1988). Todos os pacientes tiveram achados sorológicos para toxoplasmose, quadro clínico típico de toxoplasmose ocular com retinocoroidite necrosante frequentemente associada a lesões satélites e exclusão de outras causas de retinocoroidite focal, como sífilis e tuberculose. Vários modelos familiares de toxoplasmose ocular foram observados, como acometimento da mãe e uma criança em nove famílias; a mãe e duas crianças em uma família; a mãe e três crianças em quatro famílias; a mãe e quatro crianças em uma família; a mãe e seis crianças em uma família; e a mãe e oito crianças em uma família. Toxoplasmose ocular estava presente também em dois irmãos de 60 famílias, três irmãos em 18 famílias, quatro irmãos em seis famílias, cinco irmãos em três famílias e seis irmãos em quatro famílias. Em todas essas famílias não havia gêmeos. O quadro clínico típico de toxoplasmose ocular foi também observado em três sucessivas gerações de mulheres em uma das famílias. Um levantamento de 100 crianças de 10 a 15 anos de idade numa escola pública em Erechim mostrou que somente duas delas não tinham no soro anticorpos para toxoplasmose (98% de soropositividade). Muitas também tinham anticorpos IgM no soro contra o parasito, sugerindo infecção adquirida recentemente (Silveira, 1988). Rehder et al. (1988) comentaram um caso de um paciente com acquired immunodeficiency syndrome (Aids) que desenvolveu iridociclite aguda unilateral de origem toxoplásmica. Anticorpo antiT.gondii IgG no soro foi de 1:8000 e IgM negativa. O paciente faleceu um mês após e o exame anatomopatológico revelou a presença de cistos de Toxoplasma gondii no estroma da íris e ausência de cistos na retina. Um paciente de 31 anos de idade com história de deterioração da acuidade visual bilateral em uma semana foi avaliado por Hausmann e Richard (1991). O olho direito, à fundoscopia, exibia oclusão de veia central da retina; e o olho esquerdo, coroidite disseminada. Os autores consideraram o diagnóstico de toxoplasmose Rev Bras Oftalmol. 2010; 69 (3): 184-207 adquirida, porque o paciente apresentou soroconversão (três anos antes a IFI IgG e IgM para toxoplasmose era negativa). Durante o quadro oftalmológico, a IFI para toxoplasmose foi de 1:2046 e anticorpos antiT.gondii IgM 1:20. Além disso, outras doenças infecto-contagiosas foram descartadas, como tuberculose, sífilis e citomegalovírus; e houve boa resposta ao tratamento específico para toxoplasmose. Devido à alta frequência da toxoplasmose ocular e a ocorrência em vários irmãos em Erechim, Rio Grande do Sul, Brasil, Glasner, Silveira e KruszonMoran (1992) realizaram estudo para compreender melhor a epidemiologia da toxoplasmose naquela região. Participaram da pesquisa 1.042 pacientes, tendo 184 (17,7%) apresentado toxoplasmose ocular. Entre os que tiveram toxoplasmose ocular, 183 (99,5%) tinham anticorpos antiT-gondii IgG, comparados com 140 de 181 pacientes-controle (77,4%; p<0,001). A prevalência da toxoplasmose ocular foi de 0,9% entre as idades de um a oito anos, 4,3% entre nove e 12 anos, 14,3% entre 13 e 16 anos e 21,3% naqueles com 13 anos ou mais. A prevalência da toxoplasmose ocular nessa população foi 30 vezes mais alta que em qualquer outro lugar no mundo. A infecção congênita é uma improvável explicação para essa alta prevalência, porque, comparada com a prevalência da doença ocular em adultos (mais de 20%), a infecção congênita por T. gondii é provavelmente incomum nessa população. Além disso, a toxoplasmose congênita sistêmica clinicamente reconhecível tem sido pouco observada pelos médicos pediatras em Erechim. E menos de 1% de sangue coletado do cordão umbilical no hospital de Erechim teve sorologia IgM positiva para toxoplasmose em 1990. A baixa quantidade de retinocoroidite verificada em crianças menores de nove anos não é consistente com infecção congênita. Apesar da frequência não ter sido determinada nesse estudo, a ocorrência de lesão ocular em irmãos, em algumas famílias nessa região, não pode ser consequente à sequela de infecção congênita. A baixa prevalência da doença ocular em crianças mais novas sugere que, nos pacientes dessa cidade, a toxoplasmose ocular é sequela de infecção pós-natal, e não de infecção congênita. Beniz (1993) destacou três casos de toxoplasmose ocular adquirida. Dois pacientes apresentaram sintomatologia da infecção toxoplásmica sistêmica anteriormente à doença ocular, lesões de retinocoroidite solitárias em atividade e anticorpos antiT.gondii IgG e IgM positivos. Um indivíduo não tinha sintomas sistêmicos e, além disso, à fundoscopia, havia uma lesão de Toxoplasmose ocular adquirida - Toxoplasmose ocular pós-natal retinocoroidite cicatrizada no mesmo olho em que a lesão de retinocoroidite estava em atividade. Porém, os exames laboratoriais confirmaram a infecção toxoplásmica sistêmica: IgM positiva pelo método ELISA e IFI IgG positiva. Sugeriu-se que, no paciente em que havia uma lesão cicatrizada, esta seria de outra etiologia. O envolvimento ocular na toxoplasmose avaliado por Rothova (1993) e permitiu-lhe concluir que o diagnóstico de toxoplasmose ocular durante a infecção adquirida aguda pode ser difícil e que, apesar desse diagnóstico ser principalmente clínico, no caso da toxoplasmose sistêmica adquirida aguda a sorologia seria indispensável. Nesse caso, os títulos de anticorpos seriam frequentemente altos. E, para um diagnóstico conclusivo de toxoplasmose ativa, seria necessário o isolamento de T.gondii de fluidos corporais ou tecidos durante o curso da doença aguda, o que seria muito difícil. Melamed (1994) descreveu um caso de toxoplasmose ocular adquirida de aparecimento tardio. Uma mulher de 39 anos apresentou “floaters”, baixa da acuidade visual no olho esquerdo. À fundoscopia, foi evidenciada lesão de retinocoroidite em atividade próxima ao disco óptico. Baseado na presença de anticorpos antitoxoplasma, após serem afastadas outras causas de doenças infecciosas, história clínica, história pregressa e tratamento para toxoplasmose bem-sucedido, foi diagnosticada toxoplasmose ocular. A paciente refere história pregressa de infecção toxoplásmica sistêmica 13 anos antes, no último trimestre de gravidez. O bebê nasceu prematuro, com hepatoesplenomegalia, icterícia sendo diagnosticada, portanto, toxoplasmose congênita. O bebê apresentou, à fundoscopia, numerosas cicatrizes de retinocoroidite, hidrocefalia, calcificações cerebrais à tomografia computadorizada. Anticorpos antitoxoplasma gondii foram positivos. O autor concluiu então tratar-se de toxoplasmose ocular adquirida de aparecimento tardio. Dois casos de toxoplasmose ocular adquirida foram abordados por Nussenblatt e Belfort (1994). Um deles, de 20 anos, apresentou febre, linfadenomegalia e perda de peso. Quatro meses após, baixa da acuidade visual no olho direito (OD) e lesão de retinocoroidite em atividade nesse olho. Anticorpos antiT.gondii IgG e IgM foram positivos. Outro paciente, de dois anos de idade, manifestou febre e linfadenopatia, anticorpos antiT.gondii IgG e IgM positivos. Fundoscopia sem alterações. Oito anos após, exibiu cicatriz macular no olho esquerdo (OE) e anticorpos IgG positivo e IgM negativo para toxoplasmose. O estudo de Gonçalves et al. (1995) identificou 193 três casos de comprometimento ocular por toxoplasmose adquirida um mês após a doença sistêmica, em membros da mesma família. Os pacientes apresentaram linfadenomegalia cervical, febre, mialgia e hiporexia. Exames sorológicos revelaram anticorpos (método ELISA) IgG e IgM para T.gondii positivos. Dois indivíduos tiveram envolvimento bilateral. Um manifestou neurite num olho e retinocoroidite no outro olho. O envolvimento dos três pacientes sugere uma fonte comum de infecção. Um caso de uveíte anterior granulomatosa sem retinocoroidite em um paciente de 21 anos foi avaliado por Oréfice e Tonelli (1995). O paciente teve cefaléia, febre e linfadenomegalia cervical bilateral e 14 dias depois baixa da acuidade visual no olho direito. Foram excluídas outras doenças infecciosas e a sorologia para toxoplasmose um mês após demonstrou IFI IgG e IgM positivas para Toxoplasma gondii. O exame foi repetido e confirmado em outro laboratório. Ronday et al. (1995) relataram oito casos de retinocoroidite focal presumidamente causada por toxoplasmose adquirida. Os pacientes foram submetidos a exame oftalmológico, sorologia para toxoplasmose e vírus e determinação da produção de anticorpos antiT.gondii IgG no aquoso por meio do coeficiente de Witmer-Desmonts. Um coeficiente acima de três foi considerado positivo. O diagnóstico de toxoplasmose ocular pós-natal foi baseado nos achados clínicos, ou seja: presença de retinocoroidite focal sem cicatrizes pré-existentes e a existência de anticorpos antiT.gondii IgM (em todos os oito pacientes), em combinação com a soroconversão, precedendo as queixas oculares (um de oito pacientes); aumento dos títulos de anticorpos antiT.gondii IgG de quatro vezes no soro por um período de três semanas (um paciente); altos níveis de anticorpos antiT.gondii IgG (>1024, em sete de oito pacientes); ou a produção de anticorpos contra T. gondii intraocular cinco de oito pacientes). A conclusão é que a retinocoroidite unilateral e focal deve servir de alerta para os clínicos considerarem a toxoplasmose ocular adquirida no diagnóstico diferencial de outras causas de retinocoroidites; e que, também, se deve ter cautela na prescrição de corticosteróides para esses pacientes. Os seis pacientes avaliados por Stehling e Oréfice (1996) tinham toxoplasmose adquirida sistêmica seguida por comprometimento ocular com intervalo entre a doença sistêmica e doença ocular variável (intervalo de latência). Apresentavam também sorologia para toxoplasmose positiva: IgG e IgM (ELISA e/ou IFI). Outras causas de infecção sistêmica como sífilis, tuberculose, mononucleose foram afastadas: Rev Bras Oftalmol. 2010; 69 (3): 184-207 194 Oréfice F, Filho RC, Barboza AL, Oréfice JL, Calucci D No caso 1, uma paciente com toxoplasmose subclínica durante a gravidez e que após seis anos apresentou lesão de retinocoroidite em atividade no OE. O filho nasceu com quadro típico de toxoplasmose ocular congênita. No caso 2, havia sintomas sistêmicos e, após 15 meses, retinocoroidite no OE recidivada por duas vezes. Após cinco anos da doença sistêmica, verificou-se lesão de retinocoroidite no OD. No caso 3, um paciente exibiu lesão de retinocoroidite no OD sete dias após a infecção sistêmica. Adicionalmente, seu pai possuía infecção sistêmica, mas sem comprometimento ocular. Já o caso 4 manifestou toxoplasmose adquirida subclínica, com lesão ocular. A irmã dessa paciente teve toxoplasmose sistêmica durante a gravidez, cujo recémnascido teve toxoplasmose congênita com lesão ocular bilateral. O noivo da paciente com lesão ocular aguda também apresentou infecção toxoplásmica aguda, porém sem alteração ocular. No caso 5 havia lesão de retinocoroidite bilateral, com recidivas e intervalo entre a doença sistêmica e ocular de seis anos no OD e nove no OE. O caso 6 era de toxoplasmose ocular bilateral aguda juntamente com a doença sistêmica. Montoya e Remington (1996) analisaram 22 casos de pacientes com retinocoroidite por toxoplasmose aguda baseados nos achados clínicos e nos seguintes resultados sorológicos positivos (95,5% teste de SabinFeldman; 95,5% ELISA anticorpos antiT. gondii IgM; 90,9% ELISA anticorpos antiT. gondii IgA; 77,3% ELISA anticorpos antiT. gondii IgE; 95,5% ISAGA anticorpos antiT.gondii IgE; e 86,4% teste AC-HS - teste diferencial de aglutinação - no qual se comparam os títulos de taquizoítos fixados com formalina-antígenos HS com os taquizoítos fixados com acetona ou metanolantígenos AC). Um total de 21 pacientes apresentou IgM. Em um paciente a IgM foi negativa, porém, com IgA, IgE, teste aglutinação e AC-HS positivos. A detecção de anticorpos antiT.gondii IgA e IgE ou o modelo agudo do teste AC-HS foram particularmente de grande ajuda no diagnóstico de pacientes, nos quais os títulos de anticorpos antiT.gondii ELISA eram negativos ou fracamente positivos. Esses exames sorológicos são de valia no diagnóstico de infecção aguda, pois a presença de IgM somente não faz diagnóstico de infecção aguda. Num período de 13 anos, Couvreur e Thulliez (1996) estudaram 49 casos de toxoplasmose adquirida complicada com envolvimento ocular e/ou neurológico ou envolvimento meníngeo. Eles encontraram 43 casos de lesão ocular, três de meningoencefalite (um caso era Rev Bras Oftalmol. 2010; 69 (3): 184-207 associado à retinocoroidite), um de meningite com uveíte, um de poliradicoloneurite e um de paralisia facial. O diagnóstico de doença toxoplásmica adquirida recente foi baseado nos sinais clínicos e/ou sorológicos (presença de anticorpos antiT.gondii IgM positivos) da infecção recente. Todos os casos eram imunocompetentes. Aumento súbito de casos de toxoplasmose aguda sorologicamente diagnosticados foram verificados por Bowie et al. (1997), na província de Greater Victoria, em março de 1995. Foram definidas 100 pessoas como casos agudos de toxoplasmose. Desses, 94 residiam em Greater Victoria e seis haviam visitado a região; 19 tiveram retinite, 51 linfadenopatia, quatro com sintomas consistentes com toxoplasmose, sete com outros sintomas, 18 sem sintomas e um não deu nenhuma informação. De 3.812 grávidas, 36 que estiveram grávidas recentemente foram consideradas casos. Os casos foram encontrados somente naquela região. Mapeamento dos eventos, das mulheres selecionadas e de ambos os estudos caso-controle mostrou significante associação entre infecção aguda e residência na área onde havia distribuição de um reservatório de água para Greater Victoria. Burnett et al. (1998) relataram casos de toxoplasmose adquirida devido à contaminação de um reservatório de água na ilha Victoria, British Columbia, Canadá. Desses 100 pacientes, 20 (21 olhos) apresentaram retinocoroidite toxoplásmica adquirida. Os casos foram definidos como pacientes aqueles com achados sorológicos sugestivos de toxoplasmose adquirida (anticorpos antiT.gondii IgM e IgG positivos) e evidência de envolvimento retiniano. Todos os pacientes foram entrevistados para identificar fatores de risco, sinais e sintomas de toxoplasmose. Com o objetivo de identificar a frequência da infecção recentemente adquirida versus infecção sistêmica crônica por T. gondii em pacientes com toxoplasmose ocular, Ongkosuwito et al. (1999) avaliaram soro de 22 casos com toxoplasmose ocular primária (lesão de retinocoroidite única, sem cicatrizes) e 42 casos com toxoplasmose ocular recorrente, que foram testados quanto à presença de antiTgondii IgM, IgG e IgA e comparados com amostras de 24 outras causas de uveíte. Eles consideraram como critérios diagnósticos da fase aguda da toxoplasmose sistêmica: presença de antiT.gondii IgM no soro, aumento dos títulos de antiT.gondii IgG quatro vezes o valor inicial ou soroconversão. Determinação de antiT.gondii IgA no soro foi usado como diagnóstico adicional de infecção adquirida recente, especialmente em neonatos; 50% dos casos com TOP estavam na fase Toxoplasmose ocular adquirida - Toxoplasmose ocular pós-natal aguda da infecção sistêmica e em 2% dos casos com toxoplasmose ocular recorrente. As recorrências de infecção ocular nos pacientes com toxoplasmose adquirida pós-natal foram investigadas por Bosch-Driessen e Rothova (1999), sendo encontradas em 57% de 14 casos. Eles consideraram como pacientes em fase aguda da toxoplasmose sistêmica: existência de anticorpos específicos IgM ou IgA no soro; aumento no soro de anticorpos IgG de quatro vezes dentro de um mês após o exame inicial; níveis de anticorpos IgG no soro acima de 1:4096; ou a combinação desses fatores. No estudo de Holland et al. (1999a), 10 pacientes com toxoplasmose ocular adquirida apresentaram inflamação intraocular na ausência de retinocoroidite. Evidências sugestivas de infecção recente incluíam testes sorológicos (presença de anticorpos antiT. gondii IgM ou títulos IgG muito elevados) ou sinais e sintomas clínicos de toxoplasmose sistêmica (linfadenopatia, mal-estar, febre, faringite, ausência de outras causas identificáveis de doenças infecciosas, história de ingestão de carne mal cozida ou residência em área endêmica no Brasil) ou ambos, evidência sorológica e clínica. Oito pacientes tinham IgM positiva. Um paciente que apresentou IgM negativa teve sintomatológica típica de infecção toxoplásmica pós-natal e títulos de anticorpos IgG muito altos. O outro caso apresentou história de ingestão de carne mal cozida. Chiquet et al. (2000) acompanharam um caso de uma paciente de 43 anos imunodeprimida devido a um transplante hepático e que apresentou, após três semanas, baixa da acuidade visual em olho esquerdo. A sorologia do doador do órgão era positiva para Toxoplasma gondii. A paciente transplantada, anteriormente ao transplante, apresentava IgG antiT.gondii negativa. Foram, então, após baixa da acuidade visual, realizados novos exames sorológicos e a paciente exibiu positividade para IgG e IgM antiT.gondii (soroconversão). Realizada a reação em cadeia da polimerase (PCR) no humor aquoso esta confirmou a infecção toxoplásmica. Tentando esclarecer se a toxoplasmose ocular seria causada pela infecção adquirida ou congênita, Gilbert e Stanford (2000) concluíram que a evidência de retinite na ausência de cicatrizes de retinocoroidite prévias em adolescentes ou adultos é consistente com a infecção pós-natal. Sinais de toxoplasmose aguda, como linfadenopatia, aumentam a probabilidade de infecção pós-natal. Quanto aos achados sorológicos, é evidência de infecção pós-natal a detecção de anticorpo antiT.gondii IgM em adultos, o que não afasta, porém, a infecção pré-natal. 195 Gómez-Marin et al. (2000) estudaram a frequência de anticorpos antiT.gondii IgM, IgA e IgE em 28 pacientes colombianos com toxoplasmose ocular aguda e crônica. Constataram que 10% dos indivíduos com o primeiro episódio de toxoplasmose ocular eram devidos à infecção adquirida recente, ou seja, presença simultânea de IgM, IgA e IgE. Foram encontrados oito casos com títulos de anticorpos IgM antiT.gondii positivos. Ross et al. (2001) avaliaram cinco casos de toxoplasmose ocular adquirida em pacientes com história pregressa de ingestão de carne mal passada de veado ou manipulação de carne crua em homens previamente saudáveis. Todos os pacientes tiveram história de doença pregressa à infecção ocular semelhante à gripe. Além disso, tinham títulos de anticorpos antiT.gondii IgG e IgM elevados. No intuito de entender melhor a história natural da toxoplasmose, Silveira et al. (2001) fizeram exame oftalmológico (oftalmoscopia indireta em todos pacientes e retinografia em alguns casos) e testes sorológicos para T.gondii em 383 pacientes no Sul do Brasil em 1990 e repetiram os mesmos testes em 1997. Desses 383 pacientes, 109 eram soronegativo para toxoplasmose em 1990 e, em 1997, 21 (19,3%) tornaram-se soropositivo e dois (1,5% dos pacientes soronegativo e 9,5% dos que soro converteram) tiveram toxoplasmose ocular. De 131 pacientes soropositivos sem lesão ocular em 1990, 11 tiveram lesão ocular típica de toxoplasmose em 1997; 13 tinham lesões retinianas hiperpigmentadas atípicas na retina em 1990 e em 1997, três apresentaram lesão típica para toxoplasmose. Eles concluíram que a infecção toxoplásmica adquirida sistêmica pode levar à doença ocular tardia. O estudo retrospectivo de Bosch-Driessen et al. (2002) com uma amostra de 154 pacientes com toxoplasmose ocular ativa enfatizou lesões primárias de retina em 28% dos casos e a combinação de lesões ativas e cicatrizes antigas em 72% deles. Pacientes com toxoplasmose ocular primária eram mais velhos que aqueles com a combinação de lesões ativas e cicatrizes antigas (p<0,001) e estes apresentavam intensa reação inflamatória. O percentual de 82% (14 casos) com características sorológicas da fase aguda da doença sistêmica (presença de anticorpos antiT.gondii IgM e ou IgA) tinham lesões primárias, comparados com 23% dos pacientes com toxoplasmose ocular na fase crônica da infecção sistêmica (p<0,001). Somaram-se 10 casos com IgM positiva. Extensas lesões retinianas foram mais frequentemente observadas durante a fase aguda da infecção sistêmica (p=0,02) e em pacientes com toxoplasmose ocular primária (p<0,04). Eles concluí- Rev Bras Oftalmol. 2010; 69 (3): 184-207 196 Oréfice F, Filho RC, Barboza AL, Oréfice JL, Calucci D ram que as recorrências em 79% dos pacientes podem ocorrer anos após e que acometem mais frequentemente o olho afetado previamente. Os fatores de risco para perda visual foram: infecção congênita, toxoplasmose ocular durante a fase aguda da infecção sistêmica, localização central e extensão das lesões e administração de corticosteróides sem a cobertura das drogas antiparasitárias. Entre outubro de 1995 e março de 2002, Carme et al. (2002) descreveram 16 casos de toxoplasmose adquirida em pacientes imunocompetentes na Guiana Francesa. Ressaltaram que 12 pacientes tiveram soroconversão recente. Quanto aos outros quatro, a IgM associada à IgA ou à baixa avidez de IgG foi altamente sugestiva de infecção recente. Em todos os episódios, a apresentação clínica foi marcada por sintomas semelhantes aos da síndrome infecciosa, como alteração do estado geral, perda de peso e febre. Em algumas vezes, verificaram-se aumento de enzimas hepáticas (15 pacientes), aumento de linfonodos (nove pacientes) e envolvimento pulmonar (14 pacientes), baço (oito pacientes) e ocular (quatro pacientes). Treze pacientes declararam o consumo de carne de caça duas semanas antes do início dos sintomas. Dois confirmaram o consumo, porém não souberam precisar se foi recente ou não. Um caso de paciente imunocompetente que apresentou toxoplasmose pulmonar foi notificado por Viegas et al. (2002). O indivíduo apresentou anticorpos antiT.gondii IgG e IgM positivos, com boa resposta ao tratamento específico para toxoplasmose. Com o objetivo de determinar a soroprevalência de anticorpos antiT.gondii em pacientes com doença ocular na Eslovênia, Logar et al. (2002) avaliaram 413 pacientes com doença ocular, sendo a sorologia positiva para toxoplasmose em 236 (57,1%). Destes, em 218 (92,4%) a IgG foi positiva; 202 tinham baixos títulos de 1:16 - 1:256; e 16 (7,3%) demonstraram títulos de 1:1024 - 1:6384. Em 18 dos 236 (7,6%), a idade dos pacientes variou entre 20 e 74 anos e estes apresentaram anticorpos IgM positivos. Onze desses 18 pacientes também apresentaram anticorpos antiT.gondii IgA positivos. Pôde-se concluir que toxoplasmose aguda foi detectada em 18 de 413 pacientes. E que coriorretinite em infecção toxoplásmica sistêmica aguda não associada a outras cicatrizes provavelmente reflete infecção adquirida pósnatal. Ramchandani et al. (2002) identificaram um caso de uma paciente que teve toxoplasmose ocular adquirida durante a gravidez. Ela estava com nove semanas de gestação e baixa da acuidade visual no olho esquerdo. À fundoscopia, apresentou lesão de retinocoroidite em ati- Rev Bras Oftalmol. 2010; 69 (3): 184-207 vidade, superiormente à fóvea. Foi realizado o teste do corante para toxoplasmose, que revelou título de 1/4096 (2000 UI/mL), anticorpo antiT.gondii IgM (ELISA) positivo. A avidez de IgG para toxoplasmose demonstrou que a infecção era aguda. A PCR para T.gondii em sangue periférico da grávida foi negativa. Em revisão sobre a imunopatogonêse na toxoplasmose, Hegab & Al-Mutawa (2003), dando ênfase aos problemas oculares devido à alta morbidade da doença, definiram para o diagnóstico de toxoplasmose adquirida a presença de anticorpos antiIgM no soro ou o aumento dos títulos de IgG quatro vezes. Foram revistos prontuários de 189 pacientes (243 olhos) com toxoplasmose ocular, examinados entre 1972 e 1999 (Atamaca; Simsek; Batioglu, 2004). Realizou-se retinografia e, em alguns pacientes, procedeu-se à angiofluoresceinografia e indocianina verde. Do total, 140 (74%) tiveram toxoplasmose ocular congênita e 49 (26%) toxoplasmose ocular adquirida. Cinco pacientes apresentaram IgM positiva. Os critérios usados para diagnóstico de toxoplasmose ocular adquirida foram lesão retiniana única sem qualquer cicatriz nos olhos e, adicionalmente, a constatação de anticorpo antiT.gondii IgM no soro e o aumento dos títulos de anticorpo antiT.gondii IgG quatro vezes a titulação inicial. Lieb et al. (2004) descreveram uma paciente com retinite toxoplásmica adquirida aguda semelhante à maculopatia idiopática aguda. Uma mulher de 39 anos de idade apresentou baixa da acuidade visual no olho direito em janeiro de 2003. A família declarou o hábito de comer carne de veado caçado pelo marido. A paciente teve história pregressa de doença semelhante a resfriado comum em dezembro de 2002, que melhorou várias semanas após. Além disso, detectou linfonodo occipital por três dias. Exames laboratoriais anticorpos antiT.gondii IgG e IgM foram positivos. A distinção sorológica entre infecção congênita e adquirida na doença ocular toxoplásmica mostra que antiT.gondii IgG com baixos títulos provavelmente se deve à reativação da doença congênita. Títulos altos de antiT.gondii IgM são verificados em pacientes com doença adquirida aguda; se negativos, indicam a reativação da doença congênita. Em relação à avidez de IgG, caso esteja alta, exclui-se infecção recente de menos de 3-4 meses, porém a baixa avidez pode persistir por até três meses após a primo-infecção. A produção de anticorpos antiT.gondii intraocular, determinada pelo cálculo do coeficiente de Goldmann-Wittmer ou WittmerDesmonts, confirma o diagnóstico de toxoplasmose ocular, constituindo-se em uma prova indireta da existência Toxoplasmose ocular adquirida - Toxoplasmose ocular pós-natal do parasito dentro do olho. A PCR em vítreo ou humor aquoso é indicada em pacientes com lesões retinianas atípicas ou resposta inadequada à terapia (Montoya; Liesenfeld, 2004). A revisão de Bonfioli e Oréfice (2005) sobre toxoplasmose destaca que a infecção adquirida recente se caracteriza pelo aumento de anticorpos antiT.gondii IgG e baixa avidez de IgG, além do aumento dos anticorpos contra T.gondii IgM, IgA e IgE. Numa pesquisa em Erechim, Rio Grande do Sul, Brasil, Jones, Alexander e Roberts (2006) procuraram determinar os fatores de risco para toxoplasmose aguda naquela área. O questionário foi preenchido por 130 pessoas, informando sobre seus hábitos alimentares relativos a fatores de risco para a doença. Foram tidos como casos de infecção recente por T. gondii pacientes com teste positivo para anticorpos antiT.gondii IgG e IgM. Concluiu-se que cuidados devem ser tomados em relação à manipulação com o solo, ingestão de água e alimentos, para reduzir-se o risco de infecção pelo T.gondii. Exames sorológicos para toxoplasmose foram feitos por Palanisamy et al. (2006) em 249 indivíduos durante o surto na cidade de Coimbatore, Índia, em 2004. Em todos os casos houve baixa da acuidade visual. Exame oftalmológico foi consistente com toxoplasmose ocular. Testes sorológicos como anticorpos antiT.gondii, ELISA, IgG e IgM foram realizados, obtendo-se altos títulos de anticorpos IgM e IgG em 178 ocorrências e quatro casos com apenas IgM. O reservatório de água da cidade pode ter sido a causa da disseminação da infecção sistêmica aguda. Moura et al. (2006) relataram um surto de toxoplasmose sistêmica aguda que ocorreu na cidade de Santa Isabel do Ivaí, Paraná, Brasil, entre novembro de 2001 e janeiro de 2002. Foram registradas 426 pessoas com anticorpos antiT.gondii IgM e IgG positivos pelo método ELISA. Foi realizado exame oftalmológico em 408 pessoas que apresentaram anticorpos antiT.gondii IgM e IgG positivos em fevereiro de 2002. Destes, 10% tiveram lesões oculares e somente 4,4% apresentaram lesão retiniana necrosante. Os autores propuseram que a causa do surto foi um reservatório de água que havia sido contaminado com oocistos de T. gondii eliminados por gatos que viviam naquela área. Uma paciente de 42 anos com toxoplasmose adquirida foi referida por Graff e Russel (2007). O diagnóstico foi considerado pelo fato de a doença ocular ter sido precedida de sintomas sistêmicos semelhante à gripe. Pesquisa de anticorpos antiT.gondii IgG foi positiva e IgM negativa. Foram avaliadas outras doenças infec- 197 ciosas como sífilis, AIDS, tuberculose, leucemia e linfoma, tendo sido todas negativas. Hassene et al. (2007) descreveram um caso de um paciente com toxoplasmose adquirida aguda que teve polimiosite e retinocoroidite. O diagnóstico foi confirmado pela sorologia (IFI e técnicas imunoenzimáticas) fortemente positiva para anticorpos antiT. gondii IgG e IgM positivos. A biópsia muscular revelou cistos de T. gondii. Retinocoroidite toxoplásmica aguda bilateral após terapia com corticosteróides para tratamento da síndrome respiratória por antavírus foi referenciada por Siqueira, Jorge e Figueiredo (2007) em um caso. O paciente apresentou perda visual bilateral dois meses após receber terapia com corticosteróides para tratamento de falência respiratória secundária à síndrome pulmonar por antavírus. Foram realizadas sorologia IgG e IgM antiT.gondii, que se mostraram, respectivamente, >0,600 e >300 UI/mL. O paciente foi tratado com medicação específica para T. gondii, com cicatrização das lesões. Delair et al. (2008) fizeram um estudo comparando toxoplasmose presumida congênita e adquirida. Concluíram que em casos nos quais a origem da infecção pôde ser determinada, a forma adquirida foi mais frequente que a congênita. Observaram também que os casos de toxoplasmose congênita foram mais graves que os de adquirida. Palkovacs et al. (2008) relataram um caso de retinite toxoplásmica em um paciente imunodeprimido. Ressaltaram a importância de considerar a biópsia por PAAF (Punção Aspirativa com Agulha Fina) como uma ferramenta diagnóstica em pacientes selecionados com infiltrado retiniano. Garweg et al. (2008) estudaram as características de recorrência da toxoplasmose ocular em uma população européia. Concluíram que pacientes jovens apresentam um maior risco de desenvolver recorrência que pacientes mais velhos. Mostraram também que na população estudada dois terços dos pacientes com toxoplasmose ocular desenvolveram recorrência. Holland et al. (2008) também estudaram os padrões de recorrência associados à retinocoroidite por toxoplasmose. Concluíram que o risco de recorrência é influenciado pela idade do paciente, assim como duração da infecção. Lynch MI, Oréfice F et al. (2008) estudaram a característica clínica de uveíte posterior presumida de toxoplasmose em 64 pacientes de Pernambuco. Concluíram que o principal sintoma encontrado foi redução da acuidade visual, e que alterações no humor vítreo foram observadas em todos os casos estudados. Rev Bras Oftalmol. 2010; 69 (3): 184-207 198 Oréfice F, Filho RC, Barboza AL, Oréfice JL, Calucci D Oréfice et al. (2009) escreveram: Toxoplasmose ocular adquirida em pacientes brasileiros Proposta: Avaliar o intervalo entre a infecção documentada de toxoplasmose sistêmica e a primeira detecção de toxoplasmose ocular (TO) em uma população brasileira. Métodos: Trata-se de uma revisão retrospectiva de prontuários de 2168 pacientes avaliados no Setor de Uveíte do Hospital São Geraldo / HC / UFMG, de abril de 1982 a outubro de 2007. Após uma avaliação completa, 1552 pacientes foram diagnosticados como toxoplasmose ocular presumida e destes, 47 foram considerados de terem adquirido infecção adquirida por toxoplasmose através da demonstração de anticorpos antiT.gondii IgG e IgM positivos. Os seguintes dados foram coletados: apresentação clínica da toxoplasmose sistêmica e intervalo entre doença sistêmica e a primeira detecção de toxoplasmose ocular. Foram avaliados idade e gênero dos pacientes, assim como apresentação clínica da doença ocular no momento da primeira detecção da doença. Resultados: pacientes com toxoplasmose sistêmica primária documentada apresentaram uma variedade de achados clínicos ao diagnóstico inicial: linfadenopatia (n=21), inespecíficos (febre, mialgia, adinamia, cefaléia, hepatoesplenomegalia; n=6), pneumonia (n=1), sintomas oculares somente (TO; n=8) e indeterminados (n=7). Os quatro pacientes remanescentes tiveram soroconversão durante a gravidez e foram acompanhados no mesmo serviço pelo primeiro autor. O intervalo entre os primeiros achados da infecção sistêmica à detecção da TO variou: 0 (n=8), 1-90 dias (n=20), 91 dias-36 meses (n=9), > 36 meses (n=10). A média de idade (desvio padrão) dos pacientes no momento de detecção da TO foi de 34,26 e 15,69 (variação de 6 a 67 anos). A TO apresentou-se como retinocoroidite em 44 pacientes, papilite em 1 paciente e uveíte anterior granulomatosa em um paciente. No paciente remanescente, uma baixa visual associada com o desenvolvimento de membrana epirretiniana foi o único achado ocular identificado no tempo da doença sistêmica. Conclusão: nesta série de casos de pacientes com toxoplasmose ocular adquirida, demonstramos que TO pode se desenvolver até 23 anos após a infecção sistêmica inicial. Rev Bras Oftalmol. 2010; 69 (3): 184-207 Formas clínicas da toxoplasmose sistêmica pós-natal A gravidade da doença e a forma clínica dependem do estado imunológico do hospedeiro, da agressividade das cepas do parasito e do estágio evolutivo (Frenkel, 1985). Pinkerton e Henderson (1941) e Krick e Remington (1989), de acordo com a localização da lesão tecidual causado pelo T. gondii, classificaram a doença em três formas clínicas: toxoplasmose aguda, subaguda ou subclínica e toxoplasmose crônica. Quando o indivíduo é infectado pela primeira vez, sem imunidade adquirida anterior pelo parasito, o protozoário inicia uma fase de multiplicação rápida (taquizoítos), invasão e destruição celular progressiva, expandindo, assim, o seu parasitismo por via hematogênica e linfática. Essa fase da infecção, fase aguda, ocorre de forma inaparente no hospedeiro humano imunocompetente, originando a toxoplasmose infecção. Quando há sintomas, que geralmente são benignos, origina-se a toxoplasmose doença (Coutinho; Vergara, 2005). Já na fase subaguda, os títulos de anticorpos vão aumentando no soro, sendo mais frequentes na forma congênita da doença. No adulto essa fase é assintomática. A fase crônica ou latente refere-se àquela em que há predomínio da forma de cistos contendo parasitos viáveis em seu interior, nos tecidos do hospedeiro (principalmente no músculo estriado, cardíaco, retina e SNC). A toxoplasmose sistêmica de origem pós-natal tem como apresentação mais comum a forma assintomática ou subclínica, que corresponde aproximadamente a 70% dos casos. Quanto à forma sintomática, acontece em 30% dos casos sob a forma ganglionar, pulmonar, neurológica e ocular (Oréfice; Bahia-Oliveira, 2005). A infecção toxoplásmica aguda durante a gravidez é assintomática na maioria das mulheres (Montoya; Liesenfeld, 2004). O quadro clínico da infecção sintomática em imunocompetentes seria um quadro autolimitado, benigno e inespecífico de uma doença infecciosa que raramente necessita de tratamento. A mais típica manifestação clínica é a forma ganglionar, caracterizada por linfadenopatia indolor, de localização cervical ou occipital, sem supuração, geralmente bilateral, que regride em algumas semanas, podendo os gânglios permanecer aumentados por quatro a seis semanas. Pode ser acompanhado por sintomas gerais como cefaléia, dor de garganta, febre, mal-estar, suores noturnos, mialgias e exantema máculo-papular. O T.gondii causa 3-7% das linfadenopatias clinicamente significantes. O diagnóstico diferencial se faz com linfomas, mononucleose infecciosa, doença da arranhadura do gato, sarcoidose, tuber- Toxoplasmose ocular adquirida - Toxoplasmose ocular pós-natal culose, carcinoma metastático e leucemia. O diagnóstico da linfadenopatia de origem toxoplásmica é feito facilmente pela sorologia para toxoplasmose e ou biópsia de linfonodos (Remington, 1974). Menos frequentemente, miocardite, pneumonite, polimiosite, encefalite e hepatite podem comprometer indivíduos imunocompetentes. A pneumonia é difusa e pode apresentar-se com tosse seca, expectoração escassa, cianose e dispnéia. Associam-se sintomas gerais como febre, cansaço e mal-estar. Petéquias e equimoses acompanham o quadro pulmonar. A encefalite caracteriza-se por confusão mental, febre, cefaléia e convulsões. No líquor encontram-se discreta pleiocitose mononuclear e aumento de proteínas (Oréfice; Bahia-Oliveira, 2005). A miocardite apresenta-se com dispnéia, dor torácica, febre, náuseas, alterações no eletrocardiograma, podendo levar à falência cardíaca (Mullan; Henry; Beverly, 1968). O Toxoplasma gondii pode causar hepatite granulomatosa e, consequentemente, cirrose hepática. Ustun et al. (2004) informaram 68,5% de toxoplasmose sistêmica aguda (presença de anticorpos antiT.gondii IgG e IgM) em pacientes com diagnóstico de cirrose hepática. A polimiosite inicia-se com fraqueza muscular proximal e simétrica, elevação de enzimas musculares e alterações eletromiográficas típicas de inflamação aguda (Montoya et al., 1997). Manifestações oculares Lesão de retinocoroidite típica seria uma retinocoroidite focal necrosante acompanhada de reação vítrea, que pode estar associada à lesão cicatrizada satélite, indicativa de ataque recorrente. A retinocoroidite por toxoplasmose pode ser de origem congênita ou pós-natal, como resultado de infecção aguda ou reativação (Montoya; Remington, 1996; Holland, 1999a). Aproximadamente dois terços dos pacientes têm reativações que podem ocorrer nas margens das lesões antigas, no mesmo olho acometido, porém longe do foco primário e no olho adelfo (Oréfice; Bahia-Oliveira, 2005). Bosch-Driessen e Rothova (1999) constataram 57% de recorrências num período de acompanhamento de 4,6 anos. A toxoplasmose ocular de origem pós-natal pode ocorrer ao mesmo tempo que a infecção sistêmica, ou seja, concomitantemente (intervalo de latência zero), ou ocorrer após um intervalo de tempo depois da infecção sistêmica (intervalo de latência variável). Melamed (1994) descreveu um caso de toxoplasmose ocular de 199 origem pós-natal que ocorreu 13 anos após a infecção sistêmica. Stehling e Oréfice (1996) relataram seis casos de toxoplasmose ocular de origem pós-natal e intervalo de latência variável, sendo um caso de toxoplasmose ocular simultaneamente (intervalo de latência zero) à doença sistêmica. A doença ocular pós-natal pode, adicionalmente, apresentar-se como reações inflamatórias como neurite, vitreíte, iridociclite e vasculite, sem a lesão de retinocoroidite. Rehder et al. (1988) destacaram um caso de paciente imunocomprometido que apresentou iridociclite aguda unilateral de origem toxoplásmica sem lesão de retinocoroidite. Oréfice e Tonelli (1995) salientaram um evento de iridociclite granulomatosa em paciente imunocompetente, sem retinocoroidite. No estudo de Holland et al. (1999b), 10 pacientes com toxoplasmose ocular adquirida exibiram inflamação intraocular na ausência de retinocoroidite. Gonçalves et al.(1995) referiram um episódio de toxoplasmose ocular de origem pós-natal, no qual o paciente teve lesão de retinocoroidite em atividade em um olho e neurite e vitreíte no outro olho, sem lesão de retinocoroidite, o que sugere que a inflamação inicial seria causada por parasitos intraoculares ou por reação de hipersensibilidade aos antígenos parasitários (Oréfice; Bahia-Oliveira, 2005). Complicações como irite granulomatosa, pressão intraocular elevada, vasculite retiniana, oclusões vasculares, descolamento de retina seroso ou regmatogênico podem dificultar o diagnóstico correto da toxoplasmose ocular (Fardeau et al., 2002). Diagnóstico O diagnóstico da infecção pelo T.gondii baseia-se frequentemente nos resultados sorológicos. Investigase a detecção de anticorpos contra o protozoário das classes IgG, IgM, IgA e IgE. No caso dos pacientes imunocomprometidos, o diagnóstico é realizado, quase sempre, pela detecção do DNA do parasito por meio de PCR, isolamento do parasito e histologia. A fase aguda da toxoplasmose sistêmica caracteriza-se pela presença de anticorpos antiT.gondii IgM no soro; aumento dos títulos de anticorpos antiT.gondii IgG de quatro vezes no soro; ou soroconversão (Ongkosuwito et al., 1999). A determinação de anticorpos antiT.gondii IgA é um teste adicional, principalmente em neonatos. Bosch-Driessen et al. (2002) consideram como fase aguda da infecção, a existência de anticorpos antiT.gondii IgM e/ou IgA. Beneson et al. (1982) definem para diagnóstico de toxoplasmose aguda sistêmica a verificação Rev Bras Oftalmol. 2010; 69 (3): 184-207 200 Oréfice F, Filho RC, Barboza AL, Oréfice JL, Calucci D de anticorpos antiT.gondii IgM no soro. Na fase crônica, encontram-se anticorpos IgG em baixos níveis e ausência de IgM. O diagnóstico laboratorial também pode ser utilizado no caso da toxoplasmose ocular. intraocular de anticorpos anti T.gondii. A detecção do DNA do parasita por intermédio da técnica PCR no humor aquoso e corpo vítreo tem demonstrado bons resultados para o diagnóstico de toxoplasmose ocular. Anticorpos antiT.gondii IgG Intervalo de latência Os anticorpos antiT.gondii IgG são identificados pelo teste do corante Sabin-Feldman, FI, ELISA, teste de atividade de IgG e teste da reação de hemaglutinação e diferencial de aglutinação. Eles estão presentes entre 1-2 semanas após a infecção, atingem o pico em um ou dois meses e persistem detectáveis por toda a vida do paciente. Em conformidade com a literatura Oréfice et al. (2009) demonstraram que o intervalo de latência pode ser muito variável, dificultando o diagnóstico da TOPN. Mansur, Jones e Lempert (1978) referenciaram um caso de retinocoroidite 129 dias após a infecção sistêmica. Em outro estudo, Akstein, Wilson e Teutsch (1982) avaliaram um surto de toxoplasmose adquirida que ocorreu em Atlanta, Geórgia. Um paciente desenvolveu retinocoroidite por toxoplasmose quatro anos após o surto. Já Hausmann e Richard (1991) salientaram um caso clínico no qual a paciente teve a doença ocular três anos após a doença adquirida. Beniz (1993) descreveu três casos de TOPN dos quais dois apresentaram doença ocular ao mesmo tempo da doença sistêmica e um caso, dois meses depois. Melamed (1994) publicou um caso clínico de uma paciente que teve lesão de retinocoroidite 13 anos após toxoplasmose sistêmica adquirida durante a gravidez. Stehling e Oréfice (1996) relataram seis casos de toxoplasmose ocular de origem pós-natal e intervalo de latência variável. No Sul do Brasil, foi realizada uma investigação com onze pacientes soropositivos para toxoplasmose sem lesão de retinocoroidite em 1990, que desenvolveram lesão de retinocoroidite sete anos após. Dois que tiveram soroconversão, também exibiram lesão de retinocoroidite em 1997 (Silveira et al. 2001). O exato momento da infecção adquirida sistêmica é mais claramente estabelecido quando a doença ocular ocorre durante a fase aguda da TOPN, visto que 80% dos casso de TSPN não manifestaram sintomas. Ademais, não há como saber se o paciente desenvolverá a doença ocular ou quando esta acontecerá. Leblane et al. (1985) afirmam que isso se verifica até 5 anos após a TSPN. Segundo Bosch-Driessen et al. (2002), a doença ocular ocorrendo na fase inativa da doença sistêmica é mais comum e o tempo de latência é muito variável. A TOPN concomitante foi ressaltada também por Wising (1952), Beniz (1993), Stehling e Oréfice (1996) , Hogan e Kimura (1964) e Oréfice et al. (2009). Anticorpos antiT.gondii IgM Os testes de IgM têm sido usados para o diagnóstico da infecção aguda. Esse anticorpo não atravessa a placenta e, por isso, quando encontrado no sangue de neonatos, é de origem fetal. Trata-se de um teste no qual os resultados têm que ser analisados com cautela, porque os títulos podem persistir por anos e a confiabilidade dos testes existentes variam consideravelmente. Os métodos utilizados para detecção de IgM são IFI, ELISA, ISAGA. Os anticorpos IgM surgem na segunda semana após a primo-infecção, atingindo níveis máximos no fim do primeiro mês, e desaparecem em 6 a doze meses. Conclui-se portanto que, após o desaparecimento dos anticorpos IgM, o indivíduo encontra-se na fase crônica ou latente da infecção pelo toxoplasma, visto que apenas os anticorpos IgG estarão presentes nessa fase. Já a persistência de IgM na ausência de IGA indica imunidade estabilizada. Anticorpos antiT. gondii IgA Os anticorpos IGA são detectados no soro de adultos agudamente infectados e de recém-nascidos congenitamente infectados pelos métodos ELISA e ISAGA. São detectados durante a primeira semana de infecção, atingem níveis máximos em dois meses e os níveis caem em seguida. Podem persistir por até um ano e, por isso, são de limitado valor no diagnóstico da infecção aguda em adultos. Diagnóstico da toxoplasmose ocular Caso clínico A produção local de anticorpos tem sido usada com sucesso no diagnóstico de toxoplasmose ocular. O coeficiente de Goldman-Witmer demonstra a produção Rev Bras Oftalmol. 2010; 69 (3): 184-207 Identificação: M.F.R.S., 34 anos, masculino, branco. QD: Gânglios cervicais difusos com febre por trin- Toxoplasmose ocular adquirida - Toxoplasmose ocular pós-natal ta dias em 12/3/2007. Nessa ocasião foi diagnosticada toxoplasmose sistêmica. A sorologia no momento da infecção foi IgG 1:128, IgM 1:1024. Em março de 2008 (1ª crise), o paciente apresentou baixa visual em OD. Neste momento, sorologia para toxoplasmose IgG 297,7UI/ml e IgM 4,34UI/ml, ambos positivos baseados nos valores de referência. Foi então iniciado tratamento clássico para toxoplasmose. Em 9/4/2008 foi instituído Bactrim F por 4 meses (sic). Em 10/2/2009 (2ª crise): Em 4/3/2009, momento em que o paciente foi atendido pela primeira vez pelo primeiro autor, ODV 20/50++, OEV 20/20 (ETDRS). À biomicroscopia, OD segmento anterior sem reação inflamatória, corpo vítreo sem células; OE normal. Ao exame fundoscópico (figuras 1 a 9). Foi iniciado tratamento clássico para toxoplasmose. Sorologia anticorpo antiT.gondii IgG positivo e IgM negativo. Em 18/3/2009 foi realizada a última revisão. ODV 20/25 (ETDRS), OEV 20/20 (ETDRS). Biomicroscopia dos segmentos anterior e posterior inalterados. Ao exame fundoscópico. Resumo: Intervalo de latência (IL) “IL: 1ª crise: 12 meses (forma sistêmica 03/07, ocular 03/08 OD);” “IL 2ª crise: 23 meses (forma sistêmica 03/07, ocular 02/09 OD).” Tratamento Uso oral 1. Merticorten 20 mg ........... 25 comprimidos ............ 25dias: * Tomar no café da manhã; * 2 comprimidos por 7 dias; * 1 comprimido por 6 dias; * ½ comprimido por 6 dias; * ¼ comprimido por 6 dias e parar. 2. Daraprim 25 mg ................. 72 comprimidos......... 35 dias: * Tomar 3 comprimidos por dia durante 2 dias; * 2 comprimidos por dia durante 33 dias; 3. Sulfadiazina 500 mg............. 280 comprimidos.... 35 dias: * Tomar 2 comprimidos de 6 em 6 horas (4 vezes ao dia). 4. Ácido Folínico 15 mg.......... 35 comprimidos........ 35 dias (manipular): * Tomar 1 comprimido ao dia por 35 dias. Comentários Na TOPN (Toxoplasmose Ocular Pós-Natal) é 201 sempre prudente lembrar de que se trata de uma entidade com inúmeras características. Portanto, torna-se perigoso, cientificamente, considerar a TOPN como uma entidade morfológica e topográfica típica (Exemplo: retinopatia herpética necrosante??? - figura 10 caso clínico 2). Na presença da TOPN, deve-se ter o cuidado ao oferecer a oportunidade de se pensar em um diagnóstico diferencial. Como a TOPN se apresenta como uma lesão focal posterior do tipo granulomatosa, há uma série de outras uveítes que podem se apresentar com o mesmo tipo de lesão, como por exemplo: arranhadura do gato, sífilis, tuberculose, fungo (principalmente a candidíase), retinopatia herpética e até mesmo a forma focal da doença de Behçet. O sucesso do diagnóstico da TOPN, assim como qualquer outro tipo de uveíte, baseia-se no binômio: anamnese e biomicroscopia. Entretanto, deve-se acrescentar a este binômio o rastreamento completo da retina pela oftalmoscopia binocular indireta. Durante a anamnese, deve-se aprofundar num tópico de grande importância que é a epidemiologia. À biomicroscopia, deve-se estudar, com zelo, o segmento anterior e posterior, e de um modo mais íntimo, o corpo vítreo (humor vítreo), pois é neste setor que se tem a oportunidade de observar: DVP, precipitados aderidos à face posterior da membrana hialóide posterior, as bursas, a inversão do canal de Cloquet e, fundamentalmente, as características seletivas das células que infiltram o humor vítreo. Outro setor que oferece elementos para o diagnóstico da TOPN é a biomicroscopia da lesão e de seus elementos coadjuvantes, tais como: árvore vascular, cabeça do nervo óptico e mácula. O mundo da oftalmologia, principalmente o estudo do segmento posterior do olho, está invadido por inúmeras propedêuticas sofisticadas, que, na vida acadêmica universitária, são elementos importantes para o estudo mais profundo das uveítes. Os exemplos mais importantes são: a ecografia B, ERG, UBM e, atualmente, os elementos componentes da Heidelberg HRA2 - “Red free”, “Infra red”, Autofluorescência, Angiografia fluoresceínica, Indocianina verde e a Tomografia de Coerência Ótica Espectral. Como resumo e clausura desta revisão, conclui-se que é mandatório, no sentido de diagnóstico e prognóstico, o estudo, já mencionado e enfatizado anamnese, biomicroscopia e oftalmologia binocular indireta. Rev Bras Oftalmol. 2010; 69 (3): 184-207 202 Oréfice F, Filho RC, Barboza AL, Oréfice JL, Calucci D Figura 1 - Retinografia - retângulo amarelo, lesão ativa (2ª crise), circulo azul - lesão cicatrizada (1ª crise). Azul: lesão retinocoroidiana com áreas de hiperpigmentação. Amarelo: lesão retinocoroidiana, amarelada, com margens imprecisas Figura 3 - Angiografia auto-fluorescente retângulo amarelo (2ª crise), círculo azul (1ª crise). Autofluorescência: azul - área hipoautofluorescente com margens precisas. Amarela: área hiperautofluorescente central com margens hipoautofluorescentes imprecisas Figura 2 - Retinografia. 18/3 - retângulo amarelo - tênue cicatriz (2ª crise), Círculo azul - Lesão cicatrizada (1ª crise). Angiografia com scan vertical: fragmentação da camada de fotorreceptores. Angiografia com scan horizontal: cistos intraretinianos Figura 4 - Angiografia auto-fluorescente retângulo amarelo (2ª crise), círculo azul (1ª crise). Angiografia com scan vertical: fragmentação da camada de fotorreceptores. Angiografia com scan horizontal: cistos intraretinianos Figura 5 - Angiografia fluoresceínica 4/3. Retângulo amarelo (2ª crise), círculo azul (1ª crise). Angio: Amarelo - área hipofluorescente desde as fases iniciais. Azul: área hiperfluorescente desde as fases iniciais com impregnação tardia Figura 6 - (A) infrared com SOCT horizontal: aumento de refletividade na camada nuclear interna. (B) infrared com SOCT vertical: aumento de refletividade das camadas internas da retina Rev Bras Oftalmol. 2010; 69 (3): 184-207 Toxoplasmose ocular adquirida - Toxoplasmose ocular pós-natal Figura 7 - (A) Autofluorescência com scan horizontal: sombreamento óptico posterior (asterísco). (B) Angiografia com SOCT scan horizontal: desorganização das camadas retinianas (seta), Aumento da refletividade do complexo vascular coroídeo (asterisco) 203 Figura 8 - (A) Angiografia com scan vertical: fragmentação da camada de fotorreceptores, (B) Angiografia com scan horizontal: cistos intraretinianos REFERÊNCIAS 1. 2. 3. 4. Figura 9 - Caso clínico 1 - (A) infrared com SOCT horizontal: aumento de refletividade na camada nuclear interna. (B) infrared com SOCT horizontal: normalização da refletividade na camada nuclear interna. Angiografia com scan vertical: fragmentação da camada do fotorreceptores.Angiografia com scan horizontal: cistos intraretinianos 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. Figura 10 - Caso clínico 2 - ID: I.J.P., masculino, 40 anos. 04/93: Mialgia, febre e hiporexia. 05/93: BAV OE. IgG e IgM positivos para toxoplasmose. IL: 1 mês. Comentários: Pela morfologia e topografia da lesão associada a mínima reação do corpo vítreo, o diagnóstico provável foi de retinopatia herpética necrosante, porém com a sorologia positiva para toxoplasmose o diagnóstico definitivo foi toxoplasmose ocular adquirida 13. 14. 15. Ajzenberg, D. et al. Genotype of 86 Toxoplasma gondii isolates associated with human congenital toxoplasmosis, and correlation with clinical findings. J Infect Dis, v.186: p.684689, 2002. Akstein, R.B.; Wilson, L.A.; Teutsch, S.M. Acquired toxoplasmosis. Ophthalmology, v.89: p.1299-1302, 1982. Andrade, G.M.Q. Estudo de prevalência de toxoplasmoseinfecção entre crianças de 0-12 anos de idade matriculadas no Ambulatório Geral de Pediatria do Hospital das Clínicas da UFMG, 1994 (mestrado em pediatria). Universidade Federal de Minas Gerais, 1994. 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ISSN 0034-7280, publicação científica da Sociedade Brasileira de Oftalmologia, se propõe a divulgar artigos que contribuam para o aperfeiçoamento e o desenvolvimento da prática, da pesquisa e do ensino da Oftalmologia e de especialidades afins. Todos os manuscritos, após aprovação pelos Editores, serão avaliados por dois ou três revisores qualificados (peer review), sendo o anonimato garantido em todo o processo de julgamento. Os comentários dos revisores serão devolvidos aos autores para modificações no texto ou justificativa de sua conservação. Somente após aprovações finais dos revisores e editores, os manuscritos serão encaminhados para publicação. O manuscrito aceito para publicação passará a ser propriedade da Revista e não poderá ser editado, total ou parcialmente, por qualquer outro meio de divulgação, sem a prévia autorização por escrito emitida pelo Editor Chefe. Os artigos que não apresentarem mérito, que contenham erros significativos de metodologia, ou não se enquadrem na política editorial da revista, serão rejeitados não cabendo recurso. Os artigos publicados na Revista Brasileira de Oftalmologia seguem os requisitos uniformes proposto pelo Comitê Internacional de Editores de Revistas Médicas, atualizado em fevereiro de 2006 e disponível no endereço eletrônico http:// www.icmje.org APRESENTAÇÃO E SUBMISSÃO DOS MANUSCRITOS O artigo enviado deverá ser acompanhado de carta assinada por todos os autores, autorizando sua publicação, declarando que o mesmo é inédito e que não foi, ou está sendo submetido à publicação em outro periódico. A esta carta devem ser anexados: • Declaração de Conflitos de Interesse, quando pertinente. A Declaração de Conflitos de Interesses, segundo Resolução do Conselho Federal de Medicina nº 1595/2000, veda que em artigo científico seja feita promoção ou propaganda de quaisquer produtos ou equipamentos comerciais; • Certificado de Aprovação do Trabalho pela Comissão de Ética em Pesquisa da Instituição em que o mesmo foi realizado; • Informações sobre eventuais fontes de financiamento da pesquisa; • Artigo que trata de pesquisa clínica com seres humanos deve incluir a declaração de que os participantes assinaram Termo de Consentimento Livre Informado. Todas as pesquisas, tanto as clínicas como as experimentais, devem ter sido executadas de acordo com a Declaração de Helsinki. A Revista Brasileira de Oftalmologia não endossa a opinião dos autores, eximindo-se de qualquer responsabilidade em relação a matérias assinadas. Os artigos podem ser escritos em português, espanhol, inglês ou francês. A Revista Brasileira de Oftalmologia recebe para publicação: Artigos Originais de pesquisa básica, experimentação clínica ou cirúrgica; Divulgação e condutas em casos clínicos de relevante importância; Revisões de temas específicos, Atualizações; Cartas ao editor. Os Editoriais serão escritos a convite, apresentando comentários de trabalhos relevantes da própria revista, pesquisas importantes publicadas ou comunicações dos editores de interesse para a especialidade. Artigos com objetivos comerciais ou propagandísticos serão recusados. Os manuscritos deverão obedecer as seguintes estruturas: Artigo Original: Descreve pesquisa experimental ou investigação clínica - prospectiva ou retrospectiva, randomizada Rev Bras Oftalmol. 2010; 69 (3): 208-10 ou duplo cego. Deve ter: Título em português e inglês, Resumo estruturado, Descritores; Abstract, Keywords, Introdução, Métodos, Resultados, Discussão, Conclusão e Referências. Artigo de Revisão: Tem como finalidade examinar a bibliografia publicada sobre um determinado assunto, fazendo uma avaliação crítica e sistematizada da literatura sobre um determinado tema e apresentar as conclusões importantes, baseadas nessa literatura. Somente serão aceitos para publicação quando solicitado pelos Editores. Deve ter: Texto, Resumo, Descritores, Título em Inglês, Abstract, Keywords e Referências. Artigo de Atualização: Revisões do estado-da-arte sobre determinado tema, escrito por especialista a convite dos Editores. Deve ter: Texto, Resumo, Descritores, Título em Inglês, Abstract, Keywords e Referências. Relato de Caso: Deve ser informativo e não deve conter detalhes irrelevantes. Só serão aceitos os relatos de casos clínicos de relevada importância, quer pela raridade como entidade nosológica, quer pela não usual forma de apresentação. Deve ter: Introdução, Descrição objetiva do caso, Discussão, Resumo, Descritores, Título em Inglês, Abstract e Keywords e Referências. Cartas ao Editor: Têm por objetivo comentar ou discutir trabalhos publicados na revista ou relatar pesquisas originais em andamento. Serão publicadas a critério dos Editores, com a respectiva réplica quando pertinente. Preparo do Manuscrito: A) Folha de Rosto deverá conter: • Título do artigo, em português e inglês, contendo entre dez e doze palavras, sem considerar artigos e preposições. O Título deve ser motivador e deve dar idéia dos objetivos e do conteúdo do trabalho; • Nome completo de cada autor, sem abreviaturas, porém, se o autor já possui um formato utilizado em suas publicações, deve informar à secretaria da revista; • Indicação do grau acadêmico e/ou função acadêmica e a afiliação institucional de cada autor, separadamente. Se houver mais de uma afiliação institucional, indicar apenas a mais relevante. Cargos e/ou funções administrativas não devem ser indicadas. • Indicação da Instituição onde o trabalho foi realizado; • Nome, endereço, fax e e-mail do autor correspondente; • Fontes de auxílio à pesquisa, se houver; • Declaração de inexistência de conflitos de interesse. B) Segunda folha Resumo e Descritores: Resumo, em português e inglês, com no máximo 250 palavras. Para os artigos originais, deverá ser estruturado (Objetivo, Métodos, Resultados, Conclusão), ressaltando os dados mais significativos do trabalho. Para Relatos de Caso, Revisões ou Atualizações, o resumo não deverá ser estruturado. Abaixo do resumo, especificar no mínimo cinco e no máximo dez descritores (Keywords) que definam o assunto do trabalho. Os descritores deverão ser baseados no DeCS - Descritores em Ciências da Saúde - disponível no endereço eletrônico http://decs.bvs.br/ Abaixo do Resumo, indicar, para os Ensaios Clínicos, o número de registro na base de Ensaios Clínicos (http:// clinicaltrials.gov)* C) Texto Deverá obedecer rigorosamente a estrutura para cada categoria de manuscrito. Em todas as categorias de manuscrito, a citação dos autores no texto deverá ser numérica e seqüencial, utilizando al 209 garismos arábicos entre parênteses e sobrescritos. As citações no texto deverão ser numeradas seqüencialmente em números arábicos sobrepostos, devendo evitar a citação nominal dos autores. Introdução: Deve ser breve, conter e explicar os objetivos e o motivo do trabalho. Métodos: Deve conter informação suficiente para saberse o que foi feito e como foi feito. A descrição deve ser clara e suficiente para que outro pesquisador possa reproduzir ou dar continuidade ao estudo. Descrever a metodologia estatística empregada com detalhes suficientes para permitir que qualquer leitor com razoável conhecimento sobre o tema e o acesso aos dados originais possa verificar os resultados apresentados. Evitar o uso de termos imprecisos tais como: aleatório, normal, significativo, importante, aceitável, sem definilos. Os resultados da pesquisa devem ser relatados neste capítulo em seqüência lógica e de maneira concisa. Informação sobre o manejo da dor pós-operatório, tanto em humanos como em animais, deve ser relatada no texto (Resolução nº 196/96, do Ministério da Saúde e Normas Internacionais de Proteção aos Animais). Resultados: Sempre que possível devem ser apresentados em Tabelas, Gráficos ou Figuras. Discussão: Todos os resultados do trabalho devem ser discutidos e comparados com a literatura pertinente. Conclusão: Devem ser baseadas nos resultados obtidos. Agradecimentos: Devem ser incluídos colaborações de pessoas, instituições ou agradecimento por apoio financeiro, auxílios técnicos, que mereçam reconhecimento, mas não justificam a inclusão como autor. Referências: Devem ser atualizadas contendo, preferencialmente, os trabalhos mais relevantes publicados, nos últimos cinco anos, sobre o tema. Não deve conter trabalhos não referidos no texto. Quando pertinente, é recomendável incluir trabalhos publicados na RBO. As referências deverão ser numeradas consecutivamente, na ordem em que são mencionadas no texto e identificadas com algarismos arábicos. A apresentação deverá seguir o formato denominado “Vancouver Style” , conforme modelos abaixo. Os títulos dos periódicos deverão ser abreviados de acordo com o estilo apresentado pela National Library of Medicine, disponível na “List of Journal Indexed in Index medicus” no endereço eletrônico: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/entrez/ query.fcgi?db=journals Para todas as referências, citar todos os autores até seis. Quando em número maior, citar os seis primeiros autores seguidos da expressão et al. Artigos de Periódicos: Dahle N, Werner L, Fry L, Mamalis N. Localized, central optic snowflake degeneration of a polymethyl methacrylate intraocular lens: clinical report with pathological correlation. Arch Ophthalmol. 2006;124(9):1350-3. Arnarsson A, Sverrisson T, Stefansson E, Sigurdsson H, Sasaki H, Sasaki K, et al. Risk factors for five-year incident agerelated macular degeneration: the Reykjavik Eye Study. Am J Ophthalmol. 2006;142(3):419-28. Livros: Yamane R. Semiologia ocular. 2a ed. Rio de Janeiro: Cultura Médica; 2003. Dissertações e Teses: Cronemberger S. Contribuição para o estudo de alguns aspectos da aniridia [tese]. São Paulo: Universidade Federal de São Paulo; 1990. Publicações eletrônicas: Herzog Neto G, Curi RLN. Características anatômicas das vias lacrimais excretoras nos bloqueios funcionais ou síndrome de Milder. Rev Bras Oftalmol [periódico na Internet]. 2003 [citado 2006 Jul 22];62(1):[cerca de 5p.]. Disponível em: www.sboportal.org.br Tabelas e Figuras: A apresentação desse material deve ser em preto e branco, em folhas separadas, com legendas e respectivas numerações impressas ao pé de cada ilustração. No verso de cada figura e tabela deve estar anotado o nome do manuscrito e dos autores. Todas as tabelas e figuras também devem ser enviadas em arquivo digital, as primeiras preferencialmente em arquivos Microsoft Word(r)e as demais em arquivos Microsoft Excel(r), Tiff ou JPG. As grandezas, unidades e símbolos utilizados nas tabelas devem obedecer a nomenclatura nacional. Fotografias de cirurgia e de biópsias onde foram utilizadas colorações e técnicas especiais, serão consideradas para impressão colorida, sendo o custo adicional de responsabilidade dos autores. Legendas: Imprimir as legendas usando espaço duplo, acompanhando as respectivas figuras (gráficos, fotografias e ilustrações) e tabelas. Cada legenda deve ser numerada em algarismos arábicos, correspondendo as suas citações no texto. Abreviaturas e Siglas: Devem ser precedidas do nome completo quando citadas pela primeira vez no texto ou nas legendas das tabelas e figuras. Se as ilustrações já tiverem sido publicadas, deverão vir acompanhadas de autorização por escrito do autor ou editor, constando a fonte de referência onde foi publicada. O texto deve ser impresso em computador, em espaço duplo, papel branco, no formato 210mm x 297mm ou A4, em páginas separadas e numeradas, com margens de 3cm e com letras de tamanho que facilite a leitura (recomendamos as de nº 14). O original deve ser encaminhado em uma via, acompanhado de CD ou disquete 3,5", com versão do manuscrito, com respectivas ilustrações, digitado no programa “Word for Windows 6.0. A Revista Brasileira de Oftalmologia reserva o direito de não aceitar para avaliação os artigos que não preencham os critérios acima formulados. * Nota importante: A “Revista Brasileira de Oftalmologia” em apoio às políticas para registro de ensaios clínicos da Organização Mundial de Saúde (OMS) e do Intemational Committee of Medical Joumal Editors (ICMJE), reconhecendo a importância dessas iniciativas para o registro e divulgação internacional de informação sobre estudos clínicos, em acesso somente aceitará para publicação, a partir de 2008, os artigos de pesquisas clínicas que tenham recebido um número de identificação em um dos Registros de Ensaios Clínicos validados pelos critérios estabelecidos pela OMS e ICMJE, disponível no endereço: http://clinicaltrials.gov ou no site do Pubmed, no item <ClinicalTrials.gov>. O número de identificação deverá ser registrado abaixo do resumo. Os trabalhos deverão ser enviados à Capítulos de Livro: Oréfice F, Boratto LM. Biomicroscopia. In: Yamane R. Semiologia ocular. 2ª ed. Rio de Janeiro: Cultura Médica; 2003. Revista Brasileira de Oftalmologia Rua São Salvador, 107 - Laranjeiras CEP 22231-170 - Rio de Janeiro - RJ Rev Bras Oftalmol. 2010; 69 (3): 208-10 210 Revista Brasileira de Oftalmologia Declaração dos Autores (É necessária a assinatura de todos os autores) Em consideração ao fato de que a Sociedade Brasileira de Oftalmologia está interessada em editar o manuscrito a ela encaminhado pelo(s) o(s) autor(es) abaixo subscrito(s), transfere(m) a partir da presente data todos os direitos autorais para a Sociedade Brasileira de Oftalmologia em caso de publicação pela Revista Brasileira de Oftalmologia do manuscrito............................................................. . Os direitos autorais compreendem qualquer e todas as formas de publicação, tais como na mídia eletrônica, por exemplo. O(s) autor (es) declara (m) que o manuscrito não contém, até onde é de conhecimento do(s) mesmo(s), nenhum material difamatório ou ilegal, que infrinja a legislação brasileira de direitos autorais. Certificam que, dentro da área de especialidade, participaram cientemente deste estudo para assumir a responsabilidade por ele e aceitar suas conclusões. Certificam que, com a presente carta, descartam qualquer possível conflito financeiro ou de interesse que possa ter com o assunto tratado nesse manuscrito. Título do Manuscrito___________________________________________________________________________ Nome dos Autores_______________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________________ Minha assinatura abaixo indica minha total concordância com as três declarações acima. Data____________Assinatura do Autor____________________________________________________________ Data____________Assinatura do Autor____________________________________________________________ Data____________Assinatura do Autor_____________________________________________________________ Data____________Assinatura do Autor_____________________________________________________________ Data____________Assinatura do Autor____________________________________________________________ Data____________Assinatura do Autor_____________________________________________________________ Rev Bras Oftalmol. 2010; 69 (3): 208-10