Quem vai ditar as regras do jogo? Victor Eiji Issa Pense em uma palavra. Anote-a. Caso esteja com preguiça de pegar papel e caneta, apenas imagine-se escrevendo ela. Não sei em qual palavra você pensou, mas se você leitor, é brasileiro, me arrisco a dizer que pensou em uma palavra em português. No máximo, uma em inglês ou espanhol. Você já parou para pensar que pensamos em uma determinada língua? A língua, falada ou escrita, é um código. São combinações de sons ou traços que permitem aos seres humanos que transmitam o que se passa em seu interior, ao mesmo tempo em que permite que entendam, ou ao menos tentem entender, o que outra pessoa pensa ou sente. Porém, há outras linguagens, outras formas de comunicação. Gestos são um bom exemplo: um simples aceno ou um dedo levantado já nos diz muito. A dança também é uma forma de expressão, bem como a música, a fotografia e a pintura. O ser humano não consegue viver isolado. Imagine um universo paralelo, onde não haja absolutamente nada. Haveria somente ar, água e alimentos. Imagine agora uma criancinha de 2 anos e a teleporte a este universo. Abandone-a lá. Como será que ela estaria aos 10 anos de idade? E aos 20? Será que ela usaria roupas? Será que entenderia a diferença entre usar uma saia ou uma bermuda? Será que sentiria nojo de comer com as mãos? Será que lavaria as mãos após fazer suas necessidades fisiológicas? Será que saberia o que significa um beijo no rosto ou um aperto de mão? Imaginemos que a criança abandonada seja do sexo masculino. Conseguiu sobreviver e se tornou um homem. Agora, coloquemos em sua frente uma mulher, uma cuja aparência lhe agrade. Será que ele entenderia, dentro de si, que acha ela “bonita”? Afinal, o que é “beleza”? Suponhamos que ele se sinta bem com a presença desta mulher. Como será que ele interpretaria esta sensação? Você, leitor, já parou para pensar o quão tênue é a linha que divide aquilo que chamamos de “sensações” daquilo que chamamos de “sentimento”? Você diria que este homem está “amando” a mulher com quem começara a conviver? Me vali deste exercício imaginativo apenas para tornar mais fácil ao leitor a compreensão do fato de que, o ser humano é um ser social. Ao longo de séculos, muitos pensadores que se dedicaram a refletir sobre o ser humano pensaram neste ser como um ser já pronto, que já nasce com uma razão pré-concebida. A sociologia não vem para destruir noções como “alma”, “indivíduo”, ela não busca provar que Deus não existe ou que os seres humanos são meros frutos do contexto social onde nascem. É claro que a relação indivíduo X sociedade não procede desta forma, caso contrário, seríamos todos iguais. Porém, não há como negar que a influência do mundo que nos cerca exerce um peso considerável em nossas vidas. Voltemos a pensar no exemplo com o qual iniciei este texto: pensamos em português, inglês, japonês, grego, hebraico etc. Ao longo de toda a nossa vida, vamos aprendendo as regras do contexto social onde crescemos. Não podemos escolher quem serão nossos pais ou onde vamos nascer. No início de nossa vida, não escolhemos qual jogo iremos jogar. Temos apenas que ir aprendendo as regras deste jogo. Começarei aprendendo português, inglês ou francês? Aprenderei a comer usando talheres ou hashis (os “pauzinhos”)? Começarei minha vida em uma casa que comemora o Natal (uma festa cristã) ou o Hanukkah (uma festa judaica)? Infelizmente (ou felizmente), ninguém pode se dar ao luxo de tomar estas decisões. A este processo de ir aprendendo a “jogar o jogo”, a Sociologia dá o nome de socialização. De uma forma mais formal, este conceito pode ser descrito como o processo de aprendizado e internalização de regras socialmente aceitas no contexto social do qual você faz parte. Lembremo-nos de que “aprender” é diferente de “internalizar”. O segundo termo é mais profundo. Quando internalizo uma norma passo a segui-la inconscientemente. Por exemplo, por que chamar um homem de “professor” quando ele pede para ser chamado pelo próprio nome? Só porque ele dá aulas para mim? É claro que é um sinal de respeito. Mas, será que de fato o respeito? A socialização é consequência do fato de que os seres humanos interagem entre si. A interação social é a comunicação, a troca de informações (se refletirmos, ideias, sensações, sentimentos são “informações”) entre seres humanos. Por mais tímida que seja uma pessoa, ela não consegue ficar sem interagir com outros seres humanos. Você pode argumentar: “E aquelas pessoas que vivem enclausurada em casa?”. Será que elas ficam realmente isoladas? Não usam a internet ou ouvem músicas? Ler um blog, postar algo na internet, ouvir uma música composta e tocada por outro ser humano já é estar, ainda que indiretamente, se comunicando. Espero que por meio deste texto eu tenha conseguido mostrar que o “social” existe e exerce influência sobre nossas vidas. Muitos me perguntam “para que serve a Sociologia?”. Com base no que você leu até aqui, pense na seguinte pergunta: “exercer influência” é a mesma coisa que “determinar”? Finalizo este texto com a seguinte pergunta: qual destes dois tipos de pessoa corre um risco maior de deixar que “determinem” como será a sua vida: o que somente “internalizou” as regras do jogo e simplesmente as segue inconscientemente, ou aquele que de fato entende como as regras que o cercam influenciam o modo como conduz sua vida? A Sociologia não é tão inútil quanto muitos pensam...