revista eletrônica de poesia & fotografia
ano 1, nº2, julho-setembro de 2013 pelotas, rs, brasil
coordenação editorial
daniel moreira
ju blasina
ideias e sacações
vicente botti
junelise pequeno martino
ano 1, nº2, julho-setembro de 2013
pelotas, rs, brasil
jornalista reponsável
ediane oliveira
ilustrações
jairo tx
a revista eletrônica mandinga é uma publicação
trimestral de poesia & fotografia, editada
pelo grupo mandinga.
fotografias
nauro júnio
poesia & fotografia
revisão
duda keiber
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conselho editorial
daniel moreira
duda keiber
ediane oliveira
jairo tx
ju blasina
junelise pequeno martino
valder valeirão
vicente botti
design editorial
valder valeirão
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Quando o poeta Manoel de Barros disse que a essência da conversa entre aves e pedras; rãs e
águas eram unicamente a poesia, ele estava certo. A edição n° 2 da Revista Mandinga traz as
mais destemidas rotações de temperaturas, criações e elementos que se encontram pelo
inconfundível e urgente caminho da poesia. Pelas páginas, imagens cotidianas, mundanas,
livres e bucólicas do fotógrafo Nauro Júnior encontram palavras nos versos de seis poetas de
Pelotas, Rio Grande, Porto Alegre, Cuiabá e Lisboa.
“É o vinho”, Daniela Delias escreve. Repare. Como chuva derramada, a excitação de sua poesia
convidativa suspira tanto quanto a sede da vida de pássaros, mamíferos e as asas dos poemas
serenos e pulsantes de Duda Keiber. Do lado norte de quem vem de cima, um homem cruza-se
com ele e aqui dentro: Paulo José Miranda fala de morte e do primeiro orvalho de uma manhã
tímida de sol. Ambos tão profundos como a rima que decide de Israel Mendes, poeta que traz a
elegância de uma borboleta ao passo que prende com rigidez a força da palavra. Mirian
Marclay é indomável com um amor carnal, por entre feras e belas, paixões, solidão e perfeição.
Há quem lembre o dia em que a poesia levou alguém de dentro: Gabriel Borges sente saudades
e respira o tempo. Tempo que não tirou de dentro de si a poesia.
Talvez o que nos resta é seguir assim, buscando e desesperando poemas nus. Poemas
silenciosos. Poemas-imagens. Poemas vivos ou mortos. Como quando Drummond convidou o
mundo a chegar mais perto e contemplar as palavras. Cada uma tem mil faces secretas sob a
face neutra. Talvez nos reste seguir buscando mais faces, até que a poesia nos enxugue. E
comecemos tudo outra vez. À procura de mais...
Fotografias
Nauro Júnior Júnior narrando crônicas do cotidiano através de imagens. É no fulgor da luz de
Pelotas que ele encontra energia para conter suas aflições. Ganhador de diversos prêmios, em 2009
transformou suas histórias em palavras. Escreveu o livro A noite que não acabou (Editora Livraria
Mundial), que foi mais o vendido em 39 edições da Feira do Livro de Pelotas, e em 2012, Náufrago de
um Mar Doce (Editora Satolep Press), outro campeão de vendas. Atualmente está saindo do forno o seu
primeiro livro de fotografias intitulado Pelotas em imagens. De tanto fotografar, um dia Nauro vai virar Luz.
Poesias
Daniela Delias nasceu em Pelotas. Em 2012 publicou seu primeiro livro de poesia: Boneca russa
em casa de silêncios (Editora Patuá – São Paulo). Tem poemas publicados no Livro da Tribo, nas
revistas literárias Germina, Celuzlose, Diversos Afins e Mallarmargens, e nos blogs de poesia Do Lado
de Cá e Sombra, Silêncio e Espuma. Apaixonada por literatura, música, fotografia, cinema e
psicanálise, é também psicóloga e professora universitária. Mora na praia do Cassino, em Rio Grande.
Duda Keiber é um santa-rosense que nasceu quando respirou, se é que se nasce quando se
respira, em julho de 79. Em Pelotas desde 96, já fez filho, já fez casa, já fez fogo no chão... De vez em
quando, brinca com palavras literopuerilmente, experimenta encaixes e conta estórias que quiçá nunca
tenham acontecido. Talvez, e muito provavelmente, viverá até a morte a fazê-lo. Publicou em 2007 o
livro-caixa O outro lado da palavra e, em 2012, Potchua Babulenka – Crônicas do tempo das coisas.
Na grande nuvem, seiu endereço é www.dudakeiber.blogspot.com.
Paulo José Miranda nasceu em 1965 na aldeia de Paio Pires, à beira de Lisboa. É poeta,
escritor e dramaturgo. Licenciou-se em Filosofia pela Universidade de Letras de Lisboa. Vive neste
momento em Fazenda Rio Grande (Paraná), desde o início do ano de 2012.
Publicou três livros de poesia, cinco novelas, uma peça de teatro e um livro de aforismos. O seu
primeiro livro de poesia venceu o Prêmio Teixeira de Pascoaes em 1997 e a sua segunda novela
venceu o primeiro Prêmio José Saramago em 1999. Recebeu uma bolsa de criação literária do IBL
em 1999 para escrever a sua terceira novela e uma outra bolsa da Fundação Oriente em 2001, para
viver três meses em Macau e escrever a sua quarta novela (inserido no mesmo projeto que levou o
escritor brasileiro Bernardo Carvalho à Mongólia e José Eduardo Agualusa a Goa). Colaborou em
revistas de vários países e há estudos acerca de sua obra em Portugal, Espanha, França e Brasil.
Foram também escritas teses acadêmicas em Portugal e no Brasil, acerca do livro Vício, que
escreveu com o apoio da bolsa de criação literária do IBL. Na Faculdade de Ciências Sociais e
Humanas da Universidade Nova de Lisboa seus livros de prosa são recorrentemente estudados em
Teoria da Literatura. O mesmo acontece com a sua peça de teatro O Corpo de Helena, 1998, na
Universidade de Coimbra, no departamento de Estudos Clássicos. No próximo outubro serão
editados dois livros pela Abysmo: um romance e um livro de cartas de amor.
Israel Mendes é natural de Porto Alegre, tem 35 anos e é formado em Comunicação Social
pela PUC-RS. Possui 15 anos de experiência, tendo trabalhado como redator publicitário nas
principais agências de propaganda do RS. Em 2007 passou a trabalhar com jogos eletrônicos. Em
2010 reingressou na universidade e atualmente é estudante de Filosofia. Neste mesmo ano estreou
na literatura como escritor e poeta publicando seu primeiro livro, Menino perplexo. Já participou de
eventos em literatura como o 2º Vereda Literária, na livraria Palavraria; Poesia no Bar, um sarau de
poesia no restaurante Madre Mia, em Pelotas. Já teve vários textos selecionados no programa
Poemas no Ônibus, em Porto Alegre. Em 2012 teve seus poemas selecionados na Coletânea de
Poesia Gaúcha Contemporânea. Ainda em 2012 seu livro Menino perplexo foi selecionado para o
Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE), sendo distribuído nas escolas públicas federais de
todo o Brasil. Abastece um blog de poesia chamado Blog do Menino
(www.mperplexo.wordpress.com). Se interessa por literatura, poesia, comunicação, semiótica,
tipografia, design, games, puzzles, brinquedos e filosofia.
Mirian Marclay Melo mora em Cuiabá – MT, é advogada, poeta, apreciadora das artes que
edificam a alma. Alguém que procura a essência além da aparência.
www.lirismoflordapele.blogspot.com
Gabriel Borges Professor, poeta, escritor e compositor. É pelotense. Publicou "[in]fértil - poesia
alguma", no ano de 2010. Encontra-se em fase de conclusão de sua estreia na narrativa: um livro de
contos.
Cântaro
Daniela Delias
É o vinho, ele diz. Não repare. Ou a chuva. Chove desde
que você chegou. Telas, janelas, panos, cômodos. Tudo
molha, chove a cântaros. Já tivemos um junho assim?
Eu não sei. Aqui também chove o tempo todo. Pus um
vaso-guarda-gotas sobre o criado-mudo, ao lado do
caderno antigo. Recolhi as roupas. Afastei móveis e
ruídos. Reli a carta, revi a cena. Era você naquele gesto?
Meu passo, tua boca, dez segundos. Era você naquele
mundo? Talvez eu te escreva um verso. Talvez eu te
queira nua. Talvez eu esqueça o plano. Talvez eu já seja
tua. É o vinho, ele diz. Ela não repara. Vontade de te
abraçar. Vontade de dançar no teu abraço. Vontade de te
beijar. Vontade de demorar no teu beijo. Suspira-se muito
por aqui. Por aqui também - ele sussurra. Suspira-se
como chove.
Zepelim
Daniela Delias
eu poderia ser Alice
lábios cor-de-fim-do-mundo
atravessando o oceano
você veria um zepelim
eu poderia ser Alice entre tulipas
Amsterdam, tarde de outubro
você diria Rosa, Violeta
amor em mim, nome de flor
eu poderia ser Alice em seu quarto
ou num hotel à beira-mar, ao sul do mundo
você diria aqueles nomes absurdos
Rosa, Alice, Violeta, amor em mim
meu Zepelim ao sul do mundo
eu poderia ser Alice
e morar em seus versos.
A mãe mamífera
Duda Keiber
A mãe mamífera
Mama mamãe mamífera
Muito mais mamara antes
Em outras tetas gigantes
A teta da vó é teta
Tão teta que a teta partida
[da bisa e da mãe da bisa
Mamantes mamosas idas
Agora esta teta clama
A bocaberta do bicho
Mamando o mimoso mimo
Da vida, leitosa, infinda.
Ele cria passarinho
Duda Keiber
Ele cria passarinho
Da gaiola fez o ninho
E agora não sai de casa
Meio doente da asa
Meio–dia pega o sol
Já foi jovem rouxinol
E cantava no telhado
Agora engaiolado
Num pequeno apartamento
Solitário sentimento
Repentina porta abria
E a Margarete saía
Noutra ida no mercado
Porque o pão tinha acabado
E o alpiste tá no fim
Uma gaiola é assim
Tão sem rima, tão sem graça
Não se queixa, o tempo passa
E ele cria passarinho...
Paulo José Miranda
Começaram as queimadas junto à aldeia
Os pinheiros não são a sombra do que foram
Os pinheiros são a sombra do que um dia iremos ser
O sol inunda o campo e os açudes do outro lado e muito para além
Do lado norte de quem vem de cima
Do monte repleto de eucaliptos
Um homem cruza-se comigo e acena-me ritualmente
A morte não é razão para não sorrir aos outros.
(à Mariana Ianelli)
Nada do que me aconteça
Tocará de perto o alvorecer de uma flor
Nesse primeiro orvalho de uma manhã tímida de sol
Nada do que me possam fazer de bem ou de mal
Um sublime robalo grelhado ou um escarro no rosto
Ajudará a desvendar a grande amizade
Com que os diferentes músculos humanos sustentam a vida
E nada mesmo nada
Por mais pérfido que Shakespeare teime ainda
Em forjar espelhos desse sinistro e amargo lugar dentro de nós
Nada anulará a certeza de que estive aqui
E aqui fui infeliz com todo o direito a sê-lo
Com todo o direito a reivindicar isso como sendo apenas meu
E a despeito de toda a felicidade dos outros.
Paulo José Miranda
Em cima do muro:
À esquerda,
Me firo
À direita,
Rasuro
A rima decide:
Me atiro?
Ou me aturo?
Israel Mendes
A borboleta
Coberta de elegância
Faz graça
Humilde infância
Julga-se Kafka: larva - metamorfose
No outono: Poesia
Que revisita sua travessia
Único voar
Warhol
Xeque
Yin
Ziguezaguear
Israel Mendes
A fera (e) a bela
Mirian Marclay Melo
A FERA
Indomável... toma-me. Saiba que amo com ternura.
Mas habita em mim a liberdade de ser solta de ser
A regra que faço... é sob o molde da minha própria doçura.
Não digo como deve viver cada um que vive
Não vivo como vive cada um que pensa viver
Sou aquela que veio ser apenas aquilo que é.
Solta-me se não há amor ou há vontade de doma.
Que amar é aceitar-me e curar a ferida do próprio afeto
Que só pretendo ser a fera se ferires a mim Meu amor predileto.
A BELA
(leia agora de baixo para cima)
Um amor carnal
Mirian Marclay Melo
Já não diga amar se amor me tenhas
Nos desejos todos que contenhas
Das volúpias mil que dilaceraram
Aos espelhos estilhaços obliteram.
Que conheço o sabor da luxúria
Carmim como as silvestres amoras
E se os meus lábios adoras
Não os toma de forma espúria.
Já não diga amar se amor me tenhas
Que o amor não é apenas o que te convenhas
É o infinito sentir além do dessentir
É o estar além do que se quer permitir.
Que a paixão com o tempo se apaga
Como a luz da estrela que só vaga
E queixosa vem me contar da solidão
Pois que amar é carnal e gostar por gostar é
perfeição!
Ela foi passear com a poesia
Gabriel Borges
Quem sabe vamos embora dos lugares
onde estamos?
Andando por aqui e ali
é capaz de nos encontrarmos
em Bagdá
ou, sei lá o quê.
Se é o que queres,
talvez seja chegada a hora de correr o risco
e fazer
[dos meus cabelos e barba
moradia tua.
Lembrando assim,
faço,
das memórias,
meu achego e meu alento.
Vejo-te sorrindo
em pensamento, apenas,
desde o dia em que a poesia te levou de mim.
é claro que sinto saudade
quando estou no canto esquerdo daquela janela.
não raro me vejo à espera
de reviver um romance da minha mocidade.
de um lado, ela vinha
[sozinha,
com seu aspecto hábil, primitivo no feminino.
de outro, estávamos
[juntos,
com nosso instinto, idiossincrasia conjugal.
é saudade, claro que é!
"a mulher não nasce mulher, torna-se mulher"
quantas vezes me falou isso ao pé do ouvido.
fomos felizes.
creio que, por ela, ainda sou feliz.
e, por isso, que
[naquela janela,
está a saudade de uma antiga namorada:
Simone de Beauvoir.
o tempo não a tirou de mim.
ainda penso nela
Gabriel Borges
ar te literatura
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