1 O IMPACTO DA TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO NA COMUNICAÇÃO ZANIRATTO, Bianca Giordana (PG – Universidade Paulista Júlio de Mesquita Filho – Unesp – Bauru) [email protected] RESUMO A inserção de tecnologias da informação da comunicação causou impactos profundos e irreversíveis na sociedade. Proporcionou avanços e mudanças benéficas nas relações humanas em geral, no entanto, colabora no agravamento do abismo social local e global. Tal processo ao mesmo tempo que diminui a distância entre pessoas e na ções, aumenta o fosso entre os ‘com’ e os ‘sem’ acesso à informação. Iniciativas de inclusão digital, fomentadas por meio de parcerias entre governo, empresas e sociedade civil, como implantação de terminais de acesso à internet, só serão eficientes se vie rem acompanhadas de ferramentas para o combate ao analfabetismo digital. Para barrar o ciclo esse exclusão, a convivência com as máquinas precisa estar junto à educação escolar e começar nos primeiros anos de alfabetização. Palavras -chave : novas tecnologias da comunicação; virtual; internet; exclusão/inclusão digital; educação. INTRODUÇÃO Tendo como pano de fundo a questão dos excluídos digitais, pretendemos descortinar e discutir questões concernentes ao impacto da tecnologia da informação na comunicação e as conseqüências sociais trazidas com esta evolução. Poderíamos discorrer sobre inúmeros temas relacionados às novas tecnologias e que foram tratados no decorrer da disciplina. No entanto, optamos por pinçar certos tópicos teóricos e dialogar sobre a exclusão, pois entendemos que a tecnologia por si só é como uma escola sem alunos. É preciso usá-la para permitir que cada vez mais pessoas tenham acessos aos avanços. O primeiro tópico desenvolvido na fundamentação teórica tenta resgatar as definições, de dois teóricos estudados, para o termo ‘virtual’, ao mesmo tempo que 2 estabelece a relação com o ‘real’. Para Pierre Lévy, tal eixos não se contrapõem, já que o virtual multiplica as possibilidade de atualizações do real. Manuel Castells acredita que a realidade é percebida virtualmente, ou seja, construída por meio da representação simbólica. Ainda neste tópico há uma reflexão sobre a quebra da relação tempo/espaço na rede, já que ela possibilita navegar através do tempo e estar em diversos ‘locais’ simultaneamente. Para completar a fundamentação, apropriamo -nos de conceitos de Castells sobre a relação conflitante entre a rede e o ser (representando o global e o individual, respectivamente), acentuada pelas tecnologias em geral e responsável pelo agravamento do desenvolvimento desigual das nações. A fenda entre os países ‘com’ e ‘sem’ tende a aumentar exponencialmente com a velocidade das transformações tecnológicas. Na discussão, mostramos um breve histórico do surgimento da internet e o papel que a rede de redes de computadores ocupa na atual sociedade informacional. As mudanças provocadas tanto na produção quanto na recepção de matérias jornalísticas pela net e sua capacidade de tornar um ambiente midiático, já que engloba diferentes tipos de mídias – rádios, jornais e televisão. Fechamos o tópico articulando e analisando formas de combate ao analfabetismo digital, e na esteira o funcional, com o uso da tecnologia por meio de programas de inclusão promovidos pelo governo e pela sociedade civil orga nizada. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA Virtual x atual: eterno pulsar Para Lévy (1999), a virtualidade é o traço distintivo da nova face da informação. Para a corrente filosófica, virtual é tudo aquilo que não está no plano material, ou seja, é o real em potência. “É virtual toda entidade “desterritorializada”, capaz de gerar diversas manifestações concretas em diferentes momentos e locais determinados, sem contudo estar ela mesma presa a um lugar ou tempo em particular” (LÉVY, 1999, p. 47). O virtual não se contrapõe ao real e sim ao atual. “O virtual não substitui o ‘real’, ele multiplica as oportunidades para atualizá-lo” (LÉVY, 1999, p. 88), ou seja, o conteúdo da rede é digital e passível de inúmeras possibilidades de atualizações. Portanto, cada internauta tem o dever de participar dos processos de atualização e de alimentação da rede das redes de computadores. 3 Já Castells (2001), registra que todas as formas de comunicação são baseadas na produção e consumo de sinais. Não há separação entre “realidade” e representação simbólica, ou seja, é a construção da virtualidade real. “Portanto a realidade, como é vivida, sempre foi virtual porque sempre é percebida por intermédio de símbolos formadores da prática com algum sentido que escapa a sua rigorosa definição semântica” (CASTELLS, 2001, p.395). Toda realidade é percebida de maneira virtual. Além disso, a internet subverte a ditadura relativista tempo/espaço, já que é possível navegar através do tempo e projetar-se, simultaneamente, em inúmeros lugares diferentes. Segundo Castells, “localidades ficam despojadas de seu sentido cultural, histórico e geográfico e reintegram-se em rede funcionais ou em colagens de imagens, ocasionando um espaço de fluxos que substitui o espaço de lugares” (CASTELLS, 2001, p.397). O mesmo acontece com o tempo, “já que passado, presente e futuro podem ser programados para interagir entre si na mesma mensagem” (CASTELLS, 2001 p.397). “O espaço de fluxos e o tempo intemporal são as bases principais de uma nova cultura, que transcende e inclui a diversidade dos sistemas de representação historicamente transmitidos: a cultura da virtualidade real, aonde o faz-de-conta vai se tornando realidade” (CASTELLS, 2001, p.398). A quebra cronológica-espacial foi um dos fatores responsáveis pela implantação do novo “paradigma tecnológico” próprio das sociedades que já são informacionais (conceito também trabalhado pelo sociólogo) e daquelas que estão em vias de tornarem-se informacionais. Sociedade informacional x exclusão digital: a tensão cresce entre a rede e o ser O sociólogo espanhol Manuel Castells inicia o primeiro volume de sua obra (o prólogo e o primeiro capítulo) com uma pontual discussão sobre a rede e o ser o que, para ele, significa conflitar o global com o individual (identitário). O primeiro contraponto delineado refere-se à mudança no panorama mundial, trazida com a introdução da tecnologia aliada à acentuação de um desenvolvimento desigual e conseqüente aumento de “buracos negros de miséria humana” (CASTELLS, 2001, p.22). Em relação às alterações sociais, o autor menciona que o novo sistema de comunicação calcificado em uma língua universal digital “tanto está promovendo a integração global da produção e distribuição de palavras, sons e imagens de nossa cultura como os personalizando 4 ao gosto das identidades e humores dos indivíduos” (CASTELLS, 2001, p.22), ou seja, a nova face da comunicação consegue ser, ao mesmo tempo, global e individual. No entanto, há uma crescente distância entre a rede e o ser (globalização e identidade), pois os sistemas de informação e a formação de redes, embora aumentem a capacidade humana de organização e integração, subvertem o conceito ocidental tradicional de sujeito independente. Tal isolamento causa uma “busca por nova conectividade em identidade partilhada, reconstruída” (CASTELLS, 2001, p.40). Tratando ainda da exclusão, desta vez digital, Castells reconhece que há pouco espaço para os não–iniciados em computadores, para os grupos que consomem menos e para os territórios não atualizados com a comunicação. Conclui que “quando a Rede desliga o Ser, o Ser, individual ou coletivo, constrói seu significado sem a referência instrumental global: o processo de desconexão torna -se recíproco após a recusa, pelos excluídos, da lógica unilateral de dominação estrutural e exclusão social” (CASTELLS, 2001, p.41). Ao final, o autor completa que quanto mais próxima for a relação dos locais onde ocorre a manifestação da inovação, mais rápida será a transformação das sociedades e maior será o retorno positivo das condições sociais sobre as condições gerais para favorecer futuras inovações. Uma retroalimentação constante que pode torna-se perigosa, na medida que aprofunda o abismo de tais sociedades, ditas avançadas, com aquelas em que a revolução tecnológica ainda está longe de se realizar. Caso formos, então, considerar a velocidade com que as tecnologias evoluem e se apresentam (muitas vezes ainda indecifráveis) a nossa frente, é possível dizer que os buracos negros de Castells já começaram a engolir tudo a sua volta. DISCUSSÃO Os sítios são para quem? A afirmação de Pierre Lévy: “quanto mais pessoas tiverem acesso à internet, mais se desenvolverão modos de sociabilidade” pareceu-nos apropriada para iniciar a discussão que será proposta adiante. Para o pensador, o ciberespaço é um ambiente participativo, socializante e emanciapador. Sem dúvida que o é, mas a questão seria: para quem o é? 5 É inegável que o sistema antiguerra fria arquitetado e viabilizado pelos serviços de inteligência norte-americanos para salvaguardar a rede de comunicação militar transformouse, em um pouco mais de 30 anos, em uma verdadeira máquina de guerra da comunicação mundial, capaz de `afundar` países com dígitos e cliques. A rede de redes de computadores cresceu para tantas direções as quais foram possíveis e ganhou vida própria. Embrionária nos EUA, não pertence hoje a nenhum estado, nação ou grupo e é alimentada momentaneamente, a partir de quantos pontos de conexão existirem ao redor do mundo. Configura-se como um processo em contínua evolução, em desenvolvimento, apropriando-nos de um pensamento usado exaustivamente pelo filósofo francês Gilles Deleuze. Poderíamos elencar páginas e páginas sobre os benefícios da internet, desde seu caráter extraordinário de aglutinador de conteúdo e facilitador de trocas postais a transações comerciais até viabilizador de relações interpessoais intercontinentais. Navegar por lugares até então inimagináveis e trocar informações independente de posições geográficas significa um avanço inestimável para a comunicação. O que, porém, seria das recentes gerações de pesquisadores se ficassem desprovidas da ferramenta digital? Ou da comunicação entre amigos e parentes distantes. Bom, sem embargo, as velhas e pesadas Barsas não estariam tão empoeiradas e os carteiros teriam mais mochilas para entregar... Em relação ao jornalismo propriamente dito, a internet proporcionou uma quebra no esquema de difusão um-todos, ou melhor, emissor único e receptores múltiplos. Agora, cada um, além de tornar-se editor (navegando a seu bel prazer pelos links e hiperdocumentos) pode ser emissor da notícia e mesmo interagir com sua produção. A figura do gatekeeper, que seria o profissional selecionador das notícias que vão estar na pauta do veículo, inexiste na internet. Segundo a colega Ana Paula Saab, em uma das discussões digitais, “a internet oferece múltiplos sistemas de filtragem, por meio dos quais os utilizadores podem escolher de acordo com os seus interesses. Com o computador pessoal, o internauta tem a liberdade de fazer e controlar a sua própria imprensa. A rede aumentou imensuravelmente a área de abrangência do leitor, ou seja, sua capacidade de acesso, já que podemos conhecer e ler veículos de comunicação de grande parte dos países, privilégio inviável antes do advento da internet”. Surgem também os blogs, páginas que começaram como diários pessoais e agora abrigam conteúdos jornalísticos, científicos e até opinativos. Os blogs permitem que 6 qualquer pessoa exponha suas opiniões e relate acontecimentos, verossímeis ou fantasiosos. Segundo Rodrigues (2003), “pela facilidade com que se consegue ferramentas para criação e manutenção de blogs, qualquer um pode abrir uma janela na Rede - e de uma forma mais fácil e barata que a produção de um site. Uma vez criado seu blog, está liberada sua linha direta com o mundo”. O autor classifica os blogs como pessoal, de opinião e profissional. Este último que seria uma válvula de escape para o jornalista extravasar suas emoções ao fazer uma matéria ou cobertura e que não podem ser transcritas para as páginas do jornal. A internet, por sua característica de abarcar vários meios de comunicação (jornais impressos, rádios e algumas TVs), está tornando-se um ambiente de comunicação, onde podemos ler uma matéria, expressar nossa opinião e ainda discutir o assunto com outras pessoas (listas e fóruns de discussões, comunidades virtuais etc.). No entanto, neste momento, vêem-nos à mente a primeira lei de Kranzberg, pinçada do primeiro capítulo da obra de Manuel Castells (2001:81), “a tecnologia não é boa nem ruim e também não é neutra. É uma força que provavelmente está, mais do que nunca, sob o atual paradigma tecnológico que penetra no âmago da vida e da mente”. Voltemos agora, à primeira indagação do tópico: para quem o ciberespaço é um ambiente participativo, socializante e emanciapador? Como bem ressaltou o jornalista Luís Victorelli, em entrevista concedida ao grupo de TV, a tecnologia pela tecnologia não vale a pena. Ela tem que vir acompanhada de condições de acesso. Seu uso tem que proporcionar ações totalizantes e não excludentes. A centralização do conhecimento tecnológico aumenta acaba vez mais o abismo digital e, conseqüentemente, o social. Combater o analfabetismo digital (e por que não o funcional) por meio da inserção de segmentos excluídos na sociedade, com o uso intensivo de tecnologias da informação e comunicação é tarefa para o governo em parceria com a sociedade civil organizada. A tecnologia tem que tomar o caminho inverso, ou seja, fomentar iniciativas de inclusão digital para promover uma inclusão social. De acordo com Sérgio Midilin, presidente da Fundação Telefônica, “a inclusão digital visa eliminar a distância que separa os ‘com’ e os ‘sem’ informação para disponibilizar e, especialmente, para acessar e interpretar a informação”. Sem dúvida, o analfabetismo digital é o entrave mais consoante, mas não podemos suplantar questões como custo de máquinas e vias de conexão rápidas, dificuldade de interagir com interfaces gráficas e busca de informação e, por que não, a própria entropia (a 7 explosão, o excesso de informação, que leva a uma não-informação) causada pela internet e que não permitem seu pleno e eficiente uso. CONSIDERAÇÕES FINAIS Não há dúvidas que a T.I. causou e causa impacto na comunicação pessoal, interpessoal e entre muitos indivíduos. Como faceta mais presente da evolução, consideremos a internet. A rede eletrônica mundial de computadores comprova a afirmação acima já que podemos encenar vários ‘eus’ nos chats e ‘icqs’, os quais, segundo Muniz Sodré (2003), constituem elementos da nossa personalidade, pois não podemos fingir ser pessoas diferentes daquilo que somos ou não temos algum tipo de identificação. A rede também revolucionou a comunicação interpessoal ente parentes, amigos e pessoas que estão distantes. O baixo custo (quando comparado a outros meios postais) e a velocidade do processo de envio de mensagem via e-mail proporciona a sensação de diminuição das distâncias e submissão do tempo. As comunidades virtuais com seus fóruns e listas de discussão possibilitam a troca de informações ao redor do mundo e concretizam a cibercidadania. Os blogs, atuais mascotes da ciberevolução, permitem a veiculação de confissões e relatos pessoais até opiniões e produção jornalística independente. Apenas com tais elementos, percebemos que estamos em um caminho sem volta. Não há retrocessos. O processo está em permanente evolução, alimenta -se e cresce a cada acesso, a cada problema (quando nos vemos obrigados a procurar soluções), a cada instante. Cada clique representa um passo para o desenvolvimento, uma vantagem. Por outro lado, significa um passo a mais para os que estão atrás, uma desvantagem. A tecnologia é, ao mesmo tempo, o algoz e o salvador, ou seja, acentua o abismo social, porém configura-se como a única via para amenizar a exclusão digital. Programas de inclusão precisam ser arquitetados e fomentados em parcerias entre governo, instituições, empresas e sociedade civil organizada (como as Ongs). Atualmente, tais programas estão sendo concretizados em nove grandes ações ao redor do país. A maior parte propõe o acesso em lugares públicos e de grande circulação como agências dos Correios e bibliotecas municipais. Outros baseiam-se na construção de telecentros em áreas periféricas e violentas. Todavia, nem tudo são flores. As máquinas já estão desatualizadas e lentas e o tipo de conexão muitas vezes é insuficiente. Existe ainda um fator mais agravante: nos terminais de 8 acesso não há tempo hábil para os monitores instruírem as pessoas analfabetas (sociais e digitais), que sentem-se intimidadas a lidar com o computador. A barreira parece intransponível e ficará menos assustadora quando os programas de inclusão promoverem a educação digital de base e conseguirem inserir definitivamente o computador na rotina dos educandos. Só há uma maneira de impedir a contínua abertura do abismo social: implantar a educação digital nas escolas primárias de todo país, apresentar o computador à criança na fase de alfabetização. A proposta pode ser utópica, mas é o único caminho para uma efetiva democracia eletrônica. BIBLIOGRAFIA ALBAGI, Sarita (org.) e LASTRES, Helena M.M. Informação e Globalização na Era do Conhecimento. Rio de Janeiro: Campus, 1999. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 6023: 2002. São Paulo: ABNT, 2002. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 10520 : 2002. São Paulo: ABNT, 2002. 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