D E M O C RA C I A V I VA
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SETEMBRO 2009
ARTIGO
Graziela Tanaka*
?
Poderá a
sociedade civil
global salvar
Copenhague
Cada vez mais, a sociedade civil ganha destaque nas decisões políticas internacionais,
assim como, cada vez mais, os debates internacionais são levados para a sociedade
civil global. A política internacional é complexa, o processo de negociação entre
países, governantes e delegados geralmente é um processo técnico e tedioso, muitas
vezes restrito à diplomacia de portas fechadas, no qual poucas pessoas têm acesso.
Os interesses poderosos da indústria e das elites vinham antes da real preocupação
expressada pela sociedade civil. Ou pelo menos era assim. Hoje, com a Internet, a democracia vai além – além de fronteiras nacionais ou físicas e de interesses de uma minoria
política –, a democracia pode chegar a qualquer um que, conectado à Internet, se
preocupe com questões globais e esteja disposto a se mobilizar.
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Desde 2007, a Avaaz.org tem levado
a voz da sociedade civil global diretamente
para os meios de tomada de decisão internacional, sejam os encontros da Organização das
Nações Unidas (ONU) sobre Mudanças Climáticas, seja do G-8 ou encontros multilaterais regionais. O uso da tecnologia e do ciberativismo aliado a uma estratégia política ágil
e eficiente têm possibilitado a democratização
desses fóruns, antes restritos a diplomatas e
delegados representantes dos países envolvidos. Se as notícias hoje em dia podem se
alastrar na velocidade da luz, por que não usar
a Internet também para fins políticos, mobilizando milhões de pessoas por questões que
realmente importam?
Foi pensando assim que a Avaaz foi
lançada, organizando campanhas pelo fim
da guerra no Iraque, contra o aquecimento
global, denunciando abusos de direitos humanos, lutando contra a fome, entre muitas
outras campanhas. Com o uso da Internet e
da tecnologia, é possível alcançar milhões de
pessoas do mundo todo com apenas um clique
do mouse, e a combinação das ações de cada
pessoa se transforma em uma voz poderosa
capaz de influenciar líderes políticos, negociações e tratados.
A Avaaz foi fundada com a missão de
“fechar a lacuna entre o mundo em que vivemos e o mundo que queremos”. Essa missão
parte do princípio que a maioria das pessoas
do mundo quer proteções mais fortes para o
meio ambiente, respeito maior pelos direitos
humanos, esforços concretos para acabar com
a pobreza, a corrupção e a guerra. Nem sempre
a vontade da sociedade civil é representada
nos meios de decisão, por isso a Avaaz foi
criada como um mecanismo para unificar as
vozes sobre questões globais e levá-las para
nossos governantes.
A ascensão de um novo modelo de
democracia participativa, guiado pela sociedade civil por meio da Internet, está mudando
países, da Austrália passando pelas Filipinas
até os Estados Unidos. A Avaaz levou essa
tendência para a escala global, conectando
pessoas além das fronteiras e trazendo nova
voz para a política internacional que antes era
inacessível para a população.
Cada alerta da Avaaz contém informações sobre algum problema ou crise global e
um convite para as pessoas participarem de
uma ação concreta: uma petição, a oportunidade de enviar mensagens para governantes
ou de contribuir para financiar uma campanha
midiática. Cada pessoa que participa está se
mobilizando com outras centenas de milhares de vozes de todos os cantos do planeta.
O que aparenta ser uma ação pequena e individual, somada a todas as outras e direcionada para um fim específico, acaba tendo um
impacto enorme.
Políticas públicas são influenciadas,
eleições podem ser definidas, a reputação de
um chefe de Estado pode ser consagrada ou
desmoralizada. Esse é o poder que todos nós
temos por meio da mobilização online direcionada e coordenada. O resultado das campanhas é uma comunidade realmente global,
que abrange 13 línguas e já acumulou mais
de 3,6 milhões de apoiadores de todos os
países do planeta.
Foco no meio ambiente
Um dos grandes focos da Avaaz é a questão
climática. Em 2007, houve grande despertar
global sobre o imenso, e possivelmente trágico, impacto das mudanças climáticas. Entre
todos os assuntos que assolam o planeta hoje,
pode-se dizer que nenhum outro unifica toda
a humanidade em torno da necessária busca
por uma solução conjunta como as mudanças
climáticas. Literalmente, não há um ser humano que não seja impactado.
Porém, a solução não depende de cada
um de nós, mas está nas mãos dos nossos governantes, nas reuniões da ONU e nos encontros de países emissores e grandes economias.
São nesses encontros que as decisões serão tomadas, os tratados serão assinados e nos quais
o futuro do planeta será definido. Por mais
que ações e mudanças de hábitos individuais
sejam importantes, só atingiremos as metas
de redução das emissões de carbono se países
se comprometerem e implementarem políticas públicas que regulem a indústria e seu
consumo de energia.
Infelizmente, nem sempre os líderes
globais defendem os interesses do planeta ou
a vontade da opinião pública. Pelo contrário,
na maioria das vezes, os governos estão ao
lado do lobby industrial, representando as
elites empresariais, que não querem ser reguladas nem multadas pela sua poluição. Ainda
mais com a crise econômica global, o lucro e
o crescimento econômico estão batendo de
frente com metas mais ambiciosas para a redução das emissões de carbono. Nesse contexto,
a opinião pública global assumiu papel decisivo nas reuniões climáticas internacionais.
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Foi preciso um grande esforço da sociedade
civil para se opor ao lobby industrial, baseando-se nas pesquisas científicas e definindo,
assim, quais as expectativas mínimas para um
acordo internacional. O espaço nos encontros
da ONU precisou ser conquistado de forma que
as delegações de representantes dos países
presentes não pudessem ignorar as demandas
da sociedade civil. Para isso, foi preciso organizar ações de visibilidade, conquistar espaço
na mídia, mobilizar números massivos de
apoiadores e dialogar diretamente com os
países presentes.
O ciberativismo permitiu que essa participação fosse além – que qualquer pessoa
conectada à Internet, de qualquer lugar do
mundo, pudesse ser informada, em um curto
espaço de tempo, sobre como seus países
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estão se posicionando e tendo, com essa informação, a oportunidade de se manifestar
instantaneamente pela Internet. Dessa forma,
qualquer pessoa que se preocupe com a
questão climática tem à sua disposição uma
ferramenta para influenciar as negociações
e ver seus ideais representados, mesmo não
estando presente fisicamente nas conferências internacionais.
Marcha virtual
Em Bali, durante a COP 13, três países – Estados Unidos, Japão e Canadá – formaram uma
aliança recusando-se a negociar qualquer meta
concreta para redução de emissões de gases
de efeito estufa. O posicionamento desses
países só foi divulgado durante as negociações,
por isso a reação e a mobilização precisavam
ser feitas de forma ágil e direcionada.
A Avaaz rapidamente acionou sua lista
de milhões de pessoas denunciando o posicionamento desses países e começou a colocar
pressão em todas as frentes. Um alerta foi
enviado para os apoiadores da Avaaz, convocando-os a participar de uma “marcha virtual”.
Em poucos dias, mais de 550 mil pessoas participaram da ação online, que foi levada diretamente para o centro da conferência em Bali.
Os “ativistas virtuais” foram representados
pelas bandeiras de seus países e capturaram a
atenção da mídia. No dia seguinte, a foto da
manifestação pedindo metas concretas foi
publicada em vários jornais ao redor do mundo.
Mas seria necessário muito mais que
isso para fazer Japão, Canadá e Estados Unidos
mudarem o posicionamento nas negociações.
Vimos que seria preciso acionar os apoiadores
desses três países para colocar mais pressão
sobre seus governantes. Enviamos alertas específicos para eles denunciando a intenção desses
países de boicotar um acordo climático forte e
pedindo para que as pessoas entrassem em
contato com seus chefes de Estado.
Milhares de membros japoneses da
Avaaz enviaram e-mails para o primeiro-ministro Fukuda, membros estadunidenses enviaram
uma mensagem dizendo “ignore a equipe do
Bush, ela não nos representa” e membros
canadenses financiaram um anúncio em seu
país denunciando a posição do primeiro-ministro Stephen Harper.
A pressão continuou, era preciso deixar
claro que um posicionamento fraco não seria
tolerado. A próxima etapa foi a publicação de
um anúncio no Jakarta Post imitando o poster
PODERÁ A SOCIEDADE CIVIL GLOBAL SALVAR COPENHAGUE?
do filme “Titanic”, com o rosto de Bush, Fukuda
e Harper, que dizia: “Sem metas. Sem icebergs.
Somente um desastre global – se aproximando”.
O jornal foi distribuído para todas as pessoas
presentes no encontro, envergonhando publicamente os três países. No último dia do encontro, Japão e Canadá, em uma virada surpreendente, aderiram à meta de reduzir as emissões
em no mínimo 25% a no máximo 40% até 2020.
Estados Unidos ficaram completamente isolados. Somente no encerramento do encontro,
depois de uma vaia de todos os países presentes, os delegados estadunidenses, finalmente,
anunciaram que iriam aderir ao consenso.
A experiência em Bali mostrou que a
pressão popular e o vexame público podem
ter grande impacto nas decisões tomadas.
Em Póznan, na COP 14, a história se repetiu.
Dessa vez, a Alemanha que, no ano anterior,
havia sido um grande aliado contra as mudanças climáticas, começou a sofrer forte pressão
da indústria poluidora nacional para não assumir metas de redução da emissão de carbono.
Com a crise econômica global, a primeira-ministra Angela Merkle se viu dividida
entre os interesses ambientais e o lobby industrial. A Alemanha, que antes apoiava um tratado forte, agora dava sinais de que não se comprometeria. A Avaaz rapidamente mobilizou
sua lista, conseguindo arrecadar fundos para
financiar outro anúncio polêmico para as negociações. Os anúncios mostravam a primeiraministra como “Darth Merkle”, responsabilizando inteiramente a Alemanha pelo possível
fracasso das negociações.
Depois da publicação do anúncio, que
foi disseminado por todo o centro de convenções, chegando à mídia e às delegações dos
países presentes, uma ação virtual foi lançada
e milhares de pessoas do mundo inteiro enviaram mensagens para Angela Merkle pedindo que
ela voltasse a ser uma aliada do movimento climático. A pressão popular, as mobilizações e o
lobby político direto com os delegados e diplomatas, mais uma vez, influenciaram o resultado.
Em casa
Recentemente, o Brasil também comprovou
o poder da mobilização popular virtual na
influência de decisões políticas. O Senado
aprovou a Medida Provisória 458, que
privatizaria 67 milhões de hectares da Floresta Amazônica. Enquanto a MP aguardava a
sanção do presidente Lula, a Avaaz convocou
os membros brasileiros, para que pressionassem
o presidente pedindo o veto dos pontos
mais perigosos da MP. Em menos de três dias,
14 mil pessoas ligaram para o gabinete de
Lula e, duas semanas depois, 30 mil pessoas
enviaram e-mails.
A MP foi sancionada e os dois pontos
criticados pela campanha foram vetados. A agilidade e o tamanho da mobilização enviaram
um sinal claro para o presidente: os brasileiros
estão prontos para agir quando se trata de um
assunto tão importante como a Floresta Amazônica. Os alertas se disseminaram rapidamente em listas de discussões pela Internet afora,
provando que o modelo de mobilização online,
quando direcionado para uma campanha concreta, é capaz de mobilizar dezenas de milhares de pessoas rapidamente.
O potencial da Internet de mobilização
para fins políticos ainda é pouco explorado.
Sabemos que, sem a Internet, talvez o atual
presidente dos Estados Unidos, Barack Obama,
não tivesse conseguido arrecadar uma quantia
recorde para sua campanha, que o levou à
vitória. Sabemos que, sem a Internet, os protestos recentes no Irã não teriam ganhado o
mundo, minuto a minuto pelo Twitter, e milhões
de pessoas não teriam testemunhado a triste
morte de Neda Agha-Soltan.
A visibilidade dos protestos nos mostraram que, até nos países com menos liberdade de expressão, ainda há pessoas com
força para fazer valer sua voz. Sem a Internet,
talvez não ficaríamos sabendo dos abusos dos
direitos humanos escondidos nas selvas peruanas ou no interior do Zimbábue. Porém,
vivemos em um mundo onde temos a oportunidade e a opção de nos manter informados e, agora, temos também a opção de nos
mobilizar e agir.
Daqui a poucos meses, o mundo todo
estará reunido em Copenhague, onde o tratado pós-Kyoto será assinado e, assim, definido o futuro da humanidade. Ainda há muita
resistência política por parte dos grandes
emissores de carbono, e ainda é difícil prever
qual o posicionamento político de cada país.
A Avaaz está se preparando para ter a mesma
agilidade de Bali, Póznan e da campanha brasileira, pronta para mobilizar pessoas do
mundo todo e expor aqueles que tentarem
diluir um tratado global vinculante, justo e
forte. Hoje, temos a opção que não tínhamos
a apenas duas décadas atrás, podemos todos
estar em Copenhague prontos para agir e fazer
nossas vozes chegarem aos ouvidos de nossos
representantes.
* Graziela Tanaka
Socióloga,
coordenadora de
Campanhas Globais no
Brasil da Avaaz
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