D E M O C RA C I A V I VA 43 SETEMBRO 2009 ARTIGO Graziela Tanaka* ? Poderá a sociedade civil global salvar Copenhague Cada vez mais, a sociedade civil ganha destaque nas decisões políticas internacionais, assim como, cada vez mais, os debates internacionais são levados para a sociedade civil global. A política internacional é complexa, o processo de negociação entre países, governantes e delegados geralmente é um processo técnico e tedioso, muitas vezes restrito à diplomacia de portas fechadas, no qual poucas pessoas têm acesso. Os interesses poderosos da indústria e das elites vinham antes da real preocupação expressada pela sociedade civil. Ou pelo menos era assim. Hoje, com a Internet, a democracia vai além – além de fronteiras nacionais ou físicas e de interesses de uma minoria política –, a democracia pode chegar a qualquer um que, conectado à Internet, se preocupe com questões globais e esteja disposto a se mobilizar. 34 DEMOCRACIA VIVA Nº 43 Desde 2007, a Avaaz.org tem levado a voz da sociedade civil global diretamente para os meios de tomada de decisão internacional, sejam os encontros da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre Mudanças Climáticas, seja do G-8 ou encontros multilaterais regionais. O uso da tecnologia e do ciberativismo aliado a uma estratégia política ágil e eficiente têm possibilitado a democratização desses fóruns, antes restritos a diplomatas e delegados representantes dos países envolvidos. Se as notícias hoje em dia podem se alastrar na velocidade da luz, por que não usar a Internet também para fins políticos, mobilizando milhões de pessoas por questões que realmente importam? Foi pensando assim que a Avaaz foi lançada, organizando campanhas pelo fim da guerra no Iraque, contra o aquecimento global, denunciando abusos de direitos humanos, lutando contra a fome, entre muitas outras campanhas. Com o uso da Internet e da tecnologia, é possível alcançar milhões de pessoas do mundo todo com apenas um clique do mouse, e a combinação das ações de cada pessoa se transforma em uma voz poderosa capaz de influenciar líderes políticos, negociações e tratados. A Avaaz foi fundada com a missão de “fechar a lacuna entre o mundo em que vivemos e o mundo que queremos”. Essa missão parte do princípio que a maioria das pessoas do mundo quer proteções mais fortes para o meio ambiente, respeito maior pelos direitos humanos, esforços concretos para acabar com a pobreza, a corrupção e a guerra. Nem sempre a vontade da sociedade civil é representada nos meios de decisão, por isso a Avaaz foi criada como um mecanismo para unificar as vozes sobre questões globais e levá-las para nossos governantes. A ascensão de um novo modelo de democracia participativa, guiado pela sociedade civil por meio da Internet, está mudando países, da Austrália passando pelas Filipinas até os Estados Unidos. A Avaaz levou essa tendência para a escala global, conectando pessoas além das fronteiras e trazendo nova voz para a política internacional que antes era inacessível para a população. Cada alerta da Avaaz contém informações sobre algum problema ou crise global e um convite para as pessoas participarem de uma ação concreta: uma petição, a oportunidade de enviar mensagens para governantes ou de contribuir para financiar uma campanha midiática. Cada pessoa que participa está se mobilizando com outras centenas de milhares de vozes de todos os cantos do planeta. O que aparenta ser uma ação pequena e individual, somada a todas as outras e direcionada para um fim específico, acaba tendo um impacto enorme. Políticas públicas são influenciadas, eleições podem ser definidas, a reputação de um chefe de Estado pode ser consagrada ou desmoralizada. Esse é o poder que todos nós temos por meio da mobilização online direcionada e coordenada. O resultado das campanhas é uma comunidade realmente global, que abrange 13 línguas e já acumulou mais de 3,6 milhões de apoiadores de todos os países do planeta. Foco no meio ambiente Um dos grandes focos da Avaaz é a questão climática. Em 2007, houve grande despertar global sobre o imenso, e possivelmente trágico, impacto das mudanças climáticas. Entre todos os assuntos que assolam o planeta hoje, pode-se dizer que nenhum outro unifica toda a humanidade em torno da necessária busca por uma solução conjunta como as mudanças climáticas. Literalmente, não há um ser humano que não seja impactado. Porém, a solução não depende de cada um de nós, mas está nas mãos dos nossos governantes, nas reuniões da ONU e nos encontros de países emissores e grandes economias. São nesses encontros que as decisões serão tomadas, os tratados serão assinados e nos quais o futuro do planeta será definido. Por mais que ações e mudanças de hábitos individuais sejam importantes, só atingiremos as metas de redução das emissões de carbono se países se comprometerem e implementarem políticas públicas que regulem a indústria e seu consumo de energia. Infelizmente, nem sempre os líderes globais defendem os interesses do planeta ou a vontade da opinião pública. Pelo contrário, na maioria das vezes, os governos estão ao lado do lobby industrial, representando as elites empresariais, que não querem ser reguladas nem multadas pela sua poluição. Ainda mais com a crise econômica global, o lucro e o crescimento econômico estão batendo de frente com metas mais ambiciosas para a redução das emissões de carbono. Nesse contexto, a opinião pública global assumiu papel decisivo nas reuniões climáticas internacionais. SETEMBRO 2009 35 ARTIGO Foi preciso um grande esforço da sociedade civil para se opor ao lobby industrial, baseando-se nas pesquisas científicas e definindo, assim, quais as expectativas mínimas para um acordo internacional. O espaço nos encontros da ONU precisou ser conquistado de forma que as delegações de representantes dos países presentes não pudessem ignorar as demandas da sociedade civil. Para isso, foi preciso organizar ações de visibilidade, conquistar espaço na mídia, mobilizar números massivos de apoiadores e dialogar diretamente com os países presentes. O ciberativismo permitiu que essa participação fosse além – que qualquer pessoa conectada à Internet, de qualquer lugar do mundo, pudesse ser informada, em um curto espaço de tempo, sobre como seus países 36 DEMOCRACIA VIVA Nº 43 estão se posicionando e tendo, com essa informação, a oportunidade de se manifestar instantaneamente pela Internet. Dessa forma, qualquer pessoa que se preocupe com a questão climática tem à sua disposição uma ferramenta para influenciar as negociações e ver seus ideais representados, mesmo não estando presente fisicamente nas conferências internacionais. Marcha virtual Em Bali, durante a COP 13, três países – Estados Unidos, Japão e Canadá – formaram uma aliança recusando-se a negociar qualquer meta concreta para redução de emissões de gases de efeito estufa. O posicionamento desses países só foi divulgado durante as negociações, por isso a reação e a mobilização precisavam ser feitas de forma ágil e direcionada. A Avaaz rapidamente acionou sua lista de milhões de pessoas denunciando o posicionamento desses países e começou a colocar pressão em todas as frentes. Um alerta foi enviado para os apoiadores da Avaaz, convocando-os a participar de uma “marcha virtual”. Em poucos dias, mais de 550 mil pessoas participaram da ação online, que foi levada diretamente para o centro da conferência em Bali. Os “ativistas virtuais” foram representados pelas bandeiras de seus países e capturaram a atenção da mídia. No dia seguinte, a foto da manifestação pedindo metas concretas foi publicada em vários jornais ao redor do mundo. Mas seria necessário muito mais que isso para fazer Japão, Canadá e Estados Unidos mudarem o posicionamento nas negociações. Vimos que seria preciso acionar os apoiadores desses três países para colocar mais pressão sobre seus governantes. Enviamos alertas específicos para eles denunciando a intenção desses países de boicotar um acordo climático forte e pedindo para que as pessoas entrassem em contato com seus chefes de Estado. Milhares de membros japoneses da Avaaz enviaram e-mails para o primeiro-ministro Fukuda, membros estadunidenses enviaram uma mensagem dizendo “ignore a equipe do Bush, ela não nos representa” e membros canadenses financiaram um anúncio em seu país denunciando a posição do primeiro-ministro Stephen Harper. A pressão continuou, era preciso deixar claro que um posicionamento fraco não seria tolerado. A próxima etapa foi a publicação de um anúncio no Jakarta Post imitando o poster PODERÁ A SOCIEDADE CIVIL GLOBAL SALVAR COPENHAGUE? do filme “Titanic”, com o rosto de Bush, Fukuda e Harper, que dizia: “Sem metas. Sem icebergs. Somente um desastre global – se aproximando”. O jornal foi distribuído para todas as pessoas presentes no encontro, envergonhando publicamente os três países. No último dia do encontro, Japão e Canadá, em uma virada surpreendente, aderiram à meta de reduzir as emissões em no mínimo 25% a no máximo 40% até 2020. Estados Unidos ficaram completamente isolados. Somente no encerramento do encontro, depois de uma vaia de todos os países presentes, os delegados estadunidenses, finalmente, anunciaram que iriam aderir ao consenso. A experiência em Bali mostrou que a pressão popular e o vexame público podem ter grande impacto nas decisões tomadas. Em Póznan, na COP 14, a história se repetiu. Dessa vez, a Alemanha que, no ano anterior, havia sido um grande aliado contra as mudanças climáticas, começou a sofrer forte pressão da indústria poluidora nacional para não assumir metas de redução da emissão de carbono. Com a crise econômica global, a primeira-ministra Angela Merkle se viu dividida entre os interesses ambientais e o lobby industrial. A Alemanha, que antes apoiava um tratado forte, agora dava sinais de que não se comprometeria. A Avaaz rapidamente mobilizou sua lista, conseguindo arrecadar fundos para financiar outro anúncio polêmico para as negociações. Os anúncios mostravam a primeiraministra como “Darth Merkle”, responsabilizando inteiramente a Alemanha pelo possível fracasso das negociações. Depois da publicação do anúncio, que foi disseminado por todo o centro de convenções, chegando à mídia e às delegações dos países presentes, uma ação virtual foi lançada e milhares de pessoas do mundo inteiro enviaram mensagens para Angela Merkle pedindo que ela voltasse a ser uma aliada do movimento climático. A pressão popular, as mobilizações e o lobby político direto com os delegados e diplomatas, mais uma vez, influenciaram o resultado. Em casa Recentemente, o Brasil também comprovou o poder da mobilização popular virtual na influência de decisões políticas. O Senado aprovou a Medida Provisória 458, que privatizaria 67 milhões de hectares da Floresta Amazônica. Enquanto a MP aguardava a sanção do presidente Lula, a Avaaz convocou os membros brasileiros, para que pressionassem o presidente pedindo o veto dos pontos mais perigosos da MP. Em menos de três dias, 14 mil pessoas ligaram para o gabinete de Lula e, duas semanas depois, 30 mil pessoas enviaram e-mails. A MP foi sancionada e os dois pontos criticados pela campanha foram vetados. A agilidade e o tamanho da mobilização enviaram um sinal claro para o presidente: os brasileiros estão prontos para agir quando se trata de um assunto tão importante como a Floresta Amazônica. Os alertas se disseminaram rapidamente em listas de discussões pela Internet afora, provando que o modelo de mobilização online, quando direcionado para uma campanha concreta, é capaz de mobilizar dezenas de milhares de pessoas rapidamente. O potencial da Internet de mobilização para fins políticos ainda é pouco explorado. Sabemos que, sem a Internet, talvez o atual presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, não tivesse conseguido arrecadar uma quantia recorde para sua campanha, que o levou à vitória. Sabemos que, sem a Internet, os protestos recentes no Irã não teriam ganhado o mundo, minuto a minuto pelo Twitter, e milhões de pessoas não teriam testemunhado a triste morte de Neda Agha-Soltan. A visibilidade dos protestos nos mostraram que, até nos países com menos liberdade de expressão, ainda há pessoas com força para fazer valer sua voz. Sem a Internet, talvez não ficaríamos sabendo dos abusos dos direitos humanos escondidos nas selvas peruanas ou no interior do Zimbábue. Porém, vivemos em um mundo onde temos a oportunidade e a opção de nos manter informados e, agora, temos também a opção de nos mobilizar e agir. Daqui a poucos meses, o mundo todo estará reunido em Copenhague, onde o tratado pós-Kyoto será assinado e, assim, definido o futuro da humanidade. Ainda há muita resistência política por parte dos grandes emissores de carbono, e ainda é difícil prever qual o posicionamento político de cada país. A Avaaz está se preparando para ter a mesma agilidade de Bali, Póznan e da campanha brasileira, pronta para mobilizar pessoas do mundo todo e expor aqueles que tentarem diluir um tratado global vinculante, justo e forte. Hoje, temos a opção que não tínhamos a apenas duas décadas atrás, podemos todos estar em Copenhague prontos para agir e fazer nossas vozes chegarem aos ouvidos de nossos representantes. * Graziela Tanaka Socióloga, coordenadora de Campanhas Globais no Brasil da Avaaz SETEMBRO 2009 37