PARTICIPAÇÃO DA SOCIEDADE NAS LEIS DE MÍDIA DA AMÉRICA LATINA: APONTAMENTOS INICIAIS Paulo Victor MELO1 1 Doutorando em Comunicação e Política na Universidade Federal da Bahia. Mestre em Comunicação e Sociedade pela Universidade Federal de Sergipe. Pesquisador do Grupo Comunicação, Política e Redes Digitais (CP-Redes), da UFBA, e integrante do Observatório de Economia e Comunicação da UFS (OBSCOM). E-mail: [email protected] INTRODUÇÃO O tema das políticas de comunicação tem ocupado parte relevante da agenda pública de debates na América Latina, na última década, especialmente a partir da aprovação de novas legislações para o setor em países da região. Em ordem cronológica, é possível citar as seguintes mudanças legais no setor de meios de comunicação neste período que vão neste sentido: Ley de Responsabilidad Social en Radio, Televisión y Medios Eletrónicos da Venezuela (2005); Ley de Radiodifusión Comunitária do Uruguai (2007); capítulo sobre Direito à Comunicação na Constituição do Equador (2008); capítulo sobre Direito à Comunicação na Constituição da Bolívia (2009); Ley de Servicios de Comunicación Audiovisual da Argentina (2009); Ley Orgánica de Telecomunicaciones da Venezuela (2010); Ley de Servicios de Radiodifusión Comunitaria Ciudadana do Chile (2010). Ley General de Telecomunicaciones, Tecnologías de Información y Comunicación da Bolívia (2011); Lei da TV paga do Brasil (2011); Ley Orgánica de Comunicación do Equador (2013); Ley de Formalización y Promoción de Empresas de Radiodifusión Comunitárias de Radio y TV do Peru (2014); Ley de Telecomunicaciones do México (2014); Ley de Servicios de Comunicación Audiovisual do Uruguai (2015). Estas iniciativas, mesmo considerando as especificidades de cada local e de cada legislação, são resultados de um processo maior de abertura do debate público sobre a regulação da mídia em nível regional, bem como de iniciativas de segmentos sociais que reivindicam a democratização das comunicações. Partindo deste pressuposto, o objetivo central deste artigo é, a partir da reflexão sobre políticas de comunicação na América Latina, Estado e democracia, elencar apontamentos iniciais sobre a participação de segmentos sociais na elaboração dos recentes marcos regulatórios de comunicação de três países da América Latina, a saber: Argentina, Equador e Uruguai, destacando a atuação de espaços nacionais de articulação da sociedade civil em cada um desses países. Assim, as considerações aqui apresentadas não têm a pretensão de esgotar a discussão sobre esse fenômeno, mas, ao contrário, visam desenvolver linhas e reflexões preliminares que podem contribuir no aprofundamento posterior da temática em debate. MATERIAL E MÉTODOS Para o cumprimento dos objetivos propostos, o trabalho obedecerá ao seguinte caminho metodológico: num primeiro momento, (i) será traçado um histórico da constituição dos meios de comunicação em nível regional, com foco na relação destes com o capitalismo; em seguida, (ii) de forma breve, será discutida a noção de políticas de comunicação na América Latina e a perspectiva de democratização dos meios, destacando o papel do Estado; e, por fim, (iii) serão apresentadas breves sínteses dos processos recentes de políticas de comunicação em três países da América Latina – Argentina, Equador e Uruguai – ressaltando os principais segmentos sociais envolvidos nessas políticas e as propostas de mudanças nas legislações apresentadas por esses grupos. Para tanto, será feita uma revisão da literatura referente à história desses segmentos sociais, seguida da observação e comparação entre a organização e a composição desses grupos e, por fim, a análise dos documentos elaborados e publicados por esses grupos no que diz respeito à formulação de leis de comunicação. RESULTADOS E DISCUSSÃO Pode-se observar, preliminarmente, que um aspecto fundamental na elaboração das novas legislações de mídia da Argentina, Equador e Uruguai foi a participação da sociedade, por meio de segmentos sociais organizados nacionalmente que reivindicam a democratização das comunicações, sendo os principais: Coalición por una Radiodifusión Democrática, na Argentina; Autoconvocados de la Comunicación, no Equador; e Coalición por una Comunicación Democrática, no Uruguai. De um modo geral, essas articulações foram formadas tanto por organizações e movimentos sociais quanto acadêmicos da área da comunicação que desenvolveram estratégias similares: propor princípios básicos como base de futuras legislações e, no caso do Equador, elaboração de projetos de lei. Assim, essas articulações nacionais passaram de uma estratégia apenas de crítica à concentração dos meios de comunicação em seus países para uma estratégia propositiva de impulsionar reformas e iniciativas democratizadoras no setor das comunicações. Cabe observar também que a origem da maioria das organizações que compõem esses espaços de articulação e incidência nas políticas de comunicação nos países analisados remonta às décadas de 1970 e 1980, durante os processos de restituição democrática na América Latina e no período de debates a respeito das Políticas Nacionais de Comunicação na região, a partir dos pressupostos do Relatório MacBride. Nesse sentido, verifica-se também que as principais propostas de mudanças apresentadas por esses segmentos vinculam a importância da comunicação para as transformações sociais e o desenvolvimento, postulados que já estavam presente nas décadas de surgimento dessas organizações. CONCLUSÃO Uma primeira consideração preliminar a ser feita diz respeito à relação entre as leis de mídia da América Latina e a democracia. O processo de construção das legislações, bem como os mecanismos de impedimento à concentração da propriedade previstos em cada lei, apontam que a elaboração desses marcos legais visa o aprofundamento da democracia, na medida em que resultaram de movimentos de participação social e estabelecem a diversidade de meios informativos como um dos elementos essenciais, mas necessitam da permanente ação do Estado no sentido de efetivar o pluralismo e a diversidade nos meios de comunicação. Importa destacar ainda que as leis de mídia dos países aqui analisados são resultantes de um processo mais amplo de abertura do debate público sobre a regulação setorial da mídia, o que representa uma novidade democrática nos países latinoamericanos, superando uma concepção de formulação das políticas públicas que ignorava a sociedade civil. Por fim, pode-se concluir que a capacidade de incidência da sociedade civil na formulação das políticas de comunicação se amplia quando estabelecem pactos e objetivos coletivos a diversos segmentos, quando há a constituição de alianças entre movimentos sociais, sindicais e pesquisadores e associações acadêmicas, quando é adotada uma ação propositiva e não apenas de crítica aos sistemas de comunicação, o que pode ser verificado nos três países a partir da apresentação de documentos públicos com propostas concretas. REFERÊNCIAS BECERRA, Martín. Concentración de medios y libertad de expresión. Buenos Aires: Centro Carter, 2014. BOLAÑO, César. 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