sumário
16 ESTUÁRIO DO DOURO
Na margem de duas grandes cidades, o
rio junta-se ao mar. O somatório, apesar
de tudo, dá origem a uma festa de
diversidade biológica.
24 DUNAS DE S. JACINTO
Esta reserva natural, gerida pelo Instituto
de Conservação da Natureza, é uma
das peças de uma região mais ampla,
a ria de Aveiro, cheia de potencialidades,
nomeadamente a do ecoturismo.
41 BORBOLETA PRIORITÁRIA
O Parque Biológico de Gaia entrou
o ano passado para a história
da investigação das mariposas
de Portugal: pela primeira vez no nosso
país foi detectada uma 2.ª geração
da borboleta chamada
Apatura-pequena, que de minorca
não tem nada…
SECÇÕES
Ver e falar O Leitor escreve
7
Fotonotícias
8
Parques de Gaia
16
Clic - Fotografia da Natureza
29
Reportagem Salreu, uma pérola da ria
30
Reportagem Jardim Botânico de Coimbra
36
Quinteiro Dê vida ao seu jardim
44
Colectivismo
47
Crónica
49
Foto da capa
João Luís Teixeira esteve atento à luta de um bando
de garças-reais no estuário do rio Douro por uma tainha.
Venceu a da capa.
Revista “Parques e Vida Selvagem” • Director Nuno Gomes Oliveira • Editor Jorge Gomes
• Fotografias Arquivo Fotográfico do Parque Biológico de Gaia, E. M. • Propriedade Parque
Biológico de Gaia, E. M. • Pessoa colectiva 504888773 • Tiragem 80.000 exemplares.
ISSN 1645-2607 • N.º Registo no I.C.S. 123937 • Dep. Legal 170787/01 • Administração
e Redacção Parque Biológico de Gaia, E. M. - Estrada Nacional 222 - 4430 -757 AVINTES
– Portugal • Telefone 22 7878120 • E-mail: [email protected] • Página na internet:
http://www.parquebiologico.pt • Conselho de Administração Nuno Gomes Oliveira, Nelson
Cardoso.
Esta Revista resulta de uma parceria entre o Parque Biológico de
Gaia e o Jornal de Notícias.
Os conteúdos editoriais da revista PARQUES E VIDA SELVAGEM são produzidos pelo Parque Biológico de Gaia, sendo contudo as opiniões nela publicadas da
responsabilidade de quem as assina.
opinião
O Caminho
para a qualidade de vida
Luís Filipe Menezes
Vila Nova de Gaia é hoje, indiscutivelmente, a cidade que nos
últimos oito anos mais apostou no aumento da qualidade ambiental
do seu território. Sendo o terceiro maior concelho de Portugal e
sendo de igual forma um dos mais populosos, Gaia tem vindo a
desenvolver-se, ao longo dos últimos anos, no sentido de aumentar
exponencialmente a qualidade de vida dos seus habitantes,
nomeadamente através de uma forte aposta na requalificação e
abertura de espaços verdes, nas bandeiras azuis, que não mais são
do que o reconhecimento da qualidade das suas praias, entre outros.
Reflexo palpável de uma política ambiental sustentada é o Parque
Biológico de Gaia, considerado um dos melhores equipamentos
ambientais criados em Portugal.
Trata-se de um espaço que, entre outros, é um grande centro de
educação ambiental. Um espaço nobre, raro, que procura sensibilizar
e educar para o ambiente e a conservação, bem como para o estudo
da fauna e da flora.
Nos terrenos do Parque Biológico existem viveiros botânicos que
4 | PARQUES E VIDA SELVAGEM
produzem anualmente cerca de 300 mil plantas, de mais de 300
espécies diferentes.
Em colaboração com o Instituto de Conservação da Natureza, este
espaço funciona, também, como centro de acolhimento de animais
selvagens, feridos ou encontrados fora do seu habitat.
Também na área ambiental, recorde-se, foram construídas ao longo
dos últimos anos, 5 ETAR’S (Areinho, Gaia-Litoral, Febros, Crestuma
e Lever). Paralelamente a isso, nasceu, em Oliveira do Douro, uma
das maiores áreas de lazer de todo o Concelho. O Parque da Lavandeira,
infra-estrutura cujo investimento representou cerca de 700 mil euros,
disponibiliza agora aos seus visitantes várias opções de lazer
nomeadamente, percursos pedestres, jardins temáticos, parques de
jogos infantis e zonas de merendas.
Faz-se assim o caminho para a qualidade ambiental. Da despoluição
de ribeiras e praias, à recuperação de espaços verdes e criação de
zonas ambientais, temáticas e únicas. Assim se faz o caminho para
a qualidade de vida.
editorial
Para além de Gaia
Nuno Gomes Oliveira
[email protected]
Director
De várias maneiras queremos comemorar os 25 anos passados
sobre o início do projecto Parque Biológico. Uma delas é ajudar
a desenvolver outros projectos semelhantes, na certeza
de que uma rede de equipamentos de contacto com a natureza
é fundamental para criar uma ampla base social de apoio
à conservação da natureza e defesa do ambiente
Por isso, inicia-se hoje um novo ciclo da revista do Parque Biológico
de Gaia: deixa de se chamar “Parque Biológico” e passa a designarse “Parques e Vida Selvagem”. Não deixa de ser a revista do Parque
Biológico de Gaia, mas abre-se a outros espaços, desde reservas
naturais a jardins botânicos, percursos de descoberta da natureza ou,
simplesmente, locais e espécies que merecem uma atenção especial.
Com este alargamento dos conteúdos pretende-se tornar acessível ao
público em geral informação viva e actual sobre os parques e a vida
selvagem de Portugal e promover a visita aos sítios de interesse natural.
A revista “Parques e Vida Selvagem” irá ocupar um lugar vago no
panorama editorial português, o que, estamos certos, será do agrado
de muitos leitores.
Para que este novo projecto do Parque Biológico atinja os seus objectivos
é fundamental a parceria estabelecida com o “JORNAL DE
NOTÍCIAS”, que assegurará a publicação e distribuição da revista,
que chegará gratuitamente a dezenas de milhares de leitores, por todo
o país.
Queremos agradecer ao JN e dizer aos leitores que sem a imediata e
entusiástica adesão deste prestigiado jornal esta iniciativa não seria
possível.
Fundamental, para assegurar a viabilidade económica do projecto, é
a colaboração dos anunciantes e, neste aspecto, queremos também
agradecer a quem, logo neste primeiro número, quis apoiar a revista.
Esta ideia de fazer chegar ao grande público um instrumento de
informação sobre a natureza é já antiga. Em 2001 o Parque Biológico
apresentou ao Pronorte (Programa Operacional da Região Norte) uma
candidatura, já nessa altura em parceria com o “Jornal de Notícias”,
para edição e distribuição gratuita de uma “História Natural do Norte
de Portugal”, a elaborar por algum dos especialistas portugueses mais
conhecidos nas diversas áreas científicas.
A candidatura não foi aceite por uma série de razões que nunca
conseguimos compreender, nem nunca nos conseguiram explicar,
residindo a mais patética no facto do Parque Biológico ser uma empresa
municipal e, como tal, ter o seu âmbito de actuação reduzido a Vila
Nova de Gaia.
Entretanto, dúzias de candidaturas de importância discutível foram
aprovadas, foram feitos porta-chaves, esferográficas e bonés com
apoio comunitário, publicações luxuosas que nunca tiveram distribuição
mas que, seguramente, cumpriam as regras dos fundos comunitários.
Estamos, sinceramente, convencidos de que a não aceitação da
candidatura teve, real e exclusivamente, a ver com o tradicional defeito
da nossa administração pública de não fazer, nem gostar que se faça...
Ora como gostamos de fazer, e nunca nos contivemos, confortavelmente,
nos limites geográficos de Gaia, cá está a revista “Parques e Vida
Selvagem” que, se não substitui a “História Natural do Norte de
Portugal”, vai divulgar a toda a população muitas informações nesse
âmbito e contribuir para uma cultura de natureza, razão, afinal, pela
qual o Parque Biológico foi concebido há 25 anos.
Uma revista com estas características não é coisa pouca, e seria uma
forma condigna de comemorar este aniversário do Parque; mas temos
outras novidades para breve.
A partir de Maio, já poderá pernoitar na Hospedaria do Parque. As
antigas camaratas estão a ser transformadas em agradáveis e confortáveis
quartos, de modo a dar resposta às pessoas que, em número crescente,
manifestam vontade de passar no Parque um fim-de-semana ou uns
dias.
Também está em curso a remodelação de toda a imagem e informação
do Parque Biológico, a cargo de uma equipa de especialistas: lá para
meados do ano serão visíveis as primeiras alterações.
A “vergonha” do Parque Biológico, a instalação dos Bisontes-europeus,
já começou a ser ampliada e remodelada e, para finais de Maio, estará
concluída.
Mas porque, como já dissemos, não nos contemos nas fronteiras de
Gaia, continuaremos a apoiar outros Municípios e outras entidades,
públicas e privadas, na concepção e desenvolvimento de outros parques
e equipamentos ligados à natureza.
É com alegria que assinalamos o início das obras de construção do
Parque Biológico de Vinhais, cujo projecto foi elaborado em Gaia, e
que registamos o avanço das colaborações com Torres Vedras, Miranda
do Douro, Lamego, Vila Flor e Vila Nova de Milfontes, neste caso,
um projecto privado.
Aos leitores deixamos este primeiro número da renovada revista do
Parque, a quem convidamos a descobrir o Jardim Botânico de Coimbra,
a Reserva Natural das Dunas de S. Jacinto, as marinhas de Salreu e
muitos outros locais e curiosidades.
A revista, que continua a ser coordenada pelo jornalista Jorge Gomes,
passa a contar com a colaboração do fotógrafo da natureza João Luís
Teixeira e com uma crónica regular do Dr. Jorge Paiva, um conceituado
botânico e ambientalista. Esperamos alargar, em futuros números, o
leque de colaboradores regulares.
Continuaremos a acolher outras instituições e, por isso, há na revista
em espaço associativo, que conta com a presença da Tagis (Centro de
Conservação das Borboletas de Portugal), da Sociedade Portuguesa
para o Estudo das Aves, da Sociedade Portuguesa de Arboricultura e
da Associação dos Amigos do Parque Biológico.
A publicidade da revista está a cargo do “Jornal de Notícias”, e o seu
desenvolvimento é fundamental para garantir a sustentabilidade do
projecto, e dar o passo seguinte, que será a passagem para 64 páginas.
Por isso pedimos a todos os que virem nesta iniciativa um contributo
válido para a conservação da natureza, que nos apoiem sob a forma
de publicidade.
Claro que a revista está aberta a outras formas de colaboração,
desde o envio de textos ou fotos para publicação, até à sugestão de
temas ou locais para reportagens, ou à sua opinião que, vivamente,
aguardamos.
PARQUES E VIDA SELVAGEM | 5
Dias do Parque
Mecenato ambiental e educacional
O Parque Biológico tem vindo a apelar a
diversas entidades para que, ao abrigo da
legislação que enquadra o mecenato
ambiental e educacional e dos benefícios
fiscais que encerra, possam patrocinar o
Parque Biológico, mediante o
financiamento de um ou mais dias ou
semanas de funcionamento deste
importante equipamento de educação
ambiental.
Para além de beneficiarem do prestígio
decorrente do patrocínio do espectáculo
da natureza propiciado pelo Parque, que
poderão, mediante convites, oferecer a
clientes, fornecedores ou a quem
entenderem, nesses mesmos dias, poderão,
também, patrocinar a visita de centenas de
crianças das nossas escolas. Isto, numa
altura em que as visitas de estudo estão a
decrescer fundamentalmente por razões
económicas.
Nesses mesmos dias, em que se trans-
formarão nos Mecenas do Parque,
poderão igualmente utilizar as instalações
da empresa, nomeadamente o seu
auditório, em acções desprovidas de
carácter comercial que não colidam com
a Lei do Mecenato nem com as normas
a que o Parque está sujeito, e se situem
predominantemente nas áreas do lazer,
da educação ambiental e do desenvolvimento sustentável.
As contribuições mecenáticas terão um
valor a fixar e serão enquadradas num
protocolo de apoio mecenático anual ou
de carácter plurianual, no mínimo de três
anos, susceptível de renovação e negociação
caso a caso, tendo em conta os fins
específicos a prosseguir.
De acordo com o disposto no artigo 1.º, n.º
1, al. a) e n.º 3 do Estatuto do Mecenato,
aprovado pelo Decreto-lei n.º 74/99, de 16
de Março, são considerados custos ou
perdas do exercício, na sua totalidade, em
sede de IRC, os donativos concedidos às
autarquias locais ou a qualquer dos seus
organismos, ainda que personalizados, o
que é o caso do Parque Biológico, EM. Os
donativos são considerados custos em valor
correspondente a 120% se destinados a
fins de carácter ambiental e educacional
ou a 130% quando atribuídos ao abrigo
de contratos plurianuais para f ins
específicos que fixem os objectivos a
prosseguir pelas entidades beneficiárias e
os montantes a atribuir pelos sujeitos
passivos.
Por sua vez os donativos atribuídos por
pessoas singulares são dedutíveis à colecta
do ano a que dizem respeito, em valor
correspondente a 25% das importâncias
atribuídas, até ao limite de 15% da colecta,
nos termos da al. b) do n.º 1 do artigo 5.º
do mesmo estatuto.
Em 2006, os seguintes DIAS DO PARQUE
são patrocinados por:
21 DE MARÇO
1 DE JUNHO
5 DE NOVEMBRO
ver e falar
Açucenas-bravas
Nem tudo é o que parece. Os botânicos gabam-se da dificuldade da
sua ciência, e com razão: as plantas chegaram primeiro à Terra na
evolução das espécies e começaram a diferenciar-se mais cedo que
os animais.
Quando na edição nº 13 desta revista se escreveu sobre uma planta
dos lameiros, um habitat protegido por lei, a açucena-brava (Paradisea
lusitanica), o leitor José Carlos escreveu-nos em Novembro: «Como
sempre leio com muito agrado a vossa revista. Acontece que nesta
última chamou-me a atenção a açucena-brava, pois é minha conhecida
em Bemposta, no Parque Natural do Douro Internacional. Daí a
minha admiração por não constar na listagem das zonas de existência.
Pode ser vista em www.bragancanet.pt/bemposta/html/floraldeia.htm».
Na resposta, pedimos desculpa, no caso de haver lapso, que nos
pareceu estranho dado o cuidado com que se fazem estas páginas.
Mas não há infalibilidade! Tirámos teimas. Colocada a questão ao nosso
botânico, Henrique Nepomuceno Alves, esclareceu prontamente: «Se
a espécie a que se refere é a da foto em questão, não se trata da Paradisea
lusitanica (Cout.) Samp. de certeza absoluta. Além de a flor não ser esta,
o habitat da foto também não corresponde ao habitat-tipo da Paradisea,
lameiros húmidos. A planta que nos enviou é uma espécie de outro
género, penso eu pela foto que nos enviou do género Asphodelus,
conhecida também em algumas partes do país como abrotea. Se nos
enviar uma foto melhor talvez consiga identificar a espécie.» q
Paradisea lusitanica
Foto: Henrique N. Alves
Reserva de dunas
No segundo dia deste ano, ainda não sabíamos que nesta edição
sairia uma reportagem sobre as Dunas de S. Jacinto, e recebíamos
um e-mail do nosso leitor Jorge Rocha, enriquecido, diz-nos, pelas
notas do seu filho Rafael, de 12 anos, um apaixonado pela observação
de aves. Mapa na mão, palmilhou o percurso de descoberta de
natureza desta reserva natural integrada na Zona de Protecção
Especial que é a ria de Aveiro, deixa-nos as seguintes impressões:
«Visitámos a Reserva Natural das Dunas de S. Jacinto e podemos
dizer que foi um bom passeio. Observámos várias aves,
principalmente na pateira. Aí, vimos largas centenas de patos das
seguintes espécies: marrequinha, arrábio, pato-real, piadeira, frisada
e pato-colhereiro. À caça vimos águias-sapeiras e águias-de-asaredonda.
Na mata da reserva vimos chapins-reais, chapins-carvoeiros, chapinsde-poupa, chapins-rabilongos, estrelinhas, tentilhões, felosinhas,
rabirruivos, piscos-de-peito-ruivo e melros. Além disto, no caminho
para a reserva vimos cegonhas e, na ria, algumas garças brancas.»q
Foto: Jorge Rocha
Pateira da Reserva Natural das Dunas de S. Jacinto
PARQUES E VIDA SELVAGEM | 7
fotonotícias
Gaivota quarentona?
Ao vê-las assim nos rochedos do
estuário do Douro, quem diria?
Até podíamos aceitar palpites, como
uma lotaria: quantos anos viverá esta
gaivota? Dez anos? Quem dá mais?
Trinta? Quem se segue? Cinquenta?
E vai daí, provavelmente ninguém
acertava!
Graças à informação passível de ser
extraída das anilhas aplicadas às aves,
informa a Sociedade Portuguesa para
o Estudo das Aves (SPEA) no seu
boletim electrónico n.º 100 que em
11 de Setembro foi contactada «pelo
IPIMAR», pois tinha sido
«encontrada uma gaivota anilhada a
bordo do navio «Noruega», em que
costumam embarcar os observadores
do projecto IBA (Important Bird
Areas) Marinhas. A ave encontravase bem, tendo f icado apenas
ligeiramente atordoada pelo embate
fortuito contra o navio. Após umas
horas de repouso e de ter sido registada
a respectiva anilha a gaivota foi
libertada com sucesso».
Depois disso, «o número da anilha foi
enviado para a central de anilhagem,
o que permitiu saber que esta ave é
uma Gaivota-argêntea (Larus
argentatus) anilhada no ninho, em
Texel, na Holanda, em Julho de 1967».
«De parabéns estão os tripulantes do
Noruega que, com esta informação,
deram o seu contributo para a ciência,
e de parabéns atrasados, o referido
animal, que este ano perfez a respeitosa
idade de 38 aninhos a passear-se pelas
costas europeias». q
aromas
Ele há cada uma!
Esta coisa de folhear livros de botânica levanta
muitos problemas.
Mas no meio dessa floresta de imbróglios
surgem dados inesperados. Alguns
até são capazes de, num dia de dor
de cabeça, levar à risota.
Não temos orçamento para lhe oferecer
um destes livros, mas podemos folhear algumas
páginas…
Gonçalo Sampaio, ilustre botânico falecido
na década de 1930, não só deixou obra
nesta área mas também na etnografia, o
que lhe deu direito a monumento de bronze
na Póvoa de Lanhoso. No seu livro “Flora
Portuguesa”, encontramos riquezas várias,
algumas muito pitorescas.
Veja isto: se tiver bocas-de-lobo perto de
casa, cuidado, não deixe passar ali os
8 | PARQUES E VIDA SELVAGEM
pintainhos. A não ser que consiga arranjar
um canteiro volante de arranha-lobos.
Neste caso, é viável crer que qualquer
problema emergente se venha a retrair. Não
será problemático pensar que as bolsasde-pastor tenham experiência no assunto…
Não seja supersticioso. Isso é coisa da Idade
Média, com raízes anteriores à Antiguidade!
Dente-de-leão no jardim, só se florir...
E Jacinto? Conhece algum? Um amigo,
um familiar, um conhecido dos bancos de
escola? Bem, se o encontrar, evite a asneira
de lhe oferecer um Dipcadi serotinum, não
vá ele descobrir que o nome popular dessa
planta soa depreciativo: jacinto-serôdio…
Compreende-nos, claro.
Foi à festa de despedida de solteiro do seu
amigo? Se nos disser que ao acordar no dia
seguinte sentia martelinhos na cabeça, que
Chuchapitos
Amor-perfeito
Aves marinhas: as mais ameaçadas
Libertação de aves marinhas petroleadas recuperadas no
Parque Biológico de Gaia: tordas-mergulhadeiras (em cima)
e uma fêmea de Pato-negro, o nosso único pato marinho.
Foto:Henrique N. Alves
Em todo o mundo, as aves marinhas estão a ser entendidas como as que correm
maior perigo de extinção a médio prazo.
Ameaçadas pela captura acidental em redes de pesca, vítimas da poluição do mar,
perdendo áreas necessárias para nidificação ou ressentindo-se da sobrexploração de
recursos piscícolas, elas estão ao deus-dará e nem mesmo a legislação que os países
mais envolvidos vão publicando parece ser capaz de lhes assegurar um futuro risonho.
De cerca de 337 espécies de aves marinhas, no mínimo 97 estão classificadas como
seres ameaçados de extinção global.
Talhadas para viverem no mar, são excelentes indicadoras da qualidade do meio
marinho. Contudo, não dispõem de grande margem de adaptação face a modificações
rápidas do meio ambiente, face ao alto nível de especialização exigido em tão duras
condições de vida.
Portugal é um país que tem grandes responsabilidades nesta área, dada a extensão
do seu litoral. q
é que lhe havemos de dizer? Bem,
ponha-os no quintal, florescem na
Primavera.
Há também uma planta morta-viva.
Como é que lhe chamam? Ah, esta
memória já não é o que era… Não é
zombie, é… isso, urtiga-morta! Cá
para mim querem é enterrá-la viva…
coitadita.
Há sempre a opção de seguir o mais
habitual. Sem ter a trabalheira de se
voltar a apaixonar, pode sempre
encontrar um amor-perfeito nas
melhores condições, sem ter de
enfrentar o rolo-da-massa. Boa ideia,
não acha?
Ai minha nossa senhora, onde é que
viemos parar? Já não podemos deixar
de lado a erva-loura. Costumamos vêla de permeio com as chuchapitos.
Isto para quem não tiver uma vergade-ouro.
Bem, agora vamos abrandar. Todos
os anos temos saramago. Sem
prémio Nobel. Vista de perto, a flor
é um luxo de cultura natural. Desta
vez não queremos alegação, não
queremos nabos, isto para não
começarmos a ouvir campainhas…
Andar violeta! Até à próxima! q
Por Jorge Gomes
e Henrique Nepomuceno Alves
Violeta-brava
Nomes comuns e científicos:
Alegação, Smilax aspera Lin. Amorperfeito, Viola tricolor raç. Hortensis
DC. Arranha-lobos, Genista berberidea
Lge. Bocas-de-lobo, Antirrhinum murale
Sal. Bolsa-de-pastor, Bursa pastoris Hill.
Campainhas, Campanula lusitanica
Loefl. Chuchapitos, Lamium maculatum
Lin. Dente-de-leão, Taraxacum officinale.
Erva-loura, Senecio coespitosus Brot.
Martelinhos, Narcissus cyclamineus D.
C. Nabos, Brassica campestris raç. Rapa
Samp. Urtiga-morta, Nepeta cataria Lin..
Saramago, Brassica cheiranthus Vill.
Verga-de-ouro, Solidago virga-aurea Lin.
Violeta-brava, Viola canina Lin. Fonte:
livro «Flora Portuguesa» de Gonçalo
Sampaio.
PARQUES E VIDA SELVAGEM | 9
Foto: Jorge Gomes
Na passerelle
Um bando de maçaricos-galegos e fuselos resolveu
desfilar no campo de golfe de Miramar.
Vimo-los pelo menos desta vez, precisamente quando
se realizava uma observação de aves em 8 de Maio do
ano passado.
Agarra que é ladrão!
Macho ou fêmea? Claro: fêmea
de picapau-malhado-grande!...
10 | PARQUES E VIDA SELVAGEM
Ao passarem os grupos de alunos e
professores no percurso de descoberta da
natureza do Parque Biológico de Gaia, com
certeza que indagavam: que raio faria aquela
criatura ali? Lápis e papel em punho, câmara
fotográfica a tiracolo, imobilizava-se de
olhar fixo numa árvore qualquer do bosque.
Actividade estranha. Mas não tanto como
isso: localizado um ninho de chapim-real
na caixa-ninho n.º 42, com crias a poucos
dias de saírem do ninho, o vaivém do casal
de pássaros não se baldava: que resultados
sairiam se cronometrasse alguns minutos as
entradas e saídas dos progenitores?
À distância recomendada pelo bom senso,
assim que um dos pais entrou no ninho,
marcou-se o tempo: deu uma média de três
minutos cada movimentode entrada ou saída
do ninho, sem desdenhar o receio
manifestado pela presença humana. Passar
não tem impacto, mas ficar expectante, fixo,
lembra predador.
«Como é que me meti nisto?!», pensa
o pai-chapim com uma lagarta no bico
Há que manter a casa limpinha, até das fezes dos pintos,
para que os cheiros não atraiam predadores
C o n t ava m - s e p r e c i s a m e n t e d e z m i n u t o s d e
cronometragem e nem acredito: um picapau pousou à
boca do ninho – estava à coca!
Pousou-se papel e lápis, câmara em serviço, clic, clic,
clic...
No silêncio do bosque, o predador ouviu: olhou para
um lado, para outro, em poucos segundos descobriume e alçou voo para sorte dos pequenos chapins-reais,
que tive o prazer de ver dois dias depois já nos ramos
em torno da caixa-ninho... q
Dois dias depois, as crias alargaram
os seus horizontes
«Ai que ricas proteínas:
venham cá!» diz o picapau
sob o olhar invejoso
da pega-rabuda
«Ai que o cromo
estava ali escondido!»
e dá às de vila-diogo
PARQUES E VIDA SELVAGEM | 11
fotonotícias
Incêndios
Diversas organizações não
governamentais de ambiente* juntaramse e elaboraram um documento que
aponta causas e soluções para um flagelo
a que infelizmente nos estamos a habituar.
Esse texto af irma que os incêndios
florestais são facilitados através de
causas estr uturais tais como «a
inadequação do actual modelo rural às
condições de solo e clima de Portugal,
dado que a política agrícola e florestal
tem privilegiado sistemas
monoculturais em detrimento dos
mosaicos de culturas, incluindo os
sistemas mediterrânicos de uso múltiplo
que se revelam mais adequados às
características da nossa cultura, solo e
clima». Também o «abandono da terra,
o despovoamento do espaço rural e o
distanciamento entre a população e as
actividades agrícolas e florestais,
gerados pela PAC e pela ineficácia de
apoio a for mas sustentadas de
ordenamento rural» dão uma mãozinha
a deitar lenha para a fogueira. A isto
junta-se uma «insuficiente vigilância
e f iscalização das áreas florestais».
Por isso, nestas conclusões surge a
criação de um Conselho de
Acompanhamento da Floresta, entidade
que seria envolvida na «definição de
uma política agrícola e florestal de
longo prazo».
As conclusões sublinham a necessidade
de incentivar «os sistemas agroflorestais mediter rânicos de uso
múltiplo em detrimento de sistemas
monoculturais» e aconselham a
«profissionalização da gestão agrícola
e florestal, apoiando as associações de
agricultores, produtores florestais e as
empresas agro-florestais, devidamente
certificadas».
A educação ambiental surge como uma
medida capaz de «formar e informar a
sociedade na compreensão da
ruralidade e dos nossos ecossistemas
agrícolas e florestais», conjugada com
a regulação do mercado das madeiras
ardidas. O feixe de soluções continua
e evidencia vantagens no «derrube e
manutenção no solo da madeira sem
valor comercial para prevenção da
erosão», bem como a «recuperação do
arvoredo sobrevivente» e «a aplicação
das técnicas de restauro ecológico às
áreas ardidas em detrimento da mera
plantação de árvores».
As cinzas de um país a arder ficaram
acesas na memória até de quem ainda
não se sentiu vitimado por eles.
* WWF, QUERCUS, LPN, GEOTA, SPEA e FAPAS.
Da floresta tropical ao deserto
portfolio
A Terra é hoje um mostruário do que a
diversidade biológica é capaz de fazer. E
apresenta-se com desertos que já foram florestas
férteis, como o Sara, e com bosques que virão
a ser pasto de areias ao vento.
A exposição «Da floresta tropical ao deserto»,
patente no Parque Biológico de Gaia, lança
apontamentos sobre algumas amostras desse
património natural da humanidade.
A tundra e a taiga, a floresta tropical de monção
Bulbul
PARQUES E VIDA SELVAGEM | 13
e o mangal, os oceanos e os recifes de coral, as
estepes e os rios, os bosques de montanha e de
planície, e uma dezena de outros tantos biomas
são apresentados em painéis ilustrados.
Mas a curiosidade dos visitantes detém-se mais
na recriação de uma parcela de floresta tropical
com um lago, onde várias aves exóticas se
ocultam e mostram, penas coloridas iridescentes,
sobre um lago emoldurado de profusa vegetação.
Se não conhece ainda, passe no Parque Biológico
e sente-se ali. Olhe os comportamentos pitorescos
desses animais, compare-os com os da nossa
espécie, divirta-se e aprenda.
Esta mostra inspira-se na Convenção sobre a
Diversidade Biológica (ONU, Rio de Janeiro,
1992.6.5) que assinala a importância da
conservação e sugere este tema seja incluído
nos programas educacionais.
Em imagens de horas e horas de trabalho, João
Luís Teixeira fez o trabalho de casa para si e
revela-lhe este portfolio…
Diamante-cauda-de-fogo
Jancana
Ralideo exótico
Turaco
14 | PARQUES E VIDA SELVAGEM
Mandarim
Melro-metálico
PARQUES E VIDA SELVAGEM | 15
Pisco-de-peito-azul
Rolas-do-mar
parques de Gaia
Texto: Jorge Gomes Fotos: João Luís Teixeira
Estuário do Douro: à mão de semear
Palco de alimentação e repouso de muitas espécies,
este local recebe a visita de observadores de aves,
armados de telescópios e binóculos
Está prevista a criação de um parque no vale de S. Paio,
em frente ao cabedelo do rio Douro. Sob os cuidados
do Parque Biológico de Gaia, será também um refúgio
da vida selvagem.
Para já, entre Gaia e Porto, este estuário desfia inúmeras
histórias com protagonistas variados.
As grandes garças-reais são habituais. Mesmo quando o
Inverno se despede, os indivíduos que não se deslocam
para território de reprodução, mais a Norte, dispersamse por este sítio tecendo as suas danças vitais entre sol e
chuva.
As rolas-do-mar, mais pequenas, catam bivalves entre
a areia banhada pela espuma das ondas. O bico é uma
ferramenta forjada à medida desse nicho de
sobrevivência.
Mais fáceis de ver quando voam, os guarda-rios pousam
num barco, numa pedra ou num poste, e deitam o olho
à água: vencem melhor que os humanos o efeito-deespelho e miram os cardumes que fazem da baía de S.
Paio uma importante maternidade.
Os maçaricos-das-rochas são também frequentes. Bicando
aqui e acolá, quando repousam desvanecem-se entre os
juncos, os biombos da sua tranquilidade.
E as gaivotas? São mais que muitas. Nalgumas, fisgar a
espécie certa deixa dúvidas. Mas encontram-se ali surpresas
menos habituais: já viu ao vivo um pisco-de-peito-azul?
Observação de aves no estuário do rio Douro na manhã de 4 de Fevereiro,
sábado, actividade aberta ao público. Foto de Jorge Gomes
16 | PARQUES E VIDA SELVAGEM
Pilritos
Guarda-rios
Garças-reais
Lavandeira: lazer para todos os gostos
Próximo da principal avenida de Gaia, o
Parque da Lavandeira ganha popularidade
à medida que a população mais o visita.
Entre os principais atractivos encontramse os jardins temáticos e as estruturas de
exercício, como espaldares, jogo do galo,
entre outros.
Todos parecem ter um íman apontado aos
visitantes e, os petizes, mais leves está a
ver?, não lhe resistem: passando ali, ficam
retidos, até que os pais acabam por
conseguir, reunindo os esforços adequados,
arrancá-los de novo para o percurso.
Mas, ao que consta, nem por isso deixam
de ser reincidentes, e não passam muitos
dias, ali estão de novo, como que a marcar
ponto...
Jardim das suculentas Foto: Jorge Gomes
PARQUES E VIDA SELVAGEM | 17
parques de Gaia
Dunas da Aguda: fauna e flora
Fotos: Henrique N. Alves e Jorge Gomes
Num relance, a duna parece um minideserto.
Verdade, até um certo ponto. Mas se é assim,
à borda do mar, palpita de vida.
Afoito, acelera o caracol: o passadiço de madeira
que serve os visitantes do Parque de Dunas da Aguda
pode ser perigoso! Nesta manhã enevoada,
a preocupação com os dragões verduscos que ali
deambulam é irrisória. Não estamos na época de cio…
O que pensaria um caracol de tudo isto?
Ai se estivéssemos entre Maio e Agosto! Até nas noites mais
quentes muitos irmãos caracóis seriam colhidos por aquelas
bocarras e levados para o buraco das feras. As nossas conchas
contam histórias a que os humanos chamam cadeia alimentar.
Nós, os caracóis, batemos é palmas de contentes quando
eles rabeiam e fogem dos cães que têm a ideia de se vir
passear aqui. Mas… também pagamos o preço: não sei por
que carga de água aqueles bichos peludos têm o vício de
verter águas por todo e qualquer motivo: já não somos poucos
os que levámos com regas dessas! E as plantas também já
EXPOSIÇÃO
DE FOTOGRAFIA
Chapeleta
18 | PARQUES E VIDA SELVAGEM
Até 28 de Abril está aberta ao público
uma mostra de fotografia
sobre o Parque de Dunas da Aguda.
nos disseram que não gostam. É, não gostam nada, nem
quando estão com muita sede.
Ah, as plantas! Essas é que são amigas! Tenrinhas… quando
a folha é nova. Certo é que podiam ser mais doces algumas!
Mas a cavalo dado não se olha o dente nestas dunas. Casa,
mesa e roupa lavada pela chuva e pelo orvalho, cada um na
sua viagem, é o que nos dão os cardos-marinhos e o lírioda- praia, o murrião e o estorno, a perpétua-das-areias e as
silenes, entre muitas outras.
E os que têm penas, com peito branquinho, andar
manhoso? Sorte nossa não nos ligarem nenhuma, esses
borrelhos! Daquele tamanho, davam-nos cá um desbaste
se o apetite lhes abríssemos... Ainda bem que gostam de
ir à praia!
Poça, no que eu fui falar! E os melros? Os facínoras: com
tanto espaço terra adentro, até aqui nas dunas tinham de
vir petiscar-nos…
Mas, bem vistas as coisas, não temos assim tanto do que
nos queixar. À nossa escala, há lá melhor vida do que
andar a namoriscar e a comer nestas dunas abençoadas!...
OBSERVAÇÃO
DE AVES
Ninho de borrelho
Nos domingos 2 de Abril e 7 de Maio,
às 10h00, há observação de aves
selvagens neste Parque de Dunas.
Sardão-ocelado
Fotos: Jorge Gomes
Aconteceu no Parque
O Carnaval foi o epicentro de um variado núcleo
de actividades nas páginas mais recentes do calendário.
Desde as Oficinas de Carnaval, em 27 de Fevereiro e 1
de Março, até às Máscaras da Natureza, programa voltado
para as escolas, uma data de petizes divertiram-se à grande
e aprenderam a fazer máscaras em função da época,
inclusive com a colaboração de militares da serra do Pilar.
Foto: André Morais
Agenda
O Parque Biológico
de Gaia dá nota do seu
programa de actividades
para os próximos tempos
no concelho de Gaia e até no
Alentejo. Aqui, trata-se de uma
mostra fotográfica que abre
em 6 de Maio.
DAS ÁRVORES
DO PARQUE BROTAM
FOLHAS E POEMAS
Mostra ao ar livre alusiva ao
Dia Mundial da Poesia e Dia
da Árvore. Até 28 de Abril.
OBSERVAR
OS ASTROS
Nas noites de 3 e 22 de
Março, 4 e 20 de Abril, das
21h30 às 23h30, poderá
observar com telescópio Lua
e astros, desde que as
condições atmosféricas o
permitam.
SÁBADOS
NO PARQUE
Todos os primeiros sábados
de cada mês invariavelmente
há um programa especial
dedicado aos visitantes:
participação num atelier
de educação ambiental,
palestra, visita guiada,
percurso de observação
de aves selvagens. Feira
de produtos de agricultura
biológica aberta todo o dia.
BRUXAS FOTOGRAFADAS
Que têm a ver as borboletas
da noite com bruxas? Mas
certo é que lhes chamam isso,
OFICINAS
DE PRIMAVERA
Para crianças e jovens dos 7
aos 15 anos. Funcionam de
3 a 7 e de 10 a 13 e 17 de
Abril, das 9h00 às 17h30.
É possível optar por um
ou mais dias de actividades.
Inclui o acompanhamento,
as refeições e o seguro.
OBSERVAÇÕES
ORNITOLÓGICAS
NO PARQUE DE DUNAS DA
AGUDA
Dia 2 de Abril, às 10h00, com
binóculos e telescópios,
surpreenda-se com as
espécies de aves do litoral
que ali se abrigam,
nomeadamente os borrelhos.
NOITES
DOS PIRILAMPOS
De 11 a 17 de Junho, às
22h00. Desde que não chova,
os vaga-lumes nunca
desapontaram os visitantes.
Nessa altura, haverá
simultaneamente
observações astronómicas.
CONCURSO DE
FOTOGRAFIA
A revista PARQUES E VIDA
SELVAGEM lança o seu
concurso de fotografia da
natureza. Mais:
[email protected]
RECEBA NOTÍCIAS
POR E-MAIL
Para saber das suas
actividades a breve prazo, o
Parque Biológico sugere uma
visita frequente a
www.parquebiologico.pt ou
peça-as por e-mail.
LITORAL NORTE:
CONGRESSO
Em 20 e 21 de Maio no
auditório do Parque Biológico
de Gaia decorre um evento
subordinado ao tema «Litoral
Norte: evolução recente e
perspectivas para um futuro».
Do programa constam
palestras sobre a evolução da
orla costeira, recursos
piscícolas, etc., e visitas
de campo ao litoral.
E-mail:
[email protected]
PARQUES E VIDA SELVAGEM | 19
parques de Gaia
Ecoturismo: lagoas de Quiaios
Perna-longas nas
Salinas de Aveiro
O Parque Biológico de Gaia propôs uma ida a Quiaios,
em 21 de Janeiro. Um grupo de aderentes alinhou
Época forte em várias espécies de patos, que se refugiam nas lagoas das Braças e da Vela no Inverno, foram o pretexto
para uma aprazível viagem temática entre Avintes e Quiaios. Mas nem por isso se deixou de alargar os assuntos:
garça-branca-grande e galeirões, pato-trombeteiro e marrequinhas, zarros e mergulhão-anão também marcaram pontos,
numa deslocação que teve paragens já previstas nas salinas de Aveiro, Tocha e nas lagoas. No percurso pedestre das
dunas de Cantanhede, houve comentários de geologia e botânica, pegadas que foram analisadas, e paisagens
extraordinárias deste país pequeno mas imensamente rico na sua diversidade.
Outras saídas de campo estão previstas na agenda desta empresa municipal, nomeadamente uma ida à Serra da Coroa,
em Vinhais, em 13 e 14 de Maio. q
Fotos: Jorge Gomes
Lagoa da Vela: diante de grandes espaços como este espelho de água,
os telescópios e binóculos são muito úteis
Lagoa da Vela
Revelações sobre a flora circundante
parques de Gaia
No Parque Biológico há um Centro de
Recuperação de Animais Selvagens que funciona
24 horas/dia.
Se encontrou um animal ferido, porte-se bem:
1.º Manipule-o sempre com luvas. 2.º Envolva o
animal numa peça de roupa escura, de maneira
que ele não veja o que se passa à volta dele, o
que fará com que se mantenha calmo. 3.º
Coloque-o dentro de uma caixa de cartão, com
papel absorvente no fundo, adequada ao seu
tamanho. 4.º Deixe-o num local calmo. 5.º Não
o coloque numa gaiola ou jaula, pois agravará
os seus ferimentos e, sendo o caso, danificará
a sua plumagem. 6.º Não lhe dê nada de comer
ou beber sem antes telefonar para o Centro de
Recuperação mais próximo. 7.º Com mais de
dois dias sem cuidados e tratamento adequado,
um animal com uma fractura ou outro ferimento
grave dificilmente poderá vir a ser de novo
reintroduzido na vida selvagem – entregue-o o
mais depressa possível. 8.º Não tente dar
cuidados que poderão deixar sequelas. 9.º Se
por acaso for um animal mais jovem, não tente
criá-lo, pois privá-lo-á da sua autonomia e de
um dia poder ser devolvido à liberdade com êxito.
10.º Os procedimentos a tomar, no caso de ser
um animal mais jovem, são iguais aos dos
adultos, tente é transportá-lo até ao Centro de
Recuperação mais próximo rapidamente, a fim
de prevenir carências invalidantes. q
Um esquilo e um ouriço-cacheiro
entregues no Parque Biológico de Gaia
redescobriram os caminhos para a liberdade
no passado mês de Fevereiro.
O esquilo tinha sido encontrado na Maia, numa
rua, possivelmente atropelado. Diagnosticada
no Parque Biológico de Gaia uma fractura na
bacia, feito o tratamento e estando recuperado,
foi solto, subindo logo à segurança
dos grandes carvalhos.
Um ouriço-cacheiro, chegado com uma valente
mordidela no Outono passado, também foi
solto na mesma altura, com a diferença de,
em vez de subir, assim que se viu a uma
distância segura do ser humano, procurou o
mato rasteiro, ligeirinho, e foi à vida dele. q
Foto: Jorge Gomes
Moldar a pesca
Texto: Jorge Gomes Fotos: João Luís Teixeira
A Estação Litoral da Aguda é conhecida
do grande público como um local onde se pode ver
parte da fauna marinha do litoral português
Mas para além desses quadros vivos, motivadores da
protecção dos recursos marinhos, esta estação litoral
proporciona aos seus visitantes outras mostras, como o
Museu das Pescas.
Mais recente, no piso superior encontra-se uma exposição
em que o barro molda o mar: «Pesculturas». Ocupando
mais de 30 metros quadrados, uma mão-cheia de esculturas
sobre a pesca artesanal prendem o olhar pela luz, pela
textura e pela acção dos personagens.
«O barro é uma substância mágica, um espelho do espírito.
Trabalhar com barro foi uma área nova que me deu a
possibilidade de transmitir conhecimentos sobre a pesca
artesanal usando uma linguagem diferente», afirma o autor,
Mike Weber. E continua: «Vejo, através da reacção das
crianças e dos adultos, que uma cena em barro é mais
tangível e real do que um desenho ou uma fotografia. As
cenas transmitem a vida real dos pescadores, mostrando as
suas artes e utensílios conforme o tipo de pescado». q
PARQUES E VIDA SELVAGEM | 21
Ria de moliceiros
Se ela já não existisse, seria preciso um talento impossível para conceber uma ria de Aveiro.
E, depois disso, ainda mais talento para a edificar. A natureza soube fazê-lo a tempo
de nos oferecer por várias gerações essa maravilha paisagística que muitos reconhecem
ser necessário preservar
Não vai lá muito tempo e Ovar tocava a fímbria
das ondas. O mesmo para Estarreja, Mira ou Tocha.
Mas uma progressiva deposição de areias paralela
à costa entre os séculos X e XVII criou uma rede
de esteiros, onde o mar instalou sapais coroados
de diversas riquezas, atraindo as populações
humanas.
A ria espreguiça-se de Ovar a Mira, ao longo de
45 quilómetros ocupando uma área de 11 mil
hectares. Ao olhá-la encontra paisagens de sonho,
a perder de vista.
A generosidade desta grande lagoa dá guarida a
ilhotas, paraíso de aves que retiram alimento da
vaza das marés impostas pelo oceano, a cujo
manancial se junta água doce de rios como o
Vouga, o Antuã e outros. Maternidade de muitas
espécies de peixes com óptimo valor comercial,
tremelica com ameaças como a poluição ou a
drenagem de terrenos.
Na ria de Aveiro a luz brinca consigo própria hora
a hora e as estações inventam cores, texturas e
atmosferas, relançando o interesse deste grande
espaço natural.
Com um potencial brilhante para um ecoturismo
interessado na conservação da natureza, nesta
reportagem cingimo-nos a dois pólos, na certeza
de que há muitos mais: a Reserva Natural das
Dunas de S. Jacinto e o percurso de Salreu.
Fotografia: João Luís Teixeira
22 | PARQUES E VIDA SELVAGEM
PARQUES E VIDA SELVAGEM | 23
Dunas de S. Jacinto: reserva natural
De um lado o oceano Atlântico, do outro
um dos braços da ria. Ali, quando a espuma
branca das ondas se esvai na areia,
erguem-se as dunas de S. Jacinto,
700 hectares de área protegida...
Texto: Jorge Gomes
Fotos: João Luís Teixeira
Além das ondas vêem-se ao telescópio
grandes bandos de pato-negro. Só no
Inverno se avista. Quando o tempo
promete aquecer voam de noite para
o território de reprodução, a imensa
tundra do Norte da Europa. Mas no
nosso frio, diante das dunas, coabitam
com bandos de outras espécies como
as tordas-mergulhadeiras e os gansospatolas, que caem do céu como mísseis
sobre os cardumes empurrados para
a superfície por golfinhos e outros
predadores aquáticos.
24 | PARQUES E VIDA SELVAGEM
As ondas anunciam-se e desfalecem
brancas na areia. Na zona entre marés,
pilritos e borrelhos, rolas-do-mar e
ostraceiros catam moluscos, cada um
com o bico transformado num
instrumento de perícia. Ao erguerem
a cabeça vêem o cordão dunar coroado
de plantas.
Numa praia, a xávega marca pontos.
Esta arte de pesca, típica do sítio,
assenta num barco robusto desenhado
para lidar com uma costa rectilínea e
de ondas vigorosas.
As redes regressavam do mar ao ritmo
de juntas de bois. Hoje são os tractores
quem as arrasta.
Jardins espontâneos
E as dunas que dão nome à reserva?
Primeiro eram só areia, e muita! Até
que uma planta, ínfima, espreitou. A
raiz piscou o olho à escuridão em
baixo, tímida, e afundou. À superfície,
depressa os grãos de areia engraçaram
com a planta, e por ali ficaram. O
25 reportagem
Foto: Henrique Nepomuceno Alves
Xávega: uma arte
de pesca singular
Pilritos: numerosas aves limícolas dependem da zona entre marés
para se alimentarem, sejam residentes ou migradoras
vegetal cresceu, propagou-se. A
duna aumentou.
Agora a paisagem é um regalo:
na Primavera as flores dizem olá
ao céu azul e enchem de aromas
doces a atmosfera.
Além de uma linda paisagem
natural, as dunas são a primeira
linha de defesa do litoral.
Absorvem a forte energia do mar,
limitando-lhe a progressão,
defendendo bens de quem vive
além delas.
Nesses sistemas arenosos, o
estorno, a planta estruturadora
deste ambiente, imita os prados.
Ao vento, ondula como uma seara
cheia de sustento, e dá condições
de vida para que outra flora com
ele conviva.
O cardo-marinho e a perpétuadas-areias, o murrião e a soldanela,
o narciso-das-areias e o cordeiroda-praia, entre muitas outras
plantas, erguem canteiros
espontâneos. O amarelo e o lilás,
o branco e o rosa salpicam de
alegria a paisagem na altura de
desabrochar.
Desabrochadas ou não, estas
plantas com notáveis estratégias
de sobrevivência atraem insectos,
um manjar para anfíbios, répteis,
aves e até mamíferos.
Ocorrem nesta reserva 19 tipos
de habitats naturais, sendo
alguns prioritários, segundo a
Directiva Habitats, a lei de
origem comunitária que obriga
à defesa destes sistemas.
À medida que se caminha para
o interior as dunas cinzentas
apresentam espécies como a
camarinha, o medronheiro e o
Foto: Henrique Nepomuceno Alves
Cardo-marinho
Perpétua-das-areias
Murrião
Foto: Henrique Nepomuceno Alves
Foto: Henrique Nepomuceno Alves
Silene
PARQUES E VIDA SELVAGEM | 25
samouco. Nativas, entre eles, dãose bem a doninha e a raposa, a
gineta e os ratos-do-campo ao som
dos chapins e dos piscos. Búteos
e açores batem ali território na
mira da própria sobrevivência.
Nos anos em que a chuva não
escasseia, os charcos primaveris
atraem nas noites de Março e Abril
grupos de sapos, rãs e tritões
quando toca a reproduzir. Fieiras
de ovos transformam-se em girinos
cuja metamorfose para adulto se
deve completar antes que a água
escoe.
Há também muitas acácias, um
erro dos anos 20 difícil de emendar
que tinha em vista fixar mais ainda
os terrenos arenosos. As acácias,
oriundas da Austrália, depressa se
revelaram invasoras, com pendor
degradante no que toca aos
ecossistemas nativos.
Os pinheiros-bravos marcam
posição. Foram plantados há mais
de um século para fixar o imenso
areal que era esta área. Hoje
engalanam-se de líquenes de belo
efeito, indicadores do ar puro.
Ouvir a pateira
Ao longo da vida desta reserva
houve vários incêndios. Num deles,
os gestores resolveram escavar num
local queimado uma pateira. Hoje,
mais no Inverno, anatídeos como o
pato-trombeteiro e o zarro, o patoreal e a marrequinha, entre outras
espécies, refugiam-se nesse lago em
invernada.
É uma fuga dupla: quando voam
das áreas de reprodução no Norte
europeu para Sul no tempo frio;
quando abre a caça na ria de Aveiro.
Nos dias do gatilho, que recaem na
área exterior à reserva natural, é
proibido o acesso a esta área
protegida. Há presenças menos
sossegadas que basta estarem ali
para afugentar as aves, empurrandoas na direcção das armas.
Na pateira há um observatório
destinado aos visitantes cujo
preâmbulo são as tabuletas de
silêncio. Só com este parceiro se
consegue contemplar mais de perto
aquele espelho-de-água pontilhado
de luz e de sons, de margens
26 | PARQUES E VIDA SELVAGEM
Os líquenes que engalanam os
pinheiros são indicadores da pureza
do ar nestas dunas
No Inverno a pateira criada na Reserva Natural
de S. Jacinto acolhe milhares de patos, na sua
maior parte migradores
bordadas a salgueiro e demais
vegetação ripícola, sem fuga imediata.
A não ser desta maneira, haverá
milhares de asas a baterem penas com
penas, rumo a distâncias seguras.
A regra é clara: voar primeiro, depois
ver se valeu a pena. Um ruído mínimo
causa debandada, o fecho de notas
de uma canção épica que seria pena
deixar de ouvir.
Sem ruído, ao escutar o piar destes
bandos percebe-se que é coloquial.
O mesmo burburinho que nos dá
tranquilidade produz igual efeito
nestes animais gregários. O número
ajuda à sobrevivência quando alguma
rapina pica sobre a pateira – as
hipóteses de fuga são optimizadas
no grande grupo...
Mas há mais para ver. O melhor é
meter-se ao caminho e palmilhar
algum dos percursos que a Reserva
das Natural das Dunas de S. Jacinto
criou para si. q
RESERVA NATURAL DAS DUNAS DE S. JACINTO
Percurso aconselhado
Trilho fácil de 6 km entre a ria de Aveiro e o mar que
dura cerca de 2h30. Parte-se do Centro de
Interpretação da Reserva Nacional das Dunas de S.
Jacinto que também vai ser a meta. Nas dunas, um
passadiço de madeira protege-as do peso dos
visitantes, permitindo-lhes apreciar a vegetação e a
morfologia do terreno. Os serviços facultam duas
visitas guiadas por dia, com n.º máximo de 25
participantes e pedem marcação prévia.
Morada:
Centro de Interpretação
Estrada Nacional 327
3800-901 S. Jacinto
Telefone: 234331282
Aberto todos os dias excepto quintas-feiras,
domingos e feriados das 9h00 às 12h00
e das 14h00 às 17h00.
Passadiços sobrelevados, incluídos nos percursos
pela reserva, protegem as dunas do pisoteio
Piadeiras
Um búteo ao entardecer
PARQUES E VIDA SELVAGEM | 27
breve
Anfíbios:
bioindicadores
Sapos, rãs e salamandras são animais que se posicionam na evolução
das espécies entre os bichos aquáticos e os terrestres, o que é o mesmo
que dizer, grosso modo, entre peixes e répteis.
A pele permeável é especialmente sensível a problemas causados
pelos raios ultravioleta, que se excedem tanto mais quanto maior o
buraco do ozono. O mesmo quando a poluição ataca.
Na revista «Nature», de Janeiro, lê-se que, segundo um estudo recente,
a subida das temperaturas propicia e acelera o desenvolvimento de
um fungo nocivo. O sobreaquecimento global aumenta a nebulosidade,
o que cria condições propícias ao desenvolvimento de fungos.
Num estilo à faroeste, adianta Alan Pounds, do Centro de Ciência
Monteverde, na Costa Rica: «A doença é a bala que está a matar
os animais, mas são as alterações climáticas que accionam o
gatilho».
Esta investigação conclui que o dito fungo, que vive na pele dos
anfíbios, pode estar a causar mortes por todo o planeta.
A zona tropical do continente americano é apenas uma das muitas
regiões que registaram perdas dramáticas de anfíbios nas últimas
décadas. Um terço das espécies até agora conhecidas está ameaçada
de extinção.
Pounds quer crer que as conclusões da sua equipa levem à atitude
correcta: «Há que reduzir a concentração de gases com efeito de
estufa rapidamente se quisermos evitar perdas maciças da
biodiversidade».
Tritão-de-ventre-laranja
Foto: Jorge Gomes
clic
Texto e foto: João Luís Teixeira
Como se fez...
Um dia de sol a fotografar à beira-mar é das melhores coisas a que um fotógrafo pode aspirar.
Longe dos clientes monótonos que não sabem o que querem, e ainda longe dos cheques
que já têm semanas de atraso, o mar consegue transmitir sempre aquela paz de espírito
tão necessária às grandes fotografias
Passei a tarde a tentar “encontrar” o guarda-rios. Sabia onde
se escondia no meio do junco e aguardava por ele. Entretanto
fui fotografando toda a bicharada que passava em frente à
objectiva: patos-reais, felosas, cartaxos, melros, gaivotas, uma
garça-real que decidiu aparecer para fugir logo de seguida.
As histórias seguem-se durante a espera. A gaivota refilona
barafusta com todos os vizinhos enquanto refresca a cabeça,
talvez para não a perder. O pato não deixa descansar a pata, a
perseguição intensifica-se até se distanciarem a perder de
vista… Entretanto, inevitavelmente começo a perder a luz.
Anoitece e vislumbro já o início do pôr-do-sol…
E agora: vou embora ou fico? Praticamente não tenho luz para
fotografar…
Em primeiro lugar vou dar os dados do equipamento com que
fotografava: Canon 20D, lente 100-400 F4-5,6 IS L, conversor
Canon 1,4x, tripé 055 da Manfrotto e cabeça 3D 141RC também
da Manfrotto.
Dito isto, e já que até ao momento do pôr-do-sol estava a usar
uma velocidade bastante alta congelando todas as imagens que
captava (utilizava cerca de 1/750s com 560mm de distância
focal a F8 e 400 ISO), optei por fazer outro género de fotografia,
ou seja, retirei o conversor e reduzi tanto a sensibilidade do
rolo para 100 como a abertura da lente para F16; agora tenho
tempos muito longos de cerca de 1/45s ou 1/15s conforme a
zona de luz ou sombra. Posso fazer panning (seguir algo a
deslocar-se com o fundo parado), manter a lente apontada para
algo quieto para o fundo (água) f icar mais difuso…
Entre várias, havia uma felosa muito irrequieta sempre a saltar
de um lado para o outro. Quando parou apressei-me a focar e
a fixar a lente na direcção dela. Consegui disparar ao mesmo
tempo que a ave decide mudar de ramo mais uma vez. O baixo
tempo de obturação fez com que o movimento das asas e da
cauda ficasse registado, assim como permitiu à água um aspecto
mais aveludado.
De todas as fotos que fiz nesse dia, escolhi esta talvez como
sendo a melhor.
Um momento! Se tiver fotografias que queira melhorar ou ver
comentadas, por favor envie-as para:
Revista «PARQUES E VIDA SELVAGEM»
Fotografia | «Espaço do Leitor»
Parque Biológico de Gaia
4470-757 AVINTES
PARQUES E VIDA SELVAGEM | 29
reportagem
Salreu: uma pérola na ria
Se gosta de espaços naturais, com plantas notáveis e uma fauna surpreendente, vai querer
conhecer este percurso, ao pé de Estarreja. Nesta área o labor agrícola vive lado a lado
com a vida selvagem. Como as águias-sapeiras e as garças-vermelhas que ali nidificam,
este sítio tem asas para subir. A cegonha-branca está sempre a chegar, mesmo
quando os íbis-negros estão de partida para o delta do rio Ebro…
O percurso de Salreu já existe desde
Maio. Tem oito quilómetros, está bem
sinalizado e deve ser percorrido a pé
ou de bicicleta. O centro de
interpretação deste percurso está
projectado. Pensa-se que venha a abrir
ainda este ano.
Mas já há muitos visitantes, inclusive
estrangeiros. Dinamarqueses, alemães,
ingleses têm dito: Então isto não é um
parque natural? E não percebem…
Estivemos em Salreu e verificámos
que a cada trecho voa uma águiasapeira, a rapace mais dependente de
Bando de íbis-negros: vistas as anilhas
conclui-se serem oriundos
do delta do rio Ebro, em Espanha
30 | PARQUES E VIDA SELVAGEM
zonas húmidas da nossa fauna de
permeio com várias espécies de garça,
colhereiros, abibes, narcejas e até
picanços, sendo certo que o que mais
surpreendeu foi o bando de íbis-negros
que escolhem esta zona húmida no
tempo mais frio do ano.
Para já, há muito trabalho. Rui Brito,
biólogo, e António Pereira, químico,
explicam: «Estes caminhos já existiam.
Limitámo-nos a infraestruturá-los».
Resultou: a aprovação da natureza
garante esse estatuto no horizonte –
alçar o sítio a Área de Paisagem
Protegida. Proposto para a Rede Natura
2000, o projecto Bioria, que o anima,
quer apoiar as populações locais através
de várias medidas. Uma delas é a
certificação de qualidade de alguns
dos seus produtos: o arroz e a raça
bovina marinhoa. Este cereal não
consegue concorrer com os preços
asiáticos e não interessa que essa
actividade agrícola se degrade aqui.
Também o turismo ambiental é uma
aposta firme, já que são cerca de 20
quilómetros de frente de ria que o
concelho abrange. Se de momento
Não são poucas as cegonhas que no Inverno trocam o regresso a África por Salreu
Aqui, os pauis vivem lado a lado com os sapais da ria de Aveiro
PARQUES E VIDA SELVAGEM | 31
Mapa do percurso de Salreu
Um búteo mira
oportunidades que
venham a surgir
Águia-sapeira
As garças-boieiras não dormem quando toca
a aproveitar vantagens
Bocage: um habitat a favor da biodiversidade
que depende do homem
A raça marinhoa, típica da região, caminha
para a certificação de qualidade
não há f inanciamento para a
construção de alguns passadiços sobre
as áreas alagadas, o projecto não deixa
de avançar passo a passo.
Estudos de ecologia, dos solos,
plano de ordenamento e gestão,
actividades de educação ambiental
e divulgaçãóprio concelho, além
d a s a c t iv i d a d e s t r a d i c i o n a i s
existentes ou já extintas, são as
traves-mestras do trabalho ali
desenvolvido hoje com o apoio da
Câmara Municipal de Estarreja.
Estarreja ou Cacia?
O mau cheiro conhecido de quem
transita pela auto-estrada Porto-Lisboa
ali não se sente: «O odor não é de
Estarreja, é de Cacia», diz António
Pereira. Ambos os técnicos procuram
dialogar com a população local,
«explicando a sensibilidade destes sítios.
Não definimos regras, só pedimos às
pessoas que continuem a trabalhar os
campos».
Para além da cultura do arroz, habitual
na freguesia de Salreu, há a agricultura
no bocage, característica da freguesia
vizinha de Canelas. Este modelo é
típico da região do Baixo Vouga
Lagunar e liga-se a uma forma de
exploração agrícola familiar nas zonas
húmidas. São terrenos agrícolas pouco
extensos, atravessados por valas e canais
usados para rega. Rodeados por sebes
vivas de amieiros, salgueiros, carvalhoalvarinho e por silvados, roseiras,
madressilvas, são locais de refúgio,
PARQUES E VIDA SELVAGEM | 33
reportagem
Jardim Botânico de Coimbra:
o primado das plantas
Neste espaço as histórias saem como cerejas, umas atrás das outras. De plantas e árvores,
e também de pessoas. Ao lado da Universidade de Coimbra, o visitante depara com um universo
maravilhoso de engenho natural recolhido um pouco por toda a Terra.
A botânica abre aqui algumas páginas do seu livro de surpresas…
Nove graus ao meio-dia. Tempo nublado,
uns pingos de chuva. Neva nas terras
altas. Pisamos os caminhos de um jardim
cheio de história, onde não há distracção
possível diante de dois seres especiais:
o guia, Jorge Paiva, botânico, e uma
figueira exótica (Ficus macrophylla) com
qualquer coisa de engenharia nos genes
– à medida que se expande, lança ramos
(espeques) com raízes aéreas em direcção
ao solo como vigas a suportarem extenso
ramo horizontal. Árvore australiana de
lodaçais, esta com apenas 120 anos, não
esconde a base firme com boa parte das
raízes a estenderem-se à vista no solo.
«Há uma de outra espécie próxima, na
Índia, que envolve uma aldeia inteira»,
adianta o professor.
Nada assim tão grande cabe nas estufas
deste jardim. Ali entrados, muda a luz,
impera o cheiro a humidade. «O que é
que nasceu primeiro: a raiz, o caule ou
a folha?», pergunta Jorge Paiva. Aqui
há gato. Caladito, fui salvo: «Algumas
plantas primitivas, só conhecidas
através de fósseis, eram só caule»,
afirma enquanto mostra um vegetal de
f ilamentos verdes sarapintado de
a m a r e l o . « Po s s u í a u m c a u l e
subterrâneo para segurar um caule
aéreo. Se era fotossintética, o caule
tinha de ser verde. Apareceu nos
Trópicos! E temo-la cá cultivada». É
o Psilotum nudum.
Professor universitário aposentado, Jorge
Paiva dá o mote: como se fôssemos
alunos, é necessário manter todas as
hipóteses em aberto. A presunção de
sabedoria engana mais do que a
ignorância assumida e, assim, as ideiasfeitas continuam em derrocada: «Ouvese que a clorofila só aparece nas folhas
e nos caules. A raiz é subterrânea, não
tem clorofila». Aponta acima da cabeça
as extremidades que saem de um vaso
suspenso com pontas verduscas, na
verdade raízes aéreas: «Olhe-as aqui!
Claro: na floresta tropical existem nas
O Jardim Botânico de Coimbra
fica próximo à Universidade,
junto aos Arcos do Jardim
36 | PARQUES E VIDA SELVAGEM
plantas epífitas que nascem sobre os ramos das
árvores».
Um cafeeiro, pouco mais alto que um homem,
já deita fruto. Um, vermelho, pode comer-se. É
doce e tenro! Arbusto nativo da Arábia e da
África Tropical.
Insectos na mira
Esta estufa é do século XIX. Jorge Paiva abre
uma câmara fechada. O bafo a humidade
aumenta. Plantas carnívoras: um tapete de
diversas espécies onde meter o nariz dá direito
a mordidela! O guia sorri e com vivacidade
aponta alguma da vegetação que, por viver em
solos pobres em nutrientes, se adaptou passando
a nutrir-se dos insectos que aprisiona e digere.
São minorcas. Uma das maiores, Sarracenia
purpurea, do Canadá, parece até ter vasos
sanguíneos, no bojo raiado de vermelho. «Agora
estão pouco activas: é do frio». Entre outras,
autênticas armadilhas naturais, as orvalhinhas
(Drosera spp.) saltam à vista.
Todas estas vivem de pequenos insectos, menos
uma espécie que come pequenos alevins, aqui
ausente: «Vêem-se nos pântanos. O peixito
penetra nela e depois já não consegue sair».
Pisamos agora caminhos a céu aberto… com
nuvens. Jorge Paiva tinha avisado que o Inverno
não era melhor altura do ano para visitar este
jardim, mas nem por isso a visita é menos
fascinante.
Superados alguns degraus, passamos ao lado
de uma trepadeira num muro: «Isto é uma
figueira!». Quem diria? «Há cerca de 800
espécies de figueiras». Subimos. Passam carros
ao lado, na rua.
Paramos num eucalipto invulgar – tronco liso,
pálido, parece polido: «Este é um eucalipto
muito engraçado, querem ver?». A placa dá-lhe
um nome que faz soletrar o leigo como quando
estava na escola primária: Corymbia citriodora.
Nativo de Queensland, na Austrália, são mais
de 500 espécies, deste género. Jorge Paiva
apanha do chão uma folha da árvore enorme.
Quebra-a. Apesar de ressequida, ainda exala
Jorge Paiva é um cicerone brilhante: garante
que esta figueira exótica (Ficus macrophylla)
conta cerca de 120 anos apenas...
um aroma que lembra limão! «Este
eucalipto é matéria-prima do sabonete
com cheiro de limonete».
De per meio, uma ár vore
geometrizada sugere: «Uma destas
araucárias prova que a América do
Uma das plantas carnívoras que vivem nas estufas
PARQUES E VIDA SELVAGEM | 37
Jorge Paiva trata por tu cada espécie,
sendo todas, para nós, ilustres
desconhecidas: aqui mostra o feto
Asplenium daucifolium
Nas estufas encontram-se
inúmeras plantas e árvores
Um dos vários lagos do jardim encimado
por Luís Carrisso, um dos directores da
história do jardim
Na mata, o bambuzal
(Phyllostachys bambusoides)
Sul e a Austrália são territórios que
estiveram juntos. Há uma espécie
semelhante no Brasil. Esta é
australiana».
Ao fim do corredor que acompanha a
rua, uma sequóia está morta. «É a
38 | PARQUES E VIDA SELVAGEM
poluição!». Além do jardim uma chaminé
fumega. Terá sido a chuva ácida que matou
a sequóia, dada a orientação do vento.
Volta-se em sentido contrário pelo corredor
central: a Avenida das Tílias. Um melro
saltita diante de nós e voa. Ao fundo, um
esquilo corre no meio do jardim e
desaparece nos arbustos. Passa um milhafre
muito acima das árvores mais altas. «Há
cerca de 50 ninhos de milhafre no
Choupal», diz Jorge Paiva.
Ao lado está o Quadrado Central, a parte
mais antiga do jardim, que data do século
XVIII.
O enguiço das enguias
Agora ouve-se água a correr. Redondo,
um lago. Já lá vai o dia em que alguns
jardineiros descobriram enguias aqui.
Grandes! Rabiando do mar para o
Mondego e ribeiro acima, prosperaram,
discretas. Quando faziam contas para se
lançarem rumo ao mar dos Sargaços, onde
se reproduzem e mor rem, foram
apanhadas. Capturados os peixes, surgiu
a panela, quiçá com direito a enguiço.
Hoje, de 50 jardineiros que eram, são só
sete para os 13 hectares e meio do
Botânico. Acredite!
Bosque proibido
A actual área de ocupação do Jardim
Botânico já foi maior: estendia-se até ao
rio. Em tempos remotos abdicaram dessa
parcela nobre que se alongava até tocar na
água do Mondego.
Estamos agora noutra parte do jardim: a
mata. O vandalismo não deu alternativa: hoje
só lá entra em visita guiada. São alunos
universitários de biologia, farmácia e
geografia quem as lidera. Recebem uma
formação e prestam esse serviço. Há
também uma técnica-superior que se ocupa
da educação ambiental ligada ao jardim.
À esquerda a estufa-fria. Oculta-se ali a
Botânica, um nu feminino do escultor
Martins Correia (1950).
Assalta o caminho um denso canavial.
Há canas que superam a grossura de um
braço. «Quando dão flor morrem. Sendo
clones, quando florirem, vão morrer todos
de repente», explica Jorge Paiva e
acrescenta: «Há cerca de 300 e tal
espécies de bambu».
O guia refere os bufos-reais que aparecem
no jardim. Devem estar algures por ali,
no merecido repouso: «Há jardineiros
que por vezes os ouvem».
Na sua história, este jardim também foi
uma escola agrária. Passamos por uns
socalcos em obras: «Está a refazer-se
esta parte com as árvores de fruto que
cá estavam».
Ao longe vê-se altaneiro o convento de
Santa Clara, agora um quartel.
Há caixas-ninho nas árvores e Jorge Paiva
garante que, se houvesse dinheiro, fazia
um guia de campo, pois já tomou nota das
inúmeras espécies de aves que se avistam
neste sítio.
Se na época mais dormente do ano o
Jardim Botânico de Coimbra é esta
aventura, imagine no resto do ano, quando
os líquenes, fetos e musgos que vestem
os ramos no tempo frio cedem o turno
às flores e às folhas, que acorrem de
súbito a dar luz à Primavera…q
Texto: Jorge Gomes
Fotos: João Luís Teixeira
Respira-se história
A ideia já tinha sido abordada em 1731 por Jacob de Castro Sarmento
com base num jardim londrino. Mas só em 1772, no tempo do marquês
de Pombal, surgiu o Jardim Botânico da Universidade de Coimbra. O
seu traçado vem da época clássica, surge no contexto da reforma
pombalina dos estudos universitários.
Coube ao reitor Francisco de Lemos escolher o local para o dito Horto
Botânico. A opção incidiu sobre parte da quinta pertencente ao Colégio
de S. Bento.
O marquês entregou a tarefa de preparar o projecto final ao coronelengenheiro William Elsden, coadjuvado pelo reitor e pelos professores
de História Natural Domingos Vandelli e Dalla Bella.
Considerado o modelo de Castro Sarmento modesto, apareceu outro,
que acabou na beira do prato, rejeitado pelo marquês de Pombal por
ser um exagero.
Os trabalhos de edificação do jardim iniciaram em 1774 com projectos
mais baratos.
As primeiras plantas vieram do Palácio da Ajuda, de Lisboa, para as
mãos do seu primeiro jardineiro, João Rodrigues Vilar.
A Vandelli coube então a orientação botânica do jardim. A partir de
1791 passou para Félix Avelar Brotero, professor de botânica e
agricultura, cuja estátua encara o portão negro assinado por mestre
Galinha.
Brotero ampliou o jardim, conseguiu a aquisição de mais alguns
terrenos da quinta dos padres Marianos, em 1809.
Em 1873 Júlio Henriques é nomeado Lente. Dos primeiros a referir
os trabalhos de Charles Darwin, sob a sua orientação, o jardim
intensifica permutas com outras partes do Mundo.
Em 1880 surge o Boletim da Sociedade Broteriana, revista científica
que ainda existe!
Hoje, a biblioteca possui um espólio que ultrapassa os 125 mil volumes.
O herbário compreende cerca de um milhão de espécimes originários
de todo o Globo. q
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Jardim Botânico
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3000-393 Coimbra
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Mais informação:
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Local __________________________________ Código Postal _______________
Telefone __________________
Quantia Enviada E_______,00
Cheque
Vale dos CTT
pesquisa
Borboleta prioritária
Não se assustem com o meu nome, pois eu chamo-me
assim para que me reconheçam em todo o mundo. Sim,
eu sou uma borboleta importante, sou uma Apatura!
Do alto deste choupo onde me encontro
a banhos de sol, vejo um mosaico de
vegetação, com mil e um tons de verde.
Atravessa-o uma linha de água, que corre
à sombra de árvores frondosas, as minhas
preferidas! Nesse rio, o Febros, anda uma
lontra atrás de peixes e de outra bichareza
que compõe a sua refeição. Neste espaço
florestado estou sempre rodeada de
amigos: esquilos, ratinhos do campo,
toupeiras… E de alguns inimigos: aves
insectívoras e outros…
A algumas dezenas de metros vejo
magníficas casas de granito da região, e,
à sua volta, belos campos de erva, onde
umas borboletas realmente pequenotas e
de um azul que não consegue rivalizar
com o meu, se deliciam a libar os milhares
de flores com que a Primavera nos
brindou. É fantástica esta época das mil
e uma flores. É por isso que eu aguardo
pacientemente pela sua chegada para bater
asas e fazer-me ao ar puro deste cantinho
de Vila Nova de Gaia.
Passa uma nuvem, os insectos acalmamse, segurando-se aos delgados caules das
flores do campo. Aqui no alto procuro
uma companheira com quem acasalar,
pois a minha curta vida de adulto não
pode esperar. Alto! Vem ali uma! Não!
Não é uma apatura-pequena, mas sim um
intruso. Vou já corrê-lo! Após alguns
segundos de voo frenético, lá consegui
que este metediço saísse do meu território.
Faço mais umas acrobacias e subo um
pouco, quase roçando o céu. Sim, agora
vem aí uma companheira, vou já
cumprimentá-la e pedir-lhe namoro! Ela
aproxima-se, eu voo na sua direcção.
Juntamo-nos num voo coordenado, como
numa dança. Aceleramos um pouco,
voamos em turbilhão... Eu agradei-lhe,
vamos continuar a parada nupcial e
acasalar. Bem, a partir daqui não quero
humanos a espreitarem a minha
privacidade! Já me bastam os cientistas
que andam por aí a farejar… Dizem que
querem saber quantas apaturas andam por
aqui, que é para meu bem! Bom, se assim
Texto: Ernestino Maravalhas*
Fotos: Jorge Gomes
PARQUES E VIDA SELVAGEM | 41
é, não me importo, desde que sejam
meigos comigo!
Pequeníssimo avião
com escamas
A borboleta adulta mede cerca de 7
centímetros (contados da ponta de uma
asa à ponta da outra). O macho é
anguloso, castanho-escuro pela face
superior, onde é visível um reflexo azulpúrpura que rivaliza com as peças mais
vistosas da melhor joalharia. As asas
são cortadas por uma faixa branca que
lhes dá um certo contraste e elegância.
A fêmea não possui o reflexo azul,
sendo acastanhada. A face inferior das
asas imita na perfeição as folhas secas,
o que permite aos adultos passarem
despercebidos quando pousados nos
troncos das árvores.
As asas das borboletas possuem uma
fina camada de escamas, organizadas
como as telhas de um telhado. Cada
escama possui uma pigmentação
própria e o conjunto define um padrão
exclusivo a cada espécie. As escamas
do macho têm a particularidade de
reflectirem luz que é previamente
refractada no interior da escama, dando
a cambiante multicolorida de base
púrpura. Esta é uma forma de os
machos se identificarem à distância,
permitindo ao que domina um território
escorraçar um outro mal ele se
aproxime.
Os adultos possuem um voo
rapidíssimo e são muito difíceis de
apanhar, mesmo para as aves mais
rápidas. Qual miniatura de avião…
Chegou a Primavera:
vamo-nos a elas!
O Parque Biológico de Gaia constitui
o primeiro local de Portugal onde
foram observadas duas gerações anuais
de apatura-pequena, descobertas pelo
Jorge Gomes, que registou os
momentos para a posteridade através
de magníficas fotos. Biólogos do Tagis
– Centro de Conservação das
Borboletas de Portugal estiveram no
Parque e ficaram maravilhados com
este invulgar acontecimento no nosso
país. Se quiser ver este magnífico e
raro insecto deve deslocar-se ao Parque
em Maio e procurar o bicho junto ao
carvalho-velho ou na mata ribeirinha.
42 | PARQUES E VIDA SELVAGEM
O macho da apatura-pequena (Apatura ilia) é anguloso,
tem a parte superior castanha-escura com um reflexo azul
Se as árvores exsudarem seiva, poderá
ter a sorte de ver uma apatura-pequena
a libar. Aproxime-se apenas até uma
certa distância, o máximo a 3 ou 4
metros, para não a assustar. Se tiver
uma câmara fotográfica tire algumas
fotos e mostre-as aos seus familiares
e amigos. Vai ver que não sabiam que
em Portugal, tão perto do centro de
Vila Nova de Gaia, havia um
imperador-púrpura-pequeno (outro
nome pelo qual a espécie é conhecida).
Se voltar entre finais de Julho e
meados de Agosto ainda pode
desfrutar da sua companhia, pois a
apatura-pequena brinda-nos com uma
segunda geração. Será certamente uma
companheira de eleição nos passeios
pelas frescas e agradáveis veredas do
Parque.
Lagartas resistentes
A fêmea de apatura-pequena põe os
ovos em choupos e olmos, fazendo-o
de forma dispersa para evitar os
predadores. As lagartas eclodem e
c o m e ç a m l og o a c o m e r,
desenvolvendo-se no início do Verão
(se forem da primeira geração). Com
dias grandes e o tempo de feição, os
adultos voltam ao seu espaço aéreo
após umas semanas como crisálida,
escondida entre as verdejantes
ramagens, com as quais se mimetizam.
Voltam a ocorrer acasalamentos,
postura de ovos e as jovens lagartas
vão comendo a matéria vegetal até
aos primeiros dias de frio, altura
em que entram em diapausa. Para
se abrigarem da geada concentramse nas junções dos ramos, onde o
vento é de menor intensidade. Em
finais de Março ou nos primeiros
dias de Abril, quando as árvores se
vestem de folhas tenras, as lagartas
retomam as refeições, comendo
avidamente. Para crisalidarem em
Maio e voltarem a dar adultos no
final deste mês.
Tomem conta de mim!
A apatura-pequena encontra-se
dispersa por grande parte da Europa,
evitando zonas muito frias, como as
Ilhas Britânicas e a Península
Escandinava e as zonas secas da orla
mediterrânica. Em Portugal é
exclusiva do Norte, havendo apenas
duas populações conhecidas na
margem esquerda do rio Douro: a
do Parque Biológico de Gaia e uma
em S. João da Madeira, onde a
borboleta não é vista há cerca de 70
anos. Os territórios preferidos vão
desde os 50 até aos mil metros, pois
a partir desta altitude o clima é
demasiado frio para a espécie. As
populações conhecidas encontramse bastante dispersas, havendo
fragmentação dos habitats nas zonas
onde a ocupação humana é maior.
Isto deve-se à falta de habitat, que
foi sendo transformado em zonas de
construção (habitação, comércio e
indústria) e à poluição das linhas de
água (a sobrevivência das árvores
em rios e ribeiras poluídas é menor
do que em massas de água livres de
poluição).
De acordo com o levantamento feito
pelos especialistas, a apaturapequena encontra-se sujeita a um
grau de ameaça considerável,
especialmente nas terras baixas, onde
a pressão humana é maior. A
manutenção da vegetação do rio
Febros e da área envolvente do
Parque é muito importante para a
sobrevivência da espécie a longo
prazo. A verdade é que quanto maior
for a área favorável – linhas de água
com floresta autóctone circundante
– melhor é a possibilidade de fixação
da espécie, que pode trocar
Distribuição de Apatura ilia em Portugal: os círculos verdes
representam um quadrícula de 100 quilómetros quadrados
património genético com populações
que eventualmente se encontrem nos
rios Uíma e Inha, na margem sul
do Douro, um pouco a leste do
Parque.
Para saber mais sobre a biologia
desta borboleta, o Parque Biológico
de Gaia vai apoiar um estudo de
dinâmica populacional, com
armadilhamento de adultos, que
serão imediatamente devolvidos à
liberdade depois de marcados. A
extensão do estudo aos rios
localizados na região, poderá vir a
dar uma melhor panorâmica da
estabilidade da população do
Parque, ou possibilidade de
extinção a médio prazo.
Certamente que todos nós gostaríamos de ver a apatura-pequena por
longos anos no Parque Biológico de
Gaia. O seu colorido e graciosidade
de voo serão um forte atractivo para
os nossos filhos e netos, mas quem
mais apreciará será a borboleta, que
se tem sentido confortável neste
espaço conservado que o Parque lhe
proporciona. q
* CIBIO – Centro de Investigação em
Biodiversidade e Recursos Genéticos da
Universidade do Porto, membro do Tagis - Centro
de Conservação das Borboletas de Portugal,
coordenador do livro «As borboletas de Portugal».
PARQUES E VIDA SELVAGEM | 43
quinteiro
Dê vida ao seu jardim
Texto e fotos: Jorge Gomes
Uns nascem com esse gosto. Outros adquirem-no.
Falamos do prazer de olhar a vida selvagem,
e inclusive de a convidar a aparecer no seu jardim
Já deu consigo a imaginar a sua cidade antes de ser como é
hoje? Quando se vestia de bosques e nela o vento soprava
lendas alimentadas por cenários fantásticos?
Ali corriam riachos de água límpida e plantas e animais
viviam ao ritmo de um equilíbrio quase perfeito.
Era assim. Laços de dependência mútua erguiam a vida em
aventuras evolutivas extraordinárias que levaram à vida
selvagem que vemos em casa nos melhores documentários
televisivos.
A ideia que lhe trazemos neste tópico é a de conciliar o seu
jardim com a ciência de equilíbrio que se pode recolher da
natureza.
É que, por exemplo, as plantas do seu jardim falam
silenciosamente com os pássaros e insectos, com anfíbios e
répteis, com os frenéticos ratinhos-do-campo…
Valorizando o seu quintal, ao longo de todo o ano será capaz
de descobrir histórias naturais novas e surpreendentes.
Vegetação
Um verdilhão não desdenha a mistura
oferecida neste comedouro artesanal
Uns vivem no ar, outros na água: a
toupeira vive na terra
44 | PARQUES E VIDA SELVAGEM
Tudo começa no solo e nas plantas que nele se dão melhor. Flora
que oferece néctar nas suas flores, como as budleias, chamam
de forma irresistível borboletas que lhes detectem os recursos
à distância.
Mas, regra geral, se os espécimes plantados forem espécies
nativas da região têm muitas mais vantagens no factor atracção
de vida selvagem. Quer ver? Os amieiros abrigam mais
centenas de espécies de insectos do que outro arvoredo
importado do estrangeiro, como os eucaliptos, pinheiros ou
acácias. Havendo destes bichos, em torno deles gravita quem
precisa deles: aves, pequenos mamíferos, anfíbios e répteis…
Para atrair as aves granívoras, nada como colocar um comedouro
gizado para a passarada selvagem. De início, é bem possível que
os seus amigos de penas se sintam receosos: será uma nova
armadilha? Que terá o ser humano engendrado agora para nos
tramar?, dir-lhes-á o instinto. Mas há sempre o pássaro mais
aventureiro que cumpre à risca o ditado «quem não arrisca não
petisca» e, numa questão de semanas, poderá ensinar o caminho
aos outros. Não se admire: bicho selvagem passa fome de cão
vadio!
Em países com cultura de apreço pela natureza, como a GrãBretanha, há negócios de montante elevado ligados a comedouros
de jardim para aves selvagens, caixas-ninho, guias de campo e
outros apetrechos úteis a este passatempo.
Quem ganha com isso? Muita gente, desde os que consomem
aos que vendem desses objectos, mas certo é que a conservação
da natureza ganha no somatório final.
Na craveira de popularidade, cremos que as aves batem o recorde,
E se lhe aparece no quintal uma borboleta
menos vulgar? Como se chamará? Será
migradora? E de que planta se nutrirão as
suas lagartas? Esta é uma Aglais urticae.
Bonitona, não é?
seguida da atracção criada pelas borboletas e outra
simpática bicharada.
Uma poça adorável
Um lago é mais um pólo de atracção para a vida
selvagem. Serve de bebedouro e até de banheira para
aves. Capricho? Não, necessidade! A plumagem em
bom estado adianta meio caminho no trilho da
sobrevivência.
É provável que um sapo encontre namoro no lago e a
fêmea ponha uma fieira de ovos. São bons controladores
de pragas.
Insectos aquáticos como a larva das libelinhas são
carnívoros que ajudam a eliminar larvas de mosquito
e, na altura certa, passarão à fase aérea para alegria das
aves cuja paparoca são os insectos.
Com tudo isto, vai investir na mãe natureza, onde estão
as nossas raízes afectivas e culturais mais profundas.
Se o bosque original está distante e remetido a memórias
antigas, transforme o seu quintal num sucedâneo desse
maravilhoso suporte de vida e com isso aprenda,
valorize-se e recolha toda a satisfação que essa actividade
proporciona. q
Os chapins-rabilongos apreciam
insectos
As sardaniscas que vivem ao pé de nossas casas
são vorazes predadores de moscas e afins
Mestre sapo, um grande
amigo dos jardineiros, tem
uma característica: gosta
mais de trabalhar à noite
Ratos-do-campo, pequenitos e discretos, catam
larvas pelo chão
PARQUES E VIDA SELVAGEM | 45
colectivismo
Pela conservação
das aves
Chegou o Dia B
A Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA) trabalha
para o estudo e a conservação das aves e seus habitats, promovendo
um desenvolvimento que garanta a viabilidade do património natural
para usufruto das gerações futuras.
É uma organização não governamental de ambiente, parceira da
rede BirdLife International em Portugal. Dá prioridade nos seus
estatutos à conservação das espécies de aves ameaçadas e dos seus
habitats. Está actualmente representada no continente e nos
arquipélagos dos Açores e da Madeira.
No âmbito da sua actuação, a SPEA é responsável pela designação
e vigilância das Áreas Importantes para as Aves (do inglês Important
Bird Areas – IBA) e por desenvolver projectos de conservação
dirigidos a algumas das aves mais ameaçadas na Europa, e seus
habitats, nomeadamente, o sisão, o priolo e a freira-da-madeira. Dos
cerca de mil associados que possui, inclui-se praticamente toda a
comunidade científica e técnica no campo da ornitologia.
Para além dos projectos de conservação, a SPEA actua também na
área da educação ambiental, realizando projectos em colaboração
com diversas entidades.
Para além disso, dinamiza um programa de actividades que inclui
saídas de campo, cursos de ornitologia, edita revistas e livros técnicos
e de divulgação geral e promove diversas reuniões temáticas e
congressos, citando-se o V Congresso de Ornitologia da SPEA, a
decorrer em Oeiras já nos próximos dias 23 a 26 de Março.
Como meio privilegiado de comunicação com os sócios, edita a
revista trimestral «Pardela» e uma newsletter digital semanal. Esta
última é acessível também a não sócios, sendo apenas necessário
os interessados solicitarem a sua subscrição através do e-mail
[email protected].
Esta notícia foi o primeiro contributo da SPEA, que será de cariz
regular. Na próxima edição abordaremos o tema do “Desenvolvimento
rural e a conservação das aves”.
Alunos e professores estão convidados a promoverem
o seu Dia B até Junho
No ano lectivo 2004/2005 o Dia B – Dia das Borboletas nas
Escolas – superou as expectativas iniciais. Este projecto, com
mais de 8 mil alunos inscritos a nível nacional, revelou-se uma
boa aposta na área da educação ambiental.
Dado o sucesso desta iniciativa, o TAGIS – Centro de Conservação
das Borboletas de Portugal e o Parque Biológico de Gaia
convidam os professores do ensino básico e secundário a
inscreverem-se na nova edição do projecto.
O objectivo deste evento é a realização de uma aula prática a
inserir no horário curricular normal dos professores interessados,
destinada à observação da diversidade de borboletas da área
circundante à escola.
Em qualquer dia de Março a Junho cabe a cada um dos
professores escolher o seu Dia B. Este será um dia de calor, de
pouco vento e céu limpo, em que os alunos sairão da sala de
aula, sob orientação do professor, para realizar um passeio junto
das zonas verdes do recreio para identificar as borboletas
observadas.
Após a inscrição no projecto, serão enviados aos professores
participantes a documentação de apoio à actividade: manual da
aula prática, guia de campo das borboletas comuns (folheto para
cada aluno), ficha de registo dos dados faunísticos.
Eis os dados necessários para a inscrição: nome do professor,
nome da escola, número de alunos participantes, mais os contactos
(e-mail, telefone).
Depois é só enviar para o Tagis – Centro de Conservação das
Borboletas de Portugal.
TAGIS
Museu Bocage - MNHN
Rua da Escola Politécnica
581250-102 Lisboa
Tel. + Fax: 213965388
E-mail:[email protected]
Página da Internet: www.tagis.net
SPEA – Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves
Rua da Vitória n.º 53 - 3.º Esq. - 1100-618 Lisboa
Tel.: 21 322 0430 / Fax: 21 322 04 39
E-mail: [email protected]
Página da Internet: www.spea.pt
Priolo Foto: Joaquim Teodósio
Prateada
PARQUES E VIDA SELVAGEM | 47
Arboricultura
Amigos do Parque
A Sociedade Portuguesa de Arboricultura (SPA) pretende
«promover o conhecimento da árvore e das suas relações com
o meio envolvente, nomeadamente o urbano», lê-se no site
desta associação.
Além disso, interessa-lhe divulgar «os conhecimentos científicos
da biologia arbórea e as técnicas de arboricultura ornamental».
Neste universo, a sua actividade engloba a protecção «do
património arbóreo de agressões – por desrespeito, ignorância
ou interesse – a que está frequentemente sujeito», bem como
«promover a regulamentação das actividades que afectam o
arvoredo urbano, procurando estabelecer normas consensuais
de qualidade que previnam actuações incorrectas».
Entre as acções a desenvolver pela SPA encontram-se debates,
seminários e cursos especializados, sem excluir o lançamento
«da certificação profissional dos podadores-escaladores e a
regulamentação da sua formação». Esta associação defende
também «a criação de grupos de trabalho temáticos para as
questões suscitadas pela inter-relação árvore/espaço urbano».
Uma das acções concretas da SPA é o Projecto Árvore Urbana.
Sobre este Projecto, o site refere que o mesmo se iniciou com
um inquérito a todas as autarquias «acerca de vários aspectos
relacionados com a gestão do seu arvoredo. A resposta a este
inquérito foi de cerca de 30%, não sendo assim uma
amostragem conclusiva acerca do estado real do arvoredo
urbano em Portugal. Este projecto, a que se pretende dar
continuidade, tem por objectivo caracterizar a forma como
cada município trata o seu património arbóreo, atribuindo
uma classificação fundamentada e construtiva, como contributo
para uma melhor sustentabilidade da gestão do arvoredo
urbano».
A Associação dos Amigos do Parque Biológico de Gaia
(AAPBG) tem por objectivo apoiar esta empresa municipal
Sociedade Portuguesa de Arboricultura
Página da internet: www.sparboricultura.pt
Prateada ou Issoria lathonia
Foto: Jorge Gomes
48 | PARQUES E VIDA SELVAGEM
Com cerca de 3 mil sócios, o maior benefício que lhes presta
é, mediante a apresentação do cartão de associado, com as
quotas em dia, na recepção do Parque beneficiarem de entrada
gratuita.
Outra consiste em receberem informações sobre as actividades
do Parque.
Em contrapartida, esta associação tem contribuído pontualmente
para o equipamento e melhoria do Parque Biológico.
O trabalho desenvolvido no Parque beneficia muito mais do
que o concelho de Vila Nova de Gaia.
Num mundo com gravíssimos problemas ambientais, a
sensibilização da população é cada vez mais importante.
É esse relevante trabalho de Educação Ambiental que o Parque
Biológico de Vila Nova de Gaia tem vindo a desenvolver, com
êxito.
Mas o Parque não é só um projecto educativo: é também a
maior zona verde de Gaia e uma das maiores da região.
Com a ajuda dos sócios da AAPBG, o Parque Biológico poderá
ampliar muito a acção que desenvolve em defesa do Ambiente
e da Natureza.
Associação dos Amigos do Parque Biológico de Gaia
Parque Biológico de Gaia
4470-757 AVINTES
crónica
Foto: JLT
Texto e fotos: Jorge Paiva, biólogo
Riscos da diminuição da biodiversidade
na alimentação
A espécie humana possui
características morfológicas,
estruturais, genéticas e de
comportamento únicas, isto é, não
presentes nos outros seres vivos. Uma
dessas características é guardarmos
objectos (Património Material). Todos
nós, logo desde crianças, gostamos
de guardar e preservar as nossas
coisas. Mesmo em épocas préhistóricas, o homem já tinha
preocupações com o Património
Material quando, por exemplo,
guardava os objectos de sílex. Além
disso, a espécie humana, por ser
inteligente, foi desenvolvendo
qualidades e, a partir de certa altura,
quando possuía já um cer to
discernimento, iniciou actividades
culturais. As figuras rupestres não
são mais que manifestações culturais
do Homem Pré-histórico. Mas a
preocupação com o Património
Cultural não nasce connosco. Só com
algum discernimento e cultura é que
começámos a preocupar-nos com o
Património Cultural. Assim, só nos
últimos três ou quatro séculos nos
estamos a preocupar com a
preservação deste valioso património.
Porém, apenas neste século,
particularmente nas últimas dezenas
de anos, é que começámos a
preocupar-nos com a preservação do
Património Biológico, o único
relevante para a sobrevivência da
espécie humana. Sem bens materiais
e sem cultura pode-se sobreviver, mas
sem as outras espécies isso não é
possível. Sem os outros seres vivos
não sobreviveremos!...
Inconscientemente pode julgar-se que
não é necessário preocuparmo-nos
com a preservação de todas as
espécies, mas apenas com aquelas
que nos são úteis.
Há muitos exemplos que nos obrigam
a actuar no sentido de preservar todas
as espécies indistintamente, pois nem
as que estão inventariadas (3 milhões)
estão suficientemente estudadas.
Salientamos como exemplos um
feijão da Papuásia (Psophocarpus
tetragonolobus) – que, no início desta
década, se descobriu ser um alimento
com um teor de proteínas muito
superior a qualquer dos outros
alimentos conhecidos – e o teixo
(Taxus baccata), uma planta da nossa
flora, em risco de extinção, que se
pensava não ter, actualmente,
qualquer utilidade. Foi uma árvore
relativamente frequente nas nossas
florestas, tanto que há não só vários
topónimos relativos ao teixo, tais
como Teixe, Teixeda, Teixedas,
Teixedo, Teixeira, Teixeiras, Teixeiró,
Teixelo, Teixinho, Teixo, Teixoeira,
Teixogueira e Teixoso, como também
patronímicos como, por exemplo,
Teixeira e Teixeirinha. É uma planta
extremamente venenosa, pois produz
uma mistura de alcalóides (taxina),
letal para todos os animais, mas
utilizada pela espécie humana desde
tempos remotos (madeira, arcos e
flechas, ornamentação de jardins,
igrejas e cemitérios, como abortiva,
matando, muitas vezes, além do feto,
também a mãe). Revelou-se, a partir
de 1993, de valor inestimável. Da
taxina isolou-se um produto (taxol =
placlitaxel), que mostrou ser uma
poderosa droga no tratamento de
alguns tipos de cancro (ex.: pulmão
e mama), alguns dos quais
anterior mente refractários à
quimioterapia (ex.: cancro do ovário).
Este composto inibe a multiplicação
das células evitando, por isso, a
proliferação das células cancerosas.
Infelizmente, um teixo centenário
fornece apenas 300 mg de taxol,
sendo necessária a casca de 6 teixos
centenários para produzir taxol
suficiente para tratar um só doente.
Por outro lado, há cada vez menos
teixos, não só porque se derrubam e
não se semeiam, como também
porque se caçam os dispersores das
respectivas sementes – aves como os
tordos e o pombo-torcaz digerem o
arilo (açucarado e comestível), mas
não a semente (tóxica e letal).
Felizmente, em Fevereiro de 1994,
foi anunciada a síntese laboratorial
do taxol (taxotere), estando já a ser
produzido e comercializado pela
PARQUES E VIDA SELVAGEM | 49
Biodiversidade do milho
Gerês, 1984: milho a secar
com milho-rei à vista
indústria farmacêutica. Portanto, se
não tivesse havido o cuidado de
preservar os teixos, eles teriam
desaparecido e, assim, não teria
havido solução para muitos doentes
que ainda vivem graças a uma espécie
de planta, podendo até eles próprios
ter considerado idealistas todos
aqueles que lutavam pela sua
preservação.
A Humanidade vive, actualmente,
numa sociedade de economia de
mercado, cuja preocupação
predominante é produzir cada vez
mais, com maior rapidez e o mais
barato possível, de modo a conseguirse o máximo lucro.
Assim também acontece com os
produtos alimentares que, por isso,
são de pior qualidade, menos
diversif icados e mais poluídos.
Hoje, a alimentação básica mundial
depende de 8 cereais, tão altamente
seleccionados e uniformes, que
catástrofes, devidas a moléstias ou a
variações climáticas, podem levar,
rapidamente, a Humanidade à fome.
O mesmo acontece com a produção
animal, que se baseia em 3 grupos
de ruminantes (bovinos, ovinos e
caprinos), na suinicultura, na
avicultura e na piscicultura, com os
animais tão seleccionados e
uniformes, que muitas raças e
espécies correm sérios riscos de
extinção.
A designada “Revolução Verde”, foi
iniciada (1.ª metade século XX) como
a panaceia que resolveria o problema
da fome, através de processos de
cultivo intensivo e industrializado
(monocultura). Assim, actualmente,
utiliza-se na alimentação somente 1%
das espécies de plantas, quando já
foram utilizadas 7 mil espécies. Mas,
devido aos processos e interesses
actuais, a alimentação humana utiliza,
hoje em dia, praticamente 20 espécies
de plantas. A alimentação básica diária
da população mundial depende
fundamentalmente de 8 cereais: trigo,
cevada, milho, arroz, centeio, milho50 | PARQUES E VIDA SELVAGEM
miúdo, aveia e sorgo. Mas a
superprodução destes cereais está,
actualmente, tão altamente
seleccionada e é, portanto, tão
uniforme sob o ponto de vista genético
que catástrofes, devidas ao
aparecimento de qualquer nova
doença ou a variações das condições
c l i m á t i c a s , p o d e m l eva r a
Humanidade à fome de um momento
para o outro.
Com a referida “Revolução Verde”,
o mesmo está a acontecer com a
produção animal. Hoje em dia, a
pecuária intensiva e industrializada
baseia-se em algumas espécies de
ruminantes (bovinos, ovinos e
caprinos), na suinicultura, na
avicultura e na piscicultura. Aqui
também os animais estão tão
altamente seleccionados, que muitas
raças e espécies correm sérios riscos
de extinção com a consequente
uniformidade genética, o que,
também, constitui um elevadíssimo
risco para a sobrevivência da
Humanidade.
Estamos, actualmente, em plena
“Revolução Biotecnológica” com os
designados seres transgénicos. Tal
como com a “Revolução Verde”, a
“Revolução Biotecnológica” está a
ser propagandeada como a panaceia
de poder resolver o problema da
fome, parecendo não haver
contrapartidas. Com a “Revolução
Verde” não só se abarrotou a Biosfera
de produtos altamente tóxicos
(agroquímicos e pesticidas) – de tal
modo que, praticamente, a água e
todos os alimentos estão
“envenenados”, em todo o Globo –
como também não se resolveu o
problema da fome. Apenas lucraram
as grandes companhias de produtos
químicos e de produtos alimentares.
Com a “Revolução Biotecnológica”
já aconteceram intoxicações e até
mortes com substâncias químicas
produzidas por seres transgénicos,
particularmente bactérias. Não
sabemos ainda o que resultará da
2005: milho sem qualquer variação,
um exemplo de diminuição de biodiversidade
Tourém, 2005: tranças de milho
mono-específico e monogenético
“fuga” de genes desses seres para os
seres vivos selvagens. Podem ocorrer
transformações genéticas com
resultados drásticos e irreversíveis
nos ecossistemas naturais. No entanto,
tal como aconteceu com a “Revolução
Ve r d e ” , m i n i m i z a m - s e a s
consequências, propagandeia-se que
resolverá o problema da fome e o que
está já a acontecer, na realidade, é o
enorme lucro económico das referidas
multinacionais da alimentação.
Com uma produção alimentar e uma
sociedade assim, não só não é possível
preservar o Ambiente e a Natureza
como também a vida se torna menos
saudável, com elevados riscos para a
sobrevivência da Humanidade.
Felizmente para a Humanidade, há
partes do Globo aonde ainda não
chegou a “Revolução Verde”, nem a
“Revolução Biotecnológica”, como
no Peru, onde existem muitas raças
de animais domesticados e muitas
cultivares de plantas alimentícias,
como 420 de batateiras (os incas
cultivaram 2000) e 275 de milho.
Felizmente, também, que nalguns
países, como em Portugal, ainda se
foi a tempo de preservar em Bancos
de Germoplasma raças de animais e
cultivares de plantas, como no Banco
de Germoplasma Vegetal de S. Pedro
de Merelim (Braga), com 1700
estirpes genéticas de milho. q
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Parques e Vida Selvagem #15