sumário 16 ESTUÁRIO DO DOURO Na margem de duas grandes cidades, o rio junta-se ao mar. O somatório, apesar de tudo, dá origem a uma festa de diversidade biológica. 24 DUNAS DE S. JACINTO Esta reserva natural, gerida pelo Instituto de Conservação da Natureza, é uma das peças de uma região mais ampla, a ria de Aveiro, cheia de potencialidades, nomeadamente a do ecoturismo. 41 BORBOLETA PRIORITÁRIA O Parque Biológico de Gaia entrou o ano passado para a história da investigação das mariposas de Portugal: pela primeira vez no nosso país foi detectada uma 2.ª geração da borboleta chamada Apatura-pequena, que de minorca não tem nada… SECÇÕES Ver e falar O Leitor escreve 7 Fotonotícias 8 Parques de Gaia 16 Clic - Fotografia da Natureza 29 Reportagem Salreu, uma pérola da ria 30 Reportagem Jardim Botânico de Coimbra 36 Quinteiro Dê vida ao seu jardim 44 Colectivismo 47 Crónica 49 Foto da capa João Luís Teixeira esteve atento à luta de um bando de garças-reais no estuário do rio Douro por uma tainha. Venceu a da capa. Revista “Parques e Vida Selvagem” • Director Nuno Gomes Oliveira • Editor Jorge Gomes • Fotografias Arquivo Fotográfico do Parque Biológico de Gaia, E. M. • Propriedade Parque Biológico de Gaia, E. M. • Pessoa colectiva 504888773 • Tiragem 80.000 exemplares. ISSN 1645-2607 • N.º Registo no I.C.S. 123937 • Dep. Legal 170787/01 • Administração e Redacção Parque Biológico de Gaia, E. M. - Estrada Nacional 222 - 4430 -757 AVINTES – Portugal • Telefone 22 7878120 • E-mail: [email protected] • Página na internet: http://www.parquebiologico.pt • Conselho de Administração Nuno Gomes Oliveira, Nelson Cardoso. Esta Revista resulta de uma parceria entre o Parque Biológico de Gaia e o Jornal de Notícias. Os conteúdos editoriais da revista PARQUES E VIDA SELVAGEM são produzidos pelo Parque Biológico de Gaia, sendo contudo as opiniões nela publicadas da responsabilidade de quem as assina. opinião O Caminho para a qualidade de vida Luís Filipe Menezes Vila Nova de Gaia é hoje, indiscutivelmente, a cidade que nos últimos oito anos mais apostou no aumento da qualidade ambiental do seu território. Sendo o terceiro maior concelho de Portugal e sendo de igual forma um dos mais populosos, Gaia tem vindo a desenvolver-se, ao longo dos últimos anos, no sentido de aumentar exponencialmente a qualidade de vida dos seus habitantes, nomeadamente através de uma forte aposta na requalificação e abertura de espaços verdes, nas bandeiras azuis, que não mais são do que o reconhecimento da qualidade das suas praias, entre outros. Reflexo palpável de uma política ambiental sustentada é o Parque Biológico de Gaia, considerado um dos melhores equipamentos ambientais criados em Portugal. Trata-se de um espaço que, entre outros, é um grande centro de educação ambiental. Um espaço nobre, raro, que procura sensibilizar e educar para o ambiente e a conservação, bem como para o estudo da fauna e da flora. Nos terrenos do Parque Biológico existem viveiros botânicos que 4 | PARQUES E VIDA SELVAGEM produzem anualmente cerca de 300 mil plantas, de mais de 300 espécies diferentes. Em colaboração com o Instituto de Conservação da Natureza, este espaço funciona, também, como centro de acolhimento de animais selvagens, feridos ou encontrados fora do seu habitat. Também na área ambiental, recorde-se, foram construídas ao longo dos últimos anos, 5 ETAR’S (Areinho, Gaia-Litoral, Febros, Crestuma e Lever). Paralelamente a isso, nasceu, em Oliveira do Douro, uma das maiores áreas de lazer de todo o Concelho. O Parque da Lavandeira, infra-estrutura cujo investimento representou cerca de 700 mil euros, disponibiliza agora aos seus visitantes várias opções de lazer nomeadamente, percursos pedestres, jardins temáticos, parques de jogos infantis e zonas de merendas. Faz-se assim o caminho para a qualidade ambiental. Da despoluição de ribeiras e praias, à recuperação de espaços verdes e criação de zonas ambientais, temáticas e únicas. Assim se faz o caminho para a qualidade de vida. editorial Para além de Gaia Nuno Gomes Oliveira [email protected] Director De várias maneiras queremos comemorar os 25 anos passados sobre o início do projecto Parque Biológico. Uma delas é ajudar a desenvolver outros projectos semelhantes, na certeza de que uma rede de equipamentos de contacto com a natureza é fundamental para criar uma ampla base social de apoio à conservação da natureza e defesa do ambiente Por isso, inicia-se hoje um novo ciclo da revista do Parque Biológico de Gaia: deixa de se chamar “Parque Biológico” e passa a designarse “Parques e Vida Selvagem”. Não deixa de ser a revista do Parque Biológico de Gaia, mas abre-se a outros espaços, desde reservas naturais a jardins botânicos, percursos de descoberta da natureza ou, simplesmente, locais e espécies que merecem uma atenção especial. Com este alargamento dos conteúdos pretende-se tornar acessível ao público em geral informação viva e actual sobre os parques e a vida selvagem de Portugal e promover a visita aos sítios de interesse natural. A revista “Parques e Vida Selvagem” irá ocupar um lugar vago no panorama editorial português, o que, estamos certos, será do agrado de muitos leitores. Para que este novo projecto do Parque Biológico atinja os seus objectivos é fundamental a parceria estabelecida com o “JORNAL DE NOTÍCIAS”, que assegurará a publicação e distribuição da revista, que chegará gratuitamente a dezenas de milhares de leitores, por todo o país. Queremos agradecer ao JN e dizer aos leitores que sem a imediata e entusiástica adesão deste prestigiado jornal esta iniciativa não seria possível. Fundamental, para assegurar a viabilidade económica do projecto, é a colaboração dos anunciantes e, neste aspecto, queremos também agradecer a quem, logo neste primeiro número, quis apoiar a revista. Esta ideia de fazer chegar ao grande público um instrumento de informação sobre a natureza é já antiga. Em 2001 o Parque Biológico apresentou ao Pronorte (Programa Operacional da Região Norte) uma candidatura, já nessa altura em parceria com o “Jornal de Notícias”, para edição e distribuição gratuita de uma “História Natural do Norte de Portugal”, a elaborar por algum dos especialistas portugueses mais conhecidos nas diversas áreas científicas. A candidatura não foi aceite por uma série de razões que nunca conseguimos compreender, nem nunca nos conseguiram explicar, residindo a mais patética no facto do Parque Biológico ser uma empresa municipal e, como tal, ter o seu âmbito de actuação reduzido a Vila Nova de Gaia. Entretanto, dúzias de candidaturas de importância discutível foram aprovadas, foram feitos porta-chaves, esferográficas e bonés com apoio comunitário, publicações luxuosas que nunca tiveram distribuição mas que, seguramente, cumpriam as regras dos fundos comunitários. Estamos, sinceramente, convencidos de que a não aceitação da candidatura teve, real e exclusivamente, a ver com o tradicional defeito da nossa administração pública de não fazer, nem gostar que se faça... Ora como gostamos de fazer, e nunca nos contivemos, confortavelmente, nos limites geográficos de Gaia, cá está a revista “Parques e Vida Selvagem” que, se não substitui a “História Natural do Norte de Portugal”, vai divulgar a toda a população muitas informações nesse âmbito e contribuir para uma cultura de natureza, razão, afinal, pela qual o Parque Biológico foi concebido há 25 anos. Uma revista com estas características não é coisa pouca, e seria uma forma condigna de comemorar este aniversário do Parque; mas temos outras novidades para breve. A partir de Maio, já poderá pernoitar na Hospedaria do Parque. As antigas camaratas estão a ser transformadas em agradáveis e confortáveis quartos, de modo a dar resposta às pessoas que, em número crescente, manifestam vontade de passar no Parque um fim-de-semana ou uns dias. Também está em curso a remodelação de toda a imagem e informação do Parque Biológico, a cargo de uma equipa de especialistas: lá para meados do ano serão visíveis as primeiras alterações. A “vergonha” do Parque Biológico, a instalação dos Bisontes-europeus, já começou a ser ampliada e remodelada e, para finais de Maio, estará concluída. Mas porque, como já dissemos, não nos contemos nas fronteiras de Gaia, continuaremos a apoiar outros Municípios e outras entidades, públicas e privadas, na concepção e desenvolvimento de outros parques e equipamentos ligados à natureza. É com alegria que assinalamos o início das obras de construção do Parque Biológico de Vinhais, cujo projecto foi elaborado em Gaia, e que registamos o avanço das colaborações com Torres Vedras, Miranda do Douro, Lamego, Vila Flor e Vila Nova de Milfontes, neste caso, um projecto privado. Aos leitores deixamos este primeiro número da renovada revista do Parque, a quem convidamos a descobrir o Jardim Botânico de Coimbra, a Reserva Natural das Dunas de S. Jacinto, as marinhas de Salreu e muitos outros locais e curiosidades. A revista, que continua a ser coordenada pelo jornalista Jorge Gomes, passa a contar com a colaboração do fotógrafo da natureza João Luís Teixeira e com uma crónica regular do Dr. Jorge Paiva, um conceituado botânico e ambientalista. Esperamos alargar, em futuros números, o leque de colaboradores regulares. Continuaremos a acolher outras instituições e, por isso, há na revista em espaço associativo, que conta com a presença da Tagis (Centro de Conservação das Borboletas de Portugal), da Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves, da Sociedade Portuguesa de Arboricultura e da Associação dos Amigos do Parque Biológico. A publicidade da revista está a cargo do “Jornal de Notícias”, e o seu desenvolvimento é fundamental para garantir a sustentabilidade do projecto, e dar o passo seguinte, que será a passagem para 64 páginas. Por isso pedimos a todos os que virem nesta iniciativa um contributo válido para a conservação da natureza, que nos apoiem sob a forma de publicidade. Claro que a revista está aberta a outras formas de colaboração, desde o envio de textos ou fotos para publicação, até à sugestão de temas ou locais para reportagens, ou à sua opinião que, vivamente, aguardamos. PARQUES E VIDA SELVAGEM | 5 Dias do Parque Mecenato ambiental e educacional O Parque Biológico tem vindo a apelar a diversas entidades para que, ao abrigo da legislação que enquadra o mecenato ambiental e educacional e dos benefícios fiscais que encerra, possam patrocinar o Parque Biológico, mediante o financiamento de um ou mais dias ou semanas de funcionamento deste importante equipamento de educação ambiental. Para além de beneficiarem do prestígio decorrente do patrocínio do espectáculo da natureza propiciado pelo Parque, que poderão, mediante convites, oferecer a clientes, fornecedores ou a quem entenderem, nesses mesmos dias, poderão, também, patrocinar a visita de centenas de crianças das nossas escolas. Isto, numa altura em que as visitas de estudo estão a decrescer fundamentalmente por razões económicas. Nesses mesmos dias, em que se trans- formarão nos Mecenas do Parque, poderão igualmente utilizar as instalações da empresa, nomeadamente o seu auditório, em acções desprovidas de carácter comercial que não colidam com a Lei do Mecenato nem com as normas a que o Parque está sujeito, e se situem predominantemente nas áreas do lazer, da educação ambiental e do desenvolvimento sustentável. As contribuições mecenáticas terão um valor a fixar e serão enquadradas num protocolo de apoio mecenático anual ou de carácter plurianual, no mínimo de três anos, susceptível de renovação e negociação caso a caso, tendo em conta os fins específicos a prosseguir. De acordo com o disposto no artigo 1.º, n.º 1, al. a) e n.º 3 do Estatuto do Mecenato, aprovado pelo Decreto-lei n.º 74/99, de 16 de Março, são considerados custos ou perdas do exercício, na sua totalidade, em sede de IRC, os donativos concedidos às autarquias locais ou a qualquer dos seus organismos, ainda que personalizados, o que é o caso do Parque Biológico, EM. Os donativos são considerados custos em valor correspondente a 120% se destinados a fins de carácter ambiental e educacional ou a 130% quando atribuídos ao abrigo de contratos plurianuais para f ins específicos que fixem os objectivos a prosseguir pelas entidades beneficiárias e os montantes a atribuir pelos sujeitos passivos. Por sua vez os donativos atribuídos por pessoas singulares são dedutíveis à colecta do ano a que dizem respeito, em valor correspondente a 25% das importâncias atribuídas, até ao limite de 15% da colecta, nos termos da al. b) do n.º 1 do artigo 5.º do mesmo estatuto. Em 2006, os seguintes DIAS DO PARQUE são patrocinados por: 21 DE MARÇO 1 DE JUNHO 5 DE NOVEMBRO ver e falar Açucenas-bravas Nem tudo é o que parece. Os botânicos gabam-se da dificuldade da sua ciência, e com razão: as plantas chegaram primeiro à Terra na evolução das espécies e começaram a diferenciar-se mais cedo que os animais. Quando na edição nº 13 desta revista se escreveu sobre uma planta dos lameiros, um habitat protegido por lei, a açucena-brava (Paradisea lusitanica), o leitor José Carlos escreveu-nos em Novembro: «Como sempre leio com muito agrado a vossa revista. Acontece que nesta última chamou-me a atenção a açucena-brava, pois é minha conhecida em Bemposta, no Parque Natural do Douro Internacional. Daí a minha admiração por não constar na listagem das zonas de existência. Pode ser vista em www.bragancanet.pt/bemposta/html/floraldeia.htm». Na resposta, pedimos desculpa, no caso de haver lapso, que nos pareceu estranho dado o cuidado com que se fazem estas páginas. Mas não há infalibilidade! Tirámos teimas. Colocada a questão ao nosso botânico, Henrique Nepomuceno Alves, esclareceu prontamente: «Se a espécie a que se refere é a da foto em questão, não se trata da Paradisea lusitanica (Cout.) Samp. de certeza absoluta. Além de a flor não ser esta, o habitat da foto também não corresponde ao habitat-tipo da Paradisea, lameiros húmidos. A planta que nos enviou é uma espécie de outro género, penso eu pela foto que nos enviou do género Asphodelus, conhecida também em algumas partes do país como abrotea. Se nos enviar uma foto melhor talvez consiga identificar a espécie.» q Paradisea lusitanica Foto: Henrique N. Alves Reserva de dunas No segundo dia deste ano, ainda não sabíamos que nesta edição sairia uma reportagem sobre as Dunas de S. Jacinto, e recebíamos um e-mail do nosso leitor Jorge Rocha, enriquecido, diz-nos, pelas notas do seu filho Rafael, de 12 anos, um apaixonado pela observação de aves. Mapa na mão, palmilhou o percurso de descoberta de natureza desta reserva natural integrada na Zona de Protecção Especial que é a ria de Aveiro, deixa-nos as seguintes impressões: «Visitámos a Reserva Natural das Dunas de S. Jacinto e podemos dizer que foi um bom passeio. Observámos várias aves, principalmente na pateira. Aí, vimos largas centenas de patos das seguintes espécies: marrequinha, arrábio, pato-real, piadeira, frisada e pato-colhereiro. À caça vimos águias-sapeiras e águias-de-asaredonda. Na mata da reserva vimos chapins-reais, chapins-carvoeiros, chapinsde-poupa, chapins-rabilongos, estrelinhas, tentilhões, felosinhas, rabirruivos, piscos-de-peito-ruivo e melros. Além disto, no caminho para a reserva vimos cegonhas e, na ria, algumas garças brancas.»q Foto: Jorge Rocha Pateira da Reserva Natural das Dunas de S. Jacinto PARQUES E VIDA SELVAGEM | 7 fotonotícias Gaivota quarentona? Ao vê-las assim nos rochedos do estuário do Douro, quem diria? Até podíamos aceitar palpites, como uma lotaria: quantos anos viverá esta gaivota? Dez anos? Quem dá mais? Trinta? Quem se segue? Cinquenta? E vai daí, provavelmente ninguém acertava! Graças à informação passível de ser extraída das anilhas aplicadas às aves, informa a Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA) no seu boletim electrónico n.º 100 que em 11 de Setembro foi contactada «pelo IPIMAR», pois tinha sido «encontrada uma gaivota anilhada a bordo do navio «Noruega», em que costumam embarcar os observadores do projecto IBA (Important Bird Areas) Marinhas. A ave encontravase bem, tendo f icado apenas ligeiramente atordoada pelo embate fortuito contra o navio. Após umas horas de repouso e de ter sido registada a respectiva anilha a gaivota foi libertada com sucesso». Depois disso, «o número da anilha foi enviado para a central de anilhagem, o que permitiu saber que esta ave é uma Gaivota-argêntea (Larus argentatus) anilhada no ninho, em Texel, na Holanda, em Julho de 1967». «De parabéns estão os tripulantes do Noruega que, com esta informação, deram o seu contributo para a ciência, e de parabéns atrasados, o referido animal, que este ano perfez a respeitosa idade de 38 aninhos a passear-se pelas costas europeias». q aromas Ele há cada uma! Esta coisa de folhear livros de botânica levanta muitos problemas. Mas no meio dessa floresta de imbróglios surgem dados inesperados. Alguns até são capazes de, num dia de dor de cabeça, levar à risota. Não temos orçamento para lhe oferecer um destes livros, mas podemos folhear algumas páginas… Gonçalo Sampaio, ilustre botânico falecido na década de 1930, não só deixou obra nesta área mas também na etnografia, o que lhe deu direito a monumento de bronze na Póvoa de Lanhoso. No seu livro “Flora Portuguesa”, encontramos riquezas várias, algumas muito pitorescas. Veja isto: se tiver bocas-de-lobo perto de casa, cuidado, não deixe passar ali os 8 | PARQUES E VIDA SELVAGEM pintainhos. A não ser que consiga arranjar um canteiro volante de arranha-lobos. Neste caso, é viável crer que qualquer problema emergente se venha a retrair. Não será problemático pensar que as bolsasde-pastor tenham experiência no assunto… Não seja supersticioso. Isso é coisa da Idade Média, com raízes anteriores à Antiguidade! Dente-de-leão no jardim, só se florir... E Jacinto? Conhece algum? Um amigo, um familiar, um conhecido dos bancos de escola? Bem, se o encontrar, evite a asneira de lhe oferecer um Dipcadi serotinum, não vá ele descobrir que o nome popular dessa planta soa depreciativo: jacinto-serôdio… Compreende-nos, claro. Foi à festa de despedida de solteiro do seu amigo? Se nos disser que ao acordar no dia seguinte sentia martelinhos na cabeça, que Chuchapitos Amor-perfeito Aves marinhas: as mais ameaçadas Libertação de aves marinhas petroleadas recuperadas no Parque Biológico de Gaia: tordas-mergulhadeiras (em cima) e uma fêmea de Pato-negro, o nosso único pato marinho. Foto:Henrique N. Alves Em todo o mundo, as aves marinhas estão a ser entendidas como as que correm maior perigo de extinção a médio prazo. Ameaçadas pela captura acidental em redes de pesca, vítimas da poluição do mar, perdendo áreas necessárias para nidificação ou ressentindo-se da sobrexploração de recursos piscícolas, elas estão ao deus-dará e nem mesmo a legislação que os países mais envolvidos vão publicando parece ser capaz de lhes assegurar um futuro risonho. De cerca de 337 espécies de aves marinhas, no mínimo 97 estão classificadas como seres ameaçados de extinção global. Talhadas para viverem no mar, são excelentes indicadoras da qualidade do meio marinho. Contudo, não dispõem de grande margem de adaptação face a modificações rápidas do meio ambiente, face ao alto nível de especialização exigido em tão duras condições de vida. Portugal é um país que tem grandes responsabilidades nesta área, dada a extensão do seu litoral. q é que lhe havemos de dizer? Bem, ponha-os no quintal, florescem na Primavera. Há também uma planta morta-viva. Como é que lhe chamam? Ah, esta memória já não é o que era… Não é zombie, é… isso, urtiga-morta! Cá para mim querem é enterrá-la viva… coitadita. Há sempre a opção de seguir o mais habitual. Sem ter a trabalheira de se voltar a apaixonar, pode sempre encontrar um amor-perfeito nas melhores condições, sem ter de enfrentar o rolo-da-massa. Boa ideia, não acha? Ai minha nossa senhora, onde é que viemos parar? Já não podemos deixar de lado a erva-loura. Costumamos vêla de permeio com as chuchapitos. Isto para quem não tiver uma vergade-ouro. Bem, agora vamos abrandar. Todos os anos temos saramago. Sem prémio Nobel. Vista de perto, a flor é um luxo de cultura natural. Desta vez não queremos alegação, não queremos nabos, isto para não começarmos a ouvir campainhas… Andar violeta! Até à próxima! q Por Jorge Gomes e Henrique Nepomuceno Alves Violeta-brava Nomes comuns e científicos: Alegação, Smilax aspera Lin. Amorperfeito, Viola tricolor raç. Hortensis DC. Arranha-lobos, Genista berberidea Lge. Bocas-de-lobo, Antirrhinum murale Sal. Bolsa-de-pastor, Bursa pastoris Hill. Campainhas, Campanula lusitanica Loefl. Chuchapitos, Lamium maculatum Lin. Dente-de-leão, Taraxacum officinale. Erva-loura, Senecio coespitosus Brot. Martelinhos, Narcissus cyclamineus D. C. Nabos, Brassica campestris raç. Rapa Samp. Urtiga-morta, Nepeta cataria Lin.. Saramago, Brassica cheiranthus Vill. Verga-de-ouro, Solidago virga-aurea Lin. Violeta-brava, Viola canina Lin. Fonte: livro «Flora Portuguesa» de Gonçalo Sampaio. PARQUES E VIDA SELVAGEM | 9 Foto: Jorge Gomes Na passerelle Um bando de maçaricos-galegos e fuselos resolveu desfilar no campo de golfe de Miramar. Vimo-los pelo menos desta vez, precisamente quando se realizava uma observação de aves em 8 de Maio do ano passado. Agarra que é ladrão! Macho ou fêmea? Claro: fêmea de picapau-malhado-grande!... 10 | PARQUES E VIDA SELVAGEM Ao passarem os grupos de alunos e professores no percurso de descoberta da natureza do Parque Biológico de Gaia, com certeza que indagavam: que raio faria aquela criatura ali? Lápis e papel em punho, câmara fotográfica a tiracolo, imobilizava-se de olhar fixo numa árvore qualquer do bosque. Actividade estranha. Mas não tanto como isso: localizado um ninho de chapim-real na caixa-ninho n.º 42, com crias a poucos dias de saírem do ninho, o vaivém do casal de pássaros não se baldava: que resultados sairiam se cronometrasse alguns minutos as entradas e saídas dos progenitores? À distância recomendada pelo bom senso, assim que um dos pais entrou no ninho, marcou-se o tempo: deu uma média de três minutos cada movimentode entrada ou saída do ninho, sem desdenhar o receio manifestado pela presença humana. Passar não tem impacto, mas ficar expectante, fixo, lembra predador. «Como é que me meti nisto?!», pensa o pai-chapim com uma lagarta no bico Há que manter a casa limpinha, até das fezes dos pintos, para que os cheiros não atraiam predadores C o n t ava m - s e p r e c i s a m e n t e d e z m i n u t o s d e cronometragem e nem acredito: um picapau pousou à boca do ninho – estava à coca! Pousou-se papel e lápis, câmara em serviço, clic, clic, clic... No silêncio do bosque, o predador ouviu: olhou para um lado, para outro, em poucos segundos descobriume e alçou voo para sorte dos pequenos chapins-reais, que tive o prazer de ver dois dias depois já nos ramos em torno da caixa-ninho... q Dois dias depois, as crias alargaram os seus horizontes «Ai que ricas proteínas: venham cá!» diz o picapau sob o olhar invejoso da pega-rabuda «Ai que o cromo estava ali escondido!» e dá às de vila-diogo PARQUES E VIDA SELVAGEM | 11 fotonotícias Incêndios Diversas organizações não governamentais de ambiente* juntaramse e elaboraram um documento que aponta causas e soluções para um flagelo a que infelizmente nos estamos a habituar. Esse texto af irma que os incêndios florestais são facilitados através de causas estr uturais tais como «a inadequação do actual modelo rural às condições de solo e clima de Portugal, dado que a política agrícola e florestal tem privilegiado sistemas monoculturais em detrimento dos mosaicos de culturas, incluindo os sistemas mediterrânicos de uso múltiplo que se revelam mais adequados às características da nossa cultura, solo e clima». Também o «abandono da terra, o despovoamento do espaço rural e o distanciamento entre a população e as actividades agrícolas e florestais, gerados pela PAC e pela ineficácia de apoio a for mas sustentadas de ordenamento rural» dão uma mãozinha a deitar lenha para a fogueira. A isto junta-se uma «insuficiente vigilância e f iscalização das áreas florestais». Por isso, nestas conclusões surge a criação de um Conselho de Acompanhamento da Floresta, entidade que seria envolvida na «definição de uma política agrícola e florestal de longo prazo». As conclusões sublinham a necessidade de incentivar «os sistemas agroflorestais mediter rânicos de uso múltiplo em detrimento de sistemas monoculturais» e aconselham a «profissionalização da gestão agrícola e florestal, apoiando as associações de agricultores, produtores florestais e as empresas agro-florestais, devidamente certificadas». A educação ambiental surge como uma medida capaz de «formar e informar a sociedade na compreensão da ruralidade e dos nossos ecossistemas agrícolas e florestais», conjugada com a regulação do mercado das madeiras ardidas. O feixe de soluções continua e evidencia vantagens no «derrube e manutenção no solo da madeira sem valor comercial para prevenção da erosão», bem como a «recuperação do arvoredo sobrevivente» e «a aplicação das técnicas de restauro ecológico às áreas ardidas em detrimento da mera plantação de árvores». As cinzas de um país a arder ficaram acesas na memória até de quem ainda não se sentiu vitimado por eles. * WWF, QUERCUS, LPN, GEOTA, SPEA e FAPAS. Da floresta tropical ao deserto portfolio A Terra é hoje um mostruário do que a diversidade biológica é capaz de fazer. E apresenta-se com desertos que já foram florestas férteis, como o Sara, e com bosques que virão a ser pasto de areias ao vento. A exposição «Da floresta tropical ao deserto», patente no Parque Biológico de Gaia, lança apontamentos sobre algumas amostras desse património natural da humanidade. A tundra e a taiga, a floresta tropical de monção Bulbul PARQUES E VIDA SELVAGEM | 13 e o mangal, os oceanos e os recifes de coral, as estepes e os rios, os bosques de montanha e de planície, e uma dezena de outros tantos biomas são apresentados em painéis ilustrados. Mas a curiosidade dos visitantes detém-se mais na recriação de uma parcela de floresta tropical com um lago, onde várias aves exóticas se ocultam e mostram, penas coloridas iridescentes, sobre um lago emoldurado de profusa vegetação. Se não conhece ainda, passe no Parque Biológico e sente-se ali. Olhe os comportamentos pitorescos desses animais, compare-os com os da nossa espécie, divirta-se e aprenda. Esta mostra inspira-se na Convenção sobre a Diversidade Biológica (ONU, Rio de Janeiro, 1992.6.5) que assinala a importância da conservação e sugere este tema seja incluído nos programas educacionais. Em imagens de horas e horas de trabalho, João Luís Teixeira fez o trabalho de casa para si e revela-lhe este portfolio… Diamante-cauda-de-fogo Jancana Ralideo exótico Turaco 14 | PARQUES E VIDA SELVAGEM Mandarim Melro-metálico PARQUES E VIDA SELVAGEM | 15 Pisco-de-peito-azul Rolas-do-mar parques de Gaia Texto: Jorge Gomes Fotos: João Luís Teixeira Estuário do Douro: à mão de semear Palco de alimentação e repouso de muitas espécies, este local recebe a visita de observadores de aves, armados de telescópios e binóculos Está prevista a criação de um parque no vale de S. Paio, em frente ao cabedelo do rio Douro. Sob os cuidados do Parque Biológico de Gaia, será também um refúgio da vida selvagem. Para já, entre Gaia e Porto, este estuário desfia inúmeras histórias com protagonistas variados. As grandes garças-reais são habituais. Mesmo quando o Inverno se despede, os indivíduos que não se deslocam para território de reprodução, mais a Norte, dispersamse por este sítio tecendo as suas danças vitais entre sol e chuva. As rolas-do-mar, mais pequenas, catam bivalves entre a areia banhada pela espuma das ondas. O bico é uma ferramenta forjada à medida desse nicho de sobrevivência. Mais fáceis de ver quando voam, os guarda-rios pousam num barco, numa pedra ou num poste, e deitam o olho à água: vencem melhor que os humanos o efeito-deespelho e miram os cardumes que fazem da baía de S. Paio uma importante maternidade. Os maçaricos-das-rochas são também frequentes. Bicando aqui e acolá, quando repousam desvanecem-se entre os juncos, os biombos da sua tranquilidade. E as gaivotas? São mais que muitas. Nalgumas, fisgar a espécie certa deixa dúvidas. Mas encontram-se ali surpresas menos habituais: já viu ao vivo um pisco-de-peito-azul? Observação de aves no estuário do rio Douro na manhã de 4 de Fevereiro, sábado, actividade aberta ao público. Foto de Jorge Gomes 16 | PARQUES E VIDA SELVAGEM Pilritos Guarda-rios Garças-reais Lavandeira: lazer para todos os gostos Próximo da principal avenida de Gaia, o Parque da Lavandeira ganha popularidade à medida que a população mais o visita. Entre os principais atractivos encontramse os jardins temáticos e as estruturas de exercício, como espaldares, jogo do galo, entre outros. Todos parecem ter um íman apontado aos visitantes e, os petizes, mais leves está a ver?, não lhe resistem: passando ali, ficam retidos, até que os pais acabam por conseguir, reunindo os esforços adequados, arrancá-los de novo para o percurso. Mas, ao que consta, nem por isso deixam de ser reincidentes, e não passam muitos dias, ali estão de novo, como que a marcar ponto... Jardim das suculentas Foto: Jorge Gomes PARQUES E VIDA SELVAGEM | 17 parques de Gaia Dunas da Aguda: fauna e flora Fotos: Henrique N. Alves e Jorge Gomes Num relance, a duna parece um minideserto. Verdade, até um certo ponto. Mas se é assim, à borda do mar, palpita de vida. Afoito, acelera o caracol: o passadiço de madeira que serve os visitantes do Parque de Dunas da Aguda pode ser perigoso! Nesta manhã enevoada, a preocupação com os dragões verduscos que ali deambulam é irrisória. Não estamos na época de cio… O que pensaria um caracol de tudo isto? Ai se estivéssemos entre Maio e Agosto! Até nas noites mais quentes muitos irmãos caracóis seriam colhidos por aquelas bocarras e levados para o buraco das feras. As nossas conchas contam histórias a que os humanos chamam cadeia alimentar. Nós, os caracóis, batemos é palmas de contentes quando eles rabeiam e fogem dos cães que têm a ideia de se vir passear aqui. Mas… também pagamos o preço: não sei por que carga de água aqueles bichos peludos têm o vício de verter águas por todo e qualquer motivo: já não somos poucos os que levámos com regas dessas! E as plantas também já EXPOSIÇÃO DE FOTOGRAFIA Chapeleta 18 | PARQUES E VIDA SELVAGEM Até 28 de Abril está aberta ao público uma mostra de fotografia sobre o Parque de Dunas da Aguda. nos disseram que não gostam. É, não gostam nada, nem quando estão com muita sede. Ah, as plantas! Essas é que são amigas! Tenrinhas… quando a folha é nova. Certo é que podiam ser mais doces algumas! Mas a cavalo dado não se olha o dente nestas dunas. Casa, mesa e roupa lavada pela chuva e pelo orvalho, cada um na sua viagem, é o que nos dão os cardos-marinhos e o lírioda- praia, o murrião e o estorno, a perpétua-das-areias e as silenes, entre muitas outras. E os que têm penas, com peito branquinho, andar manhoso? Sorte nossa não nos ligarem nenhuma, esses borrelhos! Daquele tamanho, davam-nos cá um desbaste se o apetite lhes abríssemos... Ainda bem que gostam de ir à praia! Poça, no que eu fui falar! E os melros? Os facínoras: com tanto espaço terra adentro, até aqui nas dunas tinham de vir petiscar-nos… Mas, bem vistas as coisas, não temos assim tanto do que nos queixar. À nossa escala, há lá melhor vida do que andar a namoriscar e a comer nestas dunas abençoadas!... OBSERVAÇÃO DE AVES Ninho de borrelho Nos domingos 2 de Abril e 7 de Maio, às 10h00, há observação de aves selvagens neste Parque de Dunas. Sardão-ocelado Fotos: Jorge Gomes Aconteceu no Parque O Carnaval foi o epicentro de um variado núcleo de actividades nas páginas mais recentes do calendário. Desde as Oficinas de Carnaval, em 27 de Fevereiro e 1 de Março, até às Máscaras da Natureza, programa voltado para as escolas, uma data de petizes divertiram-se à grande e aprenderam a fazer máscaras em função da época, inclusive com a colaboração de militares da serra do Pilar. Foto: André Morais Agenda O Parque Biológico de Gaia dá nota do seu programa de actividades para os próximos tempos no concelho de Gaia e até no Alentejo. Aqui, trata-se de uma mostra fotográfica que abre em 6 de Maio. DAS ÁRVORES DO PARQUE BROTAM FOLHAS E POEMAS Mostra ao ar livre alusiva ao Dia Mundial da Poesia e Dia da Árvore. Até 28 de Abril. OBSERVAR OS ASTROS Nas noites de 3 e 22 de Março, 4 e 20 de Abril, das 21h30 às 23h30, poderá observar com telescópio Lua e astros, desde que as condições atmosféricas o permitam. SÁBADOS NO PARQUE Todos os primeiros sábados de cada mês invariavelmente há um programa especial dedicado aos visitantes: participação num atelier de educação ambiental, palestra, visita guiada, percurso de observação de aves selvagens. Feira de produtos de agricultura biológica aberta todo o dia. BRUXAS FOTOGRAFADAS Que têm a ver as borboletas da noite com bruxas? Mas certo é que lhes chamam isso, OFICINAS DE PRIMAVERA Para crianças e jovens dos 7 aos 15 anos. Funcionam de 3 a 7 e de 10 a 13 e 17 de Abril, das 9h00 às 17h30. É possível optar por um ou mais dias de actividades. Inclui o acompanhamento, as refeições e o seguro. OBSERVAÇÕES ORNITOLÓGICAS NO PARQUE DE DUNAS DA AGUDA Dia 2 de Abril, às 10h00, com binóculos e telescópios, surpreenda-se com as espécies de aves do litoral que ali se abrigam, nomeadamente os borrelhos. NOITES DOS PIRILAMPOS De 11 a 17 de Junho, às 22h00. Desde que não chova, os vaga-lumes nunca desapontaram os visitantes. Nessa altura, haverá simultaneamente observações astronómicas. CONCURSO DE FOTOGRAFIA A revista PARQUES E VIDA SELVAGEM lança o seu concurso de fotografia da natureza. Mais: [email protected] RECEBA NOTÍCIAS POR E-MAIL Para saber das suas actividades a breve prazo, o Parque Biológico sugere uma visita frequente a www.parquebiologico.pt ou peça-as por e-mail. LITORAL NORTE: CONGRESSO Em 20 e 21 de Maio no auditório do Parque Biológico de Gaia decorre um evento subordinado ao tema «Litoral Norte: evolução recente e perspectivas para um futuro». Do programa constam palestras sobre a evolução da orla costeira, recursos piscícolas, etc., e visitas de campo ao litoral. E-mail: [email protected] PARQUES E VIDA SELVAGEM | 19 parques de Gaia Ecoturismo: lagoas de Quiaios Perna-longas nas Salinas de Aveiro O Parque Biológico de Gaia propôs uma ida a Quiaios, em 21 de Janeiro. Um grupo de aderentes alinhou Época forte em várias espécies de patos, que se refugiam nas lagoas das Braças e da Vela no Inverno, foram o pretexto para uma aprazível viagem temática entre Avintes e Quiaios. Mas nem por isso se deixou de alargar os assuntos: garça-branca-grande e galeirões, pato-trombeteiro e marrequinhas, zarros e mergulhão-anão também marcaram pontos, numa deslocação que teve paragens já previstas nas salinas de Aveiro, Tocha e nas lagoas. No percurso pedestre das dunas de Cantanhede, houve comentários de geologia e botânica, pegadas que foram analisadas, e paisagens extraordinárias deste país pequeno mas imensamente rico na sua diversidade. Outras saídas de campo estão previstas na agenda desta empresa municipal, nomeadamente uma ida à Serra da Coroa, em Vinhais, em 13 e 14 de Maio. q Fotos: Jorge Gomes Lagoa da Vela: diante de grandes espaços como este espelho de água, os telescópios e binóculos são muito úteis Lagoa da Vela Revelações sobre a flora circundante parques de Gaia No Parque Biológico há um Centro de Recuperação de Animais Selvagens que funciona 24 horas/dia. Se encontrou um animal ferido, porte-se bem: 1.º Manipule-o sempre com luvas. 2.º Envolva o animal numa peça de roupa escura, de maneira que ele não veja o que se passa à volta dele, o que fará com que se mantenha calmo. 3.º Coloque-o dentro de uma caixa de cartão, com papel absorvente no fundo, adequada ao seu tamanho. 4.º Deixe-o num local calmo. 5.º Não o coloque numa gaiola ou jaula, pois agravará os seus ferimentos e, sendo o caso, danificará a sua plumagem. 6.º Não lhe dê nada de comer ou beber sem antes telefonar para o Centro de Recuperação mais próximo. 7.º Com mais de dois dias sem cuidados e tratamento adequado, um animal com uma fractura ou outro ferimento grave dificilmente poderá vir a ser de novo reintroduzido na vida selvagem – entregue-o o mais depressa possível. 8.º Não tente dar cuidados que poderão deixar sequelas. 9.º Se por acaso for um animal mais jovem, não tente criá-lo, pois privá-lo-á da sua autonomia e de um dia poder ser devolvido à liberdade com êxito. 10.º Os procedimentos a tomar, no caso de ser um animal mais jovem, são iguais aos dos adultos, tente é transportá-lo até ao Centro de Recuperação mais próximo rapidamente, a fim de prevenir carências invalidantes. q Um esquilo e um ouriço-cacheiro entregues no Parque Biológico de Gaia redescobriram os caminhos para a liberdade no passado mês de Fevereiro. O esquilo tinha sido encontrado na Maia, numa rua, possivelmente atropelado. Diagnosticada no Parque Biológico de Gaia uma fractura na bacia, feito o tratamento e estando recuperado, foi solto, subindo logo à segurança dos grandes carvalhos. Um ouriço-cacheiro, chegado com uma valente mordidela no Outono passado, também foi solto na mesma altura, com a diferença de, em vez de subir, assim que se viu a uma distância segura do ser humano, procurou o mato rasteiro, ligeirinho, e foi à vida dele. q Foto: Jorge Gomes Moldar a pesca Texto: Jorge Gomes Fotos: João Luís Teixeira A Estação Litoral da Aguda é conhecida do grande público como um local onde se pode ver parte da fauna marinha do litoral português Mas para além desses quadros vivos, motivadores da protecção dos recursos marinhos, esta estação litoral proporciona aos seus visitantes outras mostras, como o Museu das Pescas. Mais recente, no piso superior encontra-se uma exposição em que o barro molda o mar: «Pesculturas». Ocupando mais de 30 metros quadrados, uma mão-cheia de esculturas sobre a pesca artesanal prendem o olhar pela luz, pela textura e pela acção dos personagens. «O barro é uma substância mágica, um espelho do espírito. Trabalhar com barro foi uma área nova que me deu a possibilidade de transmitir conhecimentos sobre a pesca artesanal usando uma linguagem diferente», afirma o autor, Mike Weber. E continua: «Vejo, através da reacção das crianças e dos adultos, que uma cena em barro é mais tangível e real do que um desenho ou uma fotografia. As cenas transmitem a vida real dos pescadores, mostrando as suas artes e utensílios conforme o tipo de pescado». q PARQUES E VIDA SELVAGEM | 21 Ria de moliceiros Se ela já não existisse, seria preciso um talento impossível para conceber uma ria de Aveiro. E, depois disso, ainda mais talento para a edificar. A natureza soube fazê-lo a tempo de nos oferecer por várias gerações essa maravilha paisagística que muitos reconhecem ser necessário preservar Não vai lá muito tempo e Ovar tocava a fímbria das ondas. O mesmo para Estarreja, Mira ou Tocha. Mas uma progressiva deposição de areias paralela à costa entre os séculos X e XVII criou uma rede de esteiros, onde o mar instalou sapais coroados de diversas riquezas, atraindo as populações humanas. A ria espreguiça-se de Ovar a Mira, ao longo de 45 quilómetros ocupando uma área de 11 mil hectares. Ao olhá-la encontra paisagens de sonho, a perder de vista. A generosidade desta grande lagoa dá guarida a ilhotas, paraíso de aves que retiram alimento da vaza das marés impostas pelo oceano, a cujo manancial se junta água doce de rios como o Vouga, o Antuã e outros. Maternidade de muitas espécies de peixes com óptimo valor comercial, tremelica com ameaças como a poluição ou a drenagem de terrenos. Na ria de Aveiro a luz brinca consigo própria hora a hora e as estações inventam cores, texturas e atmosferas, relançando o interesse deste grande espaço natural. Com um potencial brilhante para um ecoturismo interessado na conservação da natureza, nesta reportagem cingimo-nos a dois pólos, na certeza de que há muitos mais: a Reserva Natural das Dunas de S. Jacinto e o percurso de Salreu. Fotografia: João Luís Teixeira 22 | PARQUES E VIDA SELVAGEM PARQUES E VIDA SELVAGEM | 23 Dunas de S. Jacinto: reserva natural De um lado o oceano Atlântico, do outro um dos braços da ria. Ali, quando a espuma branca das ondas se esvai na areia, erguem-se as dunas de S. Jacinto, 700 hectares de área protegida... Texto: Jorge Gomes Fotos: João Luís Teixeira Além das ondas vêem-se ao telescópio grandes bandos de pato-negro. Só no Inverno se avista. Quando o tempo promete aquecer voam de noite para o território de reprodução, a imensa tundra do Norte da Europa. Mas no nosso frio, diante das dunas, coabitam com bandos de outras espécies como as tordas-mergulhadeiras e os gansospatolas, que caem do céu como mísseis sobre os cardumes empurrados para a superfície por golfinhos e outros predadores aquáticos. 24 | PARQUES E VIDA SELVAGEM As ondas anunciam-se e desfalecem brancas na areia. Na zona entre marés, pilritos e borrelhos, rolas-do-mar e ostraceiros catam moluscos, cada um com o bico transformado num instrumento de perícia. Ao erguerem a cabeça vêem o cordão dunar coroado de plantas. Numa praia, a xávega marca pontos. Esta arte de pesca, típica do sítio, assenta num barco robusto desenhado para lidar com uma costa rectilínea e de ondas vigorosas. As redes regressavam do mar ao ritmo de juntas de bois. Hoje são os tractores quem as arrasta. Jardins espontâneos E as dunas que dão nome à reserva? Primeiro eram só areia, e muita! Até que uma planta, ínfima, espreitou. A raiz piscou o olho à escuridão em baixo, tímida, e afundou. À superfície, depressa os grãos de areia engraçaram com a planta, e por ali ficaram. O 25 reportagem Foto: Henrique Nepomuceno Alves Xávega: uma arte de pesca singular Pilritos: numerosas aves limícolas dependem da zona entre marés para se alimentarem, sejam residentes ou migradoras vegetal cresceu, propagou-se. A duna aumentou. Agora a paisagem é um regalo: na Primavera as flores dizem olá ao céu azul e enchem de aromas doces a atmosfera. Além de uma linda paisagem natural, as dunas são a primeira linha de defesa do litoral. Absorvem a forte energia do mar, limitando-lhe a progressão, defendendo bens de quem vive além delas. Nesses sistemas arenosos, o estorno, a planta estruturadora deste ambiente, imita os prados. Ao vento, ondula como uma seara cheia de sustento, e dá condições de vida para que outra flora com ele conviva. O cardo-marinho e a perpétuadas-areias, o murrião e a soldanela, o narciso-das-areias e o cordeiroda-praia, entre muitas outras plantas, erguem canteiros espontâneos. O amarelo e o lilás, o branco e o rosa salpicam de alegria a paisagem na altura de desabrochar. Desabrochadas ou não, estas plantas com notáveis estratégias de sobrevivência atraem insectos, um manjar para anfíbios, répteis, aves e até mamíferos. Ocorrem nesta reserva 19 tipos de habitats naturais, sendo alguns prioritários, segundo a Directiva Habitats, a lei de origem comunitária que obriga à defesa destes sistemas. À medida que se caminha para o interior as dunas cinzentas apresentam espécies como a camarinha, o medronheiro e o Foto: Henrique Nepomuceno Alves Cardo-marinho Perpétua-das-areias Murrião Foto: Henrique Nepomuceno Alves Foto: Henrique Nepomuceno Alves Silene PARQUES E VIDA SELVAGEM | 25 samouco. Nativas, entre eles, dãose bem a doninha e a raposa, a gineta e os ratos-do-campo ao som dos chapins e dos piscos. Búteos e açores batem ali território na mira da própria sobrevivência. Nos anos em que a chuva não escasseia, os charcos primaveris atraem nas noites de Março e Abril grupos de sapos, rãs e tritões quando toca a reproduzir. Fieiras de ovos transformam-se em girinos cuja metamorfose para adulto se deve completar antes que a água escoe. Há também muitas acácias, um erro dos anos 20 difícil de emendar que tinha em vista fixar mais ainda os terrenos arenosos. As acácias, oriundas da Austrália, depressa se revelaram invasoras, com pendor degradante no que toca aos ecossistemas nativos. Os pinheiros-bravos marcam posição. Foram plantados há mais de um século para fixar o imenso areal que era esta área. Hoje engalanam-se de líquenes de belo efeito, indicadores do ar puro. Ouvir a pateira Ao longo da vida desta reserva houve vários incêndios. Num deles, os gestores resolveram escavar num local queimado uma pateira. Hoje, mais no Inverno, anatídeos como o pato-trombeteiro e o zarro, o patoreal e a marrequinha, entre outras espécies, refugiam-se nesse lago em invernada. É uma fuga dupla: quando voam das áreas de reprodução no Norte europeu para Sul no tempo frio; quando abre a caça na ria de Aveiro. Nos dias do gatilho, que recaem na área exterior à reserva natural, é proibido o acesso a esta área protegida. Há presenças menos sossegadas que basta estarem ali para afugentar as aves, empurrandoas na direcção das armas. Na pateira há um observatório destinado aos visitantes cujo preâmbulo são as tabuletas de silêncio. Só com este parceiro se consegue contemplar mais de perto aquele espelho-de-água pontilhado de luz e de sons, de margens 26 | PARQUES E VIDA SELVAGEM Os líquenes que engalanam os pinheiros são indicadores da pureza do ar nestas dunas No Inverno a pateira criada na Reserva Natural de S. Jacinto acolhe milhares de patos, na sua maior parte migradores bordadas a salgueiro e demais vegetação ripícola, sem fuga imediata. A não ser desta maneira, haverá milhares de asas a baterem penas com penas, rumo a distâncias seguras. A regra é clara: voar primeiro, depois ver se valeu a pena. Um ruído mínimo causa debandada, o fecho de notas de uma canção épica que seria pena deixar de ouvir. Sem ruído, ao escutar o piar destes bandos percebe-se que é coloquial. O mesmo burburinho que nos dá tranquilidade produz igual efeito nestes animais gregários. O número ajuda à sobrevivência quando alguma rapina pica sobre a pateira – as hipóteses de fuga são optimizadas no grande grupo... Mas há mais para ver. O melhor é meter-se ao caminho e palmilhar algum dos percursos que a Reserva das Natural das Dunas de S. Jacinto criou para si. q RESERVA NATURAL DAS DUNAS DE S. JACINTO Percurso aconselhado Trilho fácil de 6 km entre a ria de Aveiro e o mar que dura cerca de 2h30. Parte-se do Centro de Interpretação da Reserva Nacional das Dunas de S. Jacinto que também vai ser a meta. Nas dunas, um passadiço de madeira protege-as do peso dos visitantes, permitindo-lhes apreciar a vegetação e a morfologia do terreno. Os serviços facultam duas visitas guiadas por dia, com n.º máximo de 25 participantes e pedem marcação prévia. Morada: Centro de Interpretação Estrada Nacional 327 3800-901 S. Jacinto Telefone: 234331282 Aberto todos os dias excepto quintas-feiras, domingos e feriados das 9h00 às 12h00 e das 14h00 às 17h00. Passadiços sobrelevados, incluídos nos percursos pela reserva, protegem as dunas do pisoteio Piadeiras Um búteo ao entardecer PARQUES E VIDA SELVAGEM | 27 breve Anfíbios: bioindicadores Sapos, rãs e salamandras são animais que se posicionam na evolução das espécies entre os bichos aquáticos e os terrestres, o que é o mesmo que dizer, grosso modo, entre peixes e répteis. A pele permeável é especialmente sensível a problemas causados pelos raios ultravioleta, que se excedem tanto mais quanto maior o buraco do ozono. O mesmo quando a poluição ataca. Na revista «Nature», de Janeiro, lê-se que, segundo um estudo recente, a subida das temperaturas propicia e acelera o desenvolvimento de um fungo nocivo. O sobreaquecimento global aumenta a nebulosidade, o que cria condições propícias ao desenvolvimento de fungos. Num estilo à faroeste, adianta Alan Pounds, do Centro de Ciência Monteverde, na Costa Rica: «A doença é a bala que está a matar os animais, mas são as alterações climáticas que accionam o gatilho». Esta investigação conclui que o dito fungo, que vive na pele dos anfíbios, pode estar a causar mortes por todo o planeta. A zona tropical do continente americano é apenas uma das muitas regiões que registaram perdas dramáticas de anfíbios nas últimas décadas. Um terço das espécies até agora conhecidas está ameaçada de extinção. Pounds quer crer que as conclusões da sua equipa levem à atitude correcta: «Há que reduzir a concentração de gases com efeito de estufa rapidamente se quisermos evitar perdas maciças da biodiversidade». Tritão-de-ventre-laranja Foto: Jorge Gomes clic Texto e foto: João Luís Teixeira Como se fez... Um dia de sol a fotografar à beira-mar é das melhores coisas a que um fotógrafo pode aspirar. Longe dos clientes monótonos que não sabem o que querem, e ainda longe dos cheques que já têm semanas de atraso, o mar consegue transmitir sempre aquela paz de espírito tão necessária às grandes fotografias Passei a tarde a tentar “encontrar” o guarda-rios. Sabia onde se escondia no meio do junco e aguardava por ele. Entretanto fui fotografando toda a bicharada que passava em frente à objectiva: patos-reais, felosas, cartaxos, melros, gaivotas, uma garça-real que decidiu aparecer para fugir logo de seguida. As histórias seguem-se durante a espera. A gaivota refilona barafusta com todos os vizinhos enquanto refresca a cabeça, talvez para não a perder. O pato não deixa descansar a pata, a perseguição intensifica-se até se distanciarem a perder de vista… Entretanto, inevitavelmente começo a perder a luz. Anoitece e vislumbro já o início do pôr-do-sol… E agora: vou embora ou fico? Praticamente não tenho luz para fotografar… Em primeiro lugar vou dar os dados do equipamento com que fotografava: Canon 20D, lente 100-400 F4-5,6 IS L, conversor Canon 1,4x, tripé 055 da Manfrotto e cabeça 3D 141RC também da Manfrotto. Dito isto, e já que até ao momento do pôr-do-sol estava a usar uma velocidade bastante alta congelando todas as imagens que captava (utilizava cerca de 1/750s com 560mm de distância focal a F8 e 400 ISO), optei por fazer outro género de fotografia, ou seja, retirei o conversor e reduzi tanto a sensibilidade do rolo para 100 como a abertura da lente para F16; agora tenho tempos muito longos de cerca de 1/45s ou 1/15s conforme a zona de luz ou sombra. Posso fazer panning (seguir algo a deslocar-se com o fundo parado), manter a lente apontada para algo quieto para o fundo (água) f icar mais difuso… Entre várias, havia uma felosa muito irrequieta sempre a saltar de um lado para o outro. Quando parou apressei-me a focar e a fixar a lente na direcção dela. Consegui disparar ao mesmo tempo que a ave decide mudar de ramo mais uma vez. O baixo tempo de obturação fez com que o movimento das asas e da cauda ficasse registado, assim como permitiu à água um aspecto mais aveludado. De todas as fotos que fiz nesse dia, escolhi esta talvez como sendo a melhor. Um momento! Se tiver fotografias que queira melhorar ou ver comentadas, por favor envie-as para: Revista «PARQUES E VIDA SELVAGEM» Fotografia | «Espaço do Leitor» Parque Biológico de Gaia 4470-757 AVINTES PARQUES E VIDA SELVAGEM | 29 reportagem Salreu: uma pérola na ria Se gosta de espaços naturais, com plantas notáveis e uma fauna surpreendente, vai querer conhecer este percurso, ao pé de Estarreja. Nesta área o labor agrícola vive lado a lado com a vida selvagem. Como as águias-sapeiras e as garças-vermelhas que ali nidificam, este sítio tem asas para subir. A cegonha-branca está sempre a chegar, mesmo quando os íbis-negros estão de partida para o delta do rio Ebro… O percurso de Salreu já existe desde Maio. Tem oito quilómetros, está bem sinalizado e deve ser percorrido a pé ou de bicicleta. O centro de interpretação deste percurso está projectado. Pensa-se que venha a abrir ainda este ano. Mas já há muitos visitantes, inclusive estrangeiros. Dinamarqueses, alemães, ingleses têm dito: Então isto não é um parque natural? E não percebem… Estivemos em Salreu e verificámos que a cada trecho voa uma águiasapeira, a rapace mais dependente de Bando de íbis-negros: vistas as anilhas conclui-se serem oriundos do delta do rio Ebro, em Espanha 30 | PARQUES E VIDA SELVAGEM zonas húmidas da nossa fauna de permeio com várias espécies de garça, colhereiros, abibes, narcejas e até picanços, sendo certo que o que mais surpreendeu foi o bando de íbis-negros que escolhem esta zona húmida no tempo mais frio do ano. Para já, há muito trabalho. Rui Brito, biólogo, e António Pereira, químico, explicam: «Estes caminhos já existiam. Limitámo-nos a infraestruturá-los». Resultou: a aprovação da natureza garante esse estatuto no horizonte – alçar o sítio a Área de Paisagem Protegida. Proposto para a Rede Natura 2000, o projecto Bioria, que o anima, quer apoiar as populações locais através de várias medidas. Uma delas é a certificação de qualidade de alguns dos seus produtos: o arroz e a raça bovina marinhoa. Este cereal não consegue concorrer com os preços asiáticos e não interessa que essa actividade agrícola se degrade aqui. Também o turismo ambiental é uma aposta firme, já que são cerca de 20 quilómetros de frente de ria que o concelho abrange. Se de momento Não são poucas as cegonhas que no Inverno trocam o regresso a África por Salreu Aqui, os pauis vivem lado a lado com os sapais da ria de Aveiro PARQUES E VIDA SELVAGEM | 31 Mapa do percurso de Salreu Um búteo mira oportunidades que venham a surgir Águia-sapeira As garças-boieiras não dormem quando toca a aproveitar vantagens Bocage: um habitat a favor da biodiversidade que depende do homem A raça marinhoa, típica da região, caminha para a certificação de qualidade não há f inanciamento para a construção de alguns passadiços sobre as áreas alagadas, o projecto não deixa de avançar passo a passo. Estudos de ecologia, dos solos, plano de ordenamento e gestão, actividades de educação ambiental e divulgaçãóprio concelho, além d a s a c t iv i d a d e s t r a d i c i o n a i s existentes ou já extintas, são as traves-mestras do trabalho ali desenvolvido hoje com o apoio da Câmara Municipal de Estarreja. Estarreja ou Cacia? O mau cheiro conhecido de quem transita pela auto-estrada Porto-Lisboa ali não se sente: «O odor não é de Estarreja, é de Cacia», diz António Pereira. Ambos os técnicos procuram dialogar com a população local, «explicando a sensibilidade destes sítios. Não definimos regras, só pedimos às pessoas que continuem a trabalhar os campos». Para além da cultura do arroz, habitual na freguesia de Salreu, há a agricultura no bocage, característica da freguesia vizinha de Canelas. Este modelo é típico da região do Baixo Vouga Lagunar e liga-se a uma forma de exploração agrícola familiar nas zonas húmidas. São terrenos agrícolas pouco extensos, atravessados por valas e canais usados para rega. Rodeados por sebes vivas de amieiros, salgueiros, carvalhoalvarinho e por silvados, roseiras, madressilvas, são locais de refúgio, PARQUES E VIDA SELVAGEM | 33 reportagem Jardim Botânico de Coimbra: o primado das plantas Neste espaço as histórias saem como cerejas, umas atrás das outras. De plantas e árvores, e também de pessoas. Ao lado da Universidade de Coimbra, o visitante depara com um universo maravilhoso de engenho natural recolhido um pouco por toda a Terra. A botânica abre aqui algumas páginas do seu livro de surpresas… Nove graus ao meio-dia. Tempo nublado, uns pingos de chuva. Neva nas terras altas. Pisamos os caminhos de um jardim cheio de história, onde não há distracção possível diante de dois seres especiais: o guia, Jorge Paiva, botânico, e uma figueira exótica (Ficus macrophylla) com qualquer coisa de engenharia nos genes – à medida que se expande, lança ramos (espeques) com raízes aéreas em direcção ao solo como vigas a suportarem extenso ramo horizontal. Árvore australiana de lodaçais, esta com apenas 120 anos, não esconde a base firme com boa parte das raízes a estenderem-se à vista no solo. «Há uma de outra espécie próxima, na Índia, que envolve uma aldeia inteira», adianta o professor. Nada assim tão grande cabe nas estufas deste jardim. Ali entrados, muda a luz, impera o cheiro a humidade. «O que é que nasceu primeiro: a raiz, o caule ou a folha?», pergunta Jorge Paiva. Aqui há gato. Caladito, fui salvo: «Algumas plantas primitivas, só conhecidas através de fósseis, eram só caule», afirma enquanto mostra um vegetal de f ilamentos verdes sarapintado de a m a r e l o . « Po s s u í a u m c a u l e subterrâneo para segurar um caule aéreo. Se era fotossintética, o caule tinha de ser verde. Apareceu nos Trópicos! E temo-la cá cultivada». É o Psilotum nudum. Professor universitário aposentado, Jorge Paiva dá o mote: como se fôssemos alunos, é necessário manter todas as hipóteses em aberto. A presunção de sabedoria engana mais do que a ignorância assumida e, assim, as ideiasfeitas continuam em derrocada: «Ouvese que a clorofila só aparece nas folhas e nos caules. A raiz é subterrânea, não tem clorofila». Aponta acima da cabeça as extremidades que saem de um vaso suspenso com pontas verduscas, na verdade raízes aéreas: «Olhe-as aqui! Claro: na floresta tropical existem nas O Jardim Botânico de Coimbra fica próximo à Universidade, junto aos Arcos do Jardim 36 | PARQUES E VIDA SELVAGEM plantas epífitas que nascem sobre os ramos das árvores». Um cafeeiro, pouco mais alto que um homem, já deita fruto. Um, vermelho, pode comer-se. É doce e tenro! Arbusto nativo da Arábia e da África Tropical. Insectos na mira Esta estufa é do século XIX. Jorge Paiva abre uma câmara fechada. O bafo a humidade aumenta. Plantas carnívoras: um tapete de diversas espécies onde meter o nariz dá direito a mordidela! O guia sorri e com vivacidade aponta alguma da vegetação que, por viver em solos pobres em nutrientes, se adaptou passando a nutrir-se dos insectos que aprisiona e digere. São minorcas. Uma das maiores, Sarracenia purpurea, do Canadá, parece até ter vasos sanguíneos, no bojo raiado de vermelho. «Agora estão pouco activas: é do frio». Entre outras, autênticas armadilhas naturais, as orvalhinhas (Drosera spp.) saltam à vista. Todas estas vivem de pequenos insectos, menos uma espécie que come pequenos alevins, aqui ausente: «Vêem-se nos pântanos. O peixito penetra nela e depois já não consegue sair». Pisamos agora caminhos a céu aberto… com nuvens. Jorge Paiva tinha avisado que o Inverno não era melhor altura do ano para visitar este jardim, mas nem por isso a visita é menos fascinante. Superados alguns degraus, passamos ao lado de uma trepadeira num muro: «Isto é uma figueira!». Quem diria? «Há cerca de 800 espécies de figueiras». Subimos. Passam carros ao lado, na rua. Paramos num eucalipto invulgar – tronco liso, pálido, parece polido: «Este é um eucalipto muito engraçado, querem ver?». A placa dá-lhe um nome que faz soletrar o leigo como quando estava na escola primária: Corymbia citriodora. Nativo de Queensland, na Austrália, são mais de 500 espécies, deste género. Jorge Paiva apanha do chão uma folha da árvore enorme. Quebra-a. Apesar de ressequida, ainda exala Jorge Paiva é um cicerone brilhante: garante que esta figueira exótica (Ficus macrophylla) conta cerca de 120 anos apenas... um aroma que lembra limão! «Este eucalipto é matéria-prima do sabonete com cheiro de limonete». De per meio, uma ár vore geometrizada sugere: «Uma destas araucárias prova que a América do Uma das plantas carnívoras que vivem nas estufas PARQUES E VIDA SELVAGEM | 37 Jorge Paiva trata por tu cada espécie, sendo todas, para nós, ilustres desconhecidas: aqui mostra o feto Asplenium daucifolium Nas estufas encontram-se inúmeras plantas e árvores Um dos vários lagos do jardim encimado por Luís Carrisso, um dos directores da história do jardim Na mata, o bambuzal (Phyllostachys bambusoides) Sul e a Austrália são territórios que estiveram juntos. Há uma espécie semelhante no Brasil. Esta é australiana». Ao fim do corredor que acompanha a rua, uma sequóia está morta. «É a 38 | PARQUES E VIDA SELVAGEM poluição!». Além do jardim uma chaminé fumega. Terá sido a chuva ácida que matou a sequóia, dada a orientação do vento. Volta-se em sentido contrário pelo corredor central: a Avenida das Tílias. Um melro saltita diante de nós e voa. Ao fundo, um esquilo corre no meio do jardim e desaparece nos arbustos. Passa um milhafre muito acima das árvores mais altas. «Há cerca de 50 ninhos de milhafre no Choupal», diz Jorge Paiva. Ao lado está o Quadrado Central, a parte mais antiga do jardim, que data do século XVIII. O enguiço das enguias Agora ouve-se água a correr. Redondo, um lago. Já lá vai o dia em que alguns jardineiros descobriram enguias aqui. Grandes! Rabiando do mar para o Mondego e ribeiro acima, prosperaram, discretas. Quando faziam contas para se lançarem rumo ao mar dos Sargaços, onde se reproduzem e mor rem, foram apanhadas. Capturados os peixes, surgiu a panela, quiçá com direito a enguiço. Hoje, de 50 jardineiros que eram, são só sete para os 13 hectares e meio do Botânico. Acredite! Bosque proibido A actual área de ocupação do Jardim Botânico já foi maior: estendia-se até ao rio. Em tempos remotos abdicaram dessa parcela nobre que se alongava até tocar na água do Mondego. Estamos agora noutra parte do jardim: a mata. O vandalismo não deu alternativa: hoje só lá entra em visita guiada. São alunos universitários de biologia, farmácia e geografia quem as lidera. Recebem uma formação e prestam esse serviço. Há também uma técnica-superior que se ocupa da educação ambiental ligada ao jardim. À esquerda a estufa-fria. Oculta-se ali a Botânica, um nu feminino do escultor Martins Correia (1950). Assalta o caminho um denso canavial. Há canas que superam a grossura de um braço. «Quando dão flor morrem. Sendo clones, quando florirem, vão morrer todos de repente», explica Jorge Paiva e acrescenta: «Há cerca de 300 e tal espécies de bambu». O guia refere os bufos-reais que aparecem no jardim. Devem estar algures por ali, no merecido repouso: «Há jardineiros que por vezes os ouvem». Na sua história, este jardim também foi uma escola agrária. Passamos por uns socalcos em obras: «Está a refazer-se esta parte com as árvores de fruto que cá estavam». Ao longe vê-se altaneiro o convento de Santa Clara, agora um quartel. Há caixas-ninho nas árvores e Jorge Paiva garante que, se houvesse dinheiro, fazia um guia de campo, pois já tomou nota das inúmeras espécies de aves que se avistam neste sítio. Se na época mais dormente do ano o Jardim Botânico de Coimbra é esta aventura, imagine no resto do ano, quando os líquenes, fetos e musgos que vestem os ramos no tempo frio cedem o turno às flores e às folhas, que acorrem de súbito a dar luz à Primavera…q Texto: Jorge Gomes Fotos: João Luís Teixeira Respira-se história A ideia já tinha sido abordada em 1731 por Jacob de Castro Sarmento com base num jardim londrino. Mas só em 1772, no tempo do marquês de Pombal, surgiu o Jardim Botânico da Universidade de Coimbra. O seu traçado vem da época clássica, surge no contexto da reforma pombalina dos estudos universitários. Coube ao reitor Francisco de Lemos escolher o local para o dito Horto Botânico. A opção incidiu sobre parte da quinta pertencente ao Colégio de S. Bento. O marquês entregou a tarefa de preparar o projecto final ao coronelengenheiro William Elsden, coadjuvado pelo reitor e pelos professores de História Natural Domingos Vandelli e Dalla Bella. Considerado o modelo de Castro Sarmento modesto, apareceu outro, que acabou na beira do prato, rejeitado pelo marquês de Pombal por ser um exagero. Os trabalhos de edificação do jardim iniciaram em 1774 com projectos mais baratos. As primeiras plantas vieram do Palácio da Ajuda, de Lisboa, para as mãos do seu primeiro jardineiro, João Rodrigues Vilar. A Vandelli coube então a orientação botânica do jardim. A partir de 1791 passou para Félix Avelar Brotero, professor de botânica e agricultura, cuja estátua encara o portão negro assinado por mestre Galinha. Brotero ampliou o jardim, conseguiu a aquisição de mais alguns terrenos da quinta dos padres Marianos, em 1809. Em 1873 Júlio Henriques é nomeado Lente. Dos primeiros a referir os trabalhos de Charles Darwin, sob a sua orientação, o jardim intensifica permutas com outras partes do Mundo. Em 1880 surge o Boletim da Sociedade Broteriana, revista científica que ainda existe! Hoje, a biblioteca possui um espólio que ultrapassa os 125 mil volumes. O herbário compreende cerca de um milhão de espécimes originários de todo o Globo. q Magnolia x soulangeana Música à sombra de uma palmeira Jubaea chilensis AO VISITAR Entrada no Jardim grátis, sem acesso às Estufas nem à Mata. Estufas: 2 euros (adultos). Encerra sábados, domingos e feriados. Jardim Botânico Calçada Martim de Freitas 3000-393 Coimbra Telefone 239855233 Mais informação: http://www.uc.pt/botanica PARQUES E VIDA SELVAGEM | 39 classificados Dê corda ao seu negócio: coloque aqui o seu anúncio! Fale com: Publicidade, “PARQUES E VIDA SELVAGEM” Parque Biológico de Gaia 4430-757 Avintes Anunciar aqui custa-lhe apenas 5 euros cada linha. IVA incluído à taxa em vigor. 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Atravessa-o uma linha de água, que corre à sombra de árvores frondosas, as minhas preferidas! Nesse rio, o Febros, anda uma lontra atrás de peixes e de outra bichareza que compõe a sua refeição. Neste espaço florestado estou sempre rodeada de amigos: esquilos, ratinhos do campo, toupeiras… E de alguns inimigos: aves insectívoras e outros… A algumas dezenas de metros vejo magníficas casas de granito da região, e, à sua volta, belos campos de erva, onde umas borboletas realmente pequenotas e de um azul que não consegue rivalizar com o meu, se deliciam a libar os milhares de flores com que a Primavera nos brindou. É fantástica esta época das mil e uma flores. É por isso que eu aguardo pacientemente pela sua chegada para bater asas e fazer-me ao ar puro deste cantinho de Vila Nova de Gaia. Passa uma nuvem, os insectos acalmamse, segurando-se aos delgados caules das flores do campo. Aqui no alto procuro uma companheira com quem acasalar, pois a minha curta vida de adulto não pode esperar. Alto! Vem ali uma! Não! Não é uma apatura-pequena, mas sim um intruso. Vou já corrê-lo! Após alguns segundos de voo frenético, lá consegui que este metediço saísse do meu território. Faço mais umas acrobacias e subo um pouco, quase roçando o céu. Sim, agora vem aí uma companheira, vou já cumprimentá-la e pedir-lhe namoro! Ela aproxima-se, eu voo na sua direcção. Juntamo-nos num voo coordenado, como numa dança. Aceleramos um pouco, voamos em turbilhão... Eu agradei-lhe, vamos continuar a parada nupcial e acasalar. Bem, a partir daqui não quero humanos a espreitarem a minha privacidade! Já me bastam os cientistas que andam por aí a farejar… Dizem que querem saber quantas apaturas andam por aqui, que é para meu bem! Bom, se assim Texto: Ernestino Maravalhas* Fotos: Jorge Gomes PARQUES E VIDA SELVAGEM | 41 é, não me importo, desde que sejam meigos comigo! Pequeníssimo avião com escamas A borboleta adulta mede cerca de 7 centímetros (contados da ponta de uma asa à ponta da outra). O macho é anguloso, castanho-escuro pela face superior, onde é visível um reflexo azulpúrpura que rivaliza com as peças mais vistosas da melhor joalharia. As asas são cortadas por uma faixa branca que lhes dá um certo contraste e elegância. A fêmea não possui o reflexo azul, sendo acastanhada. A face inferior das asas imita na perfeição as folhas secas, o que permite aos adultos passarem despercebidos quando pousados nos troncos das árvores. As asas das borboletas possuem uma fina camada de escamas, organizadas como as telhas de um telhado. Cada escama possui uma pigmentação própria e o conjunto define um padrão exclusivo a cada espécie. As escamas do macho têm a particularidade de reflectirem luz que é previamente refractada no interior da escama, dando a cambiante multicolorida de base púrpura. Esta é uma forma de os machos se identificarem à distância, permitindo ao que domina um território escorraçar um outro mal ele se aproxime. Os adultos possuem um voo rapidíssimo e são muito difíceis de apanhar, mesmo para as aves mais rápidas. Qual miniatura de avião… Chegou a Primavera: vamo-nos a elas! O Parque Biológico de Gaia constitui o primeiro local de Portugal onde foram observadas duas gerações anuais de apatura-pequena, descobertas pelo Jorge Gomes, que registou os momentos para a posteridade através de magníficas fotos. Biólogos do Tagis – Centro de Conservação das Borboletas de Portugal estiveram no Parque e ficaram maravilhados com este invulgar acontecimento no nosso país. Se quiser ver este magnífico e raro insecto deve deslocar-se ao Parque em Maio e procurar o bicho junto ao carvalho-velho ou na mata ribeirinha. 42 | PARQUES E VIDA SELVAGEM O macho da apatura-pequena (Apatura ilia) é anguloso, tem a parte superior castanha-escura com um reflexo azul Se as árvores exsudarem seiva, poderá ter a sorte de ver uma apatura-pequena a libar. Aproxime-se apenas até uma certa distância, o máximo a 3 ou 4 metros, para não a assustar. Se tiver uma câmara fotográfica tire algumas fotos e mostre-as aos seus familiares e amigos. Vai ver que não sabiam que em Portugal, tão perto do centro de Vila Nova de Gaia, havia um imperador-púrpura-pequeno (outro nome pelo qual a espécie é conhecida). Se voltar entre finais de Julho e meados de Agosto ainda pode desfrutar da sua companhia, pois a apatura-pequena brinda-nos com uma segunda geração. Será certamente uma companheira de eleição nos passeios pelas frescas e agradáveis veredas do Parque. Lagartas resistentes A fêmea de apatura-pequena põe os ovos em choupos e olmos, fazendo-o de forma dispersa para evitar os predadores. As lagartas eclodem e c o m e ç a m l og o a c o m e r, desenvolvendo-se no início do Verão (se forem da primeira geração). Com dias grandes e o tempo de feição, os adultos voltam ao seu espaço aéreo após umas semanas como crisálida, escondida entre as verdejantes ramagens, com as quais se mimetizam. Voltam a ocorrer acasalamentos, postura de ovos e as jovens lagartas vão comendo a matéria vegetal até aos primeiros dias de frio, altura em que entram em diapausa. Para se abrigarem da geada concentramse nas junções dos ramos, onde o vento é de menor intensidade. Em finais de Março ou nos primeiros dias de Abril, quando as árvores se vestem de folhas tenras, as lagartas retomam as refeições, comendo avidamente. Para crisalidarem em Maio e voltarem a dar adultos no final deste mês. Tomem conta de mim! A apatura-pequena encontra-se dispersa por grande parte da Europa, evitando zonas muito frias, como as Ilhas Britânicas e a Península Escandinava e as zonas secas da orla mediterrânica. Em Portugal é exclusiva do Norte, havendo apenas duas populações conhecidas na margem esquerda do rio Douro: a do Parque Biológico de Gaia e uma em S. João da Madeira, onde a borboleta não é vista há cerca de 70 anos. Os territórios preferidos vão desde os 50 até aos mil metros, pois a partir desta altitude o clima é demasiado frio para a espécie. As populações conhecidas encontramse bastante dispersas, havendo fragmentação dos habitats nas zonas onde a ocupação humana é maior. Isto deve-se à falta de habitat, que foi sendo transformado em zonas de construção (habitação, comércio e indústria) e à poluição das linhas de água (a sobrevivência das árvores em rios e ribeiras poluídas é menor do que em massas de água livres de poluição). De acordo com o levantamento feito pelos especialistas, a apaturapequena encontra-se sujeita a um grau de ameaça considerável, especialmente nas terras baixas, onde a pressão humana é maior. A manutenção da vegetação do rio Febros e da área envolvente do Parque é muito importante para a sobrevivência da espécie a longo prazo. A verdade é que quanto maior for a área favorável – linhas de água com floresta autóctone circundante – melhor é a possibilidade de fixação da espécie, que pode trocar Distribuição de Apatura ilia em Portugal: os círculos verdes representam um quadrícula de 100 quilómetros quadrados património genético com populações que eventualmente se encontrem nos rios Uíma e Inha, na margem sul do Douro, um pouco a leste do Parque. Para saber mais sobre a biologia desta borboleta, o Parque Biológico de Gaia vai apoiar um estudo de dinâmica populacional, com armadilhamento de adultos, que serão imediatamente devolvidos à liberdade depois de marcados. A extensão do estudo aos rios localizados na região, poderá vir a dar uma melhor panorâmica da estabilidade da população do Parque, ou possibilidade de extinção a médio prazo. Certamente que todos nós gostaríamos de ver a apatura-pequena por longos anos no Parque Biológico de Gaia. O seu colorido e graciosidade de voo serão um forte atractivo para os nossos filhos e netos, mas quem mais apreciará será a borboleta, que se tem sentido confortável neste espaço conservado que o Parque lhe proporciona. q * CIBIO – Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos da Universidade do Porto, membro do Tagis - Centro de Conservação das Borboletas de Portugal, coordenador do livro «As borboletas de Portugal». PARQUES E VIDA SELVAGEM | 43 quinteiro Dê vida ao seu jardim Texto e fotos: Jorge Gomes Uns nascem com esse gosto. Outros adquirem-no. Falamos do prazer de olhar a vida selvagem, e inclusive de a convidar a aparecer no seu jardim Já deu consigo a imaginar a sua cidade antes de ser como é hoje? Quando se vestia de bosques e nela o vento soprava lendas alimentadas por cenários fantásticos? Ali corriam riachos de água límpida e plantas e animais viviam ao ritmo de um equilíbrio quase perfeito. Era assim. Laços de dependência mútua erguiam a vida em aventuras evolutivas extraordinárias que levaram à vida selvagem que vemos em casa nos melhores documentários televisivos. A ideia que lhe trazemos neste tópico é a de conciliar o seu jardim com a ciência de equilíbrio que se pode recolher da natureza. É que, por exemplo, as plantas do seu jardim falam silenciosamente com os pássaros e insectos, com anfíbios e répteis, com os frenéticos ratinhos-do-campo… Valorizando o seu quintal, ao longo de todo o ano será capaz de descobrir histórias naturais novas e surpreendentes. Vegetação Um verdilhão não desdenha a mistura oferecida neste comedouro artesanal Uns vivem no ar, outros na água: a toupeira vive na terra 44 | PARQUES E VIDA SELVAGEM Tudo começa no solo e nas plantas que nele se dão melhor. Flora que oferece néctar nas suas flores, como as budleias, chamam de forma irresistível borboletas que lhes detectem os recursos à distância. Mas, regra geral, se os espécimes plantados forem espécies nativas da região têm muitas mais vantagens no factor atracção de vida selvagem. Quer ver? Os amieiros abrigam mais centenas de espécies de insectos do que outro arvoredo importado do estrangeiro, como os eucaliptos, pinheiros ou acácias. Havendo destes bichos, em torno deles gravita quem precisa deles: aves, pequenos mamíferos, anfíbios e répteis… Para atrair as aves granívoras, nada como colocar um comedouro gizado para a passarada selvagem. De início, é bem possível que os seus amigos de penas se sintam receosos: será uma nova armadilha? Que terá o ser humano engendrado agora para nos tramar?, dir-lhes-á o instinto. Mas há sempre o pássaro mais aventureiro que cumpre à risca o ditado «quem não arrisca não petisca» e, numa questão de semanas, poderá ensinar o caminho aos outros. Não se admire: bicho selvagem passa fome de cão vadio! Em países com cultura de apreço pela natureza, como a GrãBretanha, há negócios de montante elevado ligados a comedouros de jardim para aves selvagens, caixas-ninho, guias de campo e outros apetrechos úteis a este passatempo. Quem ganha com isso? Muita gente, desde os que consomem aos que vendem desses objectos, mas certo é que a conservação da natureza ganha no somatório final. Na craveira de popularidade, cremos que as aves batem o recorde, E se lhe aparece no quintal uma borboleta menos vulgar? Como se chamará? Será migradora? E de que planta se nutrirão as suas lagartas? Esta é uma Aglais urticae. Bonitona, não é? seguida da atracção criada pelas borboletas e outra simpática bicharada. Uma poça adorável Um lago é mais um pólo de atracção para a vida selvagem. Serve de bebedouro e até de banheira para aves. Capricho? Não, necessidade! A plumagem em bom estado adianta meio caminho no trilho da sobrevivência. É provável que um sapo encontre namoro no lago e a fêmea ponha uma fieira de ovos. São bons controladores de pragas. Insectos aquáticos como a larva das libelinhas são carnívoros que ajudam a eliminar larvas de mosquito e, na altura certa, passarão à fase aérea para alegria das aves cuja paparoca são os insectos. Com tudo isto, vai investir na mãe natureza, onde estão as nossas raízes afectivas e culturais mais profundas. Se o bosque original está distante e remetido a memórias antigas, transforme o seu quintal num sucedâneo desse maravilhoso suporte de vida e com isso aprenda, valorize-se e recolha toda a satisfação que essa actividade proporciona. q Os chapins-rabilongos apreciam insectos As sardaniscas que vivem ao pé de nossas casas são vorazes predadores de moscas e afins Mestre sapo, um grande amigo dos jardineiros, tem uma característica: gosta mais de trabalhar à noite Ratos-do-campo, pequenitos e discretos, catam larvas pelo chão PARQUES E VIDA SELVAGEM | 45 colectivismo Pela conservação das aves Chegou o Dia B A Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA) trabalha para o estudo e a conservação das aves e seus habitats, promovendo um desenvolvimento que garanta a viabilidade do património natural para usufruto das gerações futuras. É uma organização não governamental de ambiente, parceira da rede BirdLife International em Portugal. Dá prioridade nos seus estatutos à conservação das espécies de aves ameaçadas e dos seus habitats. Está actualmente representada no continente e nos arquipélagos dos Açores e da Madeira. No âmbito da sua actuação, a SPEA é responsável pela designação e vigilância das Áreas Importantes para as Aves (do inglês Important Bird Areas – IBA) e por desenvolver projectos de conservação dirigidos a algumas das aves mais ameaçadas na Europa, e seus habitats, nomeadamente, o sisão, o priolo e a freira-da-madeira. Dos cerca de mil associados que possui, inclui-se praticamente toda a comunidade científica e técnica no campo da ornitologia. Para além dos projectos de conservação, a SPEA actua também na área da educação ambiental, realizando projectos em colaboração com diversas entidades. Para além disso, dinamiza um programa de actividades que inclui saídas de campo, cursos de ornitologia, edita revistas e livros técnicos e de divulgação geral e promove diversas reuniões temáticas e congressos, citando-se o V Congresso de Ornitologia da SPEA, a decorrer em Oeiras já nos próximos dias 23 a 26 de Março. Como meio privilegiado de comunicação com os sócios, edita a revista trimestral «Pardela» e uma newsletter digital semanal. Esta última é acessível também a não sócios, sendo apenas necessário os interessados solicitarem a sua subscrição através do e-mail [email protected]. Esta notícia foi o primeiro contributo da SPEA, que será de cariz regular. Na próxima edição abordaremos o tema do “Desenvolvimento rural e a conservação das aves”. Alunos e professores estão convidados a promoverem o seu Dia B até Junho No ano lectivo 2004/2005 o Dia B – Dia das Borboletas nas Escolas – superou as expectativas iniciais. Este projecto, com mais de 8 mil alunos inscritos a nível nacional, revelou-se uma boa aposta na área da educação ambiental. Dado o sucesso desta iniciativa, o TAGIS – Centro de Conservação das Borboletas de Portugal e o Parque Biológico de Gaia convidam os professores do ensino básico e secundário a inscreverem-se na nova edição do projecto. O objectivo deste evento é a realização de uma aula prática a inserir no horário curricular normal dos professores interessados, destinada à observação da diversidade de borboletas da área circundante à escola. Em qualquer dia de Março a Junho cabe a cada um dos professores escolher o seu Dia B. Este será um dia de calor, de pouco vento e céu limpo, em que os alunos sairão da sala de aula, sob orientação do professor, para realizar um passeio junto das zonas verdes do recreio para identificar as borboletas observadas. Após a inscrição no projecto, serão enviados aos professores participantes a documentação de apoio à actividade: manual da aula prática, guia de campo das borboletas comuns (folheto para cada aluno), ficha de registo dos dados faunísticos. Eis os dados necessários para a inscrição: nome do professor, nome da escola, número de alunos participantes, mais os contactos (e-mail, telefone). Depois é só enviar para o Tagis – Centro de Conservação das Borboletas de Portugal. TAGIS Museu Bocage - MNHN Rua da Escola Politécnica 581250-102 Lisboa Tel. + Fax: 213965388 E-mail:[email protected] Página da Internet: www.tagis.net SPEA – Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves Rua da Vitória n.º 53 - 3.º Esq. - 1100-618 Lisboa Tel.: 21 322 0430 / Fax: 21 322 04 39 E-mail: [email protected] Página da Internet: www.spea.pt Priolo Foto: Joaquim Teodósio Prateada PARQUES E VIDA SELVAGEM | 47 Arboricultura Amigos do Parque A Sociedade Portuguesa de Arboricultura (SPA) pretende «promover o conhecimento da árvore e das suas relações com o meio envolvente, nomeadamente o urbano», lê-se no site desta associação. Além disso, interessa-lhe divulgar «os conhecimentos científicos da biologia arbórea e as técnicas de arboricultura ornamental». Neste universo, a sua actividade engloba a protecção «do património arbóreo de agressões – por desrespeito, ignorância ou interesse – a que está frequentemente sujeito», bem como «promover a regulamentação das actividades que afectam o arvoredo urbano, procurando estabelecer normas consensuais de qualidade que previnam actuações incorrectas». Entre as acções a desenvolver pela SPA encontram-se debates, seminários e cursos especializados, sem excluir o lançamento «da certificação profissional dos podadores-escaladores e a regulamentação da sua formação». Esta associação defende também «a criação de grupos de trabalho temáticos para as questões suscitadas pela inter-relação árvore/espaço urbano». Uma das acções concretas da SPA é o Projecto Árvore Urbana. Sobre este Projecto, o site refere que o mesmo se iniciou com um inquérito a todas as autarquias «acerca de vários aspectos relacionados com a gestão do seu arvoredo. A resposta a este inquérito foi de cerca de 30%, não sendo assim uma amostragem conclusiva acerca do estado real do arvoredo urbano em Portugal. Este projecto, a que se pretende dar continuidade, tem por objectivo caracterizar a forma como cada município trata o seu património arbóreo, atribuindo uma classificação fundamentada e construtiva, como contributo para uma melhor sustentabilidade da gestão do arvoredo urbano». A Associação dos Amigos do Parque Biológico de Gaia (AAPBG) tem por objectivo apoiar esta empresa municipal Sociedade Portuguesa de Arboricultura Página da internet: www.sparboricultura.pt Prateada ou Issoria lathonia Foto: Jorge Gomes 48 | PARQUES E VIDA SELVAGEM Com cerca de 3 mil sócios, o maior benefício que lhes presta é, mediante a apresentação do cartão de associado, com as quotas em dia, na recepção do Parque beneficiarem de entrada gratuita. Outra consiste em receberem informações sobre as actividades do Parque. Em contrapartida, esta associação tem contribuído pontualmente para o equipamento e melhoria do Parque Biológico. O trabalho desenvolvido no Parque beneficia muito mais do que o concelho de Vila Nova de Gaia. Num mundo com gravíssimos problemas ambientais, a sensibilização da população é cada vez mais importante. É esse relevante trabalho de Educação Ambiental que o Parque Biológico de Vila Nova de Gaia tem vindo a desenvolver, com êxito. Mas o Parque não é só um projecto educativo: é também a maior zona verde de Gaia e uma das maiores da região. Com a ajuda dos sócios da AAPBG, o Parque Biológico poderá ampliar muito a acção que desenvolve em defesa do Ambiente e da Natureza. Associação dos Amigos do Parque Biológico de Gaia Parque Biológico de Gaia 4470-757 AVINTES crónica Foto: JLT Texto e fotos: Jorge Paiva, biólogo Riscos da diminuição da biodiversidade na alimentação A espécie humana possui características morfológicas, estruturais, genéticas e de comportamento únicas, isto é, não presentes nos outros seres vivos. Uma dessas características é guardarmos objectos (Património Material). Todos nós, logo desde crianças, gostamos de guardar e preservar as nossas coisas. Mesmo em épocas préhistóricas, o homem já tinha preocupações com o Património Material quando, por exemplo, guardava os objectos de sílex. Além disso, a espécie humana, por ser inteligente, foi desenvolvendo qualidades e, a partir de certa altura, quando possuía já um cer to discernimento, iniciou actividades culturais. As figuras rupestres não são mais que manifestações culturais do Homem Pré-histórico. Mas a preocupação com o Património Cultural não nasce connosco. Só com algum discernimento e cultura é que começámos a preocupar-nos com o Património Cultural. Assim, só nos últimos três ou quatro séculos nos estamos a preocupar com a preservação deste valioso património. Porém, apenas neste século, particularmente nas últimas dezenas de anos, é que começámos a preocupar-nos com a preservação do Património Biológico, o único relevante para a sobrevivência da espécie humana. Sem bens materiais e sem cultura pode-se sobreviver, mas sem as outras espécies isso não é possível. Sem os outros seres vivos não sobreviveremos!... Inconscientemente pode julgar-se que não é necessário preocuparmo-nos com a preservação de todas as espécies, mas apenas com aquelas que nos são úteis. Há muitos exemplos que nos obrigam a actuar no sentido de preservar todas as espécies indistintamente, pois nem as que estão inventariadas (3 milhões) estão suficientemente estudadas. Salientamos como exemplos um feijão da Papuásia (Psophocarpus tetragonolobus) – que, no início desta década, se descobriu ser um alimento com um teor de proteínas muito superior a qualquer dos outros alimentos conhecidos – e o teixo (Taxus baccata), uma planta da nossa flora, em risco de extinção, que se pensava não ter, actualmente, qualquer utilidade. Foi uma árvore relativamente frequente nas nossas florestas, tanto que há não só vários topónimos relativos ao teixo, tais como Teixe, Teixeda, Teixedas, Teixedo, Teixeira, Teixeiras, Teixeiró, Teixelo, Teixinho, Teixo, Teixoeira, Teixogueira e Teixoso, como também patronímicos como, por exemplo, Teixeira e Teixeirinha. É uma planta extremamente venenosa, pois produz uma mistura de alcalóides (taxina), letal para todos os animais, mas utilizada pela espécie humana desde tempos remotos (madeira, arcos e flechas, ornamentação de jardins, igrejas e cemitérios, como abortiva, matando, muitas vezes, além do feto, também a mãe). Revelou-se, a partir de 1993, de valor inestimável. Da taxina isolou-se um produto (taxol = placlitaxel), que mostrou ser uma poderosa droga no tratamento de alguns tipos de cancro (ex.: pulmão e mama), alguns dos quais anterior mente refractários à quimioterapia (ex.: cancro do ovário). Este composto inibe a multiplicação das células evitando, por isso, a proliferação das células cancerosas. Infelizmente, um teixo centenário fornece apenas 300 mg de taxol, sendo necessária a casca de 6 teixos centenários para produzir taxol suficiente para tratar um só doente. Por outro lado, há cada vez menos teixos, não só porque se derrubam e não se semeiam, como também porque se caçam os dispersores das respectivas sementes – aves como os tordos e o pombo-torcaz digerem o arilo (açucarado e comestível), mas não a semente (tóxica e letal). Felizmente, em Fevereiro de 1994, foi anunciada a síntese laboratorial do taxol (taxotere), estando já a ser produzido e comercializado pela PARQUES E VIDA SELVAGEM | 49 Biodiversidade do milho Gerês, 1984: milho a secar com milho-rei à vista indústria farmacêutica. Portanto, se não tivesse havido o cuidado de preservar os teixos, eles teriam desaparecido e, assim, não teria havido solução para muitos doentes que ainda vivem graças a uma espécie de planta, podendo até eles próprios ter considerado idealistas todos aqueles que lutavam pela sua preservação. A Humanidade vive, actualmente, numa sociedade de economia de mercado, cuja preocupação predominante é produzir cada vez mais, com maior rapidez e o mais barato possível, de modo a conseguirse o máximo lucro. Assim também acontece com os produtos alimentares que, por isso, são de pior qualidade, menos diversif icados e mais poluídos. Hoje, a alimentação básica mundial depende de 8 cereais, tão altamente seleccionados e uniformes, que catástrofes, devidas a moléstias ou a variações climáticas, podem levar, rapidamente, a Humanidade à fome. O mesmo acontece com a produção animal, que se baseia em 3 grupos de ruminantes (bovinos, ovinos e caprinos), na suinicultura, na avicultura e na piscicultura, com os animais tão seleccionados e uniformes, que muitas raças e espécies correm sérios riscos de extinção. A designada “Revolução Verde”, foi iniciada (1.ª metade século XX) como a panaceia que resolveria o problema da fome, através de processos de cultivo intensivo e industrializado (monocultura). Assim, actualmente, utiliza-se na alimentação somente 1% das espécies de plantas, quando já foram utilizadas 7 mil espécies. Mas, devido aos processos e interesses actuais, a alimentação humana utiliza, hoje em dia, praticamente 20 espécies de plantas. A alimentação básica diária da população mundial depende fundamentalmente de 8 cereais: trigo, cevada, milho, arroz, centeio, milho50 | PARQUES E VIDA SELVAGEM miúdo, aveia e sorgo. Mas a superprodução destes cereais está, actualmente, tão altamente seleccionada e é, portanto, tão uniforme sob o ponto de vista genético que catástrofes, devidas ao aparecimento de qualquer nova doença ou a variações das condições c l i m á t i c a s , p o d e m l eva r a Humanidade à fome de um momento para o outro. Com a referida “Revolução Verde”, o mesmo está a acontecer com a produção animal. Hoje em dia, a pecuária intensiva e industrializada baseia-se em algumas espécies de ruminantes (bovinos, ovinos e caprinos), na suinicultura, na avicultura e na piscicultura. Aqui também os animais estão tão altamente seleccionados, que muitas raças e espécies correm sérios riscos de extinção com a consequente uniformidade genética, o que, também, constitui um elevadíssimo risco para a sobrevivência da Humanidade. Estamos, actualmente, em plena “Revolução Biotecnológica” com os designados seres transgénicos. Tal como com a “Revolução Verde”, a “Revolução Biotecnológica” está a ser propagandeada como a panaceia de poder resolver o problema da fome, parecendo não haver contrapartidas. Com a “Revolução Verde” não só se abarrotou a Biosfera de produtos altamente tóxicos (agroquímicos e pesticidas) – de tal modo que, praticamente, a água e todos os alimentos estão “envenenados”, em todo o Globo – como também não se resolveu o problema da fome. Apenas lucraram as grandes companhias de produtos químicos e de produtos alimentares. Com a “Revolução Biotecnológica” já aconteceram intoxicações e até mortes com substâncias químicas produzidas por seres transgénicos, particularmente bactérias. Não sabemos ainda o que resultará da 2005: milho sem qualquer variação, um exemplo de diminuição de biodiversidade Tourém, 2005: tranças de milho mono-específico e monogenético “fuga” de genes desses seres para os seres vivos selvagens. Podem ocorrer transformações genéticas com resultados drásticos e irreversíveis nos ecossistemas naturais. No entanto, tal como aconteceu com a “Revolução Ve r d e ” , m i n i m i z a m - s e a s consequências, propagandeia-se que resolverá o problema da fome e o que está já a acontecer, na realidade, é o enorme lucro económico das referidas multinacionais da alimentação. Com uma produção alimentar e uma sociedade assim, não só não é possível preservar o Ambiente e a Natureza como também a vida se torna menos saudável, com elevados riscos para a sobrevivência da Humanidade. Felizmente para a Humanidade, há partes do Globo aonde ainda não chegou a “Revolução Verde”, nem a “Revolução Biotecnológica”, como no Peru, onde existem muitas raças de animais domesticados e muitas cultivares de plantas alimentícias, como 420 de batateiras (os incas cultivaram 2000) e 275 de milho. Felizmente, também, que nalguns países, como em Portugal, ainda se foi a tempo de preservar em Bancos de Germoplasma raças de animais e cultivares de plantas, como no Banco de Germoplasma Vegetal de S. Pedro de Merelim (Braga), com 1700 estirpes genéticas de milho. q