AUTOMOTIVO 1 Equipe ATS Mauro Borges Lemos - Presidente ABDI Mariano Laplane - Presidente CGEE Coordenação Geral Maria Luisa Campos Machado Leal (ABDI) Marcio Miranda (CGEE) Coordenação Executiva Carla Ferreira Naves (ABDI) Liliane Rank (CGEE) Zil Miranda (ABDI) Katia Beltrão (CGEE) Adriana Santos (ABDI) Setorialistas ABDI Bruno Jorge Soares (ABDI) Coordenação Técnica Geral Fabio Stallivieri (UFF) Ricardo Naveiro (UFRJ) Rodrigo Sabbatini (UNICAMP) Coordenação Técnica Setorial Fernando Sarti (UNICAMP) – Panorama Econômico Roberto Marx (USP) – Panorama Tecnológico Adriana Marotti (USP) – Panorama Tecnológico Comitê Técnico de Especialistas Bernardo Hauch Edson Orikassa Fabricio Pujatti Marcio de Almeida D’Agosto Marcio Massakiti Kubo Paulo Emilio Valadão Rogério Ferraz Spartacus Pedrosa Organizadores Carla Ferreira Naves (ABDI) Marina Oliveira (ABDI) Zil Miranda (ABDI) 2 Características econômicas e tendências competitivas do setor automobilístico no Brasil Fernando Sarti1 Roberto A. Z. Borghi2 Sumário executivo Este estudo tem como objetivo geral analisar as principais características econômicas do setor automobilístico no Brasil (SAB), destacando as perspectivas de demanda e as mudanças recentes na estrutura de oferta no Brasil e no mundo. Como objetivo específico, o estudo discute as possibilidades de o setor no Brasil ampliar e melhorar sua inserção na estrutura produtiva internacional, apontando limites e oportunidades competitivas deste setor no país nos próximos anos, particularmente com base em sua capacidade de inovar e os rumos dados ao padrão tecnológico em escala mundial. O relatório é composto de sete seções, além deste sumário executivo e das considerações finais. Na primeira seção, apresentam-se as principais características econômicas do setor automobilístico, no que se refere aos padrões de concorrência, aos padrões de organização da cadeia produtiva e aos atributos de competitividade. Ressalta-se que este setor é marcado por um padrão de concorrência oligopolística, em que a concorrência ocorre principalmente por meio de inovações de produto e processo, criação de nichos de mercado e melhorias de qualidade a fim de assegurar participação de mercado. A estrutura de organização da cadeia produtiva apresenta um caráter sobretudo horizontal e modular, com a participação de fornecedores nas linhas de produção das montadoras. Essa segmentação permite uma expansão geográfica das atividades produtivas e uma rearticulação operacional para atender diversos mercados a depender das estratégias competitivas das corporações. Como principais atributos de competitividade do setor, podem-se mencionar: a contínua capacidade de inovação com elevados volumes de investimento em pesquisa e desenvolvimento e a introdução de novos produtos e novas tecnologias, como o recente direcionamento para veículos com formas alternativas de propulsão menos nocivas ao 1 Professor e Diretor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (IE-Unicamp) e Pesquisador do NEIT-IE-Unicamp. 2 Doutorando na Universidade de Cambridge, Reino Unido. Mestre em Economia pelo IE-Unicamp. 3 ambiente; o regime macroeconômico dos países, em particular a evolução das taxas de câmbio e de juros, bem como o regime tributário; o padrão de financiamento atrelado a novos investimentos e à comercialização de veículos; a estrutura de proteção praticada em âmbito doméstico, especialmente no que tange à entrada de novos players, ao acirramento da concorrência e à manutenção da cadeia produtiva interna; as vantagens de custo, o aproveitamento de oportunidades de demanda e as estratégias intracorporação, o que afeta a organização geográfica da produção, dada a maior flexibilidade do padrão produtivo; a gestão do grau de utilização da capacidade; o padrão de especialização da produção; e a articulação e complementaridade regional da produção. Na segunda seção, analisa-se a estrutura recente da oferta do setor automobilístico no mundo e no Brasil, ressaltando a evolução dos principais mercados produtores e das empresas líderes. Destacam-se o forte incremento da produção mundial (mais de 80 mil unidades produzidas em 2011) e uma mudança de caráter estrutural na localização da produção ao longo da última década, com o deslocamento de parcela significativa das atividades produtivas para economias emergentes, sobretudo asiáticas. Além disso, evidencia-se um processo de estagnação da produção das companhias americanas concomitante à forte expansão de montadoras asiáticas em âmbito mundial nos anos 2000. Mostra-se que a estrutura de oferta no Brasil também se alterou bastante nos últimos anos. A produção de veículos no país dobrou entre 2000 e 2011, com um forte incremento a partir de 2003 e 2004. Embora bastante concentrada, a distribuição da produção por montadora aponta para a consolidação de outras companhias, em especial francesas e japonesas, no mercado produtivo doméstico. Com a instalação mais recente de capacidade produtiva de outras montadoras no país, tais como a Hyundai, e a atração de montadoras chinesas, a configuração e a concentração da produção do setor tendem a se modificar ainda mais nos próximos anos. Na terceira seção, discorre-se sobre a dinâmica recente da demanda mundial e brasileira, em especial contrastando a forte expansão das economias emergentes e o arrefecimento das economias centrais como principais mercados consumidores de veículos. A China tornou-se o maior demandante de veículos, ultrapassando os Estados Unidos em 2009. Brasil e Índia também apresentaram elevado crescimento e se firmaram entre os maiores consumidores, ao passo que Japão e Alemanha, tradicionais mercados de veículos, encolheram. 4 No Brasil, a trajetória ascendente das vendas, que vinha ocorrendo desde 2005, foi reforçada a partir dos estímulos governamentais para enfrentar a crise, particularmente por meio da redução das alíquotas do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e da expansão da concessão de crédito. Durante a fase de expansão do mercado interno, também se verificou um processo de fortalecimento de outras montadoras para além das quatro principais empresas (Fiat, Volkswagen, General Motors e Ford), que tradicionalmente concentram a maior parcela de mercado no país. No entanto, para suprir a demanda doméstica em expansão, também houve um forte incremento do volume importado, condicionado pelas estratégias das corporações em redirecionar sua produção de outras localidades para aproveitar as oportunidades de um mercado em crescimento, o que é ressaltado na seção anterior sobre a estrutura de oferta brasileira. Essa dinâmica acentuou-se diante do contexto recente de crise, em que o rápido reaquecimento da demanda doméstica se traduziu em impulso maior à oferta externa do que fortalecimento dos encadeamentos produtivos domésticos. Além disso, houve um aumento das remessas de lucros e dividendos em relação aos investimentos externos por parte das corporações. Tais constatações verificaram-se ainda em um cenário de elevado grau de utilização da capacidade instalada do setor no Brasil. Isso indica para um baixo comprometimento das empresas com a base produtiva no país, sobretudo porque utilizaram em alguma medida a capacidade ociosa em outras localidades para atender ao mercado brasileiro e transferiram parte da renda ou do lucro gerados domesticamente para o caixa da matriz, quando de nítidas oportunidades de converter esse capital em um volume de novos investimentos muito superior ao efetuado e fortalecer a estrutura produtiva e de inovação brasileira. Na quarta seção, realiza-se uma discussão acerca da dimensão e dinâmica recente do mercado de caminhões e ônibus no Brasil. Toda a discussão precedente envolve a indústria automobilística como um todo, de veículos leves a pesados. Porém, dada a participação relativa maior de veículos leves no volume de produção e vendas de autoveículos, a evolução do consolidado total tende a refletir a dinâmica desse segmento. Em razão da importância na matriz de transporte brasileira, inserem-se, portanto, algumas notas sobre os segmentos de caminhões e ônibus. Salientam-se: a forte expansão das vendas e sobretudo da produção no país na última década; sua representatividade relativamente baixa no setor automobilístico em geral; a condição de ofertante líquido que caracteriza o país; e o baixo e geralmente declinante coeficiente de 5 importados nas vendas, indicando que a forte elevação do coeficiente para o setor como um todo nos últimos anos, em particular diante da crise, refletiu especialmente a dinâmica do segmento de veículos leves, cuja expansão da demanda foi em grande medida suprida por oferta externa. Isso, no entanto, não afasta a preocupação em relação ao conteúdo nacional envolvido na fabricação de novas unidades domesticamente, uma vez que, embora possa não haver uma substituição de oferta nacional por oferta externa em termos de bens finais nesses segmentos, isso não impede a utilização crescente de insumos importados e, logo, o enfraquecimento da cadeia produtiva doméstica. Sublinham-se adicionalmente as principais medidas governamentais de apoio a esses segmentos. A partir das considerações precedentes, na quinta seção, exploram-se o direcionamento recente dado ao padrão tecnológico em escala global pelas montadoras e as perspectivas em relação à evolução da demanda por veículos híbridos, que já são uma realidade, e veículos elétricos, que têm grandes possibilidades de expansão. Destaca-se a importância que terá a China na determinação da trajetória tecnológica dominante e na velocidade de implementação das novas tecnologias. Avalia-se ainda a situação brasileira nesse processo. Ressalta-se a consolidação das vendas de veículos leves com tecnologia bicombustível no mercado nacional, o que reforça a oportunidade de o país se fortalecer na geração de tecnologias sustentáveis em um cenário mundial de busca crescente por matrizes energéticas alternativas. Salientam-se, porém, os desafios colocados a partir do posicionamento chinês, bem como da baixa participação no país dos principais desenvolvedores das novas tecnologias, com exceção da General Motors. Na sexta seção, retomam-se os atributos de competitividade do setor automobilístico, identificando os principais desafios e oportunidades no Brasil. Dentre os principais desafios, destacam-se: o volume ainda baixo de gastos em P&D pelas empresas e o desenvolvimento restrito de tecnologias e produtos em âmbito doméstico, além das poucas linhas governamentais de fomento à inovação; o comportamento volátil e apreciado da taxa de câmbio, favorecendo importações de bens finais e insumos, ameaçando os elos da cadeia produtiva e prejudicando decisões de investimento; a ausência de um sistema financeiro nacional com instituições privadas para financiamento do investimento; o acirramento da concorrência interna e a manutenção da cadeia produtiva doméstica com a entrada de novos players ou mesmo a ampliação e redirecionamento da oferta externa no curto prazo de montadoras em outras localidades para suprir a expansão da demanda doméstica; a concorrência chinesa e 6 indiana em veículos de menor porte; e a possibilidade de rápido reposicionamento geográfico da produção na ausência de uma estrutura de proteção adequada. Dentre as principais oportunidades, destacam-se: o aperfeiçoamento da tecnologia bicombustível em termos de eficiência energética e emissão de poluentes; o processo de redução da taxa de juros ao longo dos últimos anos e a melhoria das condições de financiamento atreladas tanto a novos investimentos como à comercialização de veículos; os efeitos de desonerações tributárias sobre as vendas de veículos; as exigências (ainda que limitadas) de produção com conteúdo nacional e desenvolvimento tecnológico doméstico para empresas instaladas no país e novos entrantes a partir do novo regime automotivo; o anúncio de planos de investimento para criação ou ampliação de capacidade produtiva no país nos próximos anos por algumas montadoras; o alinhamento do padrão produtivo especializado em veículos de menor porte com a orientação mais ampla da demanda mundial por veículos compactos e subcompactos; e a possibilidade de exportações a partir dos novos investimentos, dada a complementaridade regional. Na última seção, examinam-se as políticas atuais de apoio ao setor automobilístico, em especial a de redução das alíquotas do IPI diante da crise econômica internacional e o estabelecimento do novo regime automotivo (Inovar-Auto), além de se discutir diretrizes para a ampliação da capacidade de inovação do setor no Brasil. A política de redução do IPI mostrou-se importante na retomada da demanda por veículos no decorrer da crise, enquanto o novo regime automotivo revela avanços de política, ainda que limitados, para o setor acerca da atuação das montadoras em território nacional. O programa, no entanto, poderia se mostrar mais ambicioso no quesito de fomento à inovação e engajamento do país nas novas trajetórias tecnológicas, ao aplicar exigências maiores às empresas no sentido de ampliar os gastos em pesquisa e desenvolvimento (P&D) domesticamente, conforme padrão de gastos das corporações em âmbito global, e promover maior direcionamento desses recursos às tecnologias de ponta, sobretudo contemplando veículos elétricos. É necessária ainda a coordenação entre os estímulos setoriais e macroeconômicos, além de iniciativas com o objetivo de fomentar o processo de inovação tecnológica no contexto doméstico. Pode-se sustentar assim uma trajetória de crescimento do setor com impactos positivos sobre a cadeia produtiva concomitantemente ao aproveitamento por parte das empresas do potencial de demanda interna por veículos. Seguem as considerações finais do estudo. 7 1. Características econômicas do setor automobilístico O setor automobilístico apresenta grande importância econômica e setorial em razão de seu forte encadeamento com outros setores na cadeia produtiva. De acordo com dados da Anfavea (2012), o setor no Brasil (incluindo o segmento de autopeças) respondeu por 21% do Produto Interno Bruto (PIB) industrial e 5% do PIB total em 2011. Gerou um faturamento de US$121,3 bilhões e uma arrecadação tributária (no caso apenas de autoveículos) de US$31,4 bilhões naquele ano. Além disso, emprega direta e indiretamente mais de 1,5 milhão de pessoas e possui uma capacidade instalada de 4,3 milhões de autoveículos por ano com um montante de investimentos realizados de US$61 bilhões entre 1994 e 2011 (incluindo autopeças). O setor automobilístico caracteriza-se, ademais, por ampla internacionalização e descentralização produtiva com relevante participação dos fornecedores nas linhas de montagem, o que contribui para a configuração do padrão produtivo e concorrencial. É um setor bastante concentrado, marcado por fusões e aquisições (F&A) e formação de alianças estratégicas e no qual se observa uma concorrência sobretudo via diferenciação de produto, além de um contínuo processo de geração de novas tecnologias (CASOTTI; GOLDENSTEIN, 2008). Entretanto, apesar das elevadas barreiras à entrada, isso não significa a impossibilidade de emergência e consolidação de novos players, haja vista o poder de mercado conquistado pelas empresas japonesas e sul-coreanas e a recente ascensão de concorrentes chineses. Nesta seção, analisam-se esses tópicos, enfatizandose os padrões de concorrência, os padrões de organização da cadeia produtiva e os atributos de competitividade do setor. a. Padrões de concorrência O setor automobilístico apresenta uma estrutura de mercado oligopolista, em que um número relativamente pequeno de grandes corporações com escala mundial responde pela maior parcela da produção e vendas totais e tem poder de mercado para estabelecer o preço final dos bens. Dentro dessa estrutura de mercado concentrada, reforçada por movimentos frequentes de fusões e aquisições, a concorrência ocorre principalmente por meio da diferenciação de produto, que se traduz na criação de nichos de mercado e na busca constante por melhorias de qualidade, a fim de assegurar e/ou ampliar participação de mercado. Nesse aspecto cumpre papel decisivo a dinâmica de inovação do setor, uma vez que é a partir de inovações de produto e também de processo (produtivo e 8 organizacional) que as corporações procuram manter ou criar vantagens competitivas que lhes permitam ostentar sua posição de mercado ou expandir-se para outros mercados, isto é, diversificar-se. Destacam-se, por exemplo, pelo lado do desenvolvimento de produtos, a diferenciação por meio de design e a incorporação de novas tecnologias (relativas à motorização, matriz energética, eletrônica embarcada, etc.), o que se reflete em elevados gastos com pesquisa e desenvolvimento e o estabelecimento de parcerias entre empresas no desenvolvimento de melhorias a serem utilizadas em conjunto. Pelo lado da organização do processo produtivo, pode-se mencionar a emergência do método de produção enxuta, que possibilitou maior flexibilidade da produção em comparação ao método de produção rígida. Apesar das elevadas barreiras à entrada no setor, associadas às economias de escala e de escopo existentes e aos volumes de capital necessários para incorporar a tecnologia de produção, isso não impossibilita a emergência de novos concorrentes. Assim como grupos japoneses e sul-coreanos entraram no mercado internacional a partir da década de 1980 e se consolidaram no período mais recente dentre as principais montadoras globais, corporações chinesas e indianas configuram-se atualmente como importantes players em âmbito mundial. A fim de conquistar inicialmente maior parcela de mercado, tais corporações tendem a adotar a curto prazo uma estratégia de concorrência via preços para posteriormente, como estratégia de médio e longo prazo, fortalecer a marca e a imagem de produtos de qualidade. Portanto, ao acirrar a dinâmica concorrencial no setor, a ascensão desses novos players exige o reposicionamento dos grupos estabelecidos, reiterando a importância do processo inovador para assegurar competitividade e garantir posição de mercado diante de uma estrutura concentrada. b. Padrões de organização da cadeia produtiva A estrutura de organização da cadeia produtiva do setor apresenta um caráter sobretudo horizontal e modular, com a participação de fornecedores nas linhas de produção das montadoras. Esse arranjo é condizente com as transformações nos padrões produtivos, particularmente a partir da passagem do modo de produção rígida (ou “fordista”) para o modo de produção enxuta (ou “toyotista”). Em contraposição ao modelo de produção rígida, característico das empresas americanas desde o início do século XX até as décadas de 1970 e 1980, o modelo de produção enxuta, desenvolvido pelas empresas japonesas, está assentado em uma estrutura organizacional das empresas menos verticalizada e hierarquizada, o que 9 permite maior flexibilidade da produção em resposta às variações de demanda. Isso ocorre mediante a fragmentação da produção e o processo de subcontratação, isto é, a subdivisão da produção, com maior participação dos fornecedores de partes, peças e componentes, responsáveis por determinadas etapas, na linha de montagem, dinamizando o processo produtivo e inovativo (CEPAL, 2004). Essa reconfiguração da organização da produção é compatível com os movimentos de formação de redes globais ou regionais de produção e de rearticulação e descentralização das etapas produtivas promovidos pelas grandes corporações em âmbito mundial a partir da década de 1980 em busca das vantagens oferecidas pelas diversas economias diante de seus processos de abertura econômica. “Com a formação de um sistema de produção na forma de redes que abarca, além da matriz, as filiais com plantas produtivas ou representações comerciais espalhadas em vários países, passou a existir um maior grau de articulação e de integração dentro da corporação, intensificando os fluxos produtivos, financeiros e tecnológicos” (SARTI, 2002, p. 28). Frente ao avanço das montadoras japonesas, inclusive nos Estados Unidos, e no bojo de um forte processo de internacionalização produtiva em busca de mercados, as companhias americanas e europeias direcionaram suas estratégias para a “modularização” da produção. Isso significava reduzir o grau de verticalização dessas corporações, por meio de maior especialização e subcontratação, de modo que determinados grupos de fornecedores eram responsáveis pelo suprimento de módulos que compõem o veículo. Em geral, há grupos de fornecedores que atendem direta (Tier 1) ou indiretamente (Tier 2 em diante) as demandas por partes e peças das montadoras. Essa tendência intensificou-se principalmente ao longo da década de 1990, sob a existência de uma rede global de fornecedores. Com a maior participação de fornecedores e sistemistas diretamente na produção, promoveu-se maior integração entre toda a cadeia produtiva em âmbito internacional, motivada também pelo estabelecimento de mais alianças estratégicas entre as montadoras, sobretudo no desenvolvimento de produtos, componentes e novas tecnologias (FREYSSENET; LUNG, 1999). A fim de reduzir custos e incrementar a competitividade, elas também passaram, em meio a esse processo, a adotar estratégias de utilizar componentes e plataformas comuns à produção de diferentes veículos (platform strategy ou commonalization). 10 A constituição de redes de produção mais horizontais e modulares permitiu uma expansão geográfica das atividades produtivas, condicionada aos processos de regulamentação governamental em escala nacional ou regional e uma rearticulação operacional para atender diversos mercados a depender das estratégias competitivas das corporações. A cadeia produtiva tornou-se, portanto, mais integrada em âmbito mundial, intensificando ao longo da cadeia os fluxos comerciais e de capital entre os países. c. Atributos de competitividade Elencam-se, nesta seção, os principais atributos de competitividade do setor. Tais pontos se entrelaçam sob distintas formas e são resgatados adiante na análise sobre os desafios e oportunidades atinentes ao setor no Brasil. d. Capacidade de inovação Está atrelada aos elevados volumes de investimento em pesquisa e desenvolvimento (P&D) no setor para a elaboração e a introdução de novos produtos e novas tecnologias que, por sua vez, constituem-se de fatores dinâmicos decisivos para a competitividade e o crescimento das empresas dentro do ambiente concorrencial do setor. Dada a complexidade envolvida na fabricação de um veículo e em sua composição (partes, peças e componentes), o setor constitui um importante núcleo de promoção e absorção de tecnologia. Cada vez mais, incorporam-se aos veículos e aos métodos de produção os avanços nas áreas de eletrônica e tecnologias de informação e comunicação. Isso se manifesta na crescente utilização de eletrônica embarcada nos sistemas automotivos, que controla inúmeras funções do veículo, tais como aceleração, frenagem, tração, estabilidade, injeção eletrônica, sistemas de combustão, dirigibilidade, segurança, navegação, telemática, entretenimento, etc. (CARVALHO, 2008; BORGHI, 2011). Ou seja, há uma crescente integração entre os avanços tecnológicos do setor automobilístico e os de outros setores. Como ponto central na discussão sobre novas tecnologias do setor, encontra-se o recente direcionamento para fomentar e desenvolver veículos baseados em formas alternativas de propulsão que sejam eficientes, mais econômicas no consumo de combustível e menos nocivas ao ambiente. Destacam-se, por exemplo, os veículos bicombustíveis, híbridos, elétricos e com célula de combustível. Isso coloca em debate os desdobramentos futuros para o setor e para os países a partir da adoção de uma nova matriz energética. Cumprem papel decisivo no estabelecimento e financiamento de uma 11 nova trajetória tecnológica a orientação governamental e seus auxílios financeiros para atividades inovadoras, além de sua atuação na regulamentação do setor (mediante, por exemplo, normas para segurança e emissão de poluentes). e. Regime macroeconômico Desempenha papel central na dinâmica produtiva e de investimento, afetando diretamente a competitividade do setor por meio das principais variáveis macroeconômicas. Três fatores são essenciais para o processo competitivo, a saber, a taxa de câmbio, a taxa de juros e o regime tributário. Em relação à taxa de câmbio, destacam-se tanto seu nível (tendência de apreciação ou depreciação) como seu grau de volatilidade, uma vez que impactam as decisões de como suprir a demanda interna (com maior ou menor participação de oferta externa via importações tanto de bens finais como de insumos/autopeças), bem como as decisões futuras de criação ou ampliação de capacidade produtiva. Em relação à taxa de juros, sua evolução condiciona as modalidades de financiamento, seja para investimento, seja para aquisição de veículos. O regime tributário, por sua vez, é importante em duas direções: por um lado, na incidência de impostos e contribuições sobre as empresas do setor, que pode implicar menor propensão a investir no país; por outro, no repasse de desonerações tributárias sobre bens do setor para os preços e seus impactos sobre as vendas, dada a elasticidade-preço da demanda. f. Padrão de financiamento Refere-se não apenas às condições de financiamento atreladas a novos investimentos e à comercialização de veículos em termos de volume de crédito, taxas de juros e prazos de pagamento, mas também às formas de financiamento, particularmente de novos investimentos. Neste caso, destacam-se o autofinanciamento pelas próprias filiais, os empréstimos das matrizes, o crédito bancário, a emissão de ações ou títulos de dívida nos mercados de capitais e a captação de recursos públicos mediante, por exemplo, bancos de desenvolvimento. g. Estrutura de proteção Trata-se do regime praticado em âmbito doméstico que condiciona a dinâmica interna-externa do setor no país, especialmente no que tange à entrada de novos players, ao acirramento da concorrência e à manutenção da cadeia produtiva interna (desde 12 veículos até autopeças, o que se relaciona ao grau de conteúdo local ou regional da produção). Destacam-se, nesse sentido, como fatores preponderantes, o regime tributário (ponto 2), a taxa de câmbio (ponto 2) e os acordos comerciais (ponto 8). O regime tributário atua em duas principais vertentes: por um lado, em termos de benefícios fiscais para a instalação de novas fábricas, especialmente de novos entrantes no mercado nacional; e, por outro, em termos da tributação incidente sobre bens finais ou insumos importados. A taxa de câmbio influencia, conforme mencionado anteriormente, o suprimento da demanda via oferta externa, bem como as decisões de investir, incluindo não apenas eventuais importações para a concretização do investimento, mas também possibilidades de exportação que devem ser incluídas no planejamento de uma decisão de gerar nova capacidade produtiva. Essa dinâmica também depende dos acordos comerciais existentes entre os países, que podem facilitar os fluxos comerciais entre eles, isentando-os, por exemplo, de tarifas de importação. h. Vantagens de custo, oportunidades de demanda e estratégias intracorporação Esse atributo centra-se nas estratégias intracorporação e nos arranjos geográficos da produção decorrentes a partir de oportunidades de demanda e de redução de custos em distintos países, dada a maior flexibilidade do padrão produtivo. Está diretamente vinculado à estrutura doméstica de proteção (ponto 4) e eventual complementaridade regional (ponto 8). Ou seja, haja vista a maior mobilidade dos fluxos de capitais e bens em escala global e a maior flexibilidade de realizar alterações no arranjo produtivo dentro de uma estratégia coordenada e integrada no âmbito da corporação, oportunidades de demanda em expansão e/ou vantagens de custo em determinadas regiões podem alterar a organização geográfica da produção, tanto a curto prazo (apenas ajustes temporários na produção via fluxos comerciais) quanto a médio e longo prazo (quando da realização de novos investimentos em determinados mercados). i. Gestão do grau de utilização da capacidade Atrelada aos pontos 2, 4 e 5, a gestão do grau de utilização da capacidade produtiva é um condicionante competitivo adicional, sobretudo por se tratar de um setor que tende a apresentar capacidade ociosa planejada. Isso permite realizar ajustes temporários na produção para atender demanda em expansão ou aproveitar vantagens de custo em determinadas localidades, sob a lógica discutida no ponto 5. 13 j. Padrão de especialização da produção Vincula-se ao tipo ou porte de veículo produzido no país e o consequente arranjo produtivo para atender esse padrão de especialização da produção, que pode ser reforçado a partir da existência de articulação e complementaridade regional (ponto 8). Essa orientação a respeito de um padrão de especialização torna-se particularmente relevante no contexto atual do direcionamento mais amplo da demanda por veículos compactos e subcompactos em diversas economias, além de energeticamente eficientes, econômicos em combustível e menos poluentes (ponto 1). l. Articulação e complementaridade regional A existência de articulação e complementaridade regional da produção, expressa em acordos de comércio ou investimento sobretudo entre países geograficamente próximos, condiciona a dinâmica competitiva no setor ao influenciar seja a conformação de uma estrutura de proteção (ponto 4), seja a estratégia intracorporação de alocação geográfica da produção (ponto 5), seja o padrão de especialização da produção de um país dado o estabelecimento de regimes com outros parceiros (ponto 7). Torna-se, portanto, fundamental na compreensão da dinâmica produtiva e de investimentos conduzida pelas empresas em âmbito local e regional. 2. Estrutura recente da oferta Nesta seção, apresenta-se a estrutura de oferta mundial do setor automobilístico em termos de distribuição geográfica e empresas líderes. Aos indicadores de produção adicionam-se análises sobre investimento e comércio. Discute-se, ademais, como está estruturada a oferta no Brasil, avaliando principais players, comércio, investimento e utilização da capacidade instalada do setor. a. No mundo A estrutura de oferta mundial do setor automobilístico modificou-se muito nos últimos anos. Conforme mencionado anteriormente, houve um processo de reconfiguração da organização da produção compatível com os movimentos de formação de redes globais ou regionais de produção e de rearticulação e descentralização das etapas produtivas em âmbito mundial. A Tabela 1 aponta para um forte incremento da produção mundial de veículos (cerca de 58 milhões de unidades em 2000 e mais de 80 milhões de unidades em 2011) e um deslocamento da produção na 14 última década em direção às economias emergentes, sobretudo asiáticas. Tem-se de um lado um processo de estagnação da produção nas economias centrais – particularmente na Tríade (Estados Unidos, Europa3 e Japão) – e de outro um forte movimento de expansão produtiva nas economias emergentes. Ressalta-se o ganho de importância dos BRICs na produção mundial, em especial de China, Índia e Brasil. Trata-se de uma mudança estrutural recente e importante na configuração geográfica da produção do setor4. Tabela 1 – Produção mundial de veículos por região/país, 2000, 2010 e 2011 (em unidades) Europa União Europeia (27 países) União Europeia (15 países) União Europeia (novos membros) Outros Europa (incluída a Turquia) América Nafta México EUA América do Sul Brasil Ásia-Oceania China Japão África Total Memo: BRICs Brasil Rússia Índia China 2000 2010 20.275.343 19.775.057 17.698.614 1.934.927 12.799.857 2.076.443 1.671.093 17.928.025 2.069.069 10.144.347 317.132 58.295.557 19.891.258 17.107.350 13.825.846 3.281.504 2.783.908 16.367.398 12.173.015 2.342.282 7.762.544 4.194.383 3.381.728 40.930.255 18.264.761 9.628.920 515.076 77.703.987 5.738.936 26.606.806 1.671.093 3.381.728 1.202.589 1.403.244 796.185 3.557.073 2.069.069 18.264.761 Variação 2000- Contribuição 2010 (%) 2000-2010 (%) -1,9 -2,0 -17,2 -17,6 -31,2 -28,5 21,1 2,1 -39,4 -26,0 102,0 10,9 102,4 8,8 128,3 118,5 782,8 83,4 -5,1 -2,7 62,4 1,0 33,3 100,0 363,6 102,4 16,7 346,8 782,8 2011 21.190.207 17.707.126 14.309.332 3.397.794 3.483.081 17.786.518 13.468.490 2.680.037 8.653.560 4.318.028 3.406.150 40.574.202 18.418.876 8.398.654 556.637 80.107.564 107,5 27.739.579 8,8 3.406.150 1,0 1.988.036 14,2 3.926.517 83,4 18.418.876 Variação 2010- Contribuição 2011 (%) 2010-2011 (%) 6,5 54,0 3,5 25,0 3,5 20,1 3,5 4,8 25,1 29,1 8,7 59,0 10,6 53,9 14,4 14,1 11,5 37,1 2,9 5,1 0,7 1,0 -0,9 -14,8 0,8 6,4 -12,8 -51,2 8,1 1,7 3,1 100,0 4,3 0,7 41,7 10,4 0,8 47,1 1,0 24,3 15,4 6,4 Fonte: Elaboração própria. Dados Oica. Essa mudança de caráter estrutural torna-se ainda mais explícita no Gráfico 1, que apresenta as dez maiores economias produtoras de veículos no mundo em 2011. Ao se comparar 2000 e 2011, observa-se uma queda absoluta da produção nos Estados Unidos, Japão, Espanha e França. No caso da Alemanha, apesar do aumento absoluto na produção de veículos, houve redução de sua participação relativa na produção mundial do setor. Em contrapartida, a produção em mercados emergentes expandiu-se significativamente em termos absolutos e relativos. O caso mais notório é o chinês, cuja 3 Cabe a ressalva de que mesmo dentro da Europa há movimentos contrastantes, visto que uma tendência recente das corporações foi deslocar parte das atividades produtivas para o Leste Europeu, no qual poderiam aproveitar sobretudo vantagens de custo em relação às economias da Europa Ocidental. 4 Vale frisar que, apesar de a comparação anual 2010-2011 sinalizar para uma retomada da produção nas economias centrais, tais como os Estados Unidos – o que é relevante para a dinâmica do setor –, a produção em tais economias foi fortemente abalada pela crise internacional eclodida a partir de 2008 e ainda se encontra em fase de tentativa de recuperação. 15 produção passou de 2 milhões de unidades em 2000 para mais de 18 milhões de unidades em 2011, elevando sua participação na produção mundial de 3,5% para quase ¼ do total no período e ultrapassando os EUA como maior produtor de veículos no mundo. A produção absoluta no Brasil dobrou no período, passando de 1,7 milhão de unidades em 2000 para 3,4 milhões de unidades produzidas em 2011, o que representou um aumento de sua participação relativa na produção mundial de 2,9% para 4,3%. Gráfico 1 – Produção dos principais países produtores de veículos no mundo em 2000 e 2011, ordenados com base na produção de 2011* (unidades e % da produção mundial total) China 23,0% 3,5% 10,8% EUA 10,5% Japão 22,0% 17,4% 7,9% 9,5% Alemanha Coreia do Sul 5,3% Índia 4,9% 1,4% Brasil 5,8% 2,9% 4,3% 3,3% 3,3% México 2,9% 5,2% Espanha 2,9% 5,7% França Outros 23,8% 0 5.000.000 10.000.000 2000 15.000.000 23,7% 20.000.000 2011 Fonte: Elaboração própria. Dados Oica. * As barras expressam o número de unidades produzidas, mensurado no eixo inferior. Os valores em frente às barras correspondem ao percentual da produção mundial total realizada pelo país em cada ano. Como condicionantes desse deslocamento da produção para as economias emergentes destacam-se: o tamanho de seus mercados consumidores e o forte potencial de demanda em expansão; as vantagens de custo, desde matérias-primas até mão de obra; a manutenção de proximidade com fornecedores; a constituição de plataformas de exportação; e a promoção de integração regional da produção. É interessante notar também se houve deslocamento da capacidade de produção. Apesar das limitações dos dados – por exemplo, a categoria de veículos e outros equipamentos de transporte é mais abrangente do que o setor em análise –, pode-se verificar, em linhas gerais, que o fluxo de entrada de Investimento Direto Estrangeiro (IDE) do setor de veículos e outros equipamentos de transporte em economias em desenvolvimento cresceu mais do que em 16 economias desenvolvidas, se comparados os períodos de meados da década de 2000 e início da década de 1990, aumentando a participação das economias em desenvolvimento no total do IDE recebido (Tabela 2). Tabela 2 – Estoque interno, estoque externo, fluxo de entrada e fluxo de saída de IDE, por setor e conjunto de países (US$ milhões) Economias desenvolvidas Total Estoque Setor industrial interno Veículos e outros equip. de transporte Total Estoque Setor industrial externo Veículos e outros equip. de transporte 1.579.483 640.572 46.976 1.765.278 769.479 58.300 Total Fluxo de Setor industrial entrada Veículos e outros equip. de transporte Total Fluxo de Setor industrial saída Veículos e outros equip. de transporte 151.998 47.769 3.530 217.637 80.050 4.061 Economias em Total Economias Economias em Sudeste Europeu e Total desenvolvimento mundial desenvolvidas desenvolvimento CIS mundial 1990 2007 362.632 1.942.116 11.583.162 3.816.510 297.204 15.696.876 158.026 798.598 3.251.613 916.814 77.407 4.245.834 8.226 55.202 317.231 51.088 1.721 370.039 20.306 1.785.584 14.277.765 1.909.575 19.884 16.207.225 7.217 776.696 4.051.964 163.876 1.603 4.217.443 10 58.310 627.266 1.547 11 628.823 1989-1991 2005-2007 34.551 186.549 1.060.084 367.294 43.886 1.471.264 16.081 63.849 232.141 113.850 7.192 353.183 328 3.859 5.914 2.263 330 8.507 6.142 223.779 1.332.782 140.901 270 1.473.953 3.494 83.543 335.135 24.414 98 359.647 4.061 29.033 170 1 29.204 Fonte: Elaboração própria. Dados da Unctad (2009) – World Investment Report. Em relação ao fluxo de saída de IDE dessas economias no setor, o montante ainda era pouco expressivo, de acordo com os dados disponíveis, o que dificulta a mensuração da expansão dos novos players asiáticos de economias emergentes para outros mercados. No entanto, vale sublinhar a intensificação do processo de fusões e aquisições (F&A), já bastante típico na configuração do setor, nos anos mais recentes, após a eclosão da crise internacional, com algumas companhias de economias emergentes adquirindo marcas de grandes grupos. Pode-se mencionar, por exemplo, a venda das marcas Jaguar e Land Rover pela Ford para a indiana Tata Motors em 2008 e da Volvo também pela Ford para a chinesa Geely em 20105. Uma análise complementar que contribui na caracterização da estrutura de oferta do setor refere-se aos fluxos comerciais entre as economias. A Tabela 3 indica a importância dos fluxos de exportação intrarregionais de produtos automotivos, reflexo da constituição de sistemas produtivos com forte caráter regional, condicionados por acordos comerciais e de investimento entre economias geograficamente próximas ou pertencentes a blocos econômicos comuns. Destaca-se, em particular, a concentração comercial no eixo europeu. Como principais exportadores mundiais de produtos automotivos, apresentam-se a União Europeia, o Japão e os Estados Unidos (Tabela 4). Como principais importadores, têm-se União Europeia e EUA, seguidos por Canadá e China (Tabela 5). 5 Ver Borghi (2011) sobre os processos de reestruturação das corporações, sobretudo americanas, diante da crise internacional. 17 Tabela 3 – Exportações de produtos automotivos de regiões selecionadas, por destino (US$ bilhões e %) Regiões Mundo Europa Mundo Europa América do Norte Ásia África CIS Oriente Médio América do Sul e Central Ásia Mundo Ásia América do Norte Europa Oriente Médio África América do Sul e Central CIS América do Norte Mundo América do Norte Europa Ásia Oriente Médio América do Sul e Central África CIS Valor Participação no total de exportações da região Participação no total das exportações mundiais 2010 1.092,0 2005 100,0 2010 100,0 2005 100,0 559,4 409,6 50,8 43,5 17,9 15,7 11,8 9,5 100,0 78,4 4,3 10,2 1,6 2,3 2,0 0,9 100,0 73,2 9,1 7,8 3,2 2,8 2,1 1,7 54,9 43,0 2,4 5,6 0,9 1,3 1,1 0,5 51,2 37,5 4,7 4,0 1,6 1,4 1,1 0,9 277,2 88,4 75,5 38,5 30,1 18,1 14,0 12,3 100,0 24,3 38,1 19,4 7,6 3,6 3,8 3,1 100,0 31,9 27,2 13,9 10,9 6,5 5,1 4,4 21,2 5,2 8,1 4,1 1,6 0,8 0,8 0,7 205,5 156,6 13,1 13,0 9,9 8,8 3,1 1,0 100,0 83,4 3,5 6,8 2,3 2,8 0,7 0,4 100,0 76,2 6,4 6,3 4,8 4,3 1,5 0,5 20,6 17,2 0,7 1,4 0,5 0,6 0,2 0,1 Variação anual percentual 2010 2005-2010 100,0 3,5 2009 -31,5 2010 29,1 2,1 0,7 18,5 -3,3 16,8 6,2 3,4 15,0 -30,3 -28,7 -13,8 -36,5 -68,0 -14,5 -35,1 -34,5 17,6 9,7 70,6 36,7 73,6 10,8 16,8 69,5 25,4 8,1 6,9 3,5 2,8 1,7 1,3 1,1 7,3 13,3 0,3 0,3 15,2 20,8 13,8 15,5 -34,0 -14,0 -33,7 -38,2 -36,8 -36,5 -27,9 -79,8 45,3 49,4 37,0 32,3 45,5 78,9 25,7 136,4 18,8 14,3 1,2 1,2 0,9 0,8 0,3 0,1 1,7 -0,2 14,5 0,4 17,5 10,4 17,3 7,8 -31,7 -28,6 -22,7 -49,5 -31,3 -35,1 -28,6 -80,9 43,7 45,0 73,3 10,6 57,7 39,2 21,2 108,0 Fonte: Elaboração própria. Dados da OMC – International Trade Statistics 2011. Tabela 4 – Principais exportadores de produtos automotivos (US$ bilhões e %) União Europeia (27) Japão Estados Unidos México Coreia do Sul Canadá China Tailândia Turquia Brasil Argentina Índia África do Sul Emirados Árabes Unidos Taiwan Total dos 15 acima Valor Participação nas exportações mundiais Variação anual percentual 2010 1980 1990 2000 2010 2005-2010 2008 2009 2010 542,8 49,8 49,7 1,9 2,5 -30,3 17,7 149,5 19,8 20,8 15,3 13,7 4,0 7,7 -39,5 44,6 99,7 11,9 10,2 11,7 9,1 3,0 2,3 -34,9 37,3 55,6 0,3 1,4 5,3 5,1 9,4 1,5 -21,4 53,9 54,5 0,1 0,7 2,6 5,0 7,6 -1,3 -24,2 47,3 50,1 6,9 8,9 10,5 4,6 -5,6 -21,3 -34,0 46,7 28,0 0,0 0,1 0,3 2,6 23,0 24,3 -30,7 41,2 18,7 0,0 0,0 0,4 1,7 18,6 28,1 -28,0 60,1 13,8 0,0 0,0 0,3 1,3 8,0 14,7 -32,9 14,7 12,6 1,1 0,6 0,8 1,2 1,1 12,3 -42,0 47,7 8,1 0,1 0,1 0,4 0,7 21,5 21,4 -17,6 47,1 7,9 ... 0,1 0,1 0,7 24,7 42,7 -1,5 65,4 6,7 0,1 0,1 0,3 0,6 9,0 44,1 -34,3 31,7 5,8 ... 0,0 0,1 0,5 14,5 15,1 -10,1 3,4 4,9 ... 0,3 0,4 0,4 4,9 1,7 -13,5 33,3 1.058,7 98,3 97,0 - Fonte: Elaboração própria. Dados da OMC – International Trade Statistics 2011. Tabela 5 – Principais importadores de produtos automotivos (US$ bilhões e %) 18 União Europeia (27) Estados Unidos Canadá China México Rússia Austrália Brasil Turquia Arábia Saudita Japão Suíça África do Sul Emirados Árabes Unidos Argentina Total dos 15 acima Valor Participação nas importações mundiais Variação anual percentual 2010 1980 1990 2000 2010 2005-2010 2008 2009 2010 422,8 42,4 38,0 0,2 -2,4 -29,2 8,2 189,8 20,3 24,7 29,4 17,1 -1,6 -9,8 -33,1 42,3 59,5 8,7 7,7 8,0 5,4 0,7 -8,6 -28,7 36,9 53,0 0,6 0,6 0,7 4,8 31,4 21,0 6,1 71,9 29,4 1,8 0,3 3,5 2,6 3,2 3,4 -29,7 37,3 26,2 0,4 2,4 16,5 44,1 -69,7 82,1 22,9 1,3 1,2 1,5 2,1 8,6 10,8 -30,2 51,7 17,7 0,3 0,2 0,7 1,6 30,2 58,1 -11,1 51,0 15,5 ... 0,4 1,0 1,4 5,2 3,2 -30,7 47,3 14,7 2,7 0,9 0,7 1,3 8,3 3,6 -17,8 43,2 14,2 0,5 2,3 1,7 1,3 1,5 3,3 -36,9 41,4 11,7 1,8 1,9 1,1 1,1 7,1 15,6 -15,7 20,5 11,1 ... ... 0,4 1,0 3,7 -7,9 -35,8 53,7 10,7 0,4 0,3 0,4 1,0 10,5 48,3 -49,1 23,9 10,6 0,6 0,1 0,5 1,0 19,5 33,5 -35,0 71,0 909,8 92,2 81,9 - Fonte: Elaboração própria. Dados da OMC – International Trade Statistics 2011. Nesse quadro de exportadores e importadores, é interessante notar a evolução da participação brasileira nos respectivos fluxos mundiais ao longo das décadas. No dado mais recente, para 2010, o Brasil apresentava um volume de importações (US$17,7 bilhões) muito superior ao de exportações (US$12,6 bilhões), o que se explica por um lado pelo dinamismo do mercado interno e por condições macroeconômicas favoráveis às importações, como taxa de câmbio apreciada; e por outro pelo arrefecimento de outras economias para as quais o país poderia exportar. Além disso, pode-se observar que, enquanto a participação nas exportações mundiais de produtos automotivos retornou em 2010 ao patamar semelhante ao de 1980, após um período de menor peso relativo, a participação nas importações mundiais tendeu a crescer, particularmente de maneira mais acentuada na última década. Essa dinâmica, reforçada pelos dados de variação anual das exportações e importações, aponta para desafios com os quais o país deve lidar para manter um setor competitivo e com forte participação e encadeamento da produção nacional. Por fim, cabe analisar a estrutura de oferta do setor automobilístico no mundo sob a perspectiva das corporações. Constata-se a partir da Tabela 6 que a produção, além de concentrada geograficamente como sinalizado anteriormente, é majoritariamente controlada por um número relativamente pequeno de grandes grupos. A participação de mercado dos seis maiores produtores superou 50% em 2011. Destacam-se, ademais, as diversas modificações nas estruturas patrimoniais dos grupos ao longo da última década e distintas trajetórias de crescimento que se expressam nas diferentes participações de mercado. Indubitavelmente, a aliança estratégica em forma de fusão mais importante no setor nos últimos anos foi a constituição do grupo DaimlerChrysler entre 1998 e 2007. Muitos dos demais grupos também adquiriram ou se desfizeram de marcas ao longo do período, do que se deve enfatizar o movimento mais recente, sobretudo das corporações americanas, de 19 concentrar suas atividades em algumas marcas principais e vender alguns ativos diante da crise e do consequente agravamento de sua situação de fragilidade financeira. Os dados de produção por montadora mostram a estagnação ou mesmo retração do volume produzido por companhias americanas e uma forte expansão de montadoras asiáticas ao longo da década de 2000. Sobressaem a consolidação das empresas japonesas como ofertantes globais – com destaque para a Toyota, que se tornou a maior montadora mundial em 2008, ultrapassando a GM, ainda que tenha perdido o posto em 2011 para GM e Volkswagen em decorrência do terremoto no Japão e seu impacto sobre a produção e a rede de fornecedores, que se encontram concentrados no país – e a forte expansão da sul-coreana Hyundai, que alcançou a quarta posição entre os fabricantes mundiais em 2011. Não se pode esquecer, ainda, a emergência mais recente de outras montadoras asiáticas, chinesas e indianas, em particular – vide crescimento e parcela de mercado da Tata Motors, por exemplo –, como importantes players, que, embora em um movimento incipiente e explorando nichos de mercado, tendem a se fortalecer no cenário global e acirrar a concorrência no setor, sobretudo no segmento de veículos compactos e subcompactos, para o qual há um forte direcionamento da demanda. Tabela 6 – Produção mundial de veículos por montadora (ranking das 20 maiores empresas de acordo com a produção de 2010), 2000, 2010 e 2011 (unidades) 2000 Toyota General Motors Volkswagen Hyundai Ford Nissan Honda PSA Suzuki Renault Fiat Daimler* Chrysler* BMW Mazda Mitsubishi Chana Automobile** Tata Faw** Geely Outros*** Total 2010 5.954.723 8.557.351 8.133.375 8.476.192 5.106.749 7.341.065 2.488.321 5.764.918 7.322.951 4.988.031 2.628.783 3.982.162 2.505.256 3.643.057 2.879.422 3.605.524 1.457.056 2.892.945 2.514.897 2.716.286 2.641.444 2.410.021 2.333.320 1.940.465 2.333.320 1.578.488 834.628 1.481.253 925.876 1.307.540 1.827.186 1.174.383 1.102.683 193.580 1.011.343 896.060 802.319 6.311.489 12.071.776 58.392.376 77.743.862 Variação 20002010 (%) 43,7 4,2 43,8 131,7 -31,9 51,5 45,4 25,2 98,5 8,0 -8,8 -16,8 -32,4 77,5 41,2 -35,7 422,4 91,3 33,1 Participação de Participação de Participação de Variação 2010mercado 2000 mercado 2010 2011 mercado 2011 2011 (%) (%) (%) (%) 10,2 11,0 8.050.181 -5,9 10,2 13,9 10,9 9.146.340 7,9 11,6 8,7 9,4 8.157.058 11,1 10,4 4,3 7,4 6.616.858 14,8 8,4 12,5 6,4 4.873.450 -2,3 6,2 4,5 5,1 4.631.673 16,3 5,9 4,3 4,7 2.909.016 -20,1 3,7 4,9 4,6 3.582.410 -0,6 4,5 2,5 3,7 2.725.899 -5,8 3,5 4,3 3,5 2.825.089 4,0 3,6 4,5 3,1 2.399.825 -0,4 3,0 4,0 2,5 1.528.008 -21,3 1,9 4,0 2,0 2.004.514 27,0 2,5 1,4 1,9 1.738.160 17,3 2,2 1,6 1,7 1.165.591 -10,9 1,5 3,1 1,5 1.140.282 -2,9 1,4 1,4 681.719 -38,2 0,9 0,3 1,3 1.061.229 4,9 1,3 1,2 621.271 -30,7 0,8 1,0 902.824 12,5 1,1 10,8 15,5 12.038.086 -0,3 15,3 100,0 100,0 78.799.483 1,4 100,0 Fonte: Elaboração própria. Dados Oica. * Produção da DaimlerChrysler em 2000 = 4.666.640 unidades. Na tabela, produção rateada entre as empresas em igual proporção (50%) no referido ano. Fusão entre 1998 e 2007. ** Produção apenas do grupo nacional. Não inclui a produção decorrente das joint ventures dessas companhias com montadoras estrangeiras. *** Em 2000, inclui unidades produzidas pelas empresas chinesas mencionadas na tabela, cujos valores não são apresentados discriminadamente no referido ano. 20 b. No Brasil Engajada nas transformações produtivas globais conduzidas pelas grandes corporações que lideram o setor automobilístico, a estrutura de oferta no Brasil também se alterou bastante nos últimos anos. Destacam-se a expansão da produção ao longo da década, a dinâmica de comércio exterior, a consolidação de novos players na produção nacional (japoneses e franceses, sobretudo) e os ciclos de investimento. Conforme ressaltado anteriormente, a produção de veículos no país dobrou entre 2000 e 2011, com um forte incremento a partir de 2003 e 2004. Nesses anos, a produção respondeu especialmente a um incremento das exportações. O coeficiente exportado da produção alcançou 32,7% em 2004 e 35,4% em 2005, a partir de quando passou a declinar (Tabela 7). Nos anos subsequentes, porém, é mais nítido um aquecimento da demanda interna, que tem puxado a produção, de modo que a diferença entre produção e vendas internas se afunilou e parte crescente das vendas domésticas passou a ser suprida por importações. O coeficiente de importados nas vendas, que havia atingido 3,9% em 2004, mostrou forte elevação a partir de então, sendo beneficiado pelas condições de expansão do mercado interno e o câmbio fortemente apreciado (Tabela 7). Tabela 7 – Produção e vendas de autoveículos no Brasil, 2000-2011 (unidades) Produção Vendas internas Vendas externas Importações % Exportações na produção % Importações nas vendas internas 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 1.691.240 1.817.116 1.791.530 1.827.791 2.317.227 2.530.840 2.612.329 2.980.166 3.216.381 3.183.482 3.646.548 3.432.616 1.489.481 1.601.282 1.478.621 1.428.610 1.578.775 1.714.644 1.927.738 2.462.728 2.820.350 3.141.240 3.515.064 3.633.248 371.299 390.854 424.415 535.980 758.787 897.144 841.816 789.371 734.583 475.325 767.432 578.728 174.178 178.316 115.244 73.803 61.722 87.961 142.366 277.083 375.150 488.874 660.256 857.901 22,0 21,5 23,7 29,3 32,7 35,4 32,2 26,5 22,8 14,9 21,0 16,9 11,7 11,1 7,8 5,2 3,9 5,1 7,4 11,3 13,3 15,6 18,8 23,6 Fonte: Elaboração própria. Dados Anfavea. Essa dinâmica de substituição de oferta nacional de bens finais e insumos por oferta externa agravou-se a partir da crise. Apesar da retomada parcial das exportações, o ritmo de aumento das importações foi mais acentuado, ampliando o déficit comercial tanto de autoveículos (desde 2009) como de autopeças (desde 2008) e apontando para a estratégia adotada pelas corporações de suprir crescentemente por meio de oferta externa o rápido reaquecimento da demanda doméstica (Gráfico 2). Em 2011, o coeficiente de veículos importados alcançou 23,6% das vendas (Tabela 7). Não bastasse a dinâmica deletéria de oferta externa sobre o desenvolvimento industrial doméstico, as corporações do setor com filiais no país acabaram por adotar uma estratégia de remeter às suas matrizes no exterior grande parcela das rendas obtidas 21 no mercado brasileiro, sobretudo diante do cenário de crise internacional, de modo a cobrir, ao menos em parte, os prejuízos alhures com os recursos de mercados em expansão. O Gráfico 3 retrata nitidamente esse movimento no caso da indústria automobilística brasileira, com montantes de remessas de lucros e dividendos que poderiam ser reinvestidos no país bastante superiores aos de ingressos de IDE. Tal fato aponta que os investimentos do setor no país poderiam ser maiores que os anunciados pelas empresas no período, dado esse elevado potencial de recursos que poderia ser aplicado domesticamente, inclusive na expansão dos gastos em pesquisa e desenvolvimento (P&D). Gráfico 2 – Exportação, importação e saldo comercial, autoveículos e autopeças no Brasil, 2001-2011 (em US$ milhões) Autoveículos Autopeças Fonte: Elaboração própria. Dados Secex-MDIC. Gráfico 3 – Remessas de lucros e dividendos e ingressos de IDE do setor automotivo: Brasil, 2005-2012 22 6.000 10 9 8,9 5.000 8 4.500 7 US$ milhões 4.000 3.500 6 5,8 3.000 5 4,6 2.500 4,0 2.000 4 3,1 3 1.500 1,9 2 1.000 500 1,3 Relação remessas / ingressos 5.500 1 0,5 0 0 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 Remessas de lucros e dividendos (US$ milhões) Ingressos de IDE (US$ milhões) Relação remessas / ingressos Fonte: Elaboração própria. Dados do Banco Central. Em um setor concentrado que opera com capacidade planejada, como o automobilístico, é importante complementar a análise da produção com a gestão do grau de utilização da capacidade instalada pelas empresas. O Gráfico 4 mostra o acentuado impacto da crise sobre a utilização da capacidade produtiva ao final de 2008, como resultado da forte contração dos mercados de crédito e das vendas do setor e da maior incerteza em relação às perspectivas de recuperação da demanda a curto prazo. O nível de utilização da capacidade, que se mantinha sob o mercado aquecido em torno de 90%, reduziu a 75%. Entretanto, a partir das medidas para a retomada da demanda, a utilização da capacidade instalada foi gradualmente recuperada, alcançando em 2010 novamente o patamar de 90%. Diante desse cenário de demanda em expansão e elevado grau de utilização da capacidade, uma ampliação significativa da capacidade produtiva do setor mediante a realização de novos investimentos plenamente se justificaria, principalmente em detrimento do forte impulso doméstico dado à oferta externa no período. Vale notar um aumento mais recente em 2012 do nível de ociosidade, eventualmente associado à elevação do volume importado e ao menor dinamismo econômico. 23 Gráfico 4 – Grau de utilização da capacidade instalada: veículos automotores, Brasil, 2005-2012 (%) 100 95 90 85 80 75 70 65 60 55 jul jan 12 jul jan 11 jul jan/10 jul jan 09 jul jan 08 jul jan 07 jul jan 06 jul jan 05 50 Fonte: Elaboração própria. Dados da CNI – Indicadores Industriais. A estrutura de oferta brasileira também apresenta uma forte concentração entre um número limitado de montadoras, porém diferencia-se do padrão mundial. A Tabela 8 mostra a distribuição da produção nacional de veículos por montadora, do que se destacam três fatos. Em primeiro lugar, nota-se uma elevada concentração da produção. As oito maiores montadoras listadas respondiam ao longo do período por mais de 90% do total produzido. Desse total, a parcela mais expressiva resultava das operações das quatro maiores montadoras, a saber, Volkswagen, Fiat, General Motors e Ford. Em 2000, elas eram responsáveis por mais de 88% da produção nacional de autoveículos. No entanto, e em segundo lugar, a participação dessas montadoras declinou ao longo da década, atingindo cerca de 75% em 2011. Embora a produção ainda seja bastante concentrada, isso demonstra o processo de expansão e consolidação de outras companhias no mercado produtivo doméstico, em especial das montadoras francesas (Renault e PSA Peugeot Citroën) e japonesas (Honda e Toyota), cujo ciclo de entrada no mercado brasileiro com plantas produtivas remete ao final da década de 1990 e início dos anos 2000. Com a recente instalação de capacidade produtiva de outras montadoras no país, tais como Hyundai, e a atração de montadoras chinesas, a configuração e a concentração da produção do setor tendem a se transformar mais nos próximos anos. Tabela 8 – Produção de autoveículos no Brasil por montadora, 2000-2011 (em unidades) 24 Volkswagen Fiat General Motors Ford Renault PSA Honda Toyota Subtotal Total 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 490.871 518.026 493.966 441.197 646.371 693.324 731.967 796.961 848.889 857.549 1.067.105 828.444 29,0 28,5 27,6 24,1 27,9 27,4 28,0 26,7 26,4 26,9 29,3 24,1 433.781 436.640 386.611 358.204 437.024 503.105 562.531 717.839 722.450 736.620 757.418 762.181 25,6 24,0 21,6 19,6 18,9 19,9 21,5 24,1 22,5 23,1 20,8 22,2 442.231 513.558 517.167 511.517 562.012 561.449 550.185 576.952 603.819 598.773 651.051 643.369 26,1 28,3 28,9 28,0 24,3 22,2 21,1 19,4 18,8 18,8 17,9 18,7 122.945 120.557 159.964 219.971 277.960 326.957 320.124 313.237 326.090 347.519 353.128 326.779 7,3 6,6 8,9 12,0 12,0 12,9 12,3 10,5 10,1 10,9 9,7 9,5 58.083 71.108 48.040 58.606 66.645 60.507 65.604 97.458 122.160 121.529 172.455 220.625 3,4 3,9 2,7 3,2 2,9 2,4 2,5 3,3 3,8 3,8 4,7 6,4 18.116 49.437 46.686 68.859 98.902 95.686 119.439 130.975 117.289 149.472 146.299 1,0 2,8 2,6 3,0 3,9 3,7 4,0 4,1 3,7 4,1 4,3 20.568 22.058 20.564 33.927 56.544 65.527 78.962 106.027 131.139 132.122 131.455 85.545 1,2 1,2 1,1 1,9 2,4 2,6 3,0 3,6 4,1 4,2 3,6 2,5 18.809 14.649 17.426 40.953 53.131 57.356 57.991 55.974 66.983 62.713 64.588 60.456 1,1 0,8 1,0 2,2 2,3 2,3 2,2 1,9 2,1 2,0 1,8 1,8 1.587.288 1.714.712 1.693.175 1.711.061 2.168.546 2.367.127 2.463.050 2.783.887 2.952.505 2.974.114 3.346.672 3.073.698 93,9 94,4 94,5 93,6 93,6 93,5 94,3 93,4 91,8 93,4 91,8 89,5 1.691.240 1.817.116 1.791.530 1.827.791 2.317.227 2.530.840 2.612.329 2.980.166 3.216.381 3.183.482 3.646.548 3.432.616 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 Fonte: Elaboração própria. Dados Anfavea. Nota: Para cada empresa, dados na linha superior em unidades e dados na linha inferior em porcentagem do total. Em terceiro lugar, essa estrutura de oferta por montadora difere-se do padrão global, no sentido de que não há uma correspondência estrita entre os maiores produtores mundiais e os maiores produtores no mercado nacional. Ou seja, por um lado, importantes ofertantes que já se firmaram em nível mundial, tais como Toyota e Hyundai, ainda estão buscando conquistar espaço no mercado nacional em um movimento mais recente e, em parte, incipiente. Por outro lado, montadoras com menor expressividade na produção mundial, a exemplo da Fiat, são centrais na produção doméstica. Neste caso específico, o fato de o Brasil ser o mais importante mercado da montadora para além da Itália contribui na explicação dessas diferenças. Por fim, cabe destacar os dois ciclos de investimentos realizados no setor nas últimas duas décadas (Gráfico 5). O primeiro ocorreu em meados da década de 1990 em função de diversos fatores, por exemplo: o grande potencial de mercado existente impulsionado pela estabilização de preços e pelo ressurgimento do crédito ao consumo; a estratégia das montadoras de interligar os mercados regionais ao participar do processo de criação do Mercosul, visando a otimizar a utilização de fatores produtivos na região (principalmente com a Argentina), racionalizar os investimentos e incrementar a qualidade dos produtos, combinado com o processo de maior liberalização comercial e consequente redução das tarifas de importação; a negociação de redução de impostos sobre carros populares, o que marcaria o padrão de especialização do setor no Brasil nesse segmento de veículos; e o estabelecimento do regime automotivo para ampliar e modernizar o parque produtivo existente, com suas diretrizes anunciadas em meados de 1995 (SARTI, 2001; BAER; CINTRA, 2004). 25 % faturamento 2011 2010 2009 2008 2007 2006 2005 2004 0 2003 0 2002 2 2001 1.000 2000 4 1999 2.000 1998 6 1997 3.000 1996 8 1995 4.000 1994 10 1993 5.000 1992 12 1991 6.000 1990 US$ milhões Gráfico 5 – Volume de investimentos no Brasil – autoveículos e autopeças, 1990-2011 Investimento - autoveículos (US$ milhões) Investimento - autopeças (US$ milhões) Investimento - autopeças (% faturamento) Fonte: Elaboração própria. Dados Anfavea. Nota: Dados preliminares para 2011. O segundo ciclo de investimentos é mais recente e remete à expansão do mercado doméstico a partir da segunda metade da década de 2000. Foi motivado pela retomada da trajetória positiva de emprego e renda no país, perspectivas de expansão da demanda doméstica e melhorias nas condições de financiamento, sobretudo a partir do declínio das taxas de juros e fortalecimento das operações de financiamento às empresas pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Esse ciclo, contudo, foi parcialmente interrompido pela crise, embora tenda a se fortalecer a partir da execução dos planos de investimento anunciados para os próximos anos, o que deve ampliar a capacidade de oferta brasileira e acirrar a concorrência no mercado nacional a partir do estabelecimento de unidades produtivas de novos players. Notam-se, todavia, algumas diferenças entre esses ciclos de investimentos, em especial separando-se os investimentos de montadoras e fornecedores de autopeças. Em primeiro lugar, o montante do segundo ciclo de investimentos é mais expressivo do que foi o do primeiro. Em segundo lugar, os investimentos de fornecedores tenderam a acompanhar os investimentos das montadoras em proporção muito maior no primeiro ciclo do que no segundo, haja vista que, embora em valores absolutos os investimentos de autopeças sejam significativos, não acompanharam no mesmo ritmo a expansão dos investimentos das montadoras, um indício adicional em relação ao suprimento recente 26 por oferta externa não apenas dos bens finais (veículos), mas também dos insumos da cadeia produtiva (autopeças). Por último, percebe-se um forte declínio da proporção do faturamento das companhias de autopeças destinado a investimentos, o que reforça a necessidade de assegurar mediante políticas públicas a competitividade das empresas e estimular a produção com conteúdo nacional. A partir dessas constatações, deve-se realizar uma importante distinção acerca do segundo ciclo de investimentos, comparando os períodos 2003-2008 e 2009-2011 em termos de investimentos e importações para autoveículos e autopeças (Gráfico 6). Para o setor automotivo como um todo, o montante total de investimentos praticamente não se alterou enquanto as importações se ampliaram (em um período relativamente menor), ocasionando uma elevação da relação entre importações e investimentos. Esse movimento, contudo, é explicado por dinâmicas diferentes nos segmentos de autoveículos e autopeças. Para autoveículos, apesar de um incremento dos investimentos no período recente, observa-se uma elevação do valor das importações muito mais expressiva, o que resulta em aumento da relação entre importações e investimentos. Para autopeças, verifica-se uma queda tanto dos investimentos como das importações, porém de modo mais acentuado no montante investido, provocando sob outras circunstâncias uma elevação do coeficiente entre importações e investimentos. Além disso, tal relação é muito maior no caso de autopeças do que de autoveículos, ressaltando a maior dependência de oferta externa para o mesmo montante investido no caso dos fornecedores de autopeças em comparação às montadoras. Gráfico 6 – Investimentos e importações de autoveículos e autopeças, Brasil, acumulado 2003-2008 e 2009-2011 27 Valor dos investimentos e das importações (US$ milhões) Relação entre importações e investimentos (%) Fonte: Elaboração própria. Dados Anfavea e Sindipeças. Essa relação explicita um dos principais desafios que se colocam no período recente para se pensar o desenvolvimento futuro do país, o que passa por assegurar e ampliar suas bases industriais. Diante do contexto recente de crise, observou-se um impacto mais forte do estímulo à demanda sobre as importações do que sobre a produção e o investimento, tanto para autoveículos quanto para autopeças. Ou seja, o rápido reaquecimento da demanda doméstica traduziu-se em impulso maior à oferta externa ao invés de fortalecer os encadeamentos produtivos no país. Além disso, houve um aumento das remessas de lucros e dividendos em relação aos investimentos externos. Tais constatações verificaram-se ainda em um cenário de elevado grau de utilização da capacidade instalada do setor no Brasil. 28 Essa dinâmica indica para um baixo comprometimento das empresas do setor com a base produtiva no país, sobretudo porque utilizaram em alguma medida a capacidade ociosa em outras localidades para atender ao mercado brasileiro e transferiram parte da renda e do lucro gerados domesticamente para o caixa da matriz, quando de nítidas oportunidades de converter esse capital em um volume de novos investimentos muito superior ao efetuado e fortalecer a estrutura produtiva e de inovação brasileira. Quanto mais investimentos em geral, com as filiais e a base produtiva local adquirindo maior importância na dinâmica das corporações, maiores as possibilidades de ampliação de investimentos em inovação de produto e processo em âmbito doméstico. Dessa forma, são necessárias políticas que, junto aos interesses empresariais, promovam a realização de investimentos com menor elasticidade das importações, preservando os encadeamentos produtivos domésticos. Disso decorre a preocupação governamental acerca da manutenção da produção nacional, motivando alterações de política no setor para os próximos anos, a fim de que os estímulos de demanda a partir da crise e o aquecimento do mercado interno se traduzam em um impulso para a produção e articulação produtiva doméstica maior do que um transbordamento para o setor externo. 3. Dinâmica recente da demanda Analisa-se nesta seção a dinâmica recente da demanda do setor no mundo e no Brasil. Procura-se identificar os principais mercados consumidores e as tendências da demanda doméstica, detalhando sua evolução e ressaltando as transformações econômicas que a impulsionaram. a. No mundo Assim como a estrutura de oferta, a estrutura de demanda do setor automobilístico no mundo também sofreu modificações importantes ao longo da última década. Houve alterações significativas entre os principais mercados consumidores de veículos, com sinais de expansão das economias emergentes e estagnação das economias avançadas. A China tornou-se o maior demandante de veículos, ultrapassando os Estados Unidos em 2009. Brasil e Índia também apresentaram elevado crescimento e se firmaram entre os maiores consumidores, ao passo que Japão e Alemanha, tradicionais mercados de veículos, encolheram. 29 O Gráfico 7 mostra a evolução das vendas ao longo dos anos 2000. Além da forte ascensão chinesa, destaca-se o crescente desempenho brasileiro (a partir de 2005) e indiano (a partir de 2003). Dado o cenário de arrefecimento econômico nas economias avançadas e a recuperação mais rápida promovida por grandes economias emergentes frente à crise internacional, o Brasil ultrapassou a Alemanha em 2010 como mercado consumidor de veículos e o Japão ao longo de 2012, o que o coloca atualmente como terceiro maior mercado mundial. A Índia ocupa a sexta posição e logo deve superar outros mercados tradicionais. Gráfico 7 – Evolução das vendas de veículos dos 6 principais mercados consumidores (de acordo com classificação em 2011), 1999-2011 (mil unidades) 20.000 18.000 16.000 14.000 12.000 10.000 8.000 6.000 4.000 2.000 0 1999 2000 2001 China 2002 2003 2004 Estados Unidos 2005 Japão 2006 2007 Brasil 2008 2009 Alemanha 2010 2011 Índia Fonte: Elaboração própria. Dados Anfavea. Essas transformações são ainda mais emblemáticas se considerado o ponto de partida dessas economias. Em 2000, os maiores mercados consumidores eram, em ordem decrescente: Estados Unidos, Japão, Alemanha, Itália, França, Reino Unido, China, Canadá, Brasil, Coreia do Sul, México, Índia e Austrália. Em 2011, o ranking apresentava-se com: China, Estados Unidos, Japão, Brasil, Alemanha, Índia, França, Reino Unido, Itália, Canadá, Coreia do Sul, Austrália e México. Ou seja, nesse período a China passou da sétima para a primeira posição, o Brasil da nona para a quarta (ou terceira ao longo de 2012) posição e a Índia da décima segunda para a sexta posição. De 2000 a 2010, a demanda por veículos cresceu 28,6%, sendo a maior parte explicada pelo crescimento de China, Índia e Brasil. Na China, cresceu 763,7%; no Brasil, 136,1%; e, na Índia, 253,8%; enquanto na maior parte das economias avançadas a demanda 30 declinou, com a retração mais acentuada no mercado americano (Tabela 9). Apesar disso, dados de 2010 e 2011 apontam para o início de recuperação da demanda em alguns mercados mais afetados pela crise, a exemplo dos Estados Unidos. Diante da crise e seus desdobramentos, contudo, a recuperação mais rápida aconteceu nas economias emergentes. Nas economias avançadas, ainda que se tenham também adotado pacotes de estímulo à demanda mediante incentivos tributários ou financeiros à troca de veículos, a resposta em termos do incremento de vendas domésticas mostrou-se comparativamente mais lenta, menos por causa do efeito direto da política e mais em razão das perspectivas ainda incertas de uma retomada das condições de renda e financiamento que possam sustentar as vendas. Essa diferença no dinamismo dos mercados consequentemente afeta os arranjos produtivos e as estratégias das corporações no atendimento da demanda via produção local e importações, o que, por sua vez, impacta a competitividade do setor em cada país e, em termos mais gerais, seu desempenho econômico. Tabela 9 – Vendas de veículos nos principais mercados consumidores, 2000, 2010 e 2011 (mil unidades) 2000 China Estados Unidos Japão Brasil Alemanha Índia França Reino Unido Itália Canadá Coreia do Sul Austrália México Total 2.089 17.402 5.963 1.489 3.693 859 2.611 2.520 2.701 1.586 1.430 787 889 44.019 2010 18.042 11.772 4.956 3.515 3.198 3.039 2.709 2.291 2.166 1.580 1.465 1.036 847 56.616 Variação 2000- Contribuição 2010 (%) 2000-2010 (%) 763,7 126,6 -32,4 -44,7 -16,9 -8,0 136,1 16,1 -13,4 -3,9 253,8 17,3 3,8 0,8 -9,1 -1,8 -19,8 -4,2 -0,4 0,0 2,4 0,3 31,6 2,0 -4,7 -0,3 28,6 100,0 2011 18.505 13.041 4.210 3.633 3.508 3.293 2.687 2.248 1.945 1.617 1.593 1.008 937 58.225 Variação 2010- Contribuição 2011 (%) 2010-2011 (%) 2,6 28,8 10,8 78,9 -15,1 -46,4 3,4 7,3 9,7 19,3 8,4 15,8 -0,8 -1,4 -1,9 -2,7 -10,2 -13,7 2,3 2,3 8,7 8,0 -2,7 -1,7 10,6 5,6 2,8 100,0 Fonte: Elaboração própria. Dados Anfavea. b. No Brasil Diante das transformações mencionadas na estrutura de demanda mundial do setor e da ascensão brasileira ao longo dos últimos anos, vale explorar mais detidamente o comportamento da demanda no país. Após a crise internacional e a redução generalizada nas vendas, o reaquecimento do mercado doméstico ocorreu principalmente por meio da política governamental de redução das alíquotas do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), discutida em seção posterior, e do paulatino 31 restabelecimento dos canais de crédito junto à manutenção das condições de emprego e renda na economia. Neste cenário e frente aos sinais ainda tímidos de recuperação da demanda nas economias avançadas, o que torna as exportações pouco viáveis, a atenção das empresas volta-se, a curto prazo, ao atendimento do mercado doméstico, com elevada utilização da capacidade instalada, conforme mostrado previamente. Ainda que o ciclo recente de ampliação da capacidade de oferta mediante novos investimentos no país se enquadre nas perspectivas de expansão da demanda doméstica por veículos, faz-se necessário a mais longo prazo, e tendo em vista a continuidade dos planos de investimento, pensar na retomada de outros mercados e do coeficiente exportado da produção, inclusive como parte do fortalecimento da integração regional. Tal como sinalizado anteriormente, a dinâmica ascendente da demanda por veículos no Brasil fortaleceu-se a partir de 2005. Podem-se mencionar como principais impulsos à demanda doméstica os ganhos reais de renda da população, a crescente formalização dos empregos (o que permite aos trabalhadores acesso ao crédito) e a melhoria nas condições de financiamento para aquisição de veículos, com taxas de juros menores e prazos de pagamento ampliados. Soma-se a isso a política tributária de redução do IPI, que, em resposta à crise, obteve êxito em reaquecer a demanda por veículos a curto prazo e assim conter os efeitos deletérios sobre emprego e renda. O Gráfico 8 ilustra o comportamento das vendas de veículos no Brasil, que vinha em trajetória ascendente antes da crise e que retoma, particularmente condicionado pelo encaminhamento e prorrogação da política ao longo do tempo, esse movimento positivo, inclusive com registros de recordes de vendas. Em agosto de 2012, um dos meses em que o encerramento da política de incentivo ocorreria, foram vendidas mais de 420 mil unidades. Vale caracterizar, ademais, a participação de mercado das montadoras, sobretudo nessa fase de expansão do mercado interno. Verifica-se, pela Tabela 10, que a Fiat é líder de vendas no mercado brasileiro há alguns anos, posição já ostentada pela Volkswagen no início da década de 2000 e pela General Motors em 2004. Apesar da elevada concentração de mercado – as quatro maiores montadoras (Fiat, Volkswagen, GM e Ford) respondiam por mais de 80% das vendas no começo da década –, essa configuração está, em algum grau, se modificando. Gráfico 8 – Vendas mensais de autoveículos novos no Brasil, 2007-2012 32 (mil unidades) 440 400 360 320 280 240 200 160 120 80 40 out-12 jul-12 abr-12 jan-12 out-11 jul-11 abr-11 jan-11 out-10 jul-10 abr-10 jan-10 out-09 jul-09 abr-09 jan-09 out-08 jul-08 abr-08 jan-08 out-07 jul-07 abr-07 jan-07 0 Fonte: Elaboração própria. Dados Anfavea – Renavam/Denatran. Tabela 10 – Vendas de autoveículos no Brasil por montadora, 2000-2011 (unidades) Fiat Volkswagen General Motors Ford Renault PSA Toyota Honda Subtotal Total 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 362.249 415.871 358.083 340.960 349.027 404.667 465.543 607.559 657.763 736.969 760.487 754.275 24,3 26,0 24,2 23,9 22,1 23,6 24,1 24,7 23,3 23,5 21,6 20,8 392.017 416.513 357.159 291.286 331.719 355.728 412.812 540.233 586.611 686.408 700.621 703.863 26,3 26,0 24,2 20,4 21,0 20,7 21,4 21,9 20,8 21,9 19,9 19,4 332.983 353.864 338.940 333.429 364.214 365.251 409.916 498.655 548.869 595.491 657.707 632.255 22,4 22,1 22,9 23,3 23,1 21,3 21,3 20,2 19,5 19,0 18,7 17,4 132.590 122.843 142.361 164.245 185.672 212.438 220.465 265.678 282.043 325.504 365.924 344.382 8,9 7,7 9,6 11,5 11,8 12,4 11,4 10,8 10,0 10,4 10,4 9,5 56.608 70.389 60.618 58.021 53.524 47.517 51.672 73.608 115.153 117.521 160.299 194.294 3,8 4,4 4,1 4,1 3,4 2,8 2,7 3,0 4,1 3,7 4,6 5,3 30.621 48.613 64.514 56.466 63.777 80.303 95.986 128.217 150.965 151.159 174.383 175.862 2,1 3,0 4,4 4,0 4,0 4,7 5,0 5,2 5,4 4,8 5,0 4,8 25.487 23.920 25.631 42.476 50.157 60.904 69.714 72.081 80.892 93.506 99.585 99.236 1,7 1,5 1,7 3,0 3,2 3,6 3,6 2,9 2,9 3,0 2,8 2,7 20.322 21.860 20.903 32.149 50.694 57.039 67.329 85.749 117.599 125.869 126.439 92.901 1,4 1,4 1,4 2,3 3,2 3,3 3,5 3,5 4,2 4,0 3,6 2,6 1.352.877 1.473.873 1.368.209 1.319.032 1.448.784 1.583.847 1.793.437 2.271.780 2.539.895 2.832.427 3.045.445 2.997.068 90,8 92,0 92,5 92,3 91,8 92,4 93,0 92,2 90,1 90,2 86,6 82,5 1.489.481 1.601.282 1.478.621 1.428.610 1.578.775 1.714.644 1.927.738 2.462.728 2.820.350 3.141.240 3.515.064 3.633.248 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 Fonte: Elaboração própria. Dados Anfavea. Nota: Para cada empresa, dados na linha superior em unidades e dados na linha inferior em porcentagem do total. Dois fenômenos podem ser destacados. O primeiro refere-se à perda de participação relativa desse grupo de montadoras ao longo dos anos 2000 (declina-se para cerca de 74% em 2008) sem que a participação das oito principais montadoras listadas se reduza a patamares inferiores a 90%. Isso indica que houve um movimento de expansão e consolidação das demais montadoras (francesas e japonesas) no mercado brasileiro nesse período. 33 O segundo fenômeno concerne à continuidade da perda de participação de mercado das quatro maiores montadoras nos anos mais recentes (em 2011 detinham 67% do mercado) junto com a perda de participação do conjunto das oito montadoras (em 2011 respondiam por 82,5% das vendas), particularmente em um momento de aquecimento da demanda. Embora em termos absolutos as vendas tenham se expandido significativamente, essa perda de participação relativa aponta para a entrada ou fortalecimento de outros concorrentes não listados na tabela, como o caso da sulcoreana Hyundai, da japonesa Nissan ou de marcas chinesas recém-chegadas ao mercado doméstico. Essa análise, se combinada com os dados apresentados anteriormente de produção nacional por montadora, mostra maior dispersão das vendas do que da produção entre as montadoras, uma vez que o mesmo conjunto de empresas responde por maior parcela da produção do que das vendas, embora ao longo do tempo as participações em ambos os casos tenham declinado. Soma-se a isso – o que reforça o argumento de um incremento do volume importado para suprir a demanda doméstica em expansão – o fato de nos anos recentes diversas montadoras terem vendido internamente mais do que sua produção nacional (considerando-se ainda que nenhuma parcela tenha sido exportada), o que é condicionado pelas estratégias das corporações em redirecionar sua produção de outras localidades para aproveitar as oportunidades de um mercado em expansão. Resta, no entanto, que esse movimento seja coordenado em âmbito nacional para que essas oportunidades sejam apropriadas internamente, não apenas conduzindo a um processo de ampliação da capacidade produtiva, mas também de promoção e incorporação de desenvolvimento tecnológico no setor. 4. Notas sobre o mercado de caminhões e ônibus no Brasil Toda a discussão precedente compreende o setor automobilístico em geral, representando a dinâmica conjunta da evolução da produção e vendas de automóveis, comerciais leves, caminhões e ônibus. Os dados acerca de produção e vendas de autoveículos no Brasil e no mundo retratam a evolução do consolidado total dessas categorias, que, no entanto, dado o peso significativo do mercado de veículos leves no setor, tende a refletir a dinâmica dessa categoria, sobretudo de automóveis. Cabem, portanto, como parte da discussão sobre a indústria, algumas notas adicionais sobre a dimensão e a dinâmica recente do mercado de caminhões e ônibus no Brasil. 34 O mercado de caminhões e ônibus deve ser ressaltado particularmente em razão de sua importância na matriz de transporte brasileira, baseada principalmente em malha rodoviária, haja vista os impactos sobre as atividades de produção e distribuição de bens, assim como o deslocamento de pessoas. Desse modo, constitui uma ligação de duplo sentido com o dinamismo econômico do país. Por um lado, um processo de aceleração econômica tende a exigir o acompanhamento e crescimento das atividades desse subsetor, dadas as perspectivas de expansão da demanda. Por outro, um baixo dinamismo produtivo nesse mercado, em decorrência, por exemplo, de condições competitivas desfavoráveis, pode representar um limitante ao crescimento econômico em virtude das restrições de oferta que pode acarretar no âmbito da logística e infraestrutura ao escoamento da produção dos demais setores. A evolução dos indicadores de produção e vendas internas aponta para a forte expansão das atividades nesse mercado na última década, sobretudo a partir de 2003 com a retomada do crescimento econômico (Tabela 11). A produção de caminhões no país passou de 71,7 mil unidades em 2000 para 225,8 mil unidades em 2011, enquanto a produção de ônibus passou de 22,7 mil unidades para 55,1 mil unidades no mesmo período. Isso totalizou uma produção conjunta de caminhões e ônibus na ordem de 280,9 mil unidades em 2011, praticamente o triplo daquela observada em 2000. Embora menos expressivo comparativamente à evolução da produção total de autoveículos no Brasil, esse movimento representou, com algumas oscilações ao longo do período, um ganho de participação relativa desses segmentos na produção total (8,2% em 2011). A trajetória das vendas também foi expressiva, ainda que mais tênue em relação à produção. As vendas internas de caminhões e ônibus ultrapassaram 207 mil unidades em 2011, patamar cerca de 2,5 vezes maior do que o verificado em 2000. Vale destacar, nesse sentido, que o ritmo de crescimento das vendas nesses segmentos foi inferior àquele de veículos leves, resultando em leve perda de participação nas vendas internas totais de autoveículos ao longo do período. As exportações mostraram-se mais significativas entre 2005 e 2008, até a eclosão da crise internacional. As importações, por sua vez, foram pouco expressivas, declinando na maior parte do período. 35 Tabela 11 – Produção e vendas de caminhões e ônibus no Brasil, 2000-2011 (unidades) Produção Vendas internas Caminhões Exportações Importações Produção Vendas internas Ônibus Exportações Importações Produção Caminhões e Vendas internas Ônibus Exportações Importações Produção Total Vendas internas Autoveículos Exportações Importações % PT1 % VIT2 % % ET3 Caminhões e % IT4 Ônibus % EP5 % IVI6 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 71.686 77.431 68.558 78.960 107.338 118.000 106.644 137.281 167.330 123.633 191.621 225.751 69.209 73.517 65.886 66.291 83.005 80.334 76.258 98.498 122.349 109.873 157.694 172.902 9.293 6.762 5.475 12.820 25.650 38.312 37.457 41.325 38.665 13.504 23.060 29.114 7.585 3.008 2.180 1.603 2.135 2.968 3.328 3.328 4.121 3.387 2.663 3.971 22.672 23.163 22.826 26.990 28.758 35.387 34.474 38.986 44.111 34.535 45.879 55.113 16.439 16.578 16.594 15.989 17.652 15.363 19.768 23.198 27.010 22.625 28.422 34.672 6.028 6.902 6.765 9.320 12.947 18.969 15.726 14.901 15.689 9.896 14.626 13.576 56 53 60 107 6 5 45 46 92 59 76 92 94.358 100.594 91.384 105.950 136.096 153.387 141.118 176.267 211.441 158.168 237.500 280.864 85.648 90.095 82.480 82.280 100.657 95.697 96.026 121.696 149.359 132.498 186.116 207.574 15.321 13.664 12.240 22.140 38.597 57.281 53.183 56.226 54.354 23.400 37.686 42.690 7.641 3.061 2.240 1.710 2.141 2.973 3.373 3.374 4.213 3.446 2.739 4.063 1.691.240 1.817.116 1.791.530 1.827.791 2.317.227 2.530.840 2.612.329 2.980.166 3.216.381 3.183.482 3.646.548 3.432.616 1.489.481 1.601.282 1.478.621 1.428.610 1.578.775 1.714.644 1.927.738 2.462.728 2.820.350 3.141.240 3.515.064 3.633.248 371.299 390.854 424.415 535.980 758.787 897.144 841.816 789.371 734.583 475.325 767.432 578.728 174.178 178.316 115.244 73.803 61.722 87.961 142.366 277.083 375.150 488.874 660.256 857.901 5,6 5,5 5,1 5,8 5,9 6,1 5,4 5,9 6,6 5,0 6,5 8,2 5,8 5,6 5,6 5,8 6,4 5,6 5,0 4,9 5,3 4,2 5,3 5,7 4,1 3,5 2,9 4,1 5,1 6,4 6,3 7,1 7,4 4,9 4,9 7,4 4,4 1,7 1,9 2,3 3,5 3,4 2,4 1,2 1,1 0,7 0,4 0,5 16,2 13,6 13,4 20,9 28,4 37,3 37,7 31,9 25,7 14,8 15,9 15,2 8,9 3,4 2,7 2,1 2,1 3,1 3,5 2,8 2,8 2,6 1,5 2,0 Fonte: Elaboração própria. Dados Anfavea. 1 Produção total. 2 Vendas internas totais. 3 Exportações totais. 4 Importações totais. 5 Exportações na produção. 6 Importações nas vendas internas. 36 Dessa análise, três conclusões merecem destaque. Em primeiro lugar, a representatividade dos segmentos de caminhões e ônibus no total de produção e vendas do setor automobilístico é relativamente baixa (foi, em média, de 6% para o período considerado). Em decorrência disso, a análise dos dados consolidados do setor tende a refletir principalmente a dinâmica do segmento de veículos leves. Isso, todavia, não diminui a importância dos segmentos de caminhões e ônibus na própria continuidade de um processo de crescimento econômico e os efeitos do dinamismo de suas atividades sobre os demais setores por meio de seus encadeamentos produtivos. Em segundo lugar, trata-se de segmentos em que o país é ofertante líquido, isto é, apresenta em geral volume de produção superior ao de vendas domésticas. A diferença entre produção e vendas no período inclusive se acentuou, com alta do volume exportado e declínio das importações, as quais se referem majoritariamente ao segmento de caminhões. O coeficiente exportado da produção ultrapassou 37% em 2005 e 2006, a partir de quando, entretanto, passou a declinar. Em 2011, atingiu 15,2%, patamar inferior ao de 2000 (Tabela 11). O nível registrado por esses segmentos nos anos de crise (2009 em diante) foi abaixo do coeficiente do setor automobilístico como um todo, mostrado anteriormente na Tabela 7. Já o coeficiente de importados nas vendas de caminhões e ônibus nunca foi elevado (em média, 3% no período), o que caracteriza tais segmentos com uma ampla base produtiva nacional para atender ao mercado doméstico e promover exportações de bens finais. Em terceiro lugar, a constatação de um baixo e, em geral, declinante coeficiente de importados nas vendas nesses segmentos mostra que a forte elevação do coeficiente para o setor como um todo nos últimos anos, em particular diante da crise (Tabela 7), é reflexo da dinâmica do segmento de veículos leves, cuja expansão da demanda foi em grande medida suprida por oferta externa no período recente. Dessa forma, os estímulos de demanda promovidos em resposta à crise não se traduziram, nos segmentos de caminhões e ônibus, em um coeficiente crescente e elevado de importados nas vendas, tal como observado na dinâmica setorial conjunta discutida anteriormente. É notório, por exemplo, de acordo com os dados da Tabela 11, que houve uma queda absoluta no volume total de autoveículos produzidos domesticamente de 2010 para 2011, apesar da ampliação das vendas internas, enquanto no caso de caminhões e ônibus a expansão da demanda foi acompanhada por aumento mais que proporcional da produção nacional. Isso, no entanto, não afasta a preocupação em relação ao conteúdo nacional envolvido na fabricação de novas unidades domesticamente, uma vez que, embora possa não haver 37 uma substituição de oferta nacional por oferta externa em termos de bens finais nesses segmentos, isso não impede a utilização crescente de insumos importados e, portanto, o enfraquecimento da cadeia produtiva doméstica. Cabe mencionar, por fim, que as principais medidas governamentais para estimular os segmentos de caminhões e ônibus diante da crise foram a redução da alíquota do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) de 5% para 0% no caso de caminhões a partir de dezembro de 2008 – no caso de ônibus, a alíquota já era nula – e a diminuição da taxa de juros de longo prazo (TJLP) para captação de recursos junto ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), bem como das taxas de financiamento para produção e aquisição de caminhões e ônibus ligadas aos programas Finame e Procaminhoneiro do BNDES, como parte do Programa de Sustentação do Investimento (PSI). Mantém-se em 2013 uma taxa de juros abaixo da inflação em 3% ao ano para as operações contratadas no primeiro semestre e 4% ao ano para as do segundo semestre, com o objetivo de estimular a produção e as vendas de veículos pesados, as quais dependem em quase sua totalidade (mais de 90%) de alguma modalidade de financiamento. Apesar da recuperação da demanda observada após 2009, ano em que os efeitos da crise foram sentidos mais profundamente, vale salientar que em 2012 os segmentos registraram uma forte queda nas vendas em relação ao ano anterior. Contribuiu para isso, em especial, a introdução do novo diesel S50, seguindo requisitos do padrão Euro 5 de emissão de poluentes. Menos poluente devido à menor quantidade de enxofre, o novo combustível exigiu a readequação dos motores, o que significou um encarecimento de até 10% dos preços de caminhões novos. Com a continuidade das medidas de apoio, entretanto, espera-se uma retomada em 2013 (BORLINA FILHO, 2013). 5. Nova trajetória tecnológica no setor automobilístico: perspectivas e desafios A inovação, tomada como o desenvolvimento e a introdução de novas tecnologias no mercado, constitui elemento fundamental dentro da concorrência estabelecida na indústria automobilística e uma das fontes de competitividade e crescimento das corporações. Conforme ressaltado anteriormente, o principal debate recente sobre inovação no setor está vinculado ao estabelecimento de uma nova trajetória tecnológica com o desenvolvimento de formas alternativas de propulsão mais eficientes e menos nocivas ao ambiente, do que se destacam desde os veículos 38 bicombustíveis e os veículos híbridos até os veículos puramente elétricos e com célula de combustível. Nesse contexto, é determinante o direcionamento a ser dado por países e empresas na consolidação de uma nova tecnologia. O setor como um todo (considerando-se montadoras e fornecedores de autopeças) tem grande relevância na realização de atividades inovadoras. Segundo dados apresentados na Tabela 12, entre as mil empresas que mais investiram em pesquisa e desenvolvimento (P&D) no mundo em 2009/2010, 72 pertenciam ao setor automotivo, e elas respondiam por cerca de 16% dos US$556 bilhões gastos no período pelo total de empresas. As dez principais empresas do setor, por gasto em P&D no referido período, figuravam entre as quarenta principais companhias do ranking de mil empresas6. Apenas elas, com desembolsos de quase US$58 bilhões, representavam mais de 10% dos gastos totais das mil empresas e 65% dos gastos do setor automotivo, indicando uma concentração das atividades de P&D em volume significativo em poucas e grandes empresas. Seus gastos em P&D giraram, em média, próximos a 5,5% das vendas, superiores à média do setor (4,7%) e das mil empresas de diversos setores (3,6%), ainda que a média fosse distorcida pelo desempenho da Bosch (com gastos em P&D equivalentes a 9,4% de suas vendas). Observa-se, ademais, uma evolução mais favorável dos gastos em P&D em empresas japonesas e europeias, distintamente das americanas do setor. GM e Ford, por exemplo, reduziram seus gastos em P&D, principalmente após 2007/2008, com a eclosão da crise, e não encabeçaram, como ocorreu com a Volkswagen na Alemanha e a Toyota no Japão, a lista nacional das empresas que mais investiram em P&D (no caso da Toyota, também líder mundial em 2009/2010). Os gastos em 2009/2010 das cinco empresas europeias listadas na Tabela 12 corresponderam a quase 30% do total do setor, seguidos por 23% das big three japonesas (Toyota, Honda e Nissan) e 12% das duas americanas. Ainda que todas tenham sido afetadas pela crise, conforme verificado pela redução dos gastos entre 2008/2009, bem como em 2009/2010, os cortes mais expressivos foram efetuados pelas companhias americanas: queda de 24% na GM e 33% na Ford em relação ao período anterior, ou seja, muito superior à diminuição média dos gastos do setor (11%) e de outras montadoras, tais como Toyota (6%) e Volkswagen (2%). 6 Outras classificações com as empresas que mais investiram em P&D no mundo e na União Europeia podem ser encontradas em Guevara et al. (2010). 39 Tabela 12 – Gastos de empresas do setor automotivo em P&D Empresas (país de origem) Toyota (Japão) Volkswagen (Alemanha) General Motors (EUA) Honda (Japão) Daimler (Alemanha) Bosch (Alemanha) Ford (EUA) Nissan (Japão) BMW (Alemanha) PSA (França) Subtotal Total do setor Total 1.000** Períodos (gastos em US$ milhões*) 2009/2010 9.711,6 8.307,7 6.068,0 6.049,9 5.974,6 5.133,8 4.900,0 4.892,8 3.512,5 3.320,2 57.871,0 89.025,7 555.552,6 2008/2009 2007/2008 10.300,3 8.502,8 8.000,0 6.315,9 6.367,8 5.618,8 7.300,0 4.914,3 4.109,4 3.403,4 64.832,6 100.522,4 566.065,6 9.568,8 7.063,7 8.100,0 5.927,9 7.013,4 5.108,0 7.500,0 4.993,3 4.511,1 2.975,8 62.762,1 95.827,1 522.033,4 2006/2007 8.729,5 6.083,7 6.600,0 5.482,6 7.509,9 4.875,5 7.200,0 4.807,9 4.602,9 3.120,8 59.012,8 89.557,9 472.918,0 2005/2006 8.111,8 5.846,9 6.700,0 5.024,6 7.951,8 4.205,5 8.000,0 4.276,9 4.469,5 3.086,3 57.673,4 87.055,2 428.749,4 Período 2009/2010 Empresas (país de origem) % das vendas*** % do total de % do total de gastos das mil gastos do setor empresas Posição no ranking P&D 1.000** Posição entre as empresas de seu país de origem Toyota (Japão) 4,4 10,91 1,75 1 Volkswagen (Alemanha) 5,7 9,33 1,50 4 General Motors (EUA) 5,3 6,82 1,09 12 Honda (Japão) 5,6 6,80 1,09 13 Daimler (Alemanha) 5,3 6,71 1,08 14 Bosch (Alemanha) 9,4 5,77 0,92 21 Ford (EUA) 4,1 5,50 0,88 23 Nissan (Japão) 5,4 5,50 0,88 24 BMW (Alemanha) 5,1 3,95 0,63 35 PSA (França) 4,8 3,73 0,60 39 Subtotal 5,5 65,00 10,42 Total do setor 4,7 100,00 16,02 Total 1.000** 3,6 100,00 Fonte: Elaboração própria. Dados do BIS (2010). Nota: Estão listadas na tabela as dez principais empresas em gastos em P&D do setor automotivo, que inclui montadoras e fornecedores de partes e peças. O total do setor corresponde às 72 empresas do ramo presentes no ranking das mil empresas que mais investem em P&D no mundo. * Valores convertidos de libra para dólar, de acordo com a taxa de câmbio de 1,6149 dólar por libra, vigente em 31/12/2009 e apresentada no relatório BIS (2010). ** Mil empresas que mais investem em P&D no mundo. *** O subtotal da porcentagem das vendas refere-se à média dos gastos em P&D como porcentagem das vendas das dez empresas apresentadas. Dada a importância do direcionamento estatal em cada país para o desenvolvimento de novas tecnologias, cabe destacar o volume de recursos governamentais destinados para P&D no setor. Segundo Arnold et al. (2007), a destinação média anual no período 2002-2008 foi da ordem de €140 milhões nos Estados Unidos, seguidos por Japão (€110 milhões), Alemanha (€65 milhões) e França 40 1 1 4 2 3 4 9 5 6 3 (€55 milhões). É interessante também notar as linhas de pesquisa mais fomentadas em cada país. Para células de combustível de hidrogênio, o governo japonês destinou quase €70 milhões anuais entre 2002 e 2008; o governo americano, €60 milhões; e os governos canadense e alemão, € 21 milhões e € 13 milhões, respectivamente. Para materiais avançados, o montante oferecido pelo governo alemão foi próximo a €19 milhões, seguido por Estados Unidos (€13 milhões) e Japão (€7 milhões). Para baterias, os Estados Unidos gastaram pouco mais de €7 milhões; e o Japão, cerca de €5,5 milhões anuais. Para tecnologias híbridas, elétricas e de baixa emissão, o maior apoio governamental foi da França (€45 milhões), seguida por Estados Unidos e Suécia (com montantes acima de €15 milhões), além de Alemanha (€10 milhões). Para sistemas de transporte inteligentes, foram quase €14 milhões anuais dos Estados Unidos e €10 milhões da Alemanha. A partir dessas considerações, examinam-se as perspectivas de consolidação de um novo padrão tecnológico em escala global, considerando a evolução recente e esperada da demanda por veículos híbridos, que já se mostram uma realidade, e por diferentes tipos de veículos elétricos, que possuem grandes possibilidades de expansão. Destaca-se ainda a importância da China na determinação da trajetória tecnológica dominante e na velocidade de implementação das novas tecnologias. Por fim, avalia-se a situação brasileira nesse processo, reforçando-se as oportunidades a partir da tecnologia bicombustível, porém salientando-se os desafios que podem advir do posicionamento chinês acerca da consolidação de uma nova trajetória tecnológica. O Quadro 1 diferencia as principais terminologias concernentes às formas alternativas de propulsão dos veículos. Todas envolvem algum grau de autonomia com propulsão elétrica. A modalidade correntemente mais difundida é a de veículos híbridos (ou veículos elétricos híbridos), que teve origem com o Toyota Prius. Embora incipiente, há uma tendência em direção aos veículos elétricos híbridos plug-in e ainda aos veículos elétricos a bateria, os veículos “puramente” elétricos. Entretanto, permanecem como desafios o elevado custo da bateria, a eficiência e autonomia propiciadas por essa tecnologia e a difusão de infraestrutura para recarga. Relativamente às demais, a tecnologia baseada em células de combustível é a menos disseminada. Apesar da existência de alguns modelos, sobretudo protótipos, equipados com a tecnologia, tais veículos ainda não apresentam escala comercial. 41 Quadro 1 – Diferenciação entre os tipos de veículos baseados em novas formas de propulsão Veículo Híbrido* Híbrido plug-in Com autonomia estendida (extended-range) Elétrico Definição Utiliza tanto um motor elétrico como de combustão interna. Possui bateria alimentada por fonte externa, que possibilita ao veículo rodar por algum período somente com base na eletricidade. Após esse período, continua a operar como um veículo híbrido. Funciona como um veículo elétrico a bateria até a bateria descarregar, quando então um motor de combustão interna traciona um gerador elétrico para rodagem por um período estendido. Exemplos de modelos Honda Insight e Toyota Prius. Toyota Prius híbrido plug-in e Ford C-Max Energi híbrido plug-in. Chevrolet Volt. Nissan Leaf, Tesla Model F, BMW ActiveE, Mitsubishi i, Coda Sedan e Smart ED. A bateria** É tracionado exclusivamente por eletricidade de sua bateria interna, que é recarregada por fonte externa. Com célula de combustível Converte a energia química de um combustível (por Hyundai Tucson e Honda exemplo, o hidrogênio) em eletricidade por meio de FCX Clarity. uma reação química para tracionar um motor elétrico. Fonte: Elaboração própria. Informações da Electric Drive Transportation Association (EDTA). Disponível em: <www.electricdrive.org>. * Ou veículo elétrico híbrido. Pode ser híbrido paralelo ou em série. ** Ou simplesmente veículos elétricos ou ainda veículos elétricos “puros”. É possível verificar o grau atual de difusão dessas modalidades de veículos com tecnologia alternativa a partir dos dados de vendas nos Estados Unidos. Os veículos híbridos, cujo início da comercialização remonta ao final da década de 1990, já se firmaram como uma realidade. Suas vendas nos últimos anos estiveram na ordem de 300 mil unidades no território americano e representavam quase 3% do mercado total de veículos novos. Em 2012, foram mais de 430 mil unidades vendidas, que, juntas com todos os demais veículos elétricos, totalizaram aproximadamente 3,4% do mercado. Conforme ressaltado, os veículos elétricos ainda encontram-se em estágio inicial de difusão, mas com grande potencial de expansão. Em 2010, foram apenas 345 unidades comercializadas, porém este número rapidamente se elevou, ultrapassando 52 mil unidades em 2012 (Tabela 13). O Gráfico 9 retrata esse movimento de expansão recente com dados mensais para as vendas de veículos elétricos como um todo nos Estados Unidos. Percebe-se que, desde a introdução das primeiras unidades, em dezembro de 2010, o estoque de veículos elétricos cresceu exponencialmente, com vigor ainda maior a partir do segundo semestre de 2012. Nota-se que, naquele período, as vendas mensais de veículos elétricos novos 42 foram mais expressivas, contribuindo para a expansão do acumulado. Em janeiro de 2013, o estoque de unidades novas comercializadas até então superou o montante de 75 mil veículos. Tabela 13 – Evolução das vendas de veículos híbridos e elétricos nos Estados Unidos, 2007-2012 (unidades) 2007 2008 2009 2010 2011 2012 Veículos híbridos Veículos elétricos* 352.274 313.673 290.292 274.210 345 266.329 17.735 434.645 52.835 Participação de mercado (%) 2,99 2,37 2,78 2,37 2,23 3,38 Fonte: Elaboração própria. Dados da Electric Drive Transportation Association (EDTA). Disponível em: <www.electricdrive.org>. * Vendas a partir de dezembro de 2010. Incluem veículos elétricos a bateria, com autonomia estendida e, a partir de 2012, híbridos plug-in. Gráfico 9 – Vendas acumuladas de veículos elétricos* nos Estados Unidos, dezembro de 2010 a janeiro de 2013 (unidades) Fonte: Electric Drive Transportation Association (EDTA). Nota: Em vermelho, montante de novas unidades vendidas em cada mês. * Veículos elétricos a bateria, com autonomia estendida e, a partir de 2012, híbridos plug-in. Esses números ainda representam uma pequena parcela do mercado, se comparados com o volume de veículos comercializados com a tecnologia dominante atual, porém as estimativas de vendas globais para os próximos anos mostram um mercado em forte ritmo de expansão, particularmente no caso dos veículos elétricos (Gráfico 10). A venda de veículos híbridos, embora crescente, deve seguir um ritmo 43 mais cadenciado, ao passo que os veículos elétricos – tanto a bateria como híbridos plug-in – devem apresentar um incremento mais acelerado nas vendas, de modo que em cerca de cinco anos a proporção de tais veículos vendidos seja quase equivalente à de veículos híbridos. Sinaliza-se também para uma expansão das vendas ainda maior dos veículos elétricos a bateria em comparação aos elétricos híbridos plug-in. Gráfico 10 – Estimativa da evolução das vendas globais de veículos elétricos e híbridos, 2011-2017 (unidades) Fonte: Pike Research (2011). Nota: BEV = veículos elétricos a bateria; PHEV = veículos elétricos híbridos plug-in; HEV = veículos elétricos híbridos (ou simplesmente veículos híbridos). Em uma perspectiva da demanda em mais longo prazo, aponta-se para a consolidação das vendas dos veículos puramente elétricos com autonomia de 400 quilômetros e dos veículos elétricos híbridos plug-in com autonomia de 120 quilômetros. Para o período estimado de quarenta anos, espera-se uma tendência de predomínio das vendas dos veículos elétricos híbridos plug-in em relação aos veículos puramente elétricos. Todavia, a taxa de crescimento das vendas destes últimos deve ser maior que daqueles, em especial a partir de meados da década de 2030. A partir de tal momento, deve ocorrer uma consolidação dentre os veículos plug-in daqueles de maior autonomia concomitante a um declínio das vendas dos demais. No caso dos veículos puramente elétricos, a tendência é de continuidade da expansão das vendas, porém da mesma forma com maior expressividade dos veículos com maior autonomia. Em 2050, estima-se que as vendas de todos os veículos puramente elétricos e plug-in se aproximem de 120 milhões de unidades anuais (Gráfico 11). 44 Com esse dinamismo das vendas, o estoque global de veículos equipados com essas tecnologias deve ultrapassar um bilhão de unidades até 2050. As tendências para os estoques de cada modalidade de veículo seguem as tendências das respectivas vendas, porém com relativa defasagem, de aproximadamente uma década, para que as mudanças observadas no ritmo das vendas se verifiquem em termos dos estoques (Gráfico 12). Gráfico 11 – Estimativa da evolução das vendas globais de veículos elétricos*, 2010-2050 (milhões de unidades) Fonte: OCDE e IEA (2012). * Vendas esperadas de acordo com o tipo de tecnologia – veículos elétricos a bateria ou simplesmente veículos elétricos (EV) e veículos elétricos híbridos plug-in (PHEV) – e a autonomia em quilômetros. Gráfico 12 – Estimativa da evolução do estoque global de veículos elétricos*, 20102050 (milhões de unidades) 45 Fonte: OCDE e IEA (2012). * Estoque esperado de acordo com o tipo de tecnologia – veículos elétricos a bateria ou simplesmente veículos elétricos (EV) e veículos elétricos híbridos plug-in (PHEV) – e a autonomia em quilômetros. As tendências das vendas e do estoque de veículos elétricos por país são apresentadas nos Gráficos 13 e 14, respectivamente. Observa-se que até 2020 a China deve alcançar mais de 1,5 milhão de unidades vendidas anualmente com a nova tecnologia e, com isso, ultrapassar os Estados Unidos. As vendas americanas, apesar de mais fortes no início, devem seguir crescendo a taxas menores ao longo do tempo. O Japão também se mostra um importante mercado de expansão futura das vendas, assim como um conjunto de países da União Europeia. As vendas anuais dos países listados devem corresponder a quase 6 milhões de veículos por volta de 2020. Nesse cenário, o estoque total de veículos elétricos comercializados por esses países em menos de dez anos deve se aproximar de 20 milhões de unidades. A tendência do estoque por país é semelhante à das vendas, porém com certa defasagem temporal. Dado que se espera um ritmo de vendas desses veículos inicialmente maior nos EUA em comparação com a China, o estoque deve ser superior no território americano nessa fase inicial. Todavia, com a expansão do mercado chinês a taxas mais elevadas adiante para essa modalidade de veículos, o estoque tende a se fortalecer, atingindo cerca de 5 milhões de unidades até 2020. Gráfico 13 – Estimativa da evolução das vendas de veículos elétricos* por países selecionados, 2010-2020 (milhões de unidades) Fonte: OCDE e IEA (2012). * Veículos puramente elétricos e elétricos híbridos plug-in. 46 Gráfico 14 – Estimativa da evolução do estoque de veículos elétricos* por países selecionados, 2010-2020 (milhões de unidades) Fonte: OCDE e IEA (2012). * Veículos puramente elétricos e elétricos híbridos plug-in. Dentro dessa perspectiva, é decisiva no encaminhamento da dinâmica do setor a orientação dada pela China ao longo dos próximos anos acerca da fabricação de veículos com tecnologia sustentável, o que evidentemente não diminui a relevância da influência das metas dos Estados Unidos e da União Europeia na evolução do setor. As metas governamentais chinesas apontam para uma forte expansão da produção de veículos elétricos – sejam a bateria, sejam híbridos plug-in – nos próximos anos. Estima-se que a produção doméstica desses tipos de veículos passe de 500 mil unidades em 2015 para 5 milhões de unidades em 2020 (Gráfico 15). Dessa forma, tal como o forte movimento de expansão da produção e das vendas de veículos de combustão interna no mercado chinês durante o último decênio, espera-se um grande impulso na oferta e na demanda por veículos elétricos para os próximos anos. É indubitável, portanto, a importância que terá a China na determinação da trajetória tecnológica dominante e na velocidade de implementação das novas tecnologias. Nesse sentido, em uma perspectiva brasileira, torna-se necessário refletir sobre o posicionamento do país e os desafios que se colocam a partir desses encaminhamentos na consolidação de uma nova tecnologia em âmbito global. Dado o crescente direcionamento da demanda por matrizes energéticas alternativas, coloca-se ao país a 47 oportunidade de continuar a explorar a tecnologia bicombustível (flex fuel) e o potencial do etanol em escala nacional, reforçando os elos produtivos e de desenvolvimento tecnológico a partir das parcerias das montadoras com grandes sistemistas instalados no Brasil. Gráfico 15 – Perspectivas da produção total de veículos elétricos a bateria e veículos elétricos híbridos plug-in na China, 2015 e 2020 (unidades) Fonte: China’s State Council (2012). Um indicador da importância adquirida pela tecnologia bicombustível e de sua consolidação no mercado doméstico refere-se à distribuição das vendas de veículos leves novos por combustível7 (Gráfico 16). Verifica-se que, após a introdução da nova tecnologia no mercado em 2003, a participação dos veículos bicombustíveis cresceu vertiginosamente. Em 2005, metade das vendas foi de veículos flex. A partir de 2007, a proporção de tais veículos se estabilizou entre 85% e 90% das vendas totais de veículos leves. Esse incremento ocorreu em detrimento das vendas de veículos apenas movidos a gasolina. Cabe frisar ainda que, se fossem considerados somente os automóveis (isto é, excluídos os comerciais leves do total de veículos leves), o percentual recente de veículos bicombustíveis seria ainda maior. Segundo dados da Anfavea (2012), em 2000, 99,2% dos automóveis novos licenciados eram movidos a gasolina. Essa parcela declinou ao longo da década até atingir 4,6% em 2009, mantendo-se em 5% em 2010 e 7,5% em 2011. Em contrapartida, a proporção de automóveis novos bicombustíveis 7 Optou-se por considerar apenas veículos leves (automóveis e comerciais leves), ao invés do total de veículos, pois no caso de caminhões e ônibus os veículos são movidos sobretudo a diesel. 48 cresceu vertiginosamente desde 2003, passando de 3,5% naquele ano para 95,4% em 2009. Em 2010 e 2011, 95% e 92,5% do total de automóveis novos licenciados possuíam tecnologia flex fuel, respectivamente. Isso reforça a importância de o país seguir explorando esse elemento de competitividade do setor mediante, por exemplo, o aperfeiçoamento dos níveis de eficiência energética e redução da emissão de poluentes8 e, consequentemente, se fortalecer na geração de tecnologias sustentáveis. Gráfico 16 – Distribuição das vendas de autoveículos leves novos por combustível, Brasil, 2000-2011 (%) 5,9 0,7 4,6 4,0 5,3 1,2 4,2 3,7 2,8 4,3 4,8 3,9 4,7 4,5 5,2 5,9 85,6 87,2 88,2 86,4 83,1 0,0 10,5 0,0 8,1 0,0 7,4 0,0 8,4 0,0 11,0 4,5 21,6 3,3 50,2 78,1 93,4 93,5 91,4 89,2 2,0 70,8 43,1 0,1 17,3 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 1.403.833 1.511.187 1.404.265 1.291.750 1.523.521 1.618.947 1.831.712 2.341.032 2.670.991 3.008.742 3.328.948 3.425.674 Gasolina Etanol Bicombustível Diesel Fonte: Elaboração própria. Dados Anfavea. Nota: Os valores apresentados abaixo dos anos representam o número total de licenciamentos de autoveículos leves novos. Em uma perspectiva mais ampla das atividades de inovação realizadas pelo setor automotivo no Brasil, convém destacar alguns indicadores de pesquisa, desenvolvimento e inovação (P&D&I) que permitem o dimensionamento dessas atividades pelas empresas do setor em âmbito nacional (Tabela 14). Observa-se que a indústria automotiva como um todo apresenta um índice de empresas inovadoras (45,1%) superior ao da indústria em geral (38,1%) ou da indústria de transformação (38,4%). Contribui para isso, em especial, o setor automobilístico, produtor de veículos leves e pesados, no qual 30 empresas do total de 36 empresas consideradas 8 Nesse âmbito, pode-se mencionar, por exemplo, a necessidade de adequação da produção às normas de redução da emissão de poluentes até 2014 (ou 2013, no caso de veículos a diesel), de modo que veículos com peso de até 1.700 quilogramas devem reduzir em 35% a emissão de monóxido de carbono (de 2g/km para 1,3g/km) e veículos com peso superior devem apresentar redução de 26% na emissão (de 2,7g/km para 2g/km). 49 implementaram inovações de produto e/ou processo no período 2006-2008. Vale destacar que a indústria automotiva respondeu, em 2008, por 16,3% do total de gastos com P&D no país. Esse percentual foi ainda mais expressivo (28,9%) se considerados apenas os gastos com P&D internos às empresas, ou seja, atividades em inovação efetivamente conduzidas pelas empresas listadas e não por terceiros contratados ou referentes a tecnologias adquiridas. Uma vez mais, o setor automobilístico foi o primordial para a obtenção desses resultados, ainda que o segmento de autopeças também exerça atividade inovadora bastante relevante. Tabela 14 – Indicadores de P&D&I da indústria automotiva brasileira, 2008 (%) Inovadoras 38,1 P&D 100,0 P&D interno 100,0 P&D / RL 2,54 38,4 98,9 99,3 2,60 0,64 24,6 Automóveis, camionetas e utilitários, caminhões e ônibus 83,2 11,9 23,2 4,20 2,01 47,9 Peças e acessórios para veículos 46,7 3,8 4,9 2,36 0,74 31,4 Cabines, carrocerias, reboques e recondicionamento de motores 41,6 0,6 0,8 2,51 0,79 31,5 Subtotal Indústria Automotiva 45,1 16,3 28,9 3,47 1,51 43,4 Indústria Geral Indústrias de Transformação P&D Int / RL P&D Int / Total 0,62 24,5 Fonte: Elaboração própria. Dados Pintec 2008 – IBGE. Notas: RL = Receita Líquida; P&D = Gastos totais com Pesquisa e Desenvolvimento (P&D), que podem incluir gastos internos e externos (por exemplo, contratação de serviços de outras organizações) à empresa; P&D Int = Gastos com Pesquisa e Desenvolvimento internos à empresa. Desses indicadores é possível constatar a elevada importância do setor automotivo nas atividades inovadoras no país. Esse papel de destaque em relação aos demais setores pode ser notado, ademais, a partir da proporção de receitas destinadas aos gastos com P&D. Enquanto a indústria em geral destinou 2,5% das receitas para P&D em 2008, esse percentual alcançou 3,5% no setor automotivo e 4,2% entre veículos leves e pesados. Tomados somente os gastos com P&D internos às empresas, essa proporção foi de apenas 0,6% no caso da indústria em geral e de 1,5% e 2%, respectivamente, no setor automotivo como um todo e no setor automobilístico em particular. Vale enfatizar ainda que, enquanto os gastos com P&D internos às empresas corresponderam a 24,5% dos gastos totais com P&D na indústria em geral, esse percentual foi de 43,4% na indústria automotiva e quase metade (47,9%) no caso de autoveículos, reforçando o argumento de se tratar de um setor extremamente significativo na condução de atividades inovadoras em comparação à média da indústria (Tabela 14). Cabe destacar, contudo, apesar da limitação e pouco detalhamento dos dados, que a relação de gastos com P&D como proporção das receitas registrada pelas empresas no país se mostrou inferior ao verificado nas corporações em âmbito global 50 (vide discussão pertinente à Tabela 12). Nesse sentido, haveria espaço para exigir como iniciativa de política para fomento às atividades inovadoras contrapartidas maiores em relação aos gastos com inovação domesticamente, seguindo nas filiais instaladas no Brasil nível semelhante ao de desenvolvimento de tecnologias em outras localidades, particularmente nas matrizes. Diante dos cenários descritos, devem-se considerar os desafios colocados a partir da consolidação de um novo padrão tecnológico em escala global, o que em grande medida está atrelado ao posicionamento chinês, além dos tradicionais mercados americano e europeu. Caso maior direcionamento seja dado aos veículos híbridos, apresenta-se como possibilidade de inserção do Brasil a combinação entre etanol e motor elétrico. Todavia, se os esforços se concentrarem nos veículos puramente elétricos, os riscos ao país tendem a ser maiores. O efeito escala da China pode baratear o custo de produção desses veículos – o que atualmente ainda permanece uma barreira importante na consolidação dessa tecnologia – e, com isso, resultar em ampla difusão da comercialização. Ademais, pode-se verificar um processo concorrencial mais intenso com efeitos sobre a base produtiva doméstica, haja vista o padrão de especialização da estrutura produtiva brasileira em veículos compactos. Com a entrada de China e Índia no nicho de mercado dos veículos de menor porte (compactos e subcompactos), mais propícios a veículos elétricos devido a questões técnicas (como peso, autonomia, etc.) e ambientais, além do próprio direcionamento da demanda, a concorrência tende a se intensificar. Além disso, pode-se impor uma questão estrutural nas contas externas, acentuando-se o déficit na balança comercial, caso não haja um acompanhamento da cadeia produtiva nacional de acordo com as transformações em âmbito mundial para atender à demanda por tecnologias alternativas, sobretudo no caso da entrada e do fortalecimento da trajetória em direção aos veículos elétricos. Logicamente os desdobramentos dessa dinâmica no mercado nacional dependerão do padrão regulatório em torno dessas novas categorias de veículos, em especial no que concerne à segurança e ao nível de eficiência energética, além de possível adequação tributária, mediante por exemplo alíquotas diferenciadas de IPI aos novos veículos, conforme seu grau de eficiência energética. Soma-se a esses desafios a baixa participação no país dos principais desenvolvedores das novas tecnologias, com exceção da General Motors. Conforme visto, apesar de crescente a participação de montadoras japonesas, pioneiras no desenvolvimento de veículos movidos com tecnologia alternativa, o mercado brasileiro 51 ainda continua muito concentrado em montadoras que, embora invistam grande volume de capital em pesquisa e desenvolvimento, encontram-se competitivamente mais defasadas em relação às suas concorrentes asiáticas neste fator de consolidação de uma forma alternativa de propulsão. É a partir dessa estrutura de mercado concentrada, porém altamente competitiva, que deve se consolidar o mercado de veículos híbridos e elétricos. Em decorrência disso, torna-se mais difícil esperar das companhias um engajamento maior no desenvolvimento tecnológico doméstico nesta área de fronteira do setor automobilístico. Ainda que o novo regime automotivo, a ser apresentado adiante, represente avanços de política em relação ao setor e à promoção tecnológica em âmbito nacional, pode-se caracterizá-lo como tímido diante das transformações mundiais que se sinalizam para o setor nos próximos anos. Isso ocorre particularmente por não incluir explicitamente metas em relação ao desenvolvimento de tecnologias alternativas, notadamente de veículos elétricos; e também por exigir relativamente pouco das empresas em termos dos gastos em P&D para se abater as alíquotas maiores de imposto. Com base nos dados apresentados anteriormente, as corporações automobilísticas (incluindo-se montadoras e autopeças) em nível global investem em média quase 5% de suas receitas em P&D – proporção superior à de filiais instaladas no Brasil –, ao passo que no novo regime a meta consiste em alcançar apenas 0,5% até 2017, o que nitidamente atestaria a possibilidade de contrapartidas mais expressivas das subsidiárias em operação no país. Ou seja, o programa poderia exigir a aplicação de um volume de recursos mais elevado pelas empresas no desenvolvimento de tecnologia domesticamente e, ao mesmo tempo, fornecer maior direcionamento a esses recursos, sobretudo no que tange à incorporação dos veículos elétricos. 6. Atributos de competitividade do setor automobilístico no Brasil A partir das considerações sobre as estruturas de oferta e demanda do setor automobilístico, exploram-se seus atributos de competitividade no Brasil. Retomam-se os atributos anteriormente mencionados (capacidade de inovação, regime macroeconômico, padrão de financiamento, estrutura de proteção, estratégias intracorporação a partir de vantagens de custo e oportunidades de demanda, gestão do grau de utilização da capacidade, padrão de especialização da produção e complementaridade regional) a fim de apontar desafios e oportunidades que se colocam ao setor. 52 a. Desafios e deficiências Como principais desafios à competitividade do setor apresentam-se: 1. Em relação à capacidade de inovação: o volume ainda baixo de gastos em P&D pelas empresas e o desenvolvimento restrito de tecnologias e produtos em âmbito doméstico, além das poucas linhas governamentais de fomento à inovação, o que tende a melhorar em alguma medida com as políticas setoriais a vigorar nos próximos anos. 2. Em relação ao regime macroeconômico: i) o comportamento da taxa de câmbio, em particular seu nível relativamente apreciado (atualmente menos do que na maior parte do período de expansão da demanda doméstica na década de 2000) e seu elevado grau de volatilidade, favorecendo importações de bens finais e insumos, ameaçando os elos da cadeia produtiva e prejudicando decisões de investimento; ii) o regime tributário em termos da incidência de impostos e contribuições sobre as empresas do setor, que poderiam ser reduzidos mediante, por exemplo, o cumprimento de metas de inovação tecnológica no setor. 3. Em relação ao padrão de financiamento: a ausência de um sistema financeiro nacional com instituições privadas para financiamento do investimento, ou seja, a dificuldade de as empresas captarem recursos via crédito bancário ou mercado de capitais, o que torna o autofinanciamento das filiais, os empréstimos das matrizes e os empréstimos do BNDES as principais fontes de financiamento para ampliação de capacidade produtiva ou realização de atividade inovadora. 4. Em relação à estrutura de proteção: o forte aumento das importações de veículos e autopeças, o acirramento da concorrência interna e a manutenção da cadeia produtiva doméstica com a entrada de novos players ou mesmo a reorientação da produção de montadoras em outras localidades para o mercado brasileiro, dada a taxa de câmbio, a estrutura tributária e os acordos comerciais entre países. 5. Em relação às estratégias intracorporação: a ampliação e redirecionamento da oferta externa a curto prazo para suprir a expansão da demanda doméstica. 6. Em relação ao grau de utilização da capacidade: o aquecimento da produção e a utilização próxima de 90% da capacidade instalada, exigindo novos investimentos ou suprimento por importações. 7. Em relação ao padrão de especialização da produção: a intensificação da concorrência com a entrada de China e Índia nos mercados de veículos de menor porte, 53 além de recente demanda doméstica crescente por veículos de diversos portes e categorias, muitas vezes suprida por oferta externa. 8. Em relação à complementaridade regional: a possibilidade de rápido reposicionamento geográfico da produção na ausência de uma estrutura de proteção adequada. b. Vantagens e oportunidades Como principais oportunidades à competitividade setorial, colocam-se: 1. Em relação à capacidade de inovação: a introdução da tecnologia bicombustível em veículos leves e os consequentes desdobramentos na continuidade do aperfeiçoamento da tecnologia em termos de eficiência energética e emissão de poluentes. 2. Em relação ao regime macroeconômico: i) o processo de redução da taxa de juros ao longo dos últimos anos, cuja trajetória deve ser mantida para facilitar as condições de financiamento e, assim, ampliar as oportunidades de investimento para as empresas e aquisição de veículos pelas famílias; ii) o regime tributário em termos dos efeitos de desonerações tributárias sobre as vendas de veículos, conforme evidenciado no caso da política de redução do IPI. 3. Em relação ao padrão de financiamento: a melhoria das condições de financiamento atreladas tanto a novos investimentos como à comercialização de veículos, dada a elevação do volume de crédito, a redução das taxas de juros e a ampliação dos prazos de pagamento nos últimos anos a partir do movimento de declínio da taxa Selic. 4. Em relação à estrutura de proteção: as exigências (ainda que limitadas) de produção com conteúdo nacional e desenvolvimento tecnológico doméstico para empresas instaladas no país e novos entrantes a partir do novo regime automotivo. 5. Em relação às estratégias intracorporação: o anúncio de planos de investimento para criação ou ampliação de capacidade produtiva no país nos próximos anos por algumas montadoras frente à sustentação da demanda doméstica. 6. Em relação ao grau de utilização da capacidade: a necessidade de nova rodada de investimentos para aumento da capacidade produtiva das empresas. 7. Em relação ao padrão de especialização da produção: seu alinhamento para produzir sobretudo veículos de menor porte com a orientação mais ampla da demanda mundial por veículos compactos e subcompactos. 54 8. Em relação à complementaridade regional: a possibilidade de exportações a partir dos novos investimentos. 7. Políticas de apoio ao setor automobilístico Discutem-se, nesta seção, as principais políticas atuais de apoio ao setor automobilístico no Brasil. Enfatizam-se, em particular, a política de incentivos tributários mediante a redução da alíquota do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) incidente sobre veículos e o estabelecimento do novo regime automotivo. Complementarmente, realizam-se algumas reflexões sobre a possibilidade de se ampliar a capacidade de inovação do setor no país. a. Políticas atuais Dada a importância do setor automobilístico na estrutura produtiva brasileira para agregação de valor e geração de emprego e em razão do agravamento da crise econômica internacional e seu efeito contágio dos países centrais para as economias periféricas a partir da falência do banco de investimentos americano Lehman Brothers e a consequente contração da liquidez nos mercados de crédito, o governo brasileiro implementou rapidamente, em dezembro de 2008, uma política tributária de redução do IPI diferenciada de acordo com os tipos de veículos produzidos9, cujo objetivo central era reaquecer a demanda final por veículos a curto prazo e evitar um aprofundamento da crise em termos de emprego e renda. O Quadro 2 sintetiza as principais alterações nas alíquotas incidentes sobre os diferentes veículos leves a partir daquele período10. Adotou-se alíquota zero para os carros de até mil cilindradas. Para os automóveis de motorização 1.1 a 2.0, a alíquota foi reduzida pela metade, passando para 6,5% no caso de carros a gasolina e 5,5% no caso de carros a álcool ou bicombustíveis. A alíquota incidente sobre veículos comerciais reduziu de 8% para 1%. Essa medida tributária foi inicialmente prevista para vigorar até o final de março de 2009. Todavia, com a continuidade dos efeitos negativos da crise sobre o país, sobretudo em termos da atividade econômica e do emprego, a política foi prorrogada até junho e, posteriormente, setembro daquele ano. 9 Para uma comparação entre as políticas de estímulo ao setor adotadas por diversos países frente à crise internacional, ver Borghi (2011). 10 Em relação a veículos pesados, a alíquota foi zerada para caminhões. Sobre ônibus, a alíquota já era nula. 55 Estabeleceu-se a partir daquele momento que as alíquotas retornariam paulatinamente até janeiro de 2010 aos patamares anteriores à crise. As alíquotas sobre veículos a gasolina voltaram a seus níveis pretéritos de 7% e 13% no caso de veículos com motorização até 1.0 e entre 1.1 e 2.0, respectivamente. A de comerciais leves subiu para 4%. As alíquotas sobre carros a álcool ou bicombustíveis, por sua vez, permaneceram reduzidas ao longo do primeiro trimestre de 2010, retornando aos patamares de 7% (até 1.0) e 11% (1.1 a 2.0) a partir de abril. Deve-se frisar que as vendas de veículos leves se recuperaram fortemente em 2009 após a adoção da política tributária, praticamente retornando em março daquele ano, mês inicialmente previsto para o término da alíquota reduzida de IPI, ao patamar anterior à crise, de setembro de 2008. De modo geral, refletindo as diversas prorrogações, realizadas trimestralmente, dos prazos de vigência do incentivo tributário, as vendas aumentaram de maneira expressiva nos meses de março, junho, setembro e dezembro de 2009, tal como explicitado pela evolução das vendas totais de autoveículos apresentada no Gráfico 8 em seção anterior. Quadro 2 – Alterações das alíquotas do IPI sobre veículos leves a partir da crise Motorização Até 1.0 1.1 a 2.0 Comerciais leves Combustível Álcool ou bicombustível Gasolina Álcool ou bicombustível Gasolina Todos Antes da crise Dez. 2008* Jan. 2010 Abr. 2010 Fora do novo regime automotivo** Mai. 2012 a Dez. 2012*** Jan. 2013 a Dez. 2013**** 7% 0% 3% 7% 37% 0% / 30% 2% / 32% 7% 0% 7% 7% 37% 0% / 30% 2% / 32% 11% 5,5% 7,5% 11% 41% 5,5% / 35,5% 7% / 37% 13% 6,5% 13% 13% 43% 6,5% / 36,5% 8% / 38% 8% 1% 4% 4% 34% 1% / 31% 2% / 32% Fonte: Decretos nº 6.687 de 11 de dezembro de 2008, nº 6.809 de 30 de março de 2009, nº 6.890 de 29 de junho de 2009, nº 7.017 de 26 de novembro de 2009, nº 7.660 de 23 de dezembro de 2011, nº 7.716 de 3 de abril de 2012, nº 7.725 de 21 de maio de 2012 e nº 7.834 de 31 de outubro de 2012. Ver também Anfavea (2010), Prado (2012) e Planalto (2013). * Alíquotas em vigor até março, junho e setembro de 2009, após distintas prorrogações. Retorno paulatino, com elevações mensais, até janeiro de 2010, ao patamar anterior à crise. No caso dos veículos a álcool ou bicombustíveis, retorno ao patamar original em abril de 2010. ** Lançado em setembro de 2011 e válido de dezembro de 2011 a dezembro de 2012, com novas regras em vigor de 2013 a 2017. *** À esquerda, alíquotas em vigor sobre veículos dentro das regras do regime automotivo. À direita, alíquotas sobre veículos que não satisfazem as regras do regime válido até o final de 2012. **** Alíquotas anunciadas até o final de 2013. Alíquotas deveriam sofrer três elevações ao longo do primeiro semestre do ano para retornar ao patamar pretérito, porém o governo optou ao final de março por manter as alíquotas reduzidas até o final do ano no patamar em que se encontravam após o primeiro reajuste, ocorrido em janeiro. À esquerda, na tabela, apresentam-se as alíquotas em vigor sobre veículos dentro das regras do regime automotivo. À direita, as alíquotas sobre veículos que não satisfazem as regras do regime válido a partir de 2013. 56 Apresentam-se no Quadro 2, ademais, as alíquotas que passaram a vigorar sobre os veículos que não se enquadravam no regime automotivo adotado a partir do final de 2011, bem como a nova rodada de redução do IPI realizada pelo governo para vigorar do final de maio a dezembro de 2012, com prorrogações de dois meses no final de agosto e outubro, e as alíquotas em vigor para 2013. Diante da forte elevação das importações para atender o mercado interno e da preocupação governamental em preservar as bases industriais domésticas e manter o nível de produção e emprego, estabeleceu-se em setembro de 2011 o novo regime automotivo, válido de dezembro de 2011 a dezembro de 2012, segundo o qual as montadoras deveriam utilizar no mínimo 65% de conteúdo nacional ou regional (Mercosul e México) na fabricação de seus veículos, além de investir em pesquisa e desenvolvimento e realizar ao menos 6 de 11 etapas produtivas em território nacional. A partir do novo regime, todos os veículos não enquadrados na nova regulamentação sofreriam aumentos de 30 pontos percentuais nas alíquotas incidentes. De 2013 a 2017, vigoram novas regras que expressam a necessidade de também se promover a inovação tecnológica em âmbito doméstico dado o crescente potencial de demanda interna por veículos. O Decreto nº 7.819/2012 regulamenta o Programa de Incentivo à Inovação Tecnológica e Adensamento da Cadeia Produtiva de Veículos Automotores (o Inovar-Auto), que constitui parte da política industrial, tecnológica e de comércio exterior do governo federal expressa no Plano Brasil Maior. A partir de então, as empresas devem cumprir 3 de 4 requisitos para abater o aumento de 30 pontos percentuais no IPI. As regras são: investir no mínimo 0,15% da receita operacional bruta em inovação em 2013, o que subirá para até 0,5% em 2017; apresentar no mínimo 0,5% da receita operacional bruta investida em engenharia, o que subirá até 1% em 2017; realizar no país 8 de 12 etapas produtivas na fabricação de veículos leves e 10 de 14 no caso de veículos pesados em 2013, o que subirá até 2017 para 10 de 12 etapas e 12 de 14 etapas para veículos leves e pesados, respectivamente; elevar o nível de eficiência energética dos veículos, de acordo com selo de consumo de energia do Inmetro (25% dos veículos produzidos em 2013, subindo para 100% em 2017). Indubitavelmente, as proposições do programa impelem uma dinâmica em favor da ampliação dos investimentos e da manutenção das bases produtivas nacionais, particularmente ao exigir o cumprimento de grande parte das etapas produtivas no país. Também preveem um incremento substancial do nível de eficiência energética dos veículos ao longo dos anos. Esses fatores tendem a elevar as barreiras à entrada para 57 potenciais concorrentes no mercado. Todavia, conforme ressaltado anteriormente, o programa poderia se mostrar mais ambicioso no quesito de fomento à inovação e engajamento do país nas trajetórias tecnológicas futuras, ao aplicar exigências maiores às empresas no sentido de ampliar o volume de recursos investidos domesticamente no desenvolvimento de tecnologia e promover maior direcionamento desses recursos às tecnologias de ponta, sobretudo em relação aos veículos elétricos. b. Proposições para ampliar a capacidade de inovação no Brasil Entende-se que, numa perspectiva de mais longo prazo, é necessária uma reestruturação produtiva apoiada no desenvolvimento tecnológico e em um novo ciclo de investimentos, cujo encaminhamento está em curso a partir dos recentes planos de expansão da capacidade produtiva no país anunciados por algumas montadoras para os próximos anos. Isso, no entanto, requer uma reflexão sobre o comportamento das companhias instaladas no Brasil e dos novos entrantes, uma vez que respondem por grande parcela dos fluxos comerciais, tecnológicos e de capitais e se encontram inseridas numa lógica de operação comandada pelas estratégias globais das corporações, o que, por sua vez, tem impacto sobre a dinâmica produtiva doméstica e as contas externas do país. Torna-se necessário, portanto, repensar o regime de proteção (proteger o país de quem?) e de acumulação (proteger o país para quem?) vigente para o setor no país. Nesse âmbito, é indispensável ter em mente, no que concerne à atuação das montadoras em território nacional, sobretudo de novos entrantes no mercado, suas estratégias em relação: i) à importação de bens finais (veículos); ii) à instalação de unidades produtivas, ou seja, realização de investimentos no mercado doméstico; iii) à importação de insumos (autopeças) para produção e à manutenção de conteúdo nacional; e iv) ao desenvolvimento de tecnologia em âmbito nacional. Nesse sentido, o estabelecimento do novo regime automotivo revela avanços de política, ainda que limitados, para o setor acerca dessas questões. No entanto, exige-se que outros mecanismos de estímulo setoriais e macroeconômicos sejam simultaneamente adotados ou reforçados, preferencialmente de maneira coordenada, caso o objetivo consista em sustentar uma trajetória de crescimento do setor com impactos positivos sobre a cadeia produtiva, sobretudo diante da persistência de um cenário internacional de baixo dinamismo. Podem-se mencionar, por exemplo: a continuidade do processo de redução da taxa básica de juros e seu 58 repasse tanto para a comercialização de veículos, ampliando o volume de crédito ao consumidor a taxas mais baixas, como para o financiamento das empresas na realização de novos investimentos; políticas de contenção da apreciação e volatilidade da taxa de câmbio; medidas para assegurar a competitividade dos fornecedores de autopeças no país e sua inserção no desenvolvimento de novas tecnologias em conformidade com os encaminhamentos da trajetória tecnológica; e a negociação de redução da carga tributária para empresas que cumpram metas preestabelecidas em relação à produção e à inovação no país, semelhante ao caso do IPI dentro do regime automotivo. No que se refere especificamente à ampliação da capacidade de inovação do setor no país, destacam-se como principais diretrizes (em parte, refletidas em algumas medidas em curso que eventualmente podem ser aprofundadas): i) incentivos fiscais e/ou ampliação das linhas de financiamento mediante agências de fomento federais ou o BNDES para que as empresas ampliem os investimentos em P&D domesticamente; ii) apoio às atividades conjuntas de desenvolvimento tecnológico entre montadoras e sistemistas instalados no país, sobretudo para aperfeiçoar níveis de eficiência energética e redução da emissão de poluentes dos veículos com tecnologia bicombustível; iii) fomento às parcerias de pesquisa entre empresas e universidades para a geração ou aprimoramento de tecnologias sustentáveis; e iv) fortalecimento da capacitação profissional mediante ampliação de cursos técnicos e educação superior em áreas de engenharia, inclusive com internacionalização do ensino e pesquisa (vide programa Ciência sem Fronteiras). Tais iniciativas teriam por objetivo fomentar o processo de inovação tecnológica em âmbito doméstico, concomitantemente ao aproveitamento por parte das empresas do potencial de demanda interna por veículos. Considerações finais O setor automobilístico encontra-se diante de transformações-chave em âmbito global tanto pelo lado da oferta como pelo lado da demanda. Isso abre claras oportunidades às economias emergentes, que não mais apenas se colocam como mercados produtores, mas crescentemente também como importantes e dinâmicos centros consumidores. A inserção dessas economias, no entanto, depende de políticas coordenadas que aproveitem essa reestruturação produtiva em escala global e o redirecionamento da demanda para tornar ou manter o setor domesticamente competitivo e produzir impactos positivos em termos de geração de emprego e renda sobre o restante da economia. 59 Faz-se necessário, portanto, às economias com estrutura industrial consolidada e peso significativo do setor, como é o caso brasileiro, refletir a respeito dos impactos dessas transformações em âmbito internacional sobre a dinâmica do setor em escala nacional. Isso envolve a execução de planos de investimento para ampliação da capacidade produtiva nos próximos anos, a entrada de novos concorrentes no mercado doméstico via importações e produção local, os efeitos das estratégias corporativas de redirecionamento da produção sob integração regional sobre os elos da cadeia produtiva e particularmente os estímulos à expansão da capacidade de inovação do setor no país. É importante que a continuidade do processo de expansão da demanda doméstica por veículos se converta em um processo simultâneo de fortalecimento da indústria automobilística brasileira, mediante ampliação da capacidade produtiva, promoção de inovações tecnológicas e ganhos de competitividade. Observou-se no período recente, em especial diante da crise, um descompasso entre a demanda e a oferta interna, haja vista o intenso fluxo de importações para suprir o aquecimento do mercado nacional em termos de bens finais e insumos. A elevada relação importação/investimento diante de um alto grau de utilização da capacidade instalada e elevado volume de lucros e dividendos remetidos ao exterior que poderiam ser reinvestidos no país aponta para um baixo comprometimento das empresas com as bases produtivas domésticas. Somam-se a isto os gastos em pesquisa, desenvolvimento e inovação (P&D&I) realizados pelas empresas. Embora a indústria automotiva seja um dos principais setores promotores de atividades inovadoras no país, há espaço para que tais gastos se ampliem como proporção das receitas domésticas, seguindo o padrão das corporações em âmbito global. Nesse sentido, as metas do programa Inovar-Auto poderiam ter sido mais ambiciosas, sobretudo no que tange ao desenvolvimento de tecnologias. Se, por um lado, exigências maiores poderiam ter sido aplicadas às empresas para ampliarem seus gastos em inovação no país; por outro, um direcionamento maior desses recursos às tecnologias de ponta, sobretudo contemplando veículos elétricos e os desdobramentos da nova trajetória tecnológica, deveria ter sido promovido. Ciente da relevância do setor na estrutura industrial brasileira e no dinamismo econômico do país, torna-se indispensável uma crescente coordenação entre as políticas macroeconômicas, industriais e de inovação que afetam o setor. Quanto maiores os investimentos em geral, com crescente importância das filiais e da base produtiva local na dinâmica das corporações, maiores também as possibilidades de investimentos em 60 inovação de produto e processo em âmbito doméstico. Dessa forma, a execução dos planos de investimento programados pelas montadoras para os próximos anos, sobretudo se acompanhados de ampliação do conteúdo produtivo e tecnológico nacional, representa um passo importante para o aproveitamento da demanda doméstica em expansão com fortalecimento dos encadeamentos produtivos, bem como consolidação das bases para a geração de novas tecnologias no país. Referências ANFAVEA. Anuário da indústria automobilística brasileira 2010. São Paulo: Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), 2010. ANFAVEA. Anuário da indústria automobilística brasileira 2012. São Paulo: Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), 2012. 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