LAS ISLAS Y EL MUNDO ATLANTICO. 1580-1648 ALBERTO VIEIRA INTRODUÇÃO O período que medeia entre os finais do século XVI e a primeira metade da centúria seguinte é o momento decisivo da História das ilhas e do Atlântico. As questões políticas sobressaem às demais e anunciam uma globalização dos problemas em que o principal palco é o Atlântico que tem como pilares as ilhas. Subjacente ao conflito está o afrontamento ao mar ibérico, construído à custa de pactos e bulas papais desde o século XV. O oceano da segunda metade do século XVI era já um mar aberto. Os conflitos contribuíram para o reconhecimento definitivo da total abertura do oceano aos diversos intervenientes europeus. A instabilidade daqui resultante, expressa em batalhas navais, assaltos de corsários reflectiu-se de forma evidente no quotidiano insular. A insegurança permanente provocou uma aposta na organização com a através da reformulação das milícias, de novos planos de fortificação, do artilhamento das embarcações comerciais e das armadas de protecção. Este avolumar de preocupações e de busca imediata de soluções pesou na aposta num poder forte. Filipe II apostou na sua centralização nas ilhas, certamente a pensar na eficácia face às grandes questões, acabando com alguns dos poderes tradicionais. No caso das ilhas portuguesas foi o golpe mortal à despótica afirmação dos capitães donatários. A represália pela falta de lealdade de alguns provocou a quebra paulatina de influência. Estamos perante um momento de viragem na História das ilhas e do Atlântico. Assim, a par das mudanças de âmbito político, ganharam forma outras de âmbito económico que sedimentaram o reforço do protagonismo. O reforço da aliança portuguesa com os ingleses e a posição concorrencial entre o vinho da Madeira e o de Canárias está na origem da mudança. A afirmação do mundo colonial britânico a partir do século XVII foi também favorável à viragem, fazendo com que as ilhas mais se afirmassem por uma forte vinculação ao Novo Mundo. 1. A UNIÃO IBÉRICA NAS ILHAS A 14 de Setembro de 1580 Filipe II é aclamado rei em Lisboa, sendo confirmado nas cortes realizadas no ano seguinte em Tomar. O processo de pacificação das regiões do império português que no mês de Junho haviam aclamado D. António, Prior do Crato, é rápido e só nos Açores, por ser um dos pilares dos interesses em jogo, será demorado. Aqui a importância geo-estratégica do arquipélago fez com que os açoreanos ficassem reféns dos interesses de franceses, ingleses e castelhanos. D. António Prior do Crato, com o apoio da França e Inglaterra, estabeleceu aí o último reduto. Deste modo os interesses externos sobrepuseram-se ao patriotismo dos açorianos. A aclamação do novo monarca solicitada em Agosto de 1580 por Diogo Dias só veio a acontecer em Janeiro do ano seguinte em Ponta Delgada. O corregedor Ciprião de Figueiredo e o bispo D. Pedro de Castilho assumiu posição distinta. O primeiro desde a Terceira chefiou a resistência ao invasor, enquanto o segundo é fervoroso adepto de Filipe II, sendo forçado a refugiar-se em S. Miguel, onde câmara de Ponta Delgada havia aclamado o novo rei em 31 de Janeiro de 1581. Entretanto, o novo monarca havia nomeado D. Ambrósio de Aguiar Coutinho governador geral dos Açores, que morreu prematuramente em 5 de Julho de 1582. Perante a divergência de interesses as hostilidades aos novos soberanos foram sangrentas e demorou três anos a pacificação e reconhecimento do novo monarca1. Foi necessário mobilizar todas as forças navais e comandantes experientes: em 1581 de D. Pedro de Valdés e D. Lope de Figueroa que deram lugar no ano imediato ao marquês de Santa Cruz que acompanhou em 1583 D. Álvaro de Bazán. A primeira saldou-se numa rotunda derrota castelhana na célebre batalha da Salga, mas a segunda chefiada pelo Marquês de Santa Cruz saiu vencedora na batalha naval de Vila Franca do Campo. Todavia, só em 1583 se concretizou a conquista da Terceira com o desembarque a 26 de Julho das forças castelhanas em Porto de Mós. Concluída a rendição da Terceira foi enviada uma missão comandada por D. Pedro de Toledo ao Faial. No Pico conseguiu ter a pronta adesão das autoridades locais, mas no Faial uma força de 6000 franceses ofereceu resistência. Já na Madeira o processo foi distinto. D. António fora apenas aclamado no Porto Santo2 e na vila da Ponta de Sol. A aristocracia e as instituições municipais estavam com o novo monarca3. António Carvalhal mobilizou homens para defender o Funchal de qualquer assalto da esquadra francesa. Aqui os representantes da coroa filipina só se tiveram que haver com um grupo restrito de personalidades afectas a D. António, uma vez que alguns se haviam juntado às hostes de D. António na ilha Terceira4. Foi a ameaça de ocupação da ilha por parte de uma armada franco-inglesa, surgida a 24 de Julho de 15825, que levou Filipe II a ordenar em 19 de Março de 1582 a D. Agustin de Herrera que fosse defender a ilha com uma armada de 300 homens. O desembarque no Funchal teve lugar a 29 de Maio, com a maior quietação para evitar qualquer alvoroço e no dia imediato, na presença de todas as autoridades e povo, fez-se juramento de fidelidade ao novo rei. O Conde permaneceu na Madeira com as tropas enquanto duraram as hostilidades na ilha Terceira. Com a batalha e decisiva de conquista da ilha a 26 de Julho de 1582, por D. Álvaro Bazan, festejada no Funchal a 1 de Setembro, ele recebeu a 2 de Setembro 1. Avelino de Freitas MENEZES, Os Açores e o Domínio Filipino.I- A Resistência Terceirense e as Implicações na Conquista Espanhola, Angra do Heroísmo, 1987. 2. A atitude deste município foi imputada ao capitão Diogo Perestrelo, que foi em 1586 alvo de múltiplas acusações do município, sendo devassado em 1606, com a perda da capitania; veja-se Anais do Município do Porto Santo, Porto Santo, 1989, p. 16, nota 10; Alberto Artur SARMENTO, Ensaios Históricos da Minha Terra. Ilha da Madeira, vol. I, Funchal, 1946, p.173 3. Contavam-se entre os adeptos de D. António os seguintes: os Câmaras, o conde de Vimioso que era capitão donatário de Machico e que a perdeu para Tristão da Veiga, e o capitão do donatário do Porto Santo. 4. Confronte-se A.RUMEU DE ARMAS, "El Conde de Lanzarote, capitán general de la isla de la Madera(1582-1583)", in Anuario de Estudios Atlânticos, nº.30, 1984, pp.404-406 5. Ideia defendida já por L. SIMENS HERNANDEZ, "La expedición a la Madera del Conde de Lanzarote desde la perspectiva de las fuentes madeirenses", in Anuario de Estudios Atlânticos, nº.25, 1979, pp.289-305. O texto de Gaspar Frutuoso (Livro Segundo das Saudades da Terra, Ponta Delgada, 1979, p. 406-407) é muito sugestivo sobre isso: "...depois quer foi julgado Portugal ser do católico rei Filipe, senhor nosso, e teve posse àele, mandou a ilha da Madeira por capitão-mor e governador dela o desembargador João Leitão, depois que chegou à ilha, de mandado do mesmo rei Filipe, por capitão-mor dela e da do Porto Santo, dom Augustinho Herrera, Conde de Lançarote e Senhor de Forteventura; no qual tempo, na era de mil e quinhentos e oitenta e dois anos, foi, da banda do Norte, António do Carvalhal à cidade do Funchal, com trezentos homens, que manteve à sua custa cinco meses, do de Maio até Setembro, em serviço do Católico rei Filipe, para ajudar a defender a desembarcação dos franceses da armada de Dom António, que em aquele tempo na ilha se esperava". A. RUMEU DE ARMAS, ibidem, pp.436, 455-459 autorização para a abandonar, ficando em seu lugar, como chefe do presídio, D. Juan de Aranda, ao comando de uma guarnição de 500 homens onde se incluíam os 200 soldados andaluzes que haviam chegado em Junho. As grandes dificuldades porque passou a força ocupante, mais conhecida por tropa do presídio, não derivaram tanto do possível afrontamento da população local, mas sim dos problemas surgidos com o abastecimento6. A cidade debatia-se já com esta situação vendo-a agora agravada com a presença de mais 500 homens. A conjuntura económica foi responsável por algum ambiente de tensão que rodeou a força ocupante, com especial referência para o período que decorre desde15897. D. Agustin de Herrera, conde de Lanzarote8, ao assumir em 1582 a posse, ainda que temporariamente, do governo da ilha, veio a permitir mais assíduos contactos entre a Madeira e Lanzarote. Aliás, o próprio conde promoveu a situação através de vínculos familiares com o casamento de dona Juana de Herrera, filha de Dona Bernaldina, com Francisco Acciauoli, filho de Zenóbio Acciouli, um dos mais destacados mercadores e terratenentes italianos, estabelecidos na ilha desde 15159. O exemplo foi seguido por muitos dos militares que o acompanharam10. Assim o documentam os registos de casamento da Sé do Funchal para o período de 1580 a 160011. Nas ilhas portuguesas dos trópicos não foram evidentes os reflexos da mudança, tardando algum tempo a adaptação à nova realidade. O interesse da adesão estava de ambos os lados. Os Castelhanos que tinham garantido o acesso ao mercado de escravos e os mercadores portugueses envolvidos no trafico interessados nos mercados de destino. A noticia e adesão de Cabo Verde à nova monarquia aconteceu em finais de 1581 com o desvio da armada do Capitão Diego Flores de Valdez que se dirigia ao Brasil. Filipe II determinara que o mesmo procedesse ao juramento das autoridades da ilha e da Costa da Guiné à sua soberania. No relatório enviado em 24 de Janeiro de 158212 sabe-se da existência de muitos adeptos de D. António e dá-se conta da necessidade de protecção das rotas e comércio da área. A adesão à causa de D. António foi imediata, mas Filipe II soube perdoar a população por carta de 15 de Novembro de 158313, sendo apenas executados os cabecilhas. Consumada a legitimação e a soberania de Filipe II o arquipélago entrou de imediato no centro das atenções das potências europeias beligerantes e em expansão no Atlântico. O papel fundamental do arquipélago na ligação entre as plantações açucareiras americanas com os centros africanos fornecedores de escravos motivou o interesse dos outros europeus. Os ingleses foram os primeiros a marcar presença através de Francis Drake. Foi ele quem em 1585 pôs a saque a cidade de Santiago. Em 1598 foi a vez dos holandeses que tomaram posse da vila da Praia. Tenha-se em consideração que os 6. Não obstante assinala-se nos primeiros anos da presença desta força alguma animosidade com a população, que deu lugar a algumas alterações, como sucedeu a 6 de Março de 1583; veja-se A.RUMEU DE ARMAS, art.cit., pp.468-473. 7. A.A.SARMENTO, ob.cit., vol.I, p. 188 e segs. 8. S. BONNET,"La expedición del marquês de Lanzarote a la isla de la Madera", in El Museo Canario, X, 1949, pp.59-68; IDEM, "Sobre la expedición del Conde-Marquês de Lanzarote a la isla de la Madera", in Revista de História de la Universidad de La Laguna, nº.115-116 (1956), pp.33-44; L. SIEMENS HERNANDEZ, Ibidem; A. RUMEU DE ARMAS, "El conde de Lanzarote, capitán general de la isla de la Madera (1582-1583)", in Anuario de Estudios Atlanticos, nº.30, 1984, pp.393-492; João de SOUSA, "Os espanhóis na Madeira 1582-1583", in Diário de Notícias, 1 de Dezembro de 1984. 9. A. A. SARMENTO, Ensaios Históricos da Minha Terra, vol. I, Funchal, 1946, p.27; Nobiliario de Canarias, tomo I, pp.50-63. 10. Arquivo Regional da Madeira, Misericórdia do Funchal, nº.684, fls.710-711;Luís de Sousa e MELO, " A imigração na Madeira. Paróquia da Sé.1571-1600", in História e Sociedade, nº. 3, 1979 (republicado em Islenha, nº.3, 1988, pp.20-34), pp.52-53. 11. Luís de Sousa e MELO, art. cit. 12. Monumenta Missionária Africana, 21 série, vol. III, pp.92-96. 13 . Ibidem, 119-122. Países Baixos ao verem-se privados do fornecimento do sal de Setúbal14, procuravam suprir a falta com o das ilhas de Boavista, Maio e Sal. Sabe-se que em 1597 se juntaram na ilha de Maio três navios ingleses, quatro navios franceses e outros seis flamengos, todos em busca de sal. Filipe II, face às incessantes investidas à Costa da Guiné e Cabo Verde, foi forçado a apresentar em 159115 um "Regulamentação de Navegação Ultramarina", onde a crença religiosa se tornava impeditivo do comércio colonial. Esta medida reverteu em prejuízo, tendo em conta que o arquipélago ficou sujeito à presença incómoda de corsários. Nas ilhas de S. Tomé e Príncipe o juramento de fidelidade ao novo monarca foi imediato por parte do Capitão António Monteiro Maciel, tal como o testemunha o acto de 10 de Junho de 1581. Aqui as maiores dificuldades porque passou a ilha nas últimas décadas do século XVI estão nas revoltas de negros (1590 e 1595). A mais célebre de todas é a dos angolares que em 1595 se sublevaram sob o comando de Amador. CONSEQUÊNCIAS DA UNIÃO IBÉRICA A união das coroas peninsulares não implicou a incorporação do estado português. Estamos na verdade perante a união de duas coroas e não de estados. A nova situação veio a provocar mudanças em termos da geografia política do espaço atlântico fazendo dele o palco principal dos conflitos entre as potencias europeias. A situação é o prelúdio da perda da posição hegemónica dos reinos peninsulares nas rotas que os ligavam ao Novo Mundo Desde meados da centúria que o direito à circulação tornou-se universal ganhando esta tese um forte suporte jurídico e filosófico. É disso exemplo o “Mare Liberum”(1608) de Hugo Grócio. Os holandeses foram os que mais investiram em todas as frentes assumindo uma posição relevante na afirmação do mundo colonial16. A tudo isto acresce o facto de o papado deixar de assumir a força que deteve até ao momento do cisma e das dissidências religiosas do Norte da Europa.. A falta repercute-se de modo evidente na afirmação da via diplomática como único meio de solução dos conflitos. A união das coroas peninsulares contribuiu apenas para agudizar os antagonismos e os inimigos. A situação reflecte-se de forma evidente no quotidiano das ilhas através da intervenção dos piratas e corsários. Deste modo a principal consequência da adesão das ilhas a nova monarquia ibérica foi a vulnerabilidade face às investidas dos inimigos europeus. Os corsários são os protagonistas principais. O corso a partir da década de oitenta tomou outro rumo, sendo as diversas iniciativas uma forma de represália à união das duas coroas peninsulares. Ele ficou expresso na intervenção de diversas armadas: Francis Drake (1581-85), Conde de Cumberland (1589), John Hawkins, Martin Forbisher, Thomas Howard, Richard Greenville e o Conde Essex (1597). Elas não se limitavam apenas ao assalto às embarcações que regressavam à Europa carregadas de ouro, prata, açúcar e especiarias, pois também se estendiam à terra firme onde iam à procura do abastecimento de víveres e água ou do volumoso saque. Como testemunhos disso temos os assaltos de 1585 na ilha de Santiago, em 1587 na das Flores e inúmeras intervenções nas Canárias. 14 . Cf. V. RAU, Estudos sobre a História do Sal Português, Lisboa, 1984, pp.161-165 15 . Monumenta Missionária Africana, vol. III, doc.77. 16. Ernst Van den BOOGAART, La Expansión Holandesa en el Atlantico 1580-1800, Madrid, 1982. A partir da união peninsular mudou o equilíbrio de forças no Atlântico e mais uma vez as ilhas assumiram um papel de relevo na disputa entre as coroas europeias. Na Madeira sucederam-se inúmeros assaltos franceses que tiveram a pronta resposta de Tristão Vaz da Veiga, um dos adeptos fervorosos da nova causa, provido em 1585 no cargo de "geral e superintendente das coisas da guerra". O mesmo aconteceu nas demais ilhas, com especial destaque para a de S. Tomé, que acabou por ser um dos alvos permanentes da cobiça holandesa durante o período da união peninsular. Com a ocupação castelhana do arquipélago açoriano foi muito sentida a necessidade de uma imponente fortaleza em Angra, capaz de guardar as riquezas em circulação, pô-las fora do alcance da cobiça de qualquer corsário e certamente de suster os ânimos exaltados dos angrenses. O início da construção do mais imponente reduto do espaço atlântico teve lugar em 1592, a partir de um plano traçado por João de Vilhena que só ficou concluído em 1643. A conturbada conjuntura política, que se seguiu nos finais da centúria quinhentista e princípios da seguinte, teve o condão de conduzir à mudança do cenário. A crise dinástica e a consequente união das coroas peninsulares levaram a uma abertura da área ao comércio dos insulares, seus vizinhos e aos demais europeus, nomeadamente, os holandeses. Perante isto Santiago deixou de ser o principal entreposto dos Rios de Guiné, sendo evidentes os reflexos da situação na economia da ilha. Se é certo que num momento determinado as ilhas se fecharam ao comércio com os inimigos políticos e religiosos, também não é menos verdade que a união não conseguiu garantir o exclusivo dos mercados detidos pelas monarquias ibéricas, agora unidas. Isto foi um passo para a partilha do oceano por todas as potências europeias, que não prescindiram da posição fundamental das ilhas. No caso dos arquipélagos da Madeira e Açores não foi fácil ao novo monarca impor limitações à presença dos inimigos estrangeiros. Assim, não obstante a ordem de expulsão dos ingleses em 1589 e das posteriores medidas limitativas do trafico comercial com a Europa do Norte não se poderá dizer que a ilha viveu um período de total rotura das tradicionais relações com a região17. Situação idêntica sucedeu com os franceses onde se assinala o facto de João de Caus, francês, residente no Funchal há dezanove anos, ter sido naturalizado português em 159018. Na verdade, La Rochelle continuará a ser um porto de permanente contacto com os de Angra, Faial e Funchal19. Perante isto poderá concluir-se que o mercado das ilhas não foi tão afectado pelas alterações políticas e consequentes represálias, como à primeira vista pode parecer. Na Madeira e nos Açores continuou a afirmar-se a presença britânica que teve consumação plena na segunda metade do século XVII20. O mundo das ilhas manteve-se alheio ao jogo de interesses europeus. Apenas nos espaços continentais atlântico (Africa e Brasil) e no Oriente se tornava evidente o assalto dos beligerantes às possessões portuguesas, acabando por fragilizar a hegemonia e império que os portugueses havia 17. Esta ideia foi já defendida por Joel Serrão, O 'contrabando' Atlântico (1580-1590), in Estudos Históricos Madeirenses, Funchal, 1982, pp. 129-140. 18. ARM. CMF, registo geral, t. III, fl. 48. 19 . Julião Soares de AZEVEDO, Sobre o Comércio de La Rochelle com os Açores no século XVII, in Revista Portuguesa de História, t. III; Nota e Documentos sobre o Comércio de La Rochelle com a ilha Terceira no século XVII, in Boletim Inst. Hist. I. Terceira, vol. VI, 1948. 20. Sobre os Açores veja-se: Nestor de SOUSA, “Sinais da Presença Britânica na vida Açoriana (séculos XVII-XVIII)”, in Arquipélago, nº especial Relações Açores - Grã Bretanha, P. Delgada, 1988, pp. 25-100; J. G. Reis LEITE, Os Fisher. Esboço Histórico de uma Família Açoriana, Angra do Heroísmo, s. d.. conseguido em princípios do século XVI. As alterações mais significativas ocorreram nas ilhas de Cabo Verde e S. Tomé e Príncipe pelo simples facto de ambos os arquipélagos funcionaram como antecâmara dos centros abastecedores de escravos do litoral africano da Costa e Golfo da Guiné. Uma das formas usadas pelos mercadores nórdicos para se furtarem à prisão pelas autoridades das Canárias estava no recurso ao pavilhão de um país amigo e ao disfarce do nome, aportuguesando-o. Isto ficou conhecido como comércio disfarçado21. Aliás, eles eram e continuaram a ser os campeões do contrabando que tinha por palco algumas ilhas como era o caso da Madeira22. Um dos casos paradigmáticos que revela a desigual situação dos mercadores estrangeiros entre as ilhas dos Açores e Madeira e as Canárias, sucede com Bartolome Cuello, um mercador inglês preso em Tenerife a 17 de Janeiro de 1592 e julgado em 159723. Note-se que ele mesmo assim não conseguiu iludir a perseguição das autoridades inquisitoriais de Canárias. A confissão deste mercador perante o tribunal de Las Palmas é um retrato evidente da actividade comercial dos nórdicos no período de 1586 a 1591. Aí temos a definição do que se entendia como comércio disfarçado: "...y demais de los navios que... tiene declarado que an venido la dicha isla de San Miguel con nombre de escoceses con el mesmo engaño..los dichos escoceses traen pasaportes delRey d’Escosia.... los mercaderes que por las dichas vias tratan en España tienen dellos de Francia y d’Escocia y de Flandres para las mercadorias y las sellan con ellos....y en quanto a los flamencos de Olanda y Gelanda.... los susodichos tratan ordinariament en Ynglaterra como vassallos de la Reyna y que traen gran cantidad de ropa y de mercadorias lo quel todo llevan a España y a estas yslas y a las de San Miguel fingiendo ser alemanes de Amburch y de Dunquerque en Flandres...." Esta prática não foi só apanágio de Bartolome Cuello, pois que se documentam outros como Thomas Alder, Ht Web, Tomas Simon, Juan Jurdan e Paulo Bux. A união das coroas peninsulares é o princípio do fim da hegemonia ibérica no Atlântico mas não do protagonismo das ilhas que continuaram a ser espaços intervenientes nas novas realidades políticas e económicas que o final de século propiciou. O DOMÍNIO DOS MARES E A POLÍTICA ATLÂNTICA O século XV marca o início da afirmação do Atlântico, o novo espaço oceânico revelado pelas gentes peninsulares. O mar, que até meados do século XIV se mantivera alheio à vida do mundo europeu, atraiu as atenções e em pouco tempo veio substituir o mercado e via mediterrânicos. A abertura foi no início geradora de conflitos com a disputa pela posse das Canárias, que se alargou, depois, ao próprio domínio do mar oceânico. Portugueses e castelhanos entraram em aceso confronto, servindo o papado de árbitro na partilha. Os franceses, ingleses e holandeses que, num primeiro momento, foram apenas espectadores atentos, entraram também na disputa a reivindicar um mare liberum (isto é, o mar livre, aberto) e o usufruto das novas rotas e mercados. O Atlântico não foi apenas o mercado e via comercial, por excelência, da Europa, mas também um 21. Alberto VIEIRA, O Comércio Disfarçado mas ilhas do Atlântico Oriental. O Processo de Bartolome Cuello na Inquisição de Las Palmas (1591-98), in Anita NOVINSKI (ed.), Inquisição Ensaios sobre Mentalidade, Bruxarias e Arte, S. Paulo, 1992, pp.161-169. 22. Cf. Joel SERRÃO, Temas Históricos Madeirenses, Funchal, 1992, pp129-140. 23. Cf. W. de Gray BIRCH, Catalogue of the Collection of Original Manuscripts formerly belonging to the Holy Office of the Inquisition in the Canary Islands, vol. III, Londres, 1903, pp. 1026-1054; L. ALBERTI e A. B. Wallis CHAPMAN, English Merchants and the Spanish Inquisition in the Canaries, Londres, 1912, pp. 127-152. dos palcos principais em que se desenrolaram os conflitos que definem as opções políticas das coroas europeias, expressas por meio da guerra de corso. É esta contenda político-económica, que o oceano gerou, o tema que prenderá agora a nossa atenção. Aqui faremos um breve sumário das questões, pondo em evidência as que nos parecem imprescindíveis para a compreensão do protagonismo dos espaços insulares. Na realidade, as ilhas foram os principais pilares da estratégia de domínio do oceano, e por isso mesmo todas as iniciativas neste âmbito repercutiram-se de modo evidente nelas. Quando os portugueses se lançaram, no século XV, à exploração do oceano encontraram, à partida, um primeiro obstáculo. As Canárias, que tão necessárias se apresentavam para o controlo exclusivo do oceano, estavam já a ser conquistadas por Jean Betencourt, um navegador francês, financiado pelos mercadores de Sevilha. Esta foi a primeira dificuldade, que causou inúmeros problemas à plena afirmação do mare clausum lusitano. Em face disso, só havia uma possibilidade: tomar posse de uma das ilhas por conquistar (La Gomera, por exemplo) e avançar com o povoamento da Madeira, que poderia funcionar como área suplementar no apoio ao avanço das viagens para o Sul. Seguiram-se outras dificuldades de importância igual que entravaram o progresso das viagens para Sul. A procura de uma rota de regresso da costa africana além do Bojador, preocupou os marinheiros e entravou a progresso das viagens para Sul. A volta pelo largo com a passagem pelos Açores foi a solução mais indicada, mas tardou em ser descoberta. Aos poucos o "mare clausum" transformou-se no "mare liberum" partilhado por todos. Se é certo que a disputa peninsular pelo domínio dos mares ficou solucionada o mesmo já não poderá ser dito quanto à cobiça e empenho de outras coroas europeias. De França questionou-se mesmo a partilha peninsular, solicitando-se o texto do testamento de Adão onde isto estava estabelecido. Perante isto restava aos que havia ficado de fora da partilha o recurso à guerra de corso. O corso foi a resposta dada pelos excluídos ao domínio ibérico dos mares. Aos demais povos europeus, habituados desde muito cedo às lides do mar, só lhes restava uma reduzida franja do Atlântico, a norte, e o Mediterrâneo. Mas tudo isto seria verdade se fosse atribuída força de lei internacional às bulas papais, o que na realidade não sucedia. O cisma do Ocidente, por um lado, e a desvinculação de algumas comunidades da alçada papal, por outro, retiraram aos actos jurídicos a medieval plenitude "potestatis". Deste modo em oposição a tal doutrina definidora do mare clausum antepõe-se a do mare liberum, que teve em Grócio o principal teorizador. A última visão da realidade oceânica norteou a intervenção de franceses, holandeses e ingleses neste espaço. Os ingleses iniciaram em 1497 as incursões sucessivas no oceano, enquanto os huguenotes de La Rochelle se afirmaram como o terror dos mares, primeiro com o intento de assalto a Gran Canaria e Tenerife em 1556, depois com o concretizado em 1566 à cidade do Funchal. Os franceses estiveram activos por toda a década de cinquenta e depois de um período de curta acalmia (1559-69) os ataques voltaram a recrudescer desde 1579, atingindo o auge na década de oitenta. Na Madeira contaram com a pronta resposta de Tristão Vaz da Veiga24. 24 . Cf. Saudades da Terra, caps. XXVII O corso foi a principal arma de combate ao exclusivismo do atlântico peninsular que ganhou maior adesão dos estados europeus no século XVI. Daqui resultou que a partir de princípios da centúria o perigo principal para as caravelas não estava nas condições geo-climáticas, mas sim da presença de intrusos, sempre disponíveis para assalta-las. Corsários franceses e ingleses disputavam em posições estratégicas o assalto aos navios peninsulares das carreiras oceânicas. Os mares dos Açores e da proximidade do Estreito de Gibraltar estavam povoados destes intrusos. A par disso os corsários circulavam também na vizinhança das principais cidades portuárias das ilhas aguardando a chegada das embarcações do novo mundo ou a saída das riquezas locais. A navegação tornou-se mais difícil e as rotas comerciais tiveram de ser adequadas a uma nova realidade: surgiu a necessidade de artilha-las e uma armada para as comboiar até porto seguro. Perante a situação de instabilidade nas ilhas a coroa procurou estabelecer um conjunto de medidas de protecção das populações e rotas comerciais. No último caso salienta-se a criação de armadas com a função de patrulhar e intervir quando fosse necessário contra os corsários que rondavam as áreas. Em 1565 assinalamse 43 embarcações e 2825 homens envolvidos neste processo distribuídos pelas armadas da costa do Algarve, da costa do reino, das ilhas, do Brasil, da Mina, da ilha da Madeira do Norte de África e do Congo25. Nas Canárias tivemos as armadas de D. Álvaro de Bazán (1555-56 e 1558). Esta foi a estratégia mais eficaz no combate ao corso. No século XVII os mecanismos comerciais estavam em mudança, afirmando-se, cada vez mais, uma tendência para o proteccionismo económico, definida pelas companhias comerciais e de legislação restritiva: os holandeses criaram em 1629 a companhia das Índias Ocidentais, os portugueses em 1649 a Companhia Geral do Comércio para o Brasil e os ingleses em 1660 a Royal Adventuress in to Africa e, depois, em 1672, a Royal Campany of England. A política monopolista e proteccionismo dos ingleses iniciaram em 1651 com o Acto de Navegação e teve continuidade nos actos posteriores de 1661 a 1696. Em França a política do cardeal Richelieu (1624-1642) havia dado o mote para a nova realidade político comercial. O mar que séculos atrás foram apenas um privilégio dos peninsulares era agora património dos diversos empórios marítimos europeus. A divisão política anterior deixou de ser uma realidade e deu lugar à era dos imperativos económicos. PIRATAS E CORSÁRIOS O mar deixou de ser um deserto acabando por estar povoado de piratas e corsários. Eles punham-se de guarda aos grandes centros de tráfico comercial para conseguir uma presa fácil. Assim na Madeira aos castelhanos do século XV sucederam-se os franceses no século XVI e os argelinos no século XVII. Os últimos actuaram como represália pela presença portuguesa em África e fizeram incidir a acção sobre a ilha do Porto Santo. A presença de corsários nos mares insulares deve ser articulada, por um lado, de acordo com a importância que as ilhas assumiram na navegação atlântica e, por outro, pelas riquezas que as mesmas geraram, despertadoras da cobiça de estranhos. Mas se as condições definem a incidência dos assaltos, os conflitos políticos entre as coroas europeias justificam-nos à luz do direito da época. Deste modo, na segunda metade do século XVI, o afrontamento entre as coroas peninsulares definiu a presença dos 25. ANTT, Colecção de S. Vicente, caixa 2, liv. 3, fls. 491-492. castelhanos na Madeira ou em Cabo Verde, enquanto os conflitos entre as famílias régias europeias atribuíam a legitimidade necessária às iniciativas, fazendo-as passar de mero roubo a acção de represália: primeiro foi, desde 1517, o conflito entre Carlos V de Espanha e Francisco I de França, depois os problemas decorrentes da união ibérica a partir de 1580. A última situação é um dado mais no afrontamento entre as coroas castelhana e inglesa despoletado a partir de 1557. O período que decorre nas duas décadas finais do século XVI é marcado por inúmeros esforços da diplomacia europeia no sentido de conseguir a solução para as presas do corso. Para isso Portugal e França haviam acordado em 1548 a criação de dois tribunais de arbitragem, cuja função era anular as autorizações de represália e cartas de corso. Mas a existência não teve reflexos evidentes na acção dos corsários. Note-se que é precisamente em 1566 que temos notícia do mais importante assalto francês a um espaço português. Em Outubro Bertrand de Montluc ao comando de uma armada composta de três embarcações perpetrava um dos assaltos mais terríveis à vila Baleira e à cidade do Funchal. Só testemunhamos situação parecida com os holandeses em 1599 na cidade de Las Palmas e ilha de S. Tomé que ocuparam no sentido de controlar o trafico de escravos. Nos Açores o final do século XVI ficou marcado pelas permanentes incursões de corsários ingleses. Isto é resultado do afrontamento resultante da união peninsular com também da concorrência pelo domínio dos mares e rotas comerciais. Aqui actuaram Francis Drake, Richard Greenville, Martin Frobisher, Walter Raleigh, o Conde de Essex e o de Cumberland. Na década de oitenta foi assídua a presença de Francis Drake nos mares dos Açores, mas o acontecimento mais notado foi o desembarque do Conde de Cumberland na Horta em Setembro de 158926. Incluso é referido em 1585 a notícia da preparação de uma armada sob o comando de Francis Drake para fazer desembarcar nos Açores D. António, Prior do Crato. Richard Greenville morreu em 1591 no mar entre as ilhas de Flores e Corvo quando comandava o famoso Revenge. Esta ficou conhecida com a batalha da ilha das Flores e pode ser entendida como a mais dura vingança à Invencível Armada (1588)27. O período em causa foi também funesto para as ilhas Canárias. A riqueza das ilhas e a função de apoio à navegação das Índias foi motivo suficiente para despertar o apetite dos corsários. A agudização dos conflitos europeus na década de oitenta fez com que este fosse o momento em que as ilhas estiveram permanentemente sujeitas às acções dos corsários ingleses e franceses. Em 1581 os franceses actuaram em Lanzarote, Fuerteventura, La Gomera e El Hierro. Mais frequente foi a presença dos ingleses, que desde a década de sessenta estiveram ausentes dos mares do arquipélago. Na década de oitenta tivemos apenas o ataque de Drake a Gran Canaria, mas já na década seguinte a sua presença era frequente nas ilhas de Fuerteventura, Las Palmas, Tenerife e Lanzarote que estiveram sob a ameaça constante28. Note-se que em 1591 Don Luis de la Cueva y Benavides, capitán General e o bispo Suárez de Figueroa quase ficavam prisioneiros dos ingleses quando regressavam da ilha de Fuerteventura. 26. Ver carta do capitão da ilha,, Gaspar Gonçalves Dutra, Arquivo dos Açores, vol. II, pp.304-306. 27. Walter RALEIGH, A Report of the Truth of the fight about the Iles of Açores, this Last Sommer..., London,1591, publ. em tradução em Insulana, vol. XLVI, 1990, pp.281-331; Américo da Costa RAMALHO, “Sir Richard Greenville’s last fight. A new source”, in Portuguese Essays, Lisboa, 1968, pp.37-45; Maria Irene Braz TEIXEIRA, “A Batalha da Ilha das Flores. Sir Richard Greenville e o Revenge”, in Boletim do Instituto Histórico da Ilha Terceira, vol. 35-36, 1977-78, pp.199-315. 28 . A. RUMEU DE ARMAS, Piraterías y Ataques Navales contra las Islas Canarias, Madrid, 1947-50. Nem sempre a actividade dos corsários foi de afrontamento às populações, pois no caso da ilha das Flores é evidente a cumplicidade dos moradores com os corsários. Assim em 1611 o corsário inglês Pedro Eston era presença assídua nestes mares e do agrado da população, estando mesmo de casamento marcado com a filha do capitão mor da ilha29. Nas ilhas de La Gomera e El Hierro é evidente a conivência dos principais com os corsários franceses, permitindo que se abasteçam a troco de os não molestar. Esta atitude mereceu a imediata resposta das autoridades através da Inquisição30. A presença de corsários na vizinhança das ilhas de Flores e Corvo era permanente e resultava da posição que assumiam na rota de retorno da América e Índia. Aí se postavam os corsários que amiudadas vezes tiveram de enfrentar a armada das ilhas que comboiavam as embarcações peninsulares. A assídua permanência só seria possível com o apoio da população local que lhes fornecia aguada e viveres frescos. Uma das consequências principais do assalto francês de 1566 à cidade do Funchal foi o maior empenho da coroa e autoridades locais nos problemas da defesa da ilha e, principalmente, da cidade que, por estar cada vez mais rica e engalanada, despertava a cobiça dos corsários. O desleixo na arte de fortificar e organizar as hostes custou caro aos madeirenses. A defesa da ilha era uma necessidade premente. Reactivaram-se os planos e recomendações anteriores no sentido de definir uma defesa eficaz da cidade a qualquer ameaça. O regimento das ordenanças do reino (1549) teve aplicação na ilha a partir de 1559, enquanto a fortificação teve regimentos (1567 e 1572) e um novo mestre de obras, Mateus Fernandes. Perante a incessante investida de corsários no mar e em terra firme houve necessidade de definir uma estratégia de defesa adequada. No mar optou-se pelo necessário artilhamento das embarcações comerciais e pela criação de uma armada de defesa das naus em trânsito. Em terra foi o delinear de um incipiente linha de defesa dos principais portos, ancoradouros e baías, capaz de travar o possível desembarque de intrusos. Igual impacto teve o assalto holandês a Las Palmas em 159931. O vexame infringido pelo invasor entre 26 de Junho e 8 de Julho levou as autoridades a repensar o plano de defesa da cidade, reconstruindo-se fortalezas e erguendo-se novas de forma a assegurar a segurança da cidade. Note-se que já na década de oitenta a coroa havia dado instruções a Leonardo Torriani e Próspero Casola para proceder à fortificação e respectivo plano de defesa das ilhas32. Nas ilhas da Guiné (S. Tomé e Cabo Verde) as décadas de oitenta e noventa foram igualmente momentos de aflição para os moradores. A presença de corsários europeus era igualmente constante. Assim no período de 1583 a 1598 a ilha de Santiago foi alvo de cinco ataques. A conjuntura e a impossibilidade de a coroa atacar em todas as frentes levou a apostar na ilha de Santiago reforçando a posição na estratégia de afirmação política e económica da Costa da Guiné. 29. Carlos G. RILEY, Afinidades Atlânticas. As Relações entre os Açores e a Grâ-Bretanha, in Insulana,, P. Delgada, 1992, p.117, sep. 30 . A. RUMEU DE ARMAS, ob.cit., t.I e II; Gloria DIAZ PADILLA, El Señorio en Las Canarias Occidentales. La Gomera y El Hierro hasta 1700, El Hierro/La Gomera, 1990, pp.502-505. 31 .Néstor Alamo, Drake y Van der Doez en Gran Canaria, in Revista de Historia, 1932, 75-100; 1933, 153-157; A. RUMEU DE ARMAS, Piraterias y Ataques Navales contra las Islas Canarias, Madrid, vol.II, pp.673-643, 784-920; J. VIERA Y CLAVIJO, Historia General de las Islas Canarias, vol. III, 224-232; L.SIEMENS, "Diario de Viaje...", in El Museo Canario, nº.89-103, 196669, 155-186. 32 . J. VIERA Y CLAVIJO, Historia General de las Islas Canarias, vol III, SCT, 1979, pp.214-215. A presença e disputa dos holandeses rege-se por condições específicas, porque detinham interesses importantes na cultura açucareira americana e procuravam assegurar o domínio de S. Tomé, Santiago e demais feitorias para acesso ao mercado de escravos. A isso juntava-se o empenho na manutenção das rotas do tráfico e de destruição dos interesses açucareiros da área. O ataque em 1598 à ilha de Santiago e no ano imediato a S. Tomé surge no seguimento do assalto a Las Palmas. Se nesta última o saque foi o principal motivo da intervenção já em S. Tomé o objectivo era a destruição da cultura da cana, de fabrico do açúcar e controlo da rota dos escravos. O novo século anunciou-se como um momento de ligeira acalmia nos mares. Os conflitos das potencias europeias foram paulatinamente sanados pelo que a permanente instabilidade de finais da centúria pertenciam já à História. Assinadas as pazes com a Inglaterra a 18 de Agosto de 1604 as populações insulares respiraram de alívio, pois os corsários ingleses deixaram de os incomodar. Com os holandeses as tréguas foram curtas, pois duraram de 1609 a 1621, reacendendo-se as hostilidades que conduziram a nova situação de instabilidade. Sanadas as ameaças dos corsários europeus apareceram os mouros com um assalto de grandes proporções às ilhas de Porto Santo e Flores no ano de 161733. Também nas ilhas de Lanzarote e Fuerteventura recrudesceu a sua ameaça. Em Lanzarote foi a sangrenta invasão dos argelinos em 1618 como forma de represália às incursões que os naturais faziam à costa de Berberia. É também constante a presença dos holandeses no decurso do primeiro quartel do século XVII. Isto deverá resultar da aparente acalmia entre 1604 e 1616. A oposição de interesses na Europa e no Atlântico ditava esta oposição que conduziu à represália peninsular com a interdição de entrada nos portos insulares e de comércio, como ficou estabelecido por alvará régio de 23 de Março de 1594. No entanto, a dificuldade de abastecimento de cereais ao Funchal levou as autoridades locais a levantarem este embargo mediante a exigência de fornecimento de cereais. Entretanto com os ingleses e franceses, passado o momento de hostilidade de finais do século XVI. Isto veio a permitir a presença de ingleses entre 1603 e 1628 e de franceses até 163534. O aumento da capacidade de resposta conduziu também a que os assaltantes fossem forçados a investir na sua organização. Deste modo aos iniciais actos isolados de embarcações de corso sucederam-se as armadas organizadas para tal fim. Desta forma a Filipe II não restava outra hipótese senão a de aumentar a capacidade defensiva das ilhas e das rotas comerciais. Reforçou-se o plano de fortificações com a construção de imponentes fortalezas e baluartes, a partir do plano traçado por Leonardo Torriani. Em Lanzarote projectou a reconstrução do Castelo de S. Gabriel de modo a ser mais operacional na defesa do porto de Arrecife. Organizou-se as forças permanentes e a milícia. Unificou-se as milícias, deixando de existir a divisão entre as ilhas realengas e senhoriais. Filipe II em 1587 estabeleceu o cargo de "sargentos mayores" para as ilhas e em 1625 decidiu unificar todas as forças de poder na figura de "capitán general", com intervenção política militar e judicial. Para o cargo foi provido D. Luis de la Cueva y Benavides. 33 . Para a Madeira veja-se Jorge Valdemar GUERRA, O Saque dos Argelinos à Ilha do Porto Santo em 1617, in Islenha, nº.8, 1991, pp.57-78. 34 . Joel SERRÃO, Temas Históricos Madeirenses, Funchal, 1992, pp.129-141. O espaço insular não poderá considerar-se uma fortaleza inexpugnável, pois a disseminação por ilhas, servidas de uma extensa orla costeira impossibilitou uma iniciativa concertada de defesa. Qualquer das soluções que fosse encarada, para além de ser muito onerosa, não satisfazia uma necessária política de defesa. Perante isto ela era sempre protelada até que surgissem ameaças capazes de impelir à concretização. O sistema de defesa costeiro surge aqui com a dupla finalidade: desmobilizar ou barrar o caminho ao invasor e de refúgio para populações e haveres. A norma era a construção de fortalezas após uma ameaça e nunca de uma acção preventiva, pelo que após qualquer assalto de grandes proporções sucedia, quase sempre, uma campanha para fortificar os portos e localidades e organizar as milícias e ordenanças. É exemplo disso o assalto dos huguenotes à cidade do Funchal em 1566, que provocou de imediato uma reacção em cadeia das autoridades locais e da coroa na defesa do burgo. Na verdade foi só a partir do assalto que se pensou em organizar de forma adequada o sistema defensivo da ilha. Primeiro, tivemos os regimentos das vigias (1567) e ordenanças (1570), depois o plano para fortificar da cidade do Funchal (1572) a cargo de Mateus Fernandes. A partir de então a ilha ficou servida por um fortificador que tinha o encargo a concretização do plano de fortificação da cidade e principais localidades costeiras35. A necessidade de defesa através de uma rede de fortificação e da eficácia das companhias de ordenança torna-se numa prioridade. Com o regimento de 157236 foi estabelecido um plano de defesa a ser executado por Mateus Fernandes, fortificador e mestre de obras. Daqui resultou o reforço do recinto abaluartado da fortaleza velha, a construção de outra junto ao pelourinho e um lanço de muralha entre as duas37. O plano completou-se no período de união das coroas peninsulares com a construção da Fortaleza de Santiago (1611-1621), do Castelo de S. Filipe do Pico (1603-1637) e o aumento do troço de muralha costeira. O plano de defesa das ilhas açorianas começou a ser esboçado em meados do século dezasseis por Bartolomeu Ferraz, como forma de resposta ao recrudescimento do corso, mas só teve plena concretização no último quartel da centúria. Aqui registam-se duas campanhas de fortificação: em 1577 com Pedro de Maeda e em 1592 com João de Vilhena. Bartolomeu Ferraz havia apresentado à coroa o seu rastreio: as ilhas de S. Miguel, Terceira, S. Jorge, Faial e Pico estavam expostas a qualquer eventualidade de corsários ou hereges; os portos e vilas clamavam por mais adequadas condições de segurança. Segundo ele os açorianos precisavam de estar preparados para isso, pois "ome percebido meo combatido"38. Daí terá resultado a reorganização do sistema de defesa levado a cabo por D. João III e D. Sebastião. Foram estes monarcas que reformularam o sistema de vigilância e defesa através de novos regimentos. A construção do castelo de S. Brás em Ponta Delgada e, passados vinte anos, do castelo de S. Sebastião no Porto de Pipas (em Angra) e de um Baluarte na Horta, eis os resultados mais evidentes desta política. Mais tarde, com a ocupação castelhana do arquipélago açoriano, foi muito sentida a necessidade de uma imponente fortaleza em Angra, capaz de guardar as riquezas em circulação e pô-las fora do alcance da cobiça de qualquer corsário e de suster os ânimos 35. Cf. Rui CARITA, A Arquitectura Militar na Madeira nos séculos XV e XVII, vol. I, Funchal, 1998. 36. Rui CARITA, O Regimento de Fortificação de D. Sebastião (1572)..., Funchal, 1984. 37. Saudades da Terra, livro segundo, 109-110. 38. Arquivo dos Açores, Vol. V, 364-367 (1543); confronte-se Ibidem, vol. IV, 121-124 (sem data). exaltados dos angrenses. Desde 1572 que se havia projectado uma fortaleza para o Monte Brasil, mas só em 1592 se deu início à construção daquilo que ficou conhecido como mais imponente reduto do espaço atlântico. As obras só ficaram concluídas após a restauração em 1643. O plano foi traçado por Tiburzio Spanochi a partir de um projecto de defesa de D. António de la Puebla. Os castelhanos, a exemplo do sucedido no castelo de S. Filipe de Angra, também construíram uma fortaleza com o mesmo nome no Funchal, para além de terem concluído a linha defensiva da praia funchalense com o forte de Santiago (1614). Foi incansável a iniciativa de Tristão Vaz da Veiga39, provido em 1585 no cargo de "geral e superintendente das coisas da guerra", lugar idêntico ao assumido na Terceira por Juan Urbina, nomeado em 1583 governador das ilhas e mestre de campo do terço castelhano 40 . Pior foi o estado em que permaneceram as ilhas da costa e golfo da Guiné pois as insistentes acções de piratas e corsários não foram suficientes para demover os insulares e autoridades a avançar com um adequado sistema defensivo. São poucas as referências à sua defesa mas o suficiente para atestar a precariedade. Ele resumia-se a pequenos baluartes, muitas vezes sem qualquer utilidade. Em S. Tomé começou a erguer-se a primeira fortaleza na Povoação com o capitão Álvaro Caminha, que lhe chamava apenas torre, concluída pelo sucessor Fernão de Melo. No tempo de D. Sebastião, as constantes investidas de corsários franceses - ficou célebre o de 1567— levaram à construção da fortaleza de São Sebastião, concluída em 1576 e reformulada em 1596. Todavia tornou-se ineficaz no assalto holandês de 1599 pelo que se ergueu outra de apoio em Nossa Senhora da Graça. Na ilha do Príncipe tivemos a primeira fortaleza só nos princípios do século XVII. Em Cabo Verde o empenho na defesa das povoações e portos costeiros tardou uma vez que o principal alvo dos corsários, nomeadamente franceses, estava no mar. Mais do que construir fortalezas havia necessidade de limpar os mares e as rotas da presença destes intrusos. Para isso, e correspondendo aos pedidos incessantes dos moradores, a coroa criou uma armada para guarda e defesa do mar e costa. A petição dos moradores da Ribeira Grande em 1542 apontava a necessidade de apetrechar o porto da cidade com um sistema de defesa adequado. As insistentes as queixas da população dando conta do estado de abandono que a coroa os havia votado levou a coroa em 1581 a incumbir o capitão da armada que se dirigia ao Brasil, Diego Flores Valdez, de fazer um informe sobre a situação das ilhas. O resultado está lavrado em dois memorandos onde se dá conta das medidas necessárias à protecção ao comércio marítimo na zona e a segurança das principais povoações e portos costeiros41. A presença de um engenheiro a bordo, isto é, Pedro Sarmento, permitiu uma prospecção na Ribeira Grande e Praia de que resultaram os respectivos planos de fortificação. Os assaltos de Francis Drake a Santiago (1578 e 1585) levaram à construção no período filipino de uma fortaleza na Ribeira Grande apoiada por um lanço de muralha. Estas fortalezas tiveram um papel fundamental aquando dos assaltos holandeses de 1596 e 39. Saudades da Terra, livro segundo, pp.199-211. 40. Avelino de Freitas MENEZES, Os Açores e o Domínio Filipino (1580-1590), Angra do Heroísmo, 1987, pp.171, 210. 41. António BRÁSIO, Monumenta Missionária Africana, 2ª serie, vol. III, pp.92-107. 1598.Com a restauração estabeleceu-se um plano de reorganização militar e das fortificações com especial incidência na Praia e Santiago. Mesmo assim parece que pouco mudou uma vez que em 1638 o governador Jerónimo Cavalcanti se queixava do estado deplorável em que encontrou a defesa das populações costeiras. A inoperância do sistema defensivo conduziu ao abandono da vila da Praia. Nas Canárias a resposta da coroa está bem patente no plano de fortificação das ilhas do arquipélago elaborado por Leonardo Torriani42. Este engenheiro foi nomeado por Filipe II em 20 de Maio de 1587 para proceder à inspecção das fortificações do arquipélago e preparar um plano de defesa das ilhas. A preocupação defensiva demonstra que o oceano deixou de ser o mare clausum lusocastelhano passando a mare liberum de todos os europeus, com especial evidência para os holandeses, ingleses e franceses, que se afirmaram como os principais agentes do novo empório oceânico. No caso inglês a posição hegemónica foi conquistada, em parte, à custa dos tratados de amizade, celebrados com Portugal (1654, 1661). No século XVII os mecanismos comerciais estavam em mudança, afirmando-se, cada vez mais, uma tendência para o proteccionismo económico, definida pelas companhias comerciais e de legislação restritiva: os holandeses criaram em 1629 a companhia das Índias Ocidentais, os portugueses em 1649 a Companhia Geral do Comércio para o Brasil e os ingleses em 1660 a Royal Adventuress in to Africa e, depois, em 1672, a Royal Campany of England. A política monopolista e proteccionismo dos ingleses iniciaram em 1651 com o Acto de Navegação e teve continuidade nos actos posteriores de 1661 a 1696. Em França a política do cardeal Richelieu (1624-1642) havia dado o mote para a nova realidade político comercial. O mar que séculos atrás foram apenas um privilégio dos peninsulares era agora património dos diversos empórios marítimos europeus. A divisão política anterior deixou de ser uma realidade e deu lugar à era dos imperativos económicos. O GOVERNO E AS INSTITUIÇÕES DA UNIÃO A união peninsular será marcada por modificações ao nível institucional que terão como pano de fundo o conflito de interesses tradicionais e a expressão do novo sistema através das forças do presídio. Na Madeira, como nos Açores a permanência de uma força ocupante só alimentou os conflitos com os naturais. A hostilização às forças do presídio está documentada em 1583, altura em que ocorreram dois motins com mortos. A situação obrigou a guarnição a manter-se cativa na fortaleza. No caso da Madeira as dificuldades porque passaram as forças ocupantes, conhecidas como a tropa do presídio, não derivaram tanto do possível afrontamento da população local, mas sim dos problemas surgidos com o abastecimento43. A cidade debatia-se já com dificuldades, vendo-a agora agravada com a presença de mais 500 homens. A conjuntura foi deveras difícil no período de 1583 e 1637 e gerou alguma instabilidade, mercê da falta de meios para sustentar a guarnição, manifesta nos motins do século XVII (1600, 1602, 1623, 1626, 1627)44. O primeiro 42 . Cf. do mesmo Descripcion de las islas Canarias, S. C. Tenerife, 1978. 43. Não obstante assinala-se nos primeiros anos da presença desta força alguma animosidade com a população, que deu lugar a algumas alterações, como sucedeu a 6 de Março de 1583; veja-se A. RUMEU DE ARMAS, art. cit., pp.468-473. 44. A. A. SARMENTO, ob. cit., vol.I, p. 188 e segs. motim decorreu em 1583 com a morte de um marinheiro português mulato. Este facto fez despoletar a animosidade entre a população e as forças ocupantes. Por isso as primeiras décadas do século XVII foram pautadas por momentos de aflição e insegurança. A situação repercutiu-se no relacionamento institucional entre o capitão do presídio e o município ou provedor da fazenda, principais responsáveis pelo abastecimento da tropa45. D. Agustin de Herrera, conde de Lanzarote46, ao assumir em 1582 a posse, ainda que temporariamente, do governo da ilha veio a permitir mais assíduos contactos entre a Madeira e Lanzarote. Aliás, o próprio conde promoveu a situação através de vínculos familiares com o casamento da sua filha bastarda, dona Juana de Herrera, filha de Dona Bernaldina, com Francisco Acciauoli, filho de Zenóbio Acciouli, um dos mais destacados mercadores e terratenentes italianos, estabelecidos na ilha desde 151547. O exemplo foi seguido por muitos dos militares que o acompanharam48. Por isso no período de 1580 a 1600 os castelhanos adquiriram uma posição maioritária na imigração madeirense, como se poderá verificar pelos registos de casamento da Sé do Funchal49. Com a morte do marquês, devido à peste que apanhou no Funchal, sucedeu-lhe na casa senhorial a mulher Dona Mariana Enriquez Manrique de La Vega, exercendo um governo implacável, que acabou por molestar os interesses dos Aciouli em Lanzarote, gerando um diferendo pela divisão do património50. Este surgiu quando a viúva pretendia ludibriar a enteada com documentos falsos sobre os réditos do senhorio. Mais tarde, em 1621, o conflito é retomado pelo próprio Zenóbio Aciauoli, sem qualquer efeito, arrastando-se até 1640, altura em que a conjuntura política propiciou o sequestro dos referidos bens. O período de união das coroas peninsulares teve reflexos evidentes na figura institucional dos capitães, sendo exemplo disso as posições assumidas por Rui Gonçalves da Câmara e Tristão Vaz da Veiga (a 19 de Outubro de 1585), respectivamente capitães da ilha de S. Miguel e Machico, que foram cometidos de amplos poderes ao serem nomeados governadores de S. Miguel e da Madeira, respectivamente. A partir daqui se quebra a tradição de manter a propriedade nas famílias. As cartas de doação e confirmação das capitanias são vitalícias e raramente à morte do proprietário se mantêm em posse da família. O Capitão Donatário era a principal autoridade no recinto da capitania. Todavia o século XVI foi marcado por alterações significativas da sua alçada. Assim até 1503, altura em que surge o corregedor, este era detentor da jurisdição civil, militar e judicial. Mais tarde em 1573 o donatário delega o poder militar no capitão mor, mas em pleno domínio filipino temos em Ponta Delgada (S. Miguel) o capitão também como alcaide 45. Alberto VIEIRA e outros, "O municipio do Funchal (1550-1650)...", in Actas do I Colóquio Internacional de História da Madeira 1986, vol.II, Funchal,1990, pp.1006-1009, 1013-1014 46 .S. BONNET,"La expedición del marquês de Lanzarote a la isla de la Madera", in El Museo Canario, X, 1949, pp.59-68; IDEM, "Sobre la expedición del Conde-Marquês de Lanzarote a la isla de la Madera", in Revista de História de la Universidad de La Laguna, nº.115-116 (1956), pp.33-44; L. SIEMENS HERNANDEZ, Ibidem; A.RUMEU DE ARMAS, "El conde de Lanzarote, capitan general de la isla de la Madera (1582-1583)", in Anuario de Estudios Atlanticos, nº.30, 1984, pp.393-492; João de SOUSA, "Os espanhóis na Madeira 1582-1583", in Diário de Notícias, 1 de Dezembro de 1984. 47. A. A. SARMENTO, Ensaios Históricos da Minha Terra, vol. I, Funchal, 1946, p.27; Nobiliario de Canarias, tomo I, pp.50-63. 48. Arquivo Regional da Madeira, Misericórdia do Funchal, nº.684, fls.710-711; Luis de Sousa e MELO, "A imigração na Madeira.paróquia da Sé.1571-1600", in História e Sociedade, nº. 3, 1979 (republicado em Islenha, nº.3, 1988, pp.20-34), pp.52-53. 49. Luis de Sousa e MELO, art. cit. 50. Joseph VIERA Y CLAVIJO, Historia de Canarias, vol.I, S.C.Tenerife, 1982, pp.725-753; Elisa TORRES SANTANA, "La casa Condal de Lanzarote.1600-1625 (una Aproximación al Estudio Historico de la Isla)" in II Jornadas de Estudo de Lanzarote e Fuerteventura, t. I, Arrecife, 1990, PP. 301-330. mor e capitão mor do Castelo. De acordo com António Cordeiro51 o capitão era sinónimo de governador. E finalmente a partir da união peninsular passa a estar sujeito de uma autoridade suprema regional. O capitão, na qualidade de Governador da ilha, era substituído na sua ausência da ilha por um governador nomeado pela coroa, mediante indicação do capitão. Em 1628 na ilha de S. Miguel o capitão indicava três pessoas para o monarca escolher uma que o substituísse nas suas ausências. Estes eram preferencialmente fidalgos da casa real com experiência militar e ficavam presos à jurisdição estabelecida pela alçada senhorial e pagos por o capitão52. A reconfirmação foi para alguns dos capitães a forma de retribuir o apoio ao novo monarca, enquanto a doação premeia os que mais se evidenciaram na conquista da adesão à nova monarquia. No último caso podemos assinalar Tristão Vaz da Veiga. Tristão Vaz da Veiga havia recebido a Capitania de Machico das mãos do rei de Castela, em 25 de Fevereiro de 1582, ainda em vida do proprietário, D. Francisco de Portugal, conde de Vimioso, como pagamento do apoio dado à entrada das tropas em Lisboa. Esta foi a última expressão plenipotenciária dos capitães: a alçada foi, paulatinamente, reduzida até se manter apenas no usufruto das rendas e nos títulos honoríficos53. A figura do capitão dá lugar a uma nova instituição. Em Janeiro de 1582 surge o desembargador João Leitão acometido do “governo geral de guerra e administrador da fazenda Real”, que será substituído em Março por D. Agustin de Herrera, como “governador geral da Madeira”. Com a sua saída retorna João Leitão às funções sendo coadjuvado pelo comandante do presídio, D. João de Aranda. Já em 1585 Tristão Vaz da Veiga surge como “superintendente das coisas da guerra, governador das capitanias da ilha da Madeira e alcaide mor da fortaleza de São Lourenço”54. A figura de governador da Madeira e capitão general, que perdurou até 1834 aparece lavrada na nomeação de D. Luís de Miranda Henriques em 164055. Na Madeira e Açores os problemas resolviam-se pontualmente com a presença do corregedor — um no primeiro e dois no segundo — e só a partir da união das coroas peninsulares o novo monarca viu a necessidade de adequar a forma de governo das ilhas à vigente nas Canárias: na Terceira foi o cargo de Governador Geral dos Açores (1581), assumido por D. Ambrosio de Aguiar Coutinho, depois na Madeira em 1585, o de "Geral e Superintendente das cousas da guerra"56. Conquistada a ilha Terceira ficaram D. Alvaro Bazan e D. João de Urbina com o governo do arquipélago açoriano. Pertencelhes a reorganização do governo. Actua junto do poder municipal, intervindo na eleição da vereação. Este poder discricionário não foi do agrado dos açorianos, nomeadamente dos terceirenses, pela acção discricionária dos primeiros ocupantes do cargo, como foi o caso do último. A partir de 1584 tivemos um governo interino partilhado pelo bispo, o governador e o corregedor. 51 . Historia Insulana, Lisboa, 1717, p.238. Veja-se o que diz a este propósito: E porque alguns capitães donatarios excedião os poderes de sua jurisdição… declara ElRey, como, concederse ao capitão de huma ilha em suas doações a jurisdição do civel & crime, não he fazello Governador da Justiça por ElRey, & que nehuma posse, ainda immemorial, val contra a jurisdição Real. E que nem o tal capitão, nem os mais capitães das Ilhas não serão senhores das Ilhas, mas capitães sómente, que he officio de Governador…". 52 . Cf. José Damião RODRIGUES, O Poder Municipal e Oligarquias Urbanas. Ponta Delgada no século XVII, Ponta Delgada, 1994, 282-301. 53 . Sobre esta figura veja-se o que diz Gaspar FRUTUOSO, Livro Segundo das Saudades da Terra, caps. XX-XXIX. 54 . Gaspar FRUTUOSO(ob.cit., cap. XXVII) refere que o rei "o enviou à dita ilha por Geral e Superintendente das coisas da guerra de ambas as capitanias dela, e que servisse de alcaide-mor da fortaleza da cidade do Funchal…" para cumprir a "seu serviço e defensão da ilha da Madeira". 55 . Não existe consenso na historiografia quanto à definição deste cargo. Cf. "Governadores Gerais", in Elucidário Madeirense, vol. II, p.99-100; Damião PERES, A Madeira sob os Donatários, Funchal, 1914, J. C. NASCIMENTO, Documentos para a História das Capitanias da Madeira, Lisboa, 1930. 56. Damião PERES, O Problema dos Governadores Gerais da Ilha da Madeira, Porto, 1925. A nova estrutura administrativa propiciou uma maior atenção à instituição militar. Deste modo a Madeira passou a contar com uma guarnição permanente com sede na Fortaleza de S. Lourenço, composta pelas forças do presídio castelhano. Acresce, ainda, a figura do “superintendente das cousas da guerra” que tinha funções de coordenar os assuntos militares e o fortificador da ilha. Tudo isto revela a preocupação de reorganização da estrutura militar resultante da pressão exercida pela permanência de corsários na vizinhança da costa. Também em Cabo Verde e S. Tomé a presença da autoridade régia teve inicio com a intervenção do corregedor: em 1514 no segundo e 1517 no primeiro. Em S. Tomé ele surgiu desde o início como o funcionário supremo, retirando alçada aos donatários. Em Cabo Verde a mudança foi paulatina: no começo adquiriu a função de funcionário supremo, sendo conhecido em 1558 como o ouvidor letrado. Em 1569 no arquipélago de Cabo Verde a tendência era para a concentração de poderes num só funcionário, surgindo aí o desembargador António Velho Tinoco acumulando as funções de Provedor da Fazenda, dos Defuntos e Resíduos, Corregedor e Capitão da cidade da Ribeira Grande57. Finalmente em 1583 surge o cargo de Capitão General, Governador e Provedor da Fazenda Real das ilhas, a quem competia a superintendência de toda a actividade governativa das ilhas e Rios de Guiné. Para o cargo foi nomeado a 12 de Março Diogo Dias Magro que assentou morada na Ribeira Grande (Santiago). Todavia em 1587 esta era conhecida como Capitania Geral de todas as ilhas, sendo conhecido em 1600 como capitão governador das ilhas. Também aqui eram nomeados por um período de três anos e a escolha recaia sempre sobre alguém com formação militar e de igual modo em cada ilha. Nas demais ilhas, a exemplo dos Açores, a administração era assegurada pelos capitães donatários. Em Canárias tivemos a mesma tendência unificadora de poderes com a figura do capitan general, governador e presidente da Audiencia surgida em 1589. D. Luís de La Cueva, senhor de Bedmar(1589-1594), a quem foi atribuído o cargo, representava o máximo poder adiministrativo, militar e judicial, pois era o capitán general que acumulava em simultâneo os poderes de governador e Presidente da Real Audiencia, com sede em Las Palmas58. Esta situação foi de curta duração uma vez que em 1594 o governador foi chamado a corte e retornou a anterior forma de governo. Somente em 1625 com o conde Duque de Olivares retomou-se a política de centralização de poderes. Assim, D. Francisco de Anadía, Marques de Valparaíso, foi enviado às ilhas como "veedor y reformador de la guerra" e acabou em 1629 como Capitán GeneralGobernador-Presidente59. A situação manteve-se até 1723. De um modo geral podemos considerar que o município nos séculos XVI e XVII desfrutava de ampla autonomia e de elevada participação das gentes na governança. Todavia a prática municipal veio a revelar alguns atropelos que levaram a coroa a limitar a alçada por meio de funcionários régios, como o corregedor. Tendo em conta a 57. A.T. MOTA, " A primeira visita de um governador de Cabo Verde à Guiné (António Velho Tinoco c. 1575)", in Ultramar, VII, nº 4, 1969. 58 . Gaspar FRUTUOSO (Livro Primeiro das Saudades da Terra, cap. XII) define a situação do seguinte modo: "cabeça e metrópolis de todas as sete, onde reside o tribunal e audiência real e desembargo de três ouvidores seculares e regente, onde vão tãr todos os casos e negócios de todas as outras ilhas, senão os crimes, os quais julgam e sentenceiam e executam os governadores de cada uma delas, porque nesta Gram Canária há, por si só, governador que tem jurdição de baraço e cutelo, e o mesmo tem cada uma das outras ilhas." 59 . Cf. Leopoldo de LAROSA OLIVERA, Evolución del Régimen Local de las islas Canarias, Islas Canarias, 1994. situação criada pelos monarcas filipinos, quando da união das coroas peninsulares (1580-1640), procuraram cercear os poderes dos municípios portugueses procedendo a algumas mudanças na estrutura na orgânica60. Ao nível das diversas estruturas de mando nunca se alcançou uma harmonia perfeita, uma vez que surgiram inúmeros conflitos, dentro da própria instituição ou, o que era mais habitual, fora dela. Para isso terá contribuído, por um lado, a insistente subdelegação de poderes e, por outro, as dificuldades na pronta fiscalização por parte da coroa. Uma reclamação da Madeira demorava meses a obter a concordância do senhorio ou da coroa, e piorava no caso de S. Tomé ou de Cabo Verde. O distanciamento da coroa e a falta do "olho justiceiro" dos funcionários provocaram atropelos de que foi vitima a vida municipal madeirense no século quinze e toda a administração de Cabo Verde e S. Tomé para os séculos XVI e XVII. Da nova estrutura institucional contava uma maior revitalização do poder municipal, o aparecimento de novos municípios e de outras estruturas de mando, para estabelecer-se uma barreira firme aos hábitos entranhados na vivência quotidiana dos capitães. Deste modo houve necessidade de estabelecer uma estrutura forte capaz de enfrentar a nova realidade. Os atropelos à autoridade legítima do rei aumentavam de acordo com a distância das capitanias aos centros decisão no reino. A necessidade e celeridade na nomeação dos funcionários régios para tais ilhas estavam bem patentes num requerimento do município da Ribeira Grande (Santiago) em 1624: "É que a gente dela é revoltosa; e que há homicídios e outros crimes; o que se não houver governador haverá muitos mais; e que os naturais por serem muitos vexarão e consumirão as pessoas que lá estão deste reino, que são muito poucas, por ficarem livres e senhores do governo". Foi por aí que a coroa começou, estabelecendo uma autoridade suprema: primeiro em S. Tomé o cargo de capitão (1541), depois em Cabo Verde o de capitão geral das ilhas (1578). Este último veio a dar origem em 1600 ao capitão governador, sendo substituído, a partir de 1640, pelo capitão e governador general. Além disso houve necessidade de definir uma forma específica de governo para as ilhas. Os governadores e ouvidores passaram a ser nomeados apenas por um período de três anos, findos os quais o seu governo deveria ser sujeito a uma sindicância. Depois a coroa passou a enviar, com frequência, ouvidores ou desembargadores a sindicar a acção dos governadores, ouvidores e capitães-mores. A restauração provocou novas transformações na estrutura institucional. Assim, nos Açores criou-se o lugar de capitão mor dos Açores que acumulava com o de mestre de campo e governador do Castelo de S. Filipe61. De acordo com o regimento de 14 de Agosto de 164262 o Governador do Castelo de S. Filipe e das ilhas dos Açores superintendia todos os ramos da administração no arquipélago. E em 1654 restabeleceuse a antiga forma de governo com a afirmação dos capitães e ouvidores. No caso das ilhas de Cabo Verde e S. Tomé e Príncipe o facto mais significativo é a passagem para a alçada do novel Conselho ultramarino, criado em 14 de Julho de 1643 para tratar dos negócios ultramarinos. A estrutura institucional das ilhas não sofreu 60 . Para o Funchal confronte-se Alberto VIEIRA e outros, O Município do Funchal (1550-1650), in Actas do I Colóquio Internacional de história da Madeira, 1986, Funchal, 1990, pp.1004-1089. 61. Urbano de Mendonça DIAS, A Vida de Nossos Avós, vol. III. . Archivo dos Açores, vol. VI, p.325. 62 alteração, sendo apenas de considerar em Cabo Verde a transferência da capital para a cidade da Praia, situação que ocorreu em 1642. A RESTAURAÇÃO DA MONARQUIA PORTUGUESA E O MUNDO INSULAR A restauração da monarquia em Portugal, a 1 de Dezembro de 1640, anuncia uma nova era para as ilhas. A noticia da restauração da monarquia portuguesa foi conhecida na Madeira a 26 de Dezembro por intermédio de um navio inglês, proveniente de Sevilha com destino às Canárias63. As cartas escritas pelo novo monarca às autoridades madeirenses só chegaram ao Funchal a 10 de Janeiro, procedendo-se de imediato à aclamação do novo rei: a 11 de Janeiro no Funchal, a 13 do mesmo mês em Machico64 e, somente, a 5 de Fevereiro no Porto Santo. Facto insólito foi a aclamação do novo rei no senado funchalense, a 11 de Janeiro65. Aí compareceram todos os oficiais da câmara, homens-bons, demais autoridades, povo e o capitão do presídio, D. Tomás Velásquez de Sarmiento. Entre a numerosa multidão foram notadas as presenças de alguns fiéis seguidores do monarca castelhano: o procurador do concelho, D. António Rojas e o juiz Luís Fernandes de Oliveira, que fora contador do referido presídio. Neste momento de euforia, portugueses e castelhanos aclamam em uníssono o novo rei. E, quando tudo parecia continuar na mesma, eis que se levantou a 25 de Janeiro66 um alvoroço popular, chefiado por Manoel Homem da Câmara, contra os castelhanos e fiéis seguidores na administração: destituíram o juiz Luís Fernandes Oliveira, o escrivão Manuel Teixeira Pereira e o provedor da Fazenda, Manuel Vieira Cardoso. A tropa do presídio não moveu qualquer acção de violência, pois havia sido desarmada e conduzida para as Canárias. A coroa castelhana e o cabildo de Tenerife ficaram esperando o pior com a possibilidade de um assalto madeirense à ilha de Tenerife67, o que nunca esteve nas pretensões dos madeirenses, pois faltavam os meios técnicos e humanos para isso. Os tempos áureos do socorro às praças africanas haviam e a cavalaria madeirense desabituara-se das pelejas fora da ilha, ou, então preparava-se para novas façanhas na reconquista de Pernambuco68 e nas guerras de fronteira no reino69. Entretanto a 16 de Fevereiro teve lugar nova reunião nos paços do concelho, bastante concorrida, para aprovar a saudação ao rei a enviar por um procurador. Nela foram notadas as ausências de João Baptista Acciouli e António Carvalhal Esmeraldo. E uma vez que estes, posteriormente, se recusaram, por vários motivos, a vir à câmara assinar a 63. A. ARTUR, O Alevantamento de D. João IV na Madeira, in Congresso do Mundo Português, vol. VII, t.2, Lisboa, 1940, pp.191-198; Idem, Documentos & Notas sobre a época de D. João IV na Madeira .1640-1656, Funchal, 1940. 64. Arquivo Regional da Madeira, Câmara Municipal de Machico, nº.85, fls.40-44; Idem, Ibidem, n1.103, fls 28-28vº. Num auto lavrado a 16 de Janeiro (Ibidem, fl.29) decidiram agradecer a" merce que Deos nosso Senhor nos fes em nos dar por nosso rei Dom João o quarto (...)" 65. Arquivo Regional da Madeira, Câmara Municipal do Funchal, nº.1329, fls.7-9; A.A.SARMENTO, História Militar da Madeira, Funchal, 1912, p.6 66. Arquivo Regional da Madeira, Câmara Municipal do Funchal, nº.1329, fls. 10vº-13; Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Provedoria e Junta da Real Fazenda do Funchal, registo geral, tomo IV, fl.202. 67. Confronte-se Santiago de LUXAN MELENDEZ, "Los Soldados del Presidio de la Madera que Fueron Desechados a Lanzarote em 1641: Contribucion al Estudio de la Coyuntura Restauracionista Portuguesa en Canarias", in IV Jornadas de Estudios de Lanzarote y Fuerteventura, Arrecife, 1989. 68. José António Gonçalves de MELO, João Fernandes Vieira. Mestre-de-Campo do Terço da Infantaria de Pernambuco, 2 vols, Recife, 1956 69. João Cabral do NASCIMENTO, "Gente das Ilhas nas Guerras da Restauração", in Anais da Academia Portuguesa de História, 1ª série, vol. VII, Lisboa, 1942, pp.427-458; Ernesto GONÇALVES, "Os Madeirenses na Restauração de Portugal", in Das Artes e da História da Madeira, vol. VII, nº.37,1967. referida saudação, foram substituídos a 26 de Fevereiro por António de Aragão de Teive e Baltasar de Abreu Berenguer, que o governador não quis reconhecer como tal70. A atitude do novo monarca perante estes factos foi de hesitação: a 2 de Agosto mandava proceder contra os revoltosos de 25 de Janeiro, mas a 3 de Setembro71 recomendava que não se procedesse sobre isso enquanto não enviasse novo corregedor e governador, o que ocorreu passados sete dias, com a nomeação de Nuno Pereira Freire para novo Governador, que só veio assumir as funções em 20 de Março do ano seguinte. Na vinda para a ilha foi acompanhado do Dr. Gaspar Mousinho Barba, nomeado a 6 de Março72 para devassar os tumultos. Mas ao último esperava um fim fatídico. O termo de óbito lavrado a 29 de Dezembro de 1642 testemunha numa nota, à margem, o sucedido: "No dito dia, veiu à câmara, a prender Luís Manuel Leme da Câmara. Levantou-se o povo que andava desenfreado e lhe deram uma estocada. Não se confessou."73 Esta situação foi resultado da devassa que o mesmo fez contra Manoel Homem da Câmara, que o levou a uma cilada na casa da câmara, onde morreu, sob o olhar complacente do governador74. Perante isto o rei retrocedeu, ordenando em 26 de Janeiro de 164475 ao governador "que para quietação dos moradores nessa ilha se dê meio, qual convêm, e para que se evite os feitos de suas inimizades e ódios, ordenareis às justiças que não procedam contra pessoa alguma por causa que sucedeu no tempo da minha aclamação". Todavia o rei mandou a 28 de Julho76 o Dr. Jorge de Castro Osório, desembargador da relação do Porto, que viesse à ilha devassar a referida morte, mas o mesmo também acabou morto a 17 de Janeiro de 1645, sem que algo de novo tivesse acontecido. Tal como se viu mais uma vez a passagem do manifesto na Madeira foi pacifica. O mesmo não se podará dizer nos Açores, onde a presença, na ilha Terceira, de uma guarnição castelhana sob o comando de D. Álvaro de Viveiros, veio a gerar dificuldades. O espaço açoriano, nomeadamente o porto de Angra era por demais disputado pelos intervenientes no atlântico. Assim, se em 1580 se haviam juntado as sinergias dos beligerantes face à passagem das ilhas para o domínio castelhano, neste momento são os castelhanos que não querem abdicar da posição estratégica. O reconhecimento da nova situação pelos açorianos foi uma preocupação imediata dos conjurados. Deste modo a 21 de Dezembro partia para os Açores Francisco de Ornelas da Câmara, capitão-mór da vila da Praia, a quem fora incumbida a missão de aclamar o novo rei e um plano secreto para tomar a fortaleza do Monte Brasil. A tarefa era difícil, tanto mais que o governador do presídio, D. Alvaro de Viveiros, com sede o castelo de S. Filipe conhecedor da situação estava refugiado na inexpugnável fortaleza. O novo rei foi aclamado a 24 de Março de 1641 na vila da Praia e daqui partiram emissários às outras ilhas com a notícia e a solicitar apoio para o embate com os castelhano. Apenas na ilha de S. Miguel, onde já se conhecia a notícia através da Madeira, os oficiais das câmaras de Ponta Delgada, Vila Franca do Campo e Ribeira Grande se recusaram a 70. Arquivo Regional da Madeira, Câmara Municipal do Funchal, nº1329, fls.24vº-26 71. Arquivo Regional da Madeira, Câmara Municipal do Funchal, nº.1217, tomo VI, fl.53, registada a 15 de Fevereiro de 1642. 72. Arquivo Regional da Madeira, Câmara Municipal do Funchal, registo geral, tomo VI, nº.1217, fl.55vº; idem, Câmara Municipal de Machico, nº.85, fls. 92-93vº. 73. Arquivo Regional da Madeira, Óbitos - Sé, nº.73, fl.163 74. Arquivo Regional da Madeira, Câmara Municipal do Funchal, nº.1217, fls.49-51, auto da querela entre Manuel Homem da Câmara e o governador Luís de Miranda Henriques, 15 de Abril de 1641; Arquivo Histórico Ultramarino, Madeira e Porto Santo, nº.4846, p.307; A.A.SARMENTO, História Militar da Madeira, Funchal, 1912, p.7 75. Arquivo Regional da Madeira, Câmara Municipal do Funchal, nº.1217, tomo VI, fl.61vº; publicado por Alberto Artur SARMENTO, Documentos & notas sobre a época de D. João IV na Madeira.1640-1656, Funchal, 1940, pp. XXXIV-XXXV. 76. Arquivo Regional da Madeira, Câmara Municipal do Funchal, nº.1217, registo geral, t.VI, fl.65. Apresentou-se em câmara a 1 de Dezembro de 1644. fazer juramento ao novo rei antes de receber cartas de Lisboa. Estas só chegaram em Abril, procedendo-se então ao acto formal no dia dezanove. Em Angra o povo e autoridades aguardaram com expectativa a aclamação do novo monarca, que aconteceu a 26 de Março, face aos manifestos movimentos de resistência do governador do castelo. O cerco ao reduto do Monte Brasil durou doze meses e os castelhanos só se renderam a 16 de Março de 1642 pela falta de mantimentos, munições e a tardança de uma armada de apoio77. Cabo Verde era um ponto estratégico fundamental para a recuperação do império atlântico. As hostilidades sempre evidentes com os mercadores castelhanos, que sempre se furtavam ao pagamento de direitos, tornou fácil a aclamação do novo monarca português. À chegada das primeiras noticias de Lisboa, a 5 de Fevereiro de 1641, o governador reclamou confirmação do sucedido enviando um emissário a Lisboa. Também em S. Tomé a notícia dada por uns franceses foi saudada com alegria. A ilha mergulhava a vários anos numa grave crise económica e a mudança política era uma esperança para os moradores. Todavia o que se seguiu foi distinto. A 24 de Agosto os holandeses ocupam Luanda, tornando-se numa ameaça para a ilha, que se tornou uma realidade alguns dias depois com o cerco de uma armada holandesa. A população refugiou-se no mato e clamou por ajuda de Lisboa que só se concretizaria após a reconquista de Luanda em 1648. O retorno da soberania portuguesa à ilha aconteceu só em Setembro deste ano. Outro facto significativo da adesão insular aos objectivos da monarquia restaurada foi a participação nas campanhas de recuperação de alguns espaços do Novo Mundo ocupados pelos holandeses, no Brasil e Luanda, e para a guerra peninsular. No Brasil releva-se a iniciativa de João Fernandes Vieira, que segundo o mesmo declarava em testamento “guiou a causa das felicidades de que está gozando Portugal” ao expulsar os holandeses de Pernambuco em 1654.78 CONSEQUÊNCIAS DA RESTAURAÇÃO Se o período filipino representou o avolumar dos inimigos dos interesses coloniais dos portugueses, já o Portugal Restaurado vai buscar o apoio entre os rivais de Castela. Deste modo franceses, holandeses e ingleses firmaram-se num primeiro momento como os nosso principais aliados, usufruindo com isso alguns favores que favoreciam o expansionismo. A 1 de Junho de 1641 foi assinado o tratado com a França e desde 21de Janeiro deste ano que os holandeses usufruíam de liberdade comercial nas praças do reino que ficou esclarecida no tratado de tréguas de 12 de Junho de 1641. Neste tratado assinado em Haia ficaram estabelecidas as tréguas entre Portugal e os Estados Gerais das Províncias Unidas por um período de 10 anos. Mais tarde com o tratado assinado a 20 de Outubro de 1648 pôs-se termo às hostilidades sobre a posse do Brasil. O restabelecimento das relações com a Inglaterra só aconteceu em 29 de Janeiro de 1642, certamente atraídos pelo bom relacionamento com a Espanha. 77. É vasta a bibliografia sobre este momento de glória e patriotismo dos terceirense: Frei Digo das CHAGAS, “Relação do que aconteceu na cidade de Angra da ilha Terceira”, in Archivo dos Açores, vol.X, Ponta Delgada, 1878, pp.193-232; Padre Leonardo Saa Soto MAYOR, Alegrias de Portugal ou lágrimas dos castelhanos na feliz aclamação de El-Rei D. João o quarto, Angra do Heroísmo, 1957; Miguel C. ARAÚJO, "A restauração na ilha Terceira (1641-1642).Cerco e tomada do castelo de São Filipe do Monte Brasil dos terceirenses", in Boletim do Instituto Histórico da Ilha Terceira, vol. XVIII, Angra do Heroísmo, 1963. 78. Cf. A.A. SARMENTO, Ascendência, Naturalidade e Mudança de João Fernandes Vieira, Funchal, 1911; J. A. Gonçalves de MELO, João Fernandes Vieira, 2 vols, Recife, 1967. A Restauração anunciou mudanças em termos institucionais para as ilhas, que ficaram a depender do novel Conselho ultramarino, criado em 1642. A nova estrutura administrativa é um indício seguro da opção ultramarina de D. João IV. A conjuntura política, marcada pela disputada dos espaços ultramarinos, implicava a atenção da coroa79. Ao nível institucional as mudanças ocorridas no decurso da governação filipina acabaram por se institucionalizar. Os capitães dos donatários perdem importância e surge a figura da autoridade máxima com intervenção nos diversos domínios, que na Madeira ficou conhecida como governador e capitão general e na Terceira como governador do castelo de S. Filipe e das ilhas dos Açores. Note-se que esta figura estava já estabelecida em S. Tomé desde 1541 com o capitão e em Cabo Verde em 1578, com o capitão general das ilhas. A partir de 1640 ficou institucionalizada a de capitão e governador geral. No caso da Madeira a revolta lisboeta de 1 de Dezembro de 1640 preludia o fim do demorado período de relacionamento comercial e humano com o arquipélago da Madeira. A conjuntura política e institucional rompeu com a tradição. As mudanças então operadas condicionaram uma política de represálias, documentada para os anos de 1641-42 e 1662, que se repercutiu negativamente nos contactos entre os arquipélagos80. A historiografia aponta o confisco dos bens do filho varão de Simão Aciaioli, que casara com a filha do Conde de Lanzarote81, depois foi o paulatino desaparecimento dos madeirenses nos portos de Canárias. E, factos insólitos, os poucos que conseguimos rastrear na documentação parece querer ignorar ou apagar a origem, surgindo apenas com o epíteto de vizinhos. Pelo menos é o que sucede com Domingos Pires, mercador madeirense que na carta de fretamento de 13 de Setembro de 164582 apenas se faz identificar como vizinho, quando em 162983 não hesitava em declarar a origem madeirense. Na consulta feita aos livros de protocolos notariais para o período de 1619 a 1670 é evidente, a partir de 1645, um hiato prolongado na presença dos madeirenses. Aí surgem apenas duas referências isoladas em 1653 e 166884. Ainda, noutros duzentos e sessenta actos em que participaram madeirenses, apenas dez são posteriores a 1640, sendo oito dos primeiros cinco anos dos primeiros da última década. além disso numa relação das embarcações visitadas pelo tribunal do Santo ofício de Las Palmas para o século XVII surgem 22 da Madeira e 18 dos Açores. Aqui é bastante uma ausência nas décadas de quarenta a sessenta. A partir de 1645 a documentação madeirense emudece quanto a esta realidade. Na vereação funchalense as referencias à abertura do preço de trigo daí proveniente não têm mais lugar a partir de 1641. O cereal de Lanzarote é agora substituído pelo maior reforço da rota açoriano e pelo aparecimento de novos mercados, como a Berberia e América do Norte85. 79. Marcello CAETANO, O Conselho Ultramarino. Esboço da sua História, Lisboa, 1967. 80. A.A.SARMENTO, Ensaios Históricos da Minha Terra, vol. II, pp. 5-6. 81. Alberto Artur SARMENTO, Fasquias e ripas da Madeira, Funchal, 1951, pp.40-48. Esta situação deverá ser enquadrada no diferendo que se arrastava desde a morte do Marquês e teria mais a ver com a legitimidade ou não desta sucessão. Sobre isto veja-se Elisa TORRES SANTANA, ibidem, pp. 306-307 82. Archivo Historico y Provincial de Las Palmas, Protocolos, nº.2748, fls.421-422 83. Ibidem,nº.2725, fls.77-77vº 84. Arquivo Historico y Provincial de Las Palmas, Protocolos, nº.2729, fls. 7v1-8; nº.2761, fls.93-94. 85. Alberto VIEIRA, "O comércio de cereais das Canárias para a Madeira nos séculos XV- XVII", VI Coloquio de Historia Canario-Americana, Las Palmas, 1984; Idem, "O Comércio de cereais dos Açores para a Madeira no século XVII", in Os Açores e o Atlântico (séculos XIV- XVII), Angra do Heroísmo, 1978, pp. 663-665 Sem duvida que o efeito mais nefasto da situação foi para o arquipélago das Canárias, que perdeu este ancoradouro. Todavia ele não se radica na quebra do relacionamento comercial com a Madeira, mas sim nas repercussões da represália portuguesa e do fiel aliado britânico, evidentes no comércio do vinho com o mercado colonial. Os diversos pactos de amizade entre as coroas de Portugal e Inglaterra sedimentaram as relações comerciais entre ambos, favorecendo a oferta do vinho madeirense e açoriano nas colónias britânicas da América Central e do Norte, com a lei de navegação de Carlos II, aprovada em 164186. A situação de privilégio ao comércio de vinho dos arquipélagos portugueses repercutiu-se negativamente na economia das Canárias, travando o processo de desenvolvimento da economia viti-vinícola, a partir de finais do século XVII87. E. Steckley, não obstante documentar uma Época de prosperidade no comércio com Inglaterra, reafirma a crise, que se aproximava: Así pues durante dicha centuria algunos de los antiguos mercados canarios de vino se estancaron y las islas portuguesas demonstraron ser unos competidores capaces y eficientes para los nuevos mercados americanos de vino"88. A ideia é reafirmada no estudo de António Macíaz e Agustin Millares Cantero, que define o período de 1640 a 1670 com "de crisis del prolongado esplendor económico", que será resultado de"la oferta madeirense y de o porto" que "comenzó a sustituir a la Canaria en el mercado ingles89" O casamento de Carlos II de Inglaterra com D. Catarina de Bragança foi o prelúdio disso, sendo definido por Viera y Clavijo como um "golpe tan feliz para la isla de la Maderas como infausto para las Canárias"90. Acresce ainda que a guerra de Cromwell contra Espanha levou ao encerramento do mercado londrino ao vinho de Canárias, no período de 1655 a 1660, bem como ao estabelecimento de medidas preferenciais ao envio de vinho das ilhas portuguesas para as colónias britânicas. O texto da ordenança de 1663, repetido mais tarde na de 1665, era claro: "Wines of the growth of Maderas, the Western Islands or Azores, may be carried from thence to any of the lands, islands, plantatinos, & colonies, territories or places to this majesty belonging, in Asia, Africa or America, in english built ships."91 O fim da guerra de fronteiras, com as pazes assinadas em Madrid a 5 de Janeiro de 1668 e ratificadas a 13 de Fevereiro em Lisboa, retomaram-se os contactos entre os dois arquipélagos92.O reforço das relações poderá ser testemunhado pela presença de Bento de Figueiredo, como cônsul castelhano no Funchal93. Mas continuaram as dificuldades de intervenção do arquipélago no mercado colonial. Apenas com as pazes de Ultrecht de 1713 se abriram novas perspectivas ao arquipélago das Canárias. Mas isto sucedeu numa altura em que os vinhos madeirenses e açoriano haviam já conquistado uma 86. Rupert CROFT-COOKE, Madeira, Londres, 1961, pp.26-28; André L.SIMON, "Introduction" e "Notes on Portugal Madeira and the Wines of Madeira", in The Bolton Letters.Letters of an English Merchant in Madeira 1695-1714, Londres, 1928 87. A. Bethencourt MASSIEU, "Canarias e Inglaterra. el comercio de vinos (1650-1800)", in Anuario de Estudios Atlanticos, nº.2, 1956, pp.195-308: IDEM, "Canarias y el comercio de vinos (siglo XVII)", in Historia General de las islas Canarias, tomo, III, 1977, 266-273; 88. "La economia vinicola de Tenerife en el siglo XVII: relación anglo-espanola en un comercio de lujo", in Aguayro, nº. 138, Las Palmas, 1981, p. 29 89."Canarias en la edad Moderna(circa 1500-1850)", in Historia de Los Pueblos de Espana. Tierras fronterizas(I) Andalucia Canarias, Madrid, 1984, pp.319, 321 90. Citado por A. LORENZO-CÁCERES, Malvasia y Flastaff. los vinos de Canarias, La Laguna, 1941, p.19. 91. André L.SIMON, "Notes on Portugal, Madeira and the Wines of Madeira", in The Bolton Letters. Letters of an English Merchant in Madeira 1695-1714, Londres, 1928. 92.A coroa insistiu nesta nova situação, recomendando às autoridades madeirenses que publicitassem o que foi feito por meio de um bando a 8 de Maio. Veja-se Arquivo Regional da Madeira, Câmara Municipal do Funchal, nº.1215, fls.37vº-.38 93. Ibidem, nº.1215, fls.58-58vº, 17 de Dezembro de 1672. posição sólida no mercado colonial britânico. Deste modo poder-se-á afirmar que o único perdedor da conjuntura foi o arquipélago das Canárias, que se viu a braços com uma grave crise económica, por falta de escoamento do vinho94. CONCLUSÃO No período em questão são evidentes mudanças de vulto que abarcaram todos os domínios da vida das ilhas e que as projectaram para uma era nova. As mudanças são significativas quer ao nível económico, quer político. A conjuntura veio a reflectir-se de forma evidente no porvir das ilhas. Para além disso o período anuncia-se, pelo menos na primeira fase sob o signo da instabilidade provocada pela guerra no mar e em terra. O corso não só atormentava as populações costeiras como também prejudicava e actuava como entrave ao normal curso das actividades comerciais. Todavia, sanados os conflitos e assinadas as pazes a situação retornou à normalidade e as ilhas retomaram o curso de afirmação progressiva na economia atlântica. O conflito subjacente à união das coroas veio evidenciar mais uma vez a importância que as ilhas detinham no intricado jogo de interesses das potencias europeias. Mas aquilo que num curto espaço tempo foi privilégio de apenas dois dos interessados passou paulatinamente a ser partilhado por todos. Assim, se em 1580 ainda se pugnava pelo exclusivo dos mares, já em 1640 a opção não fazia sentido quanto eles estavam totalmente abertos e devassados. A união peninsular, que se havia anunciado com uma estratégia dominadora do espaço atlântico e colonial, foi apenas uma miragem, pois contribuiu para o acelerar da universal partilha do oceano e das principais rotas de comércio que o mercantilismo depois procurou estabelecer um travão. BIBLIOGRAFIA 1. GERAL ARAÚJO, Miguel Cristóvam de, A Restauração na Ilha Terceira 1641-1842, in Boletim do Instituto Histórico da Ilha Terceira, VI, Angra do Heroísmo, 1948, pp.38-116. A Batalha de Porto de Mós, in Boletim do Instituto Histórico da Ilha Terceira, nº17, 1959. BONNET, B., "La Expedición del Marquês de Lanzarote a la Isla de la Madera", in El Museo Canario, X,1949, pp.59-68; "Sobre la Expedición del Conde Marquês de Lanzarote a la Isla de la Madera", in Revista de História de la Universidad de La Laguna, nº.115-116,1956, pp.33-44. BAPTISTA, António Vergílio, Os Açores e o Rei D. António Prior do Crato, 15801583, Barcelos, 1932. 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