Ideologia e Espetacularização nas Práticas Discursivas Gerenciais em uma Loja de Departamentos Autoria: Francis Kanashiro Meneghetti, Édna Cicmanec Resumo A pergunta que direciona este trabalho é: Como se manifestam as práticas discursivas gerenciais em uma loja de departamentos? Para chegar ao objetivo geral de compreender como se manifestam as práticas discursivas gerenciais em uma loja de departamentos, os objetivos específicos são: (i) Analisar a ideologia e como ela se manifesta nos discursos dos funcionários. (ii) Compreender a dimensão espetacular no discurso. (iii) Entender como ocorrem as práticas gerenciais e a distorção comunicativa. Na discussão sobre o discurso, o quadro teórico é composto por Althusser, Mészáros, Shrivastava, Faria, Faria e Meneghetti e, na análise sobre a espetacularização no discurso, utilizaram-se as contribuições de Debord. As práticas gerenciais e a distorção comunicativa são discutidas com base nas contribuições de Barley e Kunda, Vizeu, Spink, Meneghetti e Faria e Meneghetti. A pesquisa apresentada constitui-se de um estudo de caso de abordagem qualitativa, de natureza descritiva e de corte transversal com perspectiva longitudinal. Utilizaram-se métodos mistos de coleta e de triangulação dos dados, em virtude das variadas formas pelas quais os dados poderiam ser coletados na organização CMRPR (nome fictício para preservar o anonimato). Entre as técnicas utilizadas estão: i) a técnica de análise documental; ii) a observação participante; iii) o registro fílmico (incentivado e autorizado pela organização); iv) entrevista semiestruturada. Para a análise de dados, foi utilizada a técnica de análise de conteúdo proposta por Bardin e para a análise do discurso, as contribuições de Fairclough. A organização estudada é uma loja de departamentos de uma grande rede que conta com um quadro de sessenta trabalhadores nessa unidade. Das análises dos dados, foi possível identificar as práticas discursivas gerenciais nos funcionários de nível estratégico e tático, mas também nas práticas discursivas dos alocados no nível operacional. Este fato possibilitou verificar como as práticas discursivas gerenciais são aceitas e instituídas pelo coletivo da organização por meio da codificação da linguagem, dos esforços permanentes, da reprodução do discurso gerencial pelo trabalhador operacional, pela responsabilização, pelo servilismo e pela solidarização. Toda a estrutura de conexões efetuadas durante a análise do caso da organização CMRPR permitiu confirmar-se que a efetividade da matriz “discurso, ideologia, compartilhamento, espetacularização” possibilita com que os funcionários dos níveis estratégico, tático e operacional promulguem em seus discursos a ideologia do sistema de produção disseminada pela organização. 1 Introdução Althusser (2001) afirma a existência material da ideologia e sugere que a mesma deve ser estudada como tal e não no campo limitado das ideias, uma vez que a questão da ideologia estaria fundamentada sobre os mecanismos ideológicos determinantes dos atores da produção. Esses mecanismos de sujeição atuam, inclusive, fora do campo das ideias, manifestados em uma série de práticas e rituais situados em um conjunto de instituições concretas. Mészáros (2004) afirma que nas organizações produtivas ocorre a necessidade de perpetuação da realidade, na qual não basta apenas assegurar a força de trabalho dos indivíduos e as condições materiais de sua reprodução, mas também indicar constantemente a necessidade da instalação da reprodução material, da submissão e do reconhecimento da ordem existente, além de garantir a efetividade dos meios que impossibilitem ao trabalhador pensar sobre suas condições na organização. Nesse ambiente, os discursos podem transmitir ideologias, criar imaginários e materializar o universo das práticas gerenciais. Diante do exposto, surge a pergunta que direciona este trabalho: Como se manifestam as práticas discursivas gerenciais em uma loja de departamentos? Para chegar ao objetivo geral de compreender como se manifestam as práticas discursivas gerenciais em uma loja de departamentos, os objetivos específicos foram: (i) Analisar a ideologia e como ela se manifesta nos discursos dos funcionários. (ii) Compreender a dimensão espetacular no discurso. (iii) Entender como ocorrem as práticas gerenciais e a distorção comunicativa. Este artigo é resultado de uma pesquisa realizada em profundidade durante dois anos e está estruturado da seguinte forma: primeiramente, na introdução, apresenta-se o problema de pesquisa e os objetivos geral e específicos; na segunda parte, os fundamentos teóricos que sustentaram o estudo; na terceira, a metodologia; na quarta, o resultado das análises e, na quinta, as considerações finais. Ideologia e Discursos nas Organizações Mészáros (2004) afirma que, perceptível ou não, tudo está impregnado de ideologia, em virtude da forte influência exercida pela cultura sobre os seres humanos. Cultura em que o sistema ideológico dominante é socialmente estabelecido e a ideologia funciona como um modo de apresentar ou desvirtuar as próprias regras. Nas sociedades capitalistas, o discurso ideológico frequentemente domina a determinação de valores, cuja característica legitimadora preponderante possibilita usar e abusar abertamente da linguagem. Para o mesmo autor, ocorrem muitos modos pelos quais os diversos níveis do discurso ideológico se intercomunicam. Dessa forma, a ideologia dominante do sistema social estabelecido se afirma fortemente em todos esses níveis, alastrando-se do mais ignóbil ao mais refinado. Casos em que a ordem estabelecida pela ideologia dominante precisa aplicar para si mesma critérios radicalmente diferentes dos aplicados àqueles que devem ser mantidos em sua posição subordinada. Complementando, Mészáros afirma que o poder da ideologia não pode ser subestimado, pois ele afeta tanto os que o negam quanto aqueles que reconhecem abertamente os interesses e os valores intrínsecos às várias ideologias. Shrivastava (1986) examina o papel da ideologia na área da administração mediante conceitos das ciências sociais, resgatando apontamentos de Marx que, já no século dezenove, apontava para a ligação da ideologia voltada para a dominação de grupos específicos. Esse autor aponta que a questão ideológica necessita ser entendida como um aspecto de um sistema de ideias e não como um sistema fechado de ideias, demonstrando ser mais útil falar sobre aspectos ideológicos de sistemas simbólicos do que sobre ideologias específicas. 2 Isto porque a ideologia se refere a aspectos de sistemas de ideias de interesses obscuros, servidos por outras ideias facilitadoras do estabelecimento e da manutenção da dominação que operam em dois níveis distintos: o mais alto (consciente) e outro mais sutil (inconsciente). No nível mais alto da consciência, a ideologia carrega uma forma de discurso que abrange o uso do artifício ou a manipulação direta da comunicação, adicionada por grupos dominantes para ampliar os próprios interesses pelo monitoramento reflexivo da ação. No nível mais sutil (inconsciente), o uso ideológico de sistemas de ideias (nível institucional), o significado e a legitimação são conectados por ideias de modo que favoreçam interesses dominantes. Em relação ao discurso, percebe-se, nas diversas organizações, uma comunicação baseada em palavras estrategicamente preparadas para o convencimento dos participantes dos processos produtivos. A esse processo, atribui-se a denominação “discursos organizacionais”. Faria e Meneghetti (2007) afirmam que, em grande maioria, os discursos são caracterizados por falas estrategicamente concebidas, repletas de intenções veladas, de palavras não ditas e sutilezas que, em princípio, têm como principal intenção o convencimento dos grupos e a disseminação de uma determinada ideologia. Afirmam ainda que todo discurso oculta uma rede simbólica de relações de dominação ideológica e de poder, residente em cada palavra expressa no ambiente organizacional, por estar de alguma forma sendo monitorada e classificada. Faria (2007) afirma que, para entender os discursos, é necessário compreender que os mesmos não têm fluxo livre nas organizações. O que acontece é uma prática regulatória dos discursos com ingerência de controlar o ambiente, convencer ou impor uma ideologia e organizar comportamentos. A prática discursiva, segundo Meneghetti (2002), permite às organizações promoverem um aculturamento dos indivíduos de acordo com a própria ideologia, uma vez que dispõem de certa facilidade de atuação na tarefa, por entenderem que, além de legitimadas, podem utilizar-se fortemente da demanda do indivíduo trabalhador por um sentimento de pertencimento a algo maior – “à organização”. Faria (2004) argumenta também que a condição para a específica ação englobadora do aculturamento e da dominação na organização conta, ao menos, com dois fatores determinantes para a formação de uma estrutura de poder: i) a capacidade legitimada da organização em dominar; e ii) a necessidade do indivíduo de ser dominado. Para Faria e Meneghetti (2007), na interpretação dos discursos é necessário ainda compreender suas diversas esferas de atuação: o que lhe é permitido; sua ética; sua construção; seu espaço e tempo de desempenho; e também sua capacidade de construção e reprodução. Esses autores postulam que os discursos são instrumentos de dominação e de reprodução ideológica na construção da realidade sob a responsabilidade da linguagem, atuando diretamente sobre o imaginário social e diferenciando-se de acordo com os sujeitos sociais que os utilizam, bem como com a classe social à qual pertencem. As criações originadas pelo emprego da linguagem nos discursos constituem-se como realidade, porém, as palavras não são ditas de forma indiscriminada, necessitam ser aceitas e validadas por outros. Isto é, o emprego da linguagem segue padrões lógicos e coerentes, em que o discurso é capaz de validar a realidade construída no imaginário social, sem questionamento das relações de poder estabelecidas. Nesse contexto, a dinâmica dos discursos abriga discursos autorizados, regulamentados e autorregulados pela coletividade por meio da ideologia dominante em determinada organização. (FARIA; MENEGHETTI, 2007). Necessário se faz, portanto, apontar que o monitoramento dos discursos promovidos dentro das organizações pode ocorrer mediante conversas formais ou não, cujo foco recai principalmente sobre aqueles discursos entendidos como ameaçadores aos objetivos organizacionais. 3 Os discursos utilizados dentro das organizações funcionam como um sistema de pensamentos contingentes criados por uma ideologia que atua por meio de seu poder legitimador, reprimindo a vontade individual, justapondo-se a qualquer outra vontade que possa haver e, inclusive, reprimindo os discursos dissonantes. A ética intitulada corporativa se apresenta como novo discurso, utilizando exercícios diversos na valorização da imagem corporativa que se pretende “vender” aos consumidores e clientes. Enquanto isso, corrobora com a ética dos pequenos delitos que faz parte do mundo competitivo dos dirigentes e das relações humanas no trabalho. Os discursos constituem-se como um meio de reprodução social que possibilita às organizações e aos indivíduos repetirem materialmente os imaginários instituídos. Ou seja, é por meio da prática dos discursos que os indivíduos constroem a si mesmos e constroem o outro no emaranhado do universo simbólico, colocando-se no mundo das trocas materiais e da transação de afetos e desejos. Na prática dos discursos, as organizações promovem a própria ideologia (oriunda de uma ideologia desenvolvida em uma dimensão maior da sociedade: a ideologia do sistema de produção capitalista), manifestada pelo poder de dominação dos grupos e pela capacidade de construção sobre o imaginário dos indivíduos que a reconhecem na medida em que aceitam esse imaginário coletivo como real. Para o alcance do entendimento completo das ações discursivas nas organizações, fazse mister compreender sobre quais aspectos da realidade dos trabalhadores as mesmas operam. Assim, discute-se a seguir uma importante dimensão do discurso, a espetacularização. Dimensão Espetacular do Discurso As sociedades necessitam de representações que justifiquem o modelo de produção e a própria existência nos meios produtivos. Realidade em que os discursos encontram terreno fértil para a disseminação da ideologia que, em função do seu caráter espetacular, assume formas capazes de seduzir colaboradores e garantir o controle social nas organizações. Diante dessa abordagem e concebendo os fatos ideológicos como a consciência deformada da realidade, Debord (1997) discorre sobre a materialização da ideologia, que se encontra realizada no espetáculo imobilizado da não-história. Esse autor afirma que o espetáculo é o espaço mestre para a atuação das organizações sobre os indivíduos, considerado o âmago do irrealismo da sociedade real, cuja forma e conteúdo consistem identicamente nas justificativas totais das condições e dos fins do sistema operante. Para Debord, toda a vida nas sociedades, em que reinam as modernas condições de produção, apresenta-se como imensa acumulação de espetáculos, transformando todo o vivido diretamente em representação. O espetáculo figura como objeto de mera contemplação apresentado como a própria sociedade, ou seja, como instrumento de unificação, para o qual a realidade é considerada um ‘pseudomundo’ à parte, sendo o espetáculo uma inversão concreta da vida, um movimento autônomo do não-vivo, um lugar da falsa consciência e uma visão de mundo que se objetivou. O autor prossegue afirmando que, para a sociedade contemporânea, a realidade surge no espetáculo, da mesma forma que este a representa. A realidade vivida pelos grupos sociais é materialmente invadida pela contemplação do espetáculo e retoma em si a ordem espetacular à qual adere de forma positiva. Debord complementa afirmando que a alienação recíproca é a essência e a base da sociedade existente. Para ele, “o caráter fundamentalmente tautológico do espetáculo decorre do simples fato de seus meios serem, ao mesmo tempo, seu fim. É o sol que nunca se põe no império da passividade moderna, onde o fim não é nada, o desenrolar sim, é tudo.” (DEBORD, 1997, p.17) 4 Toda realidade individual torna-se social, de cuja força passa a depender, sendo, consequentemente, moldada por ela, emergindo um deslizamento do “ser” para o “parecer”. Assim, por meio da espetacularização e do comportamento hipnótico, fica possível uma transformação do mundo em imagens, tornando seres reais em motivações eficientes. Nesse contexto, Debord aponta que a ideologia estaria em “casa” para operar, deixando perfeitamente compreensível que, em uma sociedade onde nenhum indivíduo consegue ser reconhecido pelos demais, cada pessoa fique totalmente incapaz de reconhecer a própria realidade. Caso em que “o espetáculo seria a ideologia por excelência, porque expõe e manifesta em sua plenitude a essência de todo sistema ideológico: o empobrecimento, a sujeição e a negação da vida real.” (DEBORD, 1997, p.138). Ainda na concepção do mesmo autor, essa construção conduz o sujeito ao paralelismo e à falsa consciência de uma vida sujeita essencialmente ao espetáculo, mediada tecnicamente pelos signos e sinais, que materializam o ideal abstrato. Logo, na formação do imaginário em seu ambiente, as organizações, além de contar com a influência massiva dos discursos, dispõem também de diversos meios de comunicação como recursos para ampliar a alienação do trabalhador. Os discursos materializam as palavras que viabilizam a criação de modelos, regras, padrões de comportamento, diálogos e condutas aceitáveis, enfim, procede-se a uma espécie de enquadramento social, um padrão coletivo que evita situações conflituosas por meio de sua propriedade de controlar os grupos. Os discursos, nesse aspecto, permitem ao indivíduo justificar a suspensão da vontade individual e a aceitação passiva da dominação, propiciando a consequente formação da vontade coletiva e levando, a esse indivíduo separado de si, a sensação de pertencimento e de acolhimento social. Por outro lado, para a concretização material dos discursos, os indivíduos e as organizações mergulham na encenação do espetáculo, que necessita de certo ajuste entre o dito e o figurado, a fim de autenticar a atuação individual, coletiva e organizacional. Práticas Gerenciais e a Distorção Comunicativa Embora existam diversos estudos focados em especificar de que modo ocorre a ação gerencial nas organizações, pouco se tem debatido sobre os meios empregados nessa ação quanto à transmissão da ideologia organizacional para os grupos de trabalho. A questão principal, nessa perspectiva, estaria em determinar se a ação do gerente é conduzida pela inclusão ideológica (tal qual aos demais membros da organização), ou se ela assume o papel de disseminação da ideologia de forma estratégica, como aspecto suplementar na condução dos subordinados para determinado objetivo. O fato é que, para as organizações, os discursos gerenciais se efetivam, sobretudo, pelo modo de ação desses sujeitos (administradores, gerentes, supervisores, etc.), que, por meio do poder investido em suas atribuições, têm capacidade e legitimidade para operar indiscriminadamente sobre a subjetividade dos trabalhadores. Para Barley e Kunda (1992), há uma construção de contexto histórico para o modelo atual de gestão das organizações. Esses autores afirmam que o desenvolvimento das teorias administrativas ocorreu de acordo com o cenário histórico da atual época, significando que tais teorias passaram por uma série de ondas conceituais até culminar no modelo atual de gestão, em que o discurso administrativo moveu-se progressivamente de uma natureza explicitamente coercitiva para uma concepção racional (e, em última instância, para retóricas normativas de controle). Esses autores entendem assim que as teorias administrativas figuram como conjuntos de proposições retóricas e ideológicas (aceitos como discursos que se promulgam nos negócios) e reconhecem o sentido ideológico dessas teorias com base em uma perspectiva ontológica. A 5 linguagem gerencial condiciona a organização como um lócus de valores compartilhados e de profunda implicação moral, ação na qual os gerentes são proclamados peritos da análise racional e de um corpo de conhecimentos empíricos capazes de prover soluções a diversas demandas da própria organização. Em tempo, Chanlat e Bédard (1996) retratam a questão do discurso gerencial como “ferramenta”, em que a “língua” administrativa ou gerencial é caracterizada por uma profunda conformidade e periodicidade, que reduz consideravelmente as opções de escolha do trabalhador, dificultando assim o desdobramento do sentido dos discursos proferidos. Essa maneira de falar revela falta de consideração pela capacidade do ser humano de manejar os símbolos e de criar sentidos, em que o emprego de termos genéricos e abstratos tem por efeitos diretos a abolição das diferenças e das especificidades de cada contexto e a crença de que todos eles (gerentes e funcionários) obedecem aos mesmos princípios gerais e às mesmas leis. Faria e Meneghetti (2007) complementam a questão, afirmando que o executivo moderno, cujas funções estão vinculadas a intercâmbios verbais, tornou-se perito em criar um imaginário favorável para o desenvolvimento das atividades de sua competência. Assim, esses indivíduos se veem constantemente imersos em um oceano de palavras, tentando repetidamente criar um imaginário favorável para si mesmo e para as organizações que defendem. Para Spink (2000), é necessário entender que a linguagem em ação produz consequências, pois as práticas discursivas em seu caráter performático constituem o que se chama de speech acts ou atos da fala, referentes à orientação do uso da linguagem para a ação, em que também se consideram outros meios de comunicação que não sejam somente orais como atos da fala, por entender que os mesmos não surgem do nada, mas sim, por constituírem uma unidade de ato da comunicação, ou seja, um elo de uma corrente de outros enunciados, complexamente organizados. Vizeu (2009) prossegue na abordagem e foca mais especificamente o processo de comunicação organizacional, afirmando que o entendimento, de que há na estrutura da empresa uma lógica capitalista de dominação racional-instrumental pautada na redução da moralidade pela valorização do lucro, permite compreender que a distorção comunicativa é apenas mais um dos reflexos das contradições da própria organização. O mesmo autor alerta que a utilização do discurso na estratégia da comunicação organizacional orientada para o êxito transfigura o sujeito locutor em objeto teleológico (meio para se atingir um propósito). Essa prática é mais um elemento incorporador dos mecanismos discursivos para a dominação dos grupos e manutenção de poder nas organizações. Vizeu ainda alerta para a ocorrência da comunicação sistematicamente distorcida nas interações organizacionais, principalmente, na relação entre gerentes e trabalhadores. Assevera que o emprego ativo da comunicação sistematicamente distorcida permite às organizações conduzir indivíduos a agirem de determinada maneira e não de outra. De acordo com Habermas (apud Vizeu, 2009, p. 5), a distorção comunicativa se opera em quatro dimensões específicas: i) pela veracidade dos fatos ditos; ii) pela sinceridade quanto às motivações dos sujeitos; iii) pela legitimidade; e iv) pela clareza dos proferimentos. Portanto, a distorção comunicativa se efetiva pela manipulação de significados de motivações e impressões subjetivas dos indivíduos tanto em nível gerencial quanto operacional. Uma das maneiras de se efetivar essa manipulação comunicativa é o uso de jargões para explicitar uma solidariedade utópica, que, de fato, tem por finalidade manipular impressões e garantir a submissão dos membros da organização. De acordo com estudos críticos, esse contexto evidencia formas não verbais de comunicação, uma vez que, constantemente, os membros da organização são solicitados a agirem de forma contrária aos próprios valores e orientação moral. Episódios esses que, 6 segundo Vizeu, revelam certo cinismo e hipocrisia de um comportamento encenado, tido nas organizações como politicamente correto. No mesmo espaço, observam-se ainda manipulações de conteúdos normativos que atuam no patamar da inteligibilidade dos indivíduos. Aquilo que é expresso na comunicação é feito de forma a confundir o entendimento pleno dos pronunciamentos, ocultando ou desviando sobre determinada questão. “Em contextos competitivos globais, as organizações cada vez mais dependem da capacidade comunicativa de seus membros não só para interpretar as distintas realidades culturais postas lado a lado, mas também para possibilitar a própria interação plural e baseada na tolerância.” (Vizeu, 2009, p.2) Decorre, assim, a substituição de uma racionalidade de natureza substantiva pela racionalidade instrumental como balizadora central das relações interpessoais na organização, legitimando toda violência que essa orientação possa representar aos indivíduos. De tal modo que os indivíduos e empresas constroem na estrutura organizacional uma espécie de universo paralelo de coesão e colaboração, em que o interesse da empresa suprime o interesse do funcionário, cujos objetivos só podem ser os da empresa. Nessa atuação teatral regrada, a modéstia dos trabalhadores não necessariamente significa falta de ambição ou ainda concordância plena com os pressupostos organizacionais. Segundo Davel e Vasconcelos (1996), essa atitude seria exatamente o contrário do que aparenta. Modéstia nesse contexto é virtude daqueles que têm algo a dizer e que o declaram abertamente, em que a teoria vazia é o vício dos que acreditam ter descoberto o lugar e a fórmula, quando não possuem nada mais que o vento. Os mesmos autores alertam que indivíduos inconscientes de que foram apanhados na armadilha de seu desejo de reconhecimento se entregarão de corpo e alma ao trabalho sem perceberem que, no dia em que não forem mais considerados úteis, sua participação (supostamente concedida) será descartada. Assim, a possibilidade de pertencimento, segundo os autores, não passa de uma espécie de engodo apresentado pelas organizações para que indivíduos creiam que sua subjetividade foi reconhecida e, prontamente, coloquem a serviço do capitalismo todo seu potencial físico, intelectual e afetivo. Todavia, a possível face de perversão dos meios organizacionais é amenizada pelo entendimento compartilhado de que toda ação gerencial pautada em racionalidades do tipo instrumental se justifica, uma vez que prima pelo bom êxito de sua atividade e pelos objetivos organizacionais, uma perversidade que toma status de sedução e manipulação. Metodologia A pesquisa apresentada constitui-se de um estudo de caso de abordagem qualitativa, sendo de natureza descritiva e de corte transversal com perspectiva longitudinal. Utilizaram-se métodos mistos de coleta e de triangulação dos dados, principalmente, em função das variadas formas pelas quais os dados poderiam ser coletados na realidade da organização CMRPR (nome fictício para preservar seu anonimato). Entre as técnicas utilizadas estão: i) a técnica de análise documental; ii) a observação participante; iii) o registro fílmico (incentivado e autorizado pela organização); iv) entrevista semiestruturada. Os documentos analisados foram o site da organização e o livro de registro dos funcionários, utilizados para relatar fatos cotidianos, além de normas internas, de materiais de treinamento e outros. Foram entrevistados seis funcionários de nível gerencial, responsáveis pelas ações e decisões de nível estratégico e tático. Foram realizadas 8 (oito) entrevistas com vendedores, responsáveis pelas ações operacionais. Os registros filmados objetivaram coletar os discursos manifestados coletivamente com a participação dos dirigentes e os vendedores da organização 7 sob total consentimento dos mesmos. Isso possibilitou identificar como ocorre o processo de integração discursiva e de que forma ela se transforma em prática discursiva gerencial. Na análise de dados, foi utilizada a técnica de análise de conteúdo proposta por Bardin (1977) e análise do discurso com base nas contribuições de Fairclough (2001). A organização em estudo iniciou suas atividades em 1912, como parte de uma indústria fabril, passando, desde então, por uma série de mudanças que lhe possibilitaram chegar ao estágio atual de desenvolvimento operando como uma das maiores lojas de varejo de confecções do Brasil. Atualmente, a empresa contabiliza mais de 100 (cem) filiais distribuídas em todo o território nacional e conta com uma equipe de trabalho de aproximadamente dez mil funcionários. Por mais de uma vez a empresa pesquisada conquistou o título de uma das melhores empresas para se trabalhar no país, conferido por uma reconhecida revista do meio empresarial. Uma das principais características de atuação e gestão da empresa está pautada na filosofia do encantamento, que tem como principal valor a ideia de que, além de atender ao cliente, é necessário ir além, superando suas expectativas e encantando-o constantemente, fazendo o que ele (o cliente) não espera. Em 2008, foi inaugurada a filial em que se realizou o presente estudo. A nova loja teve investimentos de cerca de quatro milhões de reais e conta com um quadro de sessenta trabalhadores em sua estrutura. Apresentação e análise de dados Em função da possibilidade oferecida pelo estudo de apreender conceitos correlacionados (entrevistando também trabalhadores participantes da dinâmica da empresa), foi possível identificar as práticas discursivas gerenciais nos funcionários de nível estratégico e tático e as práticas discursivas do trabalhador operacional. Esse fato possibilitou verificar como as práticas discursivas gerenciais são aceitas e instituídas pelo coletivo da organização. A análise de dados revelou aspectos interessantes da prática discursiva da organização CMRPR. Entre os principais conteúdos encontrados, destaca-se a presença massiva de uma retórica ligada à produtividade e lucratividade da organização, que corroboram com os termos tratados por Faria e Meneghetti (2007), referentes aos discursos organizacionais, e Vizeu (2009), no que diz respeito à linguagem gerencial e sua função instrumental na organização. Os discursos gerenciais efetuados pela organização denotam a articulação na busca do ajuste de situações conflitivas sob o ponto de vista individual, coletivo e organizacional, conforme já evidenciavam antecipadamente as ideias propostas por Shrivastava (1986), Vizeu (2009) e Spink (2000). O estudo dos significados das práticas discursivas gerenciais demonstrou também o emprego de expressões genéricas para explicitar determinados padrões de ação exigidos dentro da organização CMRPR, confirmando as ideias de Vizeu (2009) sobre o uso de jargões e termos na manipulação de impressões. Entre os termos empregados, ressaltam-se as palavras: encantar – indiscutivelmente, a expressão mais usada na organização; o PP (ponto de partida), referente à prática diária de uma espécie de ritual em que os trabalhadores são reunidos antes do início do turno de trabalho para uma ação motivacional; o atendimento inteligente, expressão empregada pelos gerentes para definir um atendimento completo ao cliente; o cliente oculto, referente a uma avaliação surpresa de desempenho feita por um membro externo da empresa. Todos os termos e técnicas empregados na comunicação da organização pesquisada indicam ser o que Davel e Vasconcelos (1996) nomearam de “engodo”, utilizado pela organização para confundir os trabalhadores. “A organização CMRPR é diferente, se a gente precisa encantar pessoas, não é?, a gente vai fazer encantamento novamente, não é? A gente vai fazer com vocês.” 8 (Diretor de compras: DVD inaugural organização CMRPR, 25m15s – 26m42) Na sequência da análise, percebe-se ainda a utilização de uma codificação da linguagem própria da organização CMRPR e também o emprego de um sistema de som na comunicação com os trabalhadores. Esse sistema de som, chamado de “bocão”, significa um meio específico de sustentação das práticas discursivas da organização, comprovando os conceitos apontados por Meneghetti (2002) e Spink (2000) sobre o emprego de diferentes recursos comunicacionais na busca de resultados pela organização. Por ser utilizado durante todo o período em que os trabalhadores estão na organização, principalmente, para mantê-los atentos ao cumprimento das metas diárias de produtividade, esse sistema radiofônico indica a prática da alienação do trabalhador, proposta de Codo (1989) e também de Meneghetti (2002), quando tratam da transferência ideológica de pressupostos organizacionais para o trabalhador. As ações anteriores, bem como as subsequentes, carregam toda uma bagagem simbólica sobre o universo imaginário, como matriz de significados socialmente objetivados e subjetivamente reais, contemplada implícita ou explicitamente pelos demais autores que compõem este estudo. No exame de dados coletados, identifica-se que as práticas discursivas gerenciais promulgam a ideologia do sistema de produção capitalista, confirmando o que sugere a literatura proposta por Althusser (2001), Mészáros (2004) e Shrivastava (1986), referentes ao tema. Nesse aspecto, o apelo discursivo gerencial concentra-se em promover as metas e os objetivos organizacionais. A forma como as práticas estabelecidas na organização CMRPR (repetição diária de atos) se desenvolvem confirma a pressão sobre os trabalhadores para a busca primordial de resultados financeiros. Na continuidade da análise dos dados, evidencia-se essa transferência para o trabalhador da responsabilidade pelo resultado financeiro da organização. O que deveria ser um resultado gerado pela operação, pelo negócio da organização CRMPR, toma, com essa prática discursiva, conotação de responsabilidade em devolver aos cofres da organização certa “graça recebida”. Seria como se, ao entrar no paraíso e receber certa dádiva, o indivíduo se comprometesse a pagar um preço por isso. No encerramento do PP (manhã e tarde), a finalização da prática é feita sob os sons de um ritual musical relacionado à fixação de uma meta de vendas para os trabalhadores. Todos os participantes da sessão se posicionam em círculo e, abraçados, pulam e cantam uma canção, cuja mensagem enfatiza o significado ideológico do sistema de produção capitalista, ou seja, competição e maximização de ganhos econômicos. Além disso, fica evidente a vinculação desse significado com o mecanismo simbólico denominado ‘encantamento’. “– Um, dois, três. A concorrência que se assuste, viemos pra ficar. Com determinação nossa meta alcançar. Nada nesse mundo vai me fazer parar, o grito da vitória eu sempre vou cantar – Com força, raça e muita união, sempre preparados pra qualquer situação. – Encantar a todos é nossa missão. A organização CMRPR de São José é a melhor da região. – Ahá, uhú, São José é nosso! Ahá, uhú, São José é nosso! Ahá, uhú, São José é nosso! Ahá, uhú, São José é nosso! – Que loja é essa? – Organização CMRPR! – De onde? – São José! – Vai fazer o quê? – Encantar!”(Palmas). (Trabalhadores, gerentes da loja e supervisoras da loja, todos abraçados em círculo e realizando grito de guerra no estilo jogral. DVD inaugural organização CMRPR, 48m24s – 49m41s) 9 Neste ponto, em particular, é que se evidencia de forma contundente a hipótese de trabalho que sustenta a presente pesquisa, no momento em que os valores do sistema de produção capitalista são introjetados pela realização do espetáculo, que, por sua vez, é uma atividade que faz parte da cultura organizacional. O material analisado confirmou que o emprego da prática da distorção comunicativa tem a propriedade de turvar a visão do trabalhador, velando o pleno entendimento dos significados empregados nas solicitações da gerência, que, mediante o demasiado uso da retórica em seus proferimentos causa desvio e/ou distração sobre as reais intenções da organização e daqueles que representam seus interesses. Confirmando, assim, os conceitos propostos por Vizeu (2009) relacionados à efetivação dessa prática nas organizações. A elevada utilização da palavra encantar em todas as esferas discursivas da organização CMRPR denota um mascaramento de intenções já na declaração de objetivos da empresa. O termo é utilizado de forma genérica, dando a impressão de que o encantamento do cliente corresponde a uma legítima preocupação com os interesses destes. Esse suposto ‘altruísmo’ é também subentendido como algo endereçado aos funcionários. Essa ação apoia os conceitos defendidos por Mészáros (2004) sobre declarações autoconfiantes. O termo (encantar) parece mais “leve” aos ouvidos dos trabalhadores, do que as reais intenções da proposta capitalista. A prática conota a condução dos trabalhadores ao servilismo, baseado sempre em comportamentos “encantadores”, capazes de garantir certa “felicidade” a ambos (trabalhadores e organização). Novamente apoiando o falseamento da realidade, conforme proposto por Debord (1997). “Histórias de encantamento. Nossa Razão de ser. O segredo da felicidade. Quem encanta é encantado.” (Livro da organização CMRPR, p. ii) “(...) E hoje temos mais de 100 mil histórias escritas. (...) Porque, enquanto encantarmos, continuaremos a crescer, a apresentar bons resultados e a ser uma empresa lucrativa e forte. (...) Vejo que a nossa missão maior é fazermos as pessoas, cada uma na sua função, serem felizes.” (Livro organização, p. iii, escrito pelo CEO da Organização CMRPR) É possível identificar, também, as práticas discursivas gerenciais nos discursos dos trabalhadores. Embora se tenha verificado em alguns momentos da análise dos dados certo interesse por parte dos trabalhadores sobre questões de salário, férias, horas trabalhadas, etc., estes não apresentaram uma articulação discursiva que indicasse uma identidade de classe ou em relação às condições de trabalho dos mesmos na organização CMRPR. A ideia de ausência de uma identidade discursiva do trabalhador é reforçada pela intensidade de conflitos internos entre grupos e também disputas pessoais entre trabalhadores de diferentes níveis. A análise dos dados indicou ainda a inexistência de um discurso democrático reflexivo compartilhado pelos trabalhadores, conforme proposto por Faria e Meneghetti (2007). Percebe-se que, em alguns momentos, os trabalhadores, de forma individual, demonstram alguma consciência sobre sua condição degradante dentro da organização. Todavia, isso não chega a representar um posicionamento discursivo dos mesmos. O que ocorre, na verdade, é uma negação da realidade por parte dos trabalhadores, pois, em momentos em que parecia haver a articulação de um discurso de natureza reflexiva, o mesmo se desenrolava como um discurso do tipo teleológico (e vice-versa), contemplado na proposta de Faria e Meneghetti, (2007), Dejours (2003), e Sennett (2000) quando tratam do conformismo do trabalhador diante da dominação. 10 “Funcionário: – A gente escuta desaforo de cliente, de colaborador, de supervisor, gerente, mas todo lugar é assim.” (Entrevista 2, 10m21s – 10m45s) “Pesquisadora: – E se fosse pra você definir a organização CMRPR em uma palavra ou uma frase, o que seria? Funcionário: – Se for uma palavra, se for uma palavra ‘alegria’. Lá não tem tempo ruim, Sabe? Você pode ir triste, meio (...) mexem lá no psicológico. Acho que eles são muito psicólogos e te deixam feliz. E é essa palavra, é isso mesmo. Pesquisadora: – Você acha, então, que o trabalho que eles fazem envolve o mental ou o psicológico dos funcionários? Funcionário: Tudo. A todo momento, é só isso, é esse lado que eles trabalham.” (Entrevista 3, 07m12s – 14m53s) Toda a análise dos dados indica a reprodução do discurso ideológico gerencial pelos trabalhadores. Nessa ação, os trabalhadores aderem fidedignamente ao apelo do discurso gerencial, abandonam a busca dos próprios interesses e passam a lutar por interesses da organização. Essa situação reforça os apontamentos de Meneghetti (2002) referentes à introjeção de pressupostos organizacionais pelos trabalhadores, bem como evidencia claramente a força dos discursos ideológicos sobre as equipes de trabalho e a alienação do trabalhador pela organização. “Trabalhador: – Encantar. A filosofia central da organização CMRPR é encantar os clientes, fazer o que eles não esperam. Porque assim foi analisado. Qual o nosso diferencial em relação às nossas concorrentes? Vender roupa, fazer atendimento, é correr atrás. Qual o nosso diferencial? Encantar os clientes.” (Entrevista 2, [parte 2], 00m05s– 13m59s) Nota-se, também, que a prática discursiva desempenhada pelos trabalhadores carrega valores moldados pela ideologia organizacional. Essa prática confirma a teoria de que, nas organizações produtivas contemporâneas, a ideologia do sistema de produção capitalista detém um tipo de poder que se sobrepõe às demais ideologias, ideias essas defendidas anteriormente por Mészáros (2004) e Shrivastava (1986). A análise da prática discursiva do trabalhador mostrou ainda que o mesmo acolhe a solicitação do discurso gerencial quando evidencia práticas características do servilismo e da responsabilização. Na mesma prática, apreende-se que o trabalhador envolvido por uma rede simbólica construída com a participação de uma comunicação gerencial fortemente articulada e estrategicamente distorcida converte-se em um promotor da imagem interna e externa da organização, empreendendo assim uma busca frequente da imagem idealizada da mesma. Frente a esses apontamentos, nota-se a interação das diversas propostas teóricas relacionadas ao tema, conforme os apontamentos anteriormente pleiteados por Spink (2000), Faria e Meneghetti (2007), Vizeu (2009), Debord (1997) e Sennett (2000). “Trabalhador: – (...) Naquele momento, estávamos ambos encantados, pois ele nunca pensou que uma loja poderia ser tão gentil com um cliente.” (Livro da organização CMRPR, p. 65) “Trabalhador: – Depois que eu entrei na organização CMRPR várias coisas mudaram. A minha visão global, assim, mudou tudo. O mundo pessoal, profissional, tudo mudou. Entendeu? Eu devo bastante isso assim à organização CMRPR que me proporcionou isso.” (Entrevista 2, [parte 2], 00m05s – 13m59s) 11 Na prática discursiva do trabalhador da organização CMRPR, o mesmo traduz a prática de rituais e a interação das equipes em diferentes níveis, como uma relação supostamente dotada de uma espécie de “amor mútuo”, principalmente no que concerne à ação gerencial. Nesse ponto, confirma-se a incorporação pelo trabalhador da solicitação organizacional para a docilidade e também para um falseamento da realidade vivida, que, segundo Sennett (2000), deixa o reino da tragédia para encenar as relações humanas como uma farsa. O emaranhado simbólico compartilhado pelos trabalhadores turva a visão dos mesmos em relação à maioria dos objetivos organizacionais; fortalece os laços de trabalho; mantém o status quo e afasta o questionamento e as possíveis mudanças requeridas por outros que não a própria organização CMRPR. Nessa perspectiva, o trabalhador segue em busca da espetacularização organizacional, em que a teatralização, a idolatria por figuras e o falseamento da realidade recebem os discursos permitidos e míticos propostos por Faria e Meneghetti, (2007), como forma de atestar sua existência material. Nessa função, o indivíduo e os grupos margeados por um compartilhamento simbólico vivenciam uma realidade paralela, de forma semiconsentida por causa da expectativa pela grande promessa organizacional: a felicidade. Há padrões de práticas gerenciais discursivas que podem variar de uma organização para outra, de acordo com os padrões culturais e práticas gerenciais distintas. Na CMRPR, identificaram-se seis desses padrões: I) Codificação da linguagem: utiliza-se de siglas, números, jargões, terminologias genéricas e expressões específicas para definir ações, tarefas e também comportamentos que todos os membros da organização devem reconhecer e praticar. Essa técnica estimula nos trabalhadores certa complacência com seu próprio aculturamento, conforme propõe Meneghetti (2002), uma vez que tal situação atende também à demanda do indivíduo centrada no pertencimento a algo maior – à organização. “Conseguiram fazer o E. GGL (gerente geral de loja) dançar!” (Funcionário do nível estratégico. DVD inaugural organização CMRPR, 09m57s – 10m33s) “Gerente Regional: – (...) Primeiro lugar em encantamento, primeiro lugar em encantômetro, cliente oculto, quadro de diretrizes, pesquisa de clima, zero mais oito, captação, produtos financeiros, dá pra vocês serem primeiro lugar em tudo!” (DVD inaugural organização CMRPR, 10m10s – 13m14s) II) Esforços permanentes: a ação representa práticas abusivas que solicitam, o tempo todo, ao trabalhador ir além dos seus limites funcionais. Essa prática discursiva convoca ainda os trabalhadores a um esforço desmedido em busca dos objetivos organizacionais, que implica na dedicação gratuita, superação constante e no ‘catequismo’i de terceiros. Essa prática aceita ainda, como legítimo, o investimento material e financeiro do trabalhador na busca de soluções de questões organizacionais, bem como no uso do tempo da vida privada e o condicionamento do indivíduo na busca frequente por oportunidades que possam beneficiar a organização. “Diretor de compras: – Não é? A cliente que está entrando na loja vai preferir a organização CMRPR à organização P (concorrente da marca), se a gente conseguir entregar mais. Não entregar só o que ela quer, conseguir todo dia ir além. E vocês vão fazer isso todos os dias.” (DVD inaugural da organização CMRPR, 14m34s – 17m43s) III) Reprodução do discurso gerencial pelo trabalhador: evidencia a adesão do trabalhador à ideologia gerencial, no qual o mesmo abandona sua capacidade de prover os próprios discursos para entrar em um universo de reprodução, ajustando-se às exigências do 12 status quo, libertando-se das amarras do pensamento individual e abstendo-se ainda de sua capacidade de pensar sobre a realidade da qual faz parte. “Trabalhador: – Encantar. A filosofia central da organização CMRPR é encantar os clientes, fazer o que eles não esperam. (...) Qual o nosso diferencial? Encantar os clientes.” (Entrevista 3, parte 2, 00m05s – 13m59s) IV) Responsabilização: consta da ideia de transferência de responsabilidades de exclusividade da organização para o trabalhador. Efetiva-se pelo autoencargo do indivíduo em atenção aos apelos gerenciais que promulgam a ideologia organizacional, em que a atividade do trabalho promovida pelos indivíduos toma nessa prática conotação de co-adjuvante, cedendo espaço à exclusividade do retorno financeiro exigido antecipadamente pela organização. “Trabalhadora: – Tem, lógico que tem, não é? Porque senão a empresa não ia pra frente. Se fosse só família, porque chega uma hora que, uma hora ali que eles têm que mostrar pra você que você é um número e eles precisam que você multiplique esse número, não é?” (Entrevista 3, 07m12s – 14m53s) V) Servilismo: essa prática denota uma proatividade e enquadramento do trabalhador para manter-se o mais próximo possível de um modelo ideal de atuação exigido pela organização CMRPR. A mesma questão realça uma linha de raciocínio gerencial na busca pelo comprometimento e cooperação dos indivíduos e equipes. Há um controle estabelecido pela possibilidade de permanência do funcionário no corpo de trabalho e do suposto reconhecimento profissional em um futuro distante, cheio de etapas e provas de submissão. “Somos responsáveis pela perpetuação da empresa R, principalmente através de atitude e exemplos: o exemplo vale mais que mil palavras.” (Site da organização CMRPR) VI) Solidarização: constitui-se da dicotomia entre a apropriação de responsabilidades organizacionais para com terceiros pelo(s) funcionário(s) e a transferência de créditos ou méritos individuais por determinados feitos para a organização CMRPR. Foi identificado, ainda, nas práticas referentes, todo o esforço do trabalhador em tentar solucionar questões entre a organização e um terceiro (principalmente questões relacionadas ao descontentamento de clientes); ações essas que têm seu mérito transferido simultaneamente pela abstenção do reconhecimento pelo esforço individual, em prol da imagem organizacional. Como se esse ato proporcionasse ao trabalhador uma espécie de purificação, para a qual é necessário pagar-se certo “dízimo” para obter a bênção organizacional. “Trabalhador: – (...) e, com a intenção de encantá-la, pensei que tinha que fazer algo para que a cliente não se sentisse esquecida pela loja.” (Livro organização CMRPR, p. 22) “Trabalhador: – Senti que, ao mesmo tempo, encantei e recuperei aquele cliente.” (Livro organização CMRPR, p. 27) O exemplo que segue demonstra como é efetiva a ação gerencial na transmissão ideológica do sistema de produção capitalista nos trabalhadores da organização CMRPR, evidenciando como a música entoada representa a adesão dos conceitos manobrados nas práticas discursivas gerenciais, internalizados e reproduzidos pelos trabalhadores da organização CMRPR dos níveis estratégico, tático e operacional, recuperando novamente a função dos rituais nas organizações: 13 “Vou deixar [doação, entrega] a organização CMRPR me levar pra onde ela quiser [servilismo]. Aqui é o meu lugar [compartilhamento simbólico], na organização CMRPR de São José. Sempre queremos te agradar, [servilismo], pois, a qualquer hora vai estar de volta, porque nós vamos te alegrar [espetacularização organizacional]. Vou deixar a organização CMRPR me levar pra onde ela quiser. Seguir o coração com alegria e fé [espetacularização organizacional]. Não tenho hora pra voltar não, pois aqui tem disposição de sobra [esforços permanentes] pra com certeza te encantar. [espetacularização organizacional]. Na, na, na. Eu posso sentir a magia [espetacularização organizacional] com toda a equipe em harmonia [servilismo], então, vou ficar aqui, aproveitar esta loja, dando o melhor de mim [esforços permanentes] e você se puder nos conheça [catequismo]. Vou deixar a emoção bater todos os dias em mim [solidarização]. Querer sempre te ver e conquistar você pra mim sim [responsabilização]. Não tenho hora pra voltar não, eu ainda tenho disposição de sobra [esforços permanentes], vou com certeza te encantar [reprodução do discurso gerencial]. Na, na, na. Eu posso sentir a magia, com toda a equipe em harmonia, então, vou ficar aqui, aproveitar esta loja, dando o melhor de mim e você se puder nos conheça. Não, não, não tenho hora pra voltar, sempre vou ter disposição de sobra, vou com certeza te encantar. Não, não, não tenho hora pra voltar, eu agradeço a sua história [servilismo] vou com certeza te encantar [linguagem codificada]. Organização CMRPR de São José.” (Trabalhadores em apresentação musical, com dança coreografada. DVD inaugural organização CMRPR, 45m22” – 48m12”) Embora os trabalhadores aparentemente apresentem momentos restritos de sobriedade sobre suas condições na organização CMRPR, não conseguem articular construções discursivas que possibilitem a defesa contra as investidas gerenciais, assim como não encontram, como grupo, uma estrutura que lhes permita promulgar livremente uma ideologia específica de sua classe, apenas uma cômoda fuga em direção à midiatização simbólica amplamente solicitada pelos gerentes da organização CMRPR. VII-Sobriedade: “Pesquisadora: – (...) a maneira que eles conversam com vocês, (trabalhador interrompe a pergunta). Trabalhador: – Influencia no nosso desempenho profissional. Influencia diretamente. Diretamente. Hahã. É! [Fuga do] Trabalhador: – (...) Eu sou assim, se minha supervisora fala: T. você, teu desempenho está ridículo, você não bate as metas, não sei. Eu continuo do mesmo jeito. Ou não, Se ela falar assim: T. Teu desempenho não está legal. Está ridículo. Você não está batendo as suas metas. O que você vai fazer pra mudar isso? Aí sim, quando ela me faz essa pergunta desse jeito. Você sentiu como que eu faço a pergunta? [trabalhador indaga a pesquisadora] Ah! Não, M. (supervisora), eu vou correr atrás. Vou bater minhas metas. Isso não pode acontecer. Agora, se ela fala T. o que é isso? Sabe o tom de ironia. Isso influencia bastante. Eu sou assim, se a pessoa fala delicada, com você, de tom pra tom assim. Não se achando superior. Se achando igual a você. Não é só porque você é gerente, presidente, que você vai ser inferior a uma pessoa. Não é, todo mundo é igual. Se a pessoa fala no mesmo patamar que você. Eu vou correr atrás pra bater a meta.” (Entrevista 2, parte 3, 00m01” – 06m49”) Por fim, mostram-se mais uma vez trechos que denotam a existência conflitiva vivida pelos trabalhadores da organização CMRPR, perdidos na rede formada por um emaranhado 14 simbólico, dividido entre o “céu” e o “inferno” organizacional promovido pelas práticas discursivas gerenciais que balizam todo o ambiente de trabalho ocupado por esses indivíduos. “Trabalhador: – É, digamos que sim! Eu num [sei]. Às vezes, eu me ponho assim, aí não sei se foi bendito ou maldito dia que eu entrei na organização CMRPR.” (Entrevista 2, 10m21s – 10m45s) Considerações finais Toda a investigação operacionalizada possibilitou ampliar a compreensão acerca das práticas e artifícios gerenciais empregados na disseminação ideológica do sistema de produção adotado particularmente por esse tipo de organização. Toda a estrutura de conexões efetuadas na análise de caso da organização CMRPR permitiu confirmar que a efetividade da matriz ‘discurso, ideologia, compartilhamento, espetacularização’ possibilita com que os gerentes dessa organização promulguem em seus discursos a ideologia do sistema de produção adotada pela organização, bem como estabeleçam o que anteriormente pressupôs Faria e Meneghetti (2007) e Shrivastava (1986), destacando a formulação de diretrizes organizacionais estritamente direcionadas para atender aos interesses econômicos da própria empresa. Os evidentes mecanismos de articulação dos discursos proferidos pela gerência da organização CMRPR indicaram a utilização de termos genéricos e abstratos como elementos amplamente empregados na promoção da busca, primeiramente, pela produtividade e lucratividade da empresa, confirmando o que antecipou Vizeu (2009), quando tratou de um tipo de distorção comunicativa nas organizações. O emprego instrumental, pelos gestores da organização CMRPR, de diversas modalidades discursivas combinadas, cuja principal ênfase é a do discurso ideológico propriamente dito, possibilita com que as práticas discursivas gerenciais causem nessa empresa o que adiantou Shrivastava (1986): a universalização de metas setoriais; o direcionamento de interesses comunitários para a realização de interesses gerenciais e a indeterminação efetiva de normas de ação. A concepção instrumental do modo de ação gerencial dessa organização indica também a execução de uma série de práticas apropriadas para estabelecer os padrões comportamentais esperados. Práticas essas em que se destacam os estímulos gerenciais à espetacularização tratados no estudo elaborado por Debord (1997), que, por contemplarem a mitificação de figuras organizacionais e o falseamento da realidade, facilitam a aceitação e o cumprimento de solicitações relacionadas à produtividade e ao lucro organizacional, provocando consequente efetivação da transmissão ideológica da organização para os trabalhadores Toda composição de análise promovida no estudo de caso da organização CMRPR permitiu ainda identificar peculiaridades das práticas discursivas promovidas pela empresa, que não foram contempladas no delineamento inicial do estudo proposto. Assim, a análise da efetivação do discurso gerencial evidenciou que, além do emprego e prática de uma linguagem codificada que garante ao grupo uma comunicação restrita, ocorre também uma solicitação gerencial por: i) esforços permanentes; ii) responsabilização; e iii) servilismo. A resposta promovida pelos trabalhadores às demandas do discurso gerencial da organização CMRPR demonstrou duas outras particularidades vinculadas à ação, denotando uma resposta concreta do trabalhador à introjeção dos pressupostos organizacionais: i) solidarização; ii) reprodução do discurso ideológico gerencial. Os pressupostos teóricos empregados no estudo de caso da organização CMRPR consideram que a prática discursiva gerencial é o principal meio de ação dos gestores nas empresas e possibilitaram, portanto, compreender que o avanço ativo organizacional sobre a 15 subjetividade dos trabalhadores culmina na alienação dos grupos e na condução do corpo de trabalho para um direcionamento unilateralmente definido pela ideologia da própria organização. Nesse caso, a incapacidade desses trabalhadores em promover uma articulação discursiva compartilhada representa um campo de ação aberto para as mais variadas espécies de práticas gerenciais. Os resultados obtidos não devem ser assumidos como verdadeiros em outros contextos organizacionais, por tratarem aqui de uma cultura e de um modus operandi específico de determinada empresa. No entanto, as contribuições aqui apresentadas podem servir como base para a compreensão da dinâmica de outras organizações, para que se possa ampliar o campo de entendimento teórico de estudo das organizações contemporâneas. Se os desdobramentos das proposições aqui apresentadas forem aproveitados em futuros estudos vinculados a outras áreas de atuação, possibilitarão melhor compreensão de questões significativas, tais como a contradição gerada pela perda da identidade dos trabalhadores frente ao discurso ideológico gerencial. Referências ALTHUSSER, Louis. Aparelhos Ideológicos de Estado: Nota sobre os aparelhos ideológicos do Estado. 8.ª ed. Rio de Janeiro: Edições Graal, 2001. BARDIN, Laurence. Análise de Conteúdo. Lisboa Portugal: Edições 70, 1977. BARLEY, Stephen, R.; KUNDA, Gideon. 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