IV Reunião Equatorial de Antropologia e XIII Reunião de Antropólogos do Norte e Nordeste. Fortaleza-CE, 04 a 07 de agosto de 2013. GT-8 Campesinato e projeções sociopolíticas: mudanças de expectativas e construção de territorialidades tuteladas. TITULO Camponeses, terra e trabalho: reconfigurações e conflitos sociais no centro do departamento de Huila- Colômbia AUTOR Camilo Andrés Salcedo Montero [email protected] Mestrando do PPGSA/IFCS/UFRJ Camponeses, terra e trabalho: reconfigurações e conflitos sociais no centro do departamento de Huila- Colômbia Camilo Andrés Salcedo Montero PPGSA/IFCS/UFRJ Resumo O artigo procura descrever como a construção da hidrelétrica “El Quimbo”, localizada no centro do Departamento (“Estado”) de Huila ao sul da Colômbia, está gerando a mudança e quebra da vida de um dos múltiplos grupos sociais desta região: os jornaleros. Eles são as pessoas que trabalham por épocas nas grandes e médias propriedades, isto é, ao “jornal” (derivado de jornada de trabalho), em lavouras comerciais como o arroz, o tabaco, e o cacau, e em alguns casos podem ter pequenas propriedades para alimentos de “subsistência”. Portanto, na região estudada, apresentam-se vários conflitos para este grupo social derivados de fatos como a declaratória de utilidade publica dos terrenos de influência do projeto em 2008 e a venda das grandes e médias propriedades em 2010 e 2011, os quais deixaram sem o “sustento” a estes trabalhadores. Do mesmo modo, a empresa de energia (Emgesa) desconhecendo suas unidades sociais e espacialidade, ofereceu para eles diferentes compensações dependendo de sua localização geográfica e sua condição de proprietário, a pesar de ser parte de um mesmo grupo social: por um lado, entre aqueles que moram com uma propriedade na Área de Influência Direta (AID, entendida como a área alagada fisicamente) ofereceu compensação em terra, por outro, entre os que moram na Área de Influência Indireta (AII, entendida como o “resto”) ofereceu um “capital semilla” ou um emprego como pedreiro nas obras da barragem. Assim, muitos dos jornaleros exigem o restabelecimento de suas atividades produtivas por sobre qualquer tipo de compensação oferecida. Deste modo, os jornaleros, dependendo da situação, têm tomado decisões diferentes: aceitar dinheiro da compensação, aceitar emprego de pedreiro, aceitar relocação, resistência para sair da área, ou ocupações de terras vendidas. Frente ao anterior o artigo procura realizar uma aproximação para a análise destas mudanças derivadas da chegada da barragem nesta região. Camponeses, terra e trabalho: reconfigurações e conflitos sociais no centro do departamento de Huila- Colômbia Camilo Andrés Salcedo Montero PPGSA/IFCS/UFRJ Introdução A hidrelétrica de “El Quimbo” 1, localizada em jurisdição dos municípios de Gigante, Garzón, El Agrado, Pital, Paicol y Tesalia, no Departamento2 de Huila, ao sul da Colômbia, inundaria 8.250 hectares onde existe uma forte presença de população camponesa (ver Figura 1). A região atingida pelo projeto hidrelétrico está localizada no centro do departamento de Huila, onde existem [1] grandes propriedades tradicionais3 e [2] pequenas propriedades de duas origens: a) produto da reforma agraria dos anos 1970 (com trabalho familiar parcelado) e b) parceleros tradicionais. Os dois tipos de propriedades estão localizadas nas margens do Rio Magdalena4 (principal rio do país), as quais nucleão relações de trabalho (familiar, ao “jornal”, 1 O projeto Hidrelétrico El Quimbo está inserido no que se conhece como Plan 2019 ou Visión Colombia II Centenario criado sob o governo do ex-presidente Álvaro Uribe Veléz (2002-2010) que se baseou em oito estratégias: “a) consolidar una estratégia de crecimiento; b) afianzar la consistência macroeconômica; c) desarrollar um modelo empresarial competitivo; d) aprovechar las potencialidades del campo; e) aprovechar los recursos marítimos; f) generar uma infraestructura adecuada para el desarrollo; g) assegurar uma estratégia de desarrollo sostenible; y h) fundamentar el crecimiento en el desarrollo cientifico y tecnologico” (pág.5). http://www.planeacion.cundinamarca.gov.co/BancoMedios/Documentos%20PDF/pol%C3%ADtica%20exterior%20para%20 un%20mundo%20en%20transformaci%C3%B3n.pdf. Dentro deste plano a hidrelétrica foi entregue por meio de um novo mecanismo dentro do setor energético chamado de “subasta pública” a partir de um “cargo por confiabilidad”, que consiste de maneira geral, no comprometimento da empresa de energia na construção da barragem e a produção de “energia em firme”, a partir do ano 2014, de 396 MW e o Estado colombiano garante para ela uma renda fixa por 20 anos. Igualmente, “El Quimbo” seria o primeiro projeto construído em sua totalidade por uma empresa privada na Colômbia, sendo que a empresa Emgesa seria proprietária de 100% das ações da hidrelétrica. O governo atual de Juan Manuel Santos mantem a política anterior sob o que no Plan Nacional de Desarrollo (2010-2014) se chamou a “locomotora minero-energética” que tem o propósito de manter o crescimento econômico a partir da intensificação na exploração de minerais e recursos energéticos. 2 A divisão administrativa da Colômbia está baseada em: Departamentos que seriam Estados no Brasil; as cidades que são as capitais de Departamento e os Pueblos que são unidades municipais com um prefeito e um consejo municipal. Os pueblos têm corregimientos que são pequenos povoados que administrativamente estão inscritas dentro da jurisdição do Pueblo. Por ultimo, as “Veredas” são bairros rurais, que frequentemente tem um pequeno povoado ou “corregimiento”, e conta cada uma com uma Junta de Acción Comunal (JAC) (similar à associação de moradores no Brasil). Igualmente, cada bairro dentro dos pueblos e ciudades tem uma JAC. 3 Chamo essas grandes propriedades de tradicionais devido que suas relações de produção não estão baseadas em relações estritas de salario e o modo de produção de muitas das propriedades se baseia em “contratos” com famílias camponesas para dividir a produção da terra entre o dono da propriedade e o trabalhador (caso do Povoado de San José de Belén), ao igual que as formas de remuneração para com jornaleros e mayordomos apoiados em muitos casos por trabalho familiar. 4 Os terrenos possuem inclinação alta e média, ou seja, montanhas inclinadas onde é difícil o uso da tecnologia com inumeráveis “quebradas” (riachuelos) que fornecem água aos cultivos (apoiados em algumas partes da região com sistemas de regadio por “bombeo” ou por “gravedad”). ou salariais) que refletem relações sociais entre os diferentes grupos sociais como são jornaleros-patrões, mayordomos-patrões, mayordomos-jornaleros, pequenos proprietáriosgrandes proprietários, arrendatários-donos da terra, empresas (comercializadoras, de crédito e provedoras de insumos)-proprietários de terras-trabalhadores etc. Igualmente, apresenta-se outro grupo social que tem outro tipo de relações com o trabalho da terra, os pescadores, eles moram em diferentes partes na beira do rio Magdalena e vivem do consumo e a venda de peixe nas estradas e municípios próximos (um grupo importante dos pescadores estava localizado no povoado de Domingo Arias entre os municípios de Gigante e Paicol, porém, foi destruído por Emgesa em 2011 para a construção da barragem). Dentro do processo de negociação, entre as populações locais (apoiadas principalmente por professores e membros da Universidad Surcolombiana, do Departamento de Huila), o Estado (com uma diversidade em suas instituições) e a empresa de Energia Emgesa-Enel, um dos temas centrais de conflito é o tema da terra. Isto na medida em que, um amplo sector dos camponeses atingidos pede o restabelecimento de suas atividades e cadeias produtivas, as quais estão relacionadas com o trabalho sobre a terra, enquanto a empresa hidrelétrica insiste nas compensações em dinheiro. Produto desta tensão apresentam-se diversos conflitos com os diferentes grupos sociais da região como são hacendados, finqueros, pequenos proprietários, camponeses beneficiários da reforma agraria, camponeses invasores recentes (anos 1990), jornaleros, mayordomos, partijeros e pescadores. Cada um destes grupos sociais está constituído por dinâmicas particulares que conformam seus sistemas sociais, isto é, seu conjunto de práticas conformada por suas posições e oposições sociais e expressam diferentes formas de agir frente à chegada da barragem. Da mesma forma, geograficamente estão localizados na região em diferentes povoados, que têm variados tipos de lavouras e formas de organização do trabalho sobre a terra. Devido à amplitude que implicaria a descrição de como cada um destes setores está conformado e como tem agido dentro do processo, vai se realizar uma delimitação na qual: primeiro se realize uma aproximação sobre a chegada da empresa hidrelétrica para as populações locais. Em segundo lugar, vai se aprofundar sobre o funcionamento de um dos grupos sociais atingidos, os jornaleros, baseado nas questões levantadas sobre dois pontos principais: 1) a organização de sua vida a partir de suas formas de trabalho; e 2) a forma como essas relações que compõem sua espacialidade social, entra em conflito com a chegada da barragem. E finalmente, realiza-se alguns comentários sobre os conflitos derivados da barragem para a vida deste grupo social. 1. Alguns aspetos da chegada da empresa Emgesa na região A região estudada está localizada geograficamente entre as cordilheiras central e oriental da Colômbia, que faz parte do sistema da cordilheira dos Andes, e está dividido pelo passo do principal rio do país: o Magdalena. Este rio está setorizado em alto: desde o nascimento até o município de Girardot; meio: desde Girardot até a depressão momposina; e baixo: desde a depressão momposina até sua desembocadura no mar Caribe. A área de desenvolvimento da pesquisa está localizada no alto Magdalena, onde fazem parte da paisagem vales de rio e montanhas inclinadas, onde são cultivados diferentes tipos de cultivos e descem riachuelos das partes altas da cordilheira (dos páramos). Igualmente, esta região conta com diferentes lavouras comerciais como o cacau que provem desde a época da colônia, o arroz desde a década de 1970, o tabaco desde a década de 1990 e por último, o café desde 1990 (estas últimas localizadas nas partes altas de montanha, as quais não seriam inundadas pela barragem). As lavouras comerciais como o cacau, o tabaco e o arroz estão distribuídas nas grandes e médias propriedades da área que seria alagada, e nas chamadas “empresas comunitarias” produto da reforma agraria de 1970 da região5. 5 Em relação ao que se conhece como “empresas comunitárias” cabe aclarar uma situação em torno delas. Sua origem foi produto da reforma agrária iniciada dos anos 1960 e 1970 na Colômbia e continuada até os anos 1980 por parte do Estado e impulsionada pelas invasões de terras de muitos camponeses sem terra da época. A forma para entregar a terra por parte do Estado esteve baseada principalmente em um modelo associativo de propriedade coletiva. No entanto, com o tempo as empresas comunitárias do que tenho conhecimento, dividiram-se em trabalho parcelado familiar, isto é, embora existisse formalmente propriedade coletiva, depois do tempo cada núcleo familiar decidiu separar seu pedaço para trabalhar só com sua unidade doméstica. Algumas realizaram a divisão da propriedade da terra formalmente frente ao antigo Instituto Colombiano para la Reforma Agraria (INCORA), hoje Instituto de Desarrollo Rural (INCODER), outras mantiveram a formalidade do titulo coletivo. O anterior apresenta dificuldades em torno das compensações por parte de Emgesa e que devido ao objeto do presente artigo não vão ser trabalhadas. Os jornaleros são as pessoas que trabalham nesses cultivos comerciais e que em alguns casos têm pequenas propriedades para lavouras de subsistência6 (“pancoger”). Esses jornaleros dependendo da situação podem ser em alguma etapa de sua vida mayordomos que são quês administram as grandes propriedades, partijeros que são os que se encarregam das lavouras da grande ou média propriedade dividindo as ganâncias com o dono da propriedade em uma proporção 50/50 (frequente nas lavouras de cacau), ou arrendatário que são os que alugam por um tempo a terra para cultivar alguma lavoura comercial (como é frequente no arroz). A chegada do projeto hidrelétrico na região para as populações que neste lugar habitam iniciou com a realização dos primeiros trabalhos de campo e socializações do projeto por parte de assessores de Emgesa, acompanhados muitas vezes por antropólogos contratados pela empresa consultora INGETEC nos anos 2007 e 2008. Daqueles trabalhos de campo saiu o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) que teve como um de seus resultados divisão entre Área de Influência Direta (AID) e Área de Influência Indireta (AII), na que a primeira é a área alagada e a segunda o “resto”, dividindo unidades sociais somente a partir de um critério físico e criando conflitos nas compensações. Posteriormente destas visitas de campo realizadas por parte de pessoas contratadas pela empresa consultora INGETEC, os terrenos de influência do projeto hidrelétrico El Quimbo foram declarados de Utilidade Pública em setembro de 2008, por meio de resolução do Ministério de Minas e Energia do Governo Nacional. A partir desse momento, os produtores de lavouras comerciais que dependiam de empréstimos de entidades financeiras ficaram impossibilitados de sua renovação, atingindo os ciclos produtivos de culturas como o arroz e a criação de peixes nos lagos artificiais. Igualmente, durante o processo da barragem desde 2007 até 2010, apresentaram-se diversas promessas por parte de funcionários de Emgesa encabeçados pelo diretor do projeto Júlio Santafé. Dentro destas promessas se tem informação sobre os membros das empresas comunitárias e os jornaleros residentes na Área de Influência Direta (AID). As promessas dos 6 Neste ponto as relações entre a unidade de produção e unidade de consumo entram em jogo, assim o que se denomina como “autoconsumo” não exclui as redes de comercialização e de intercambio dentro do mercado. Sobre a relação entre unidade de consumo e de produção ver: Heredia (1979) funcionários estavam baseadas principalmente em outorgar uma maior quantidade de terra para esses grupos populacionais, ao mesmo tempo em que, ofereciam compensações diferentes para um grupo por sobre outro, criando “discórdias dentro da comunidade” 7. Em maio de 2009 foi expedida a Licença Ambiental, a pesar que, entidades do Estado como a Procuraduria General de la Nación8 declararam que a barragem não era conveniente para o Departamento. Essas posições em contra seguiam os critérios que no ano 1997 levaram ao Ministério de Meio Ambiente de negar a licença ambiental para o mesmo projeto hidrelétrico por seus impactos sociais e ambientais (Auto 517 de 31 de julho de 1997). Após de expedida a licença ambiental em maio de 2009 (resolução 899 do MAVDT), ela foi modificada em setembro de 2009 pelas demandas apresentadas por Emgesa alegando seus “altos custos”. Como resultado, as modificações conseguiram flexibilizar prazos para Emgesa no componente social e diminuiu suas compensações ambientais (resolução 1628 do MAVDT). No componente referente às compensações dentro da licença, os diferentes grupos populacionais podem se dividir da seguinte forma: 1) os proprietários que estao compostos de: i) proprietários que têm mais de 50 hectares, que não têm direito a relocação e têm que vender obrigatoriamente para a Emgesa (venderam entre 2010 e 2011); ii) os proprietários de 5 até 50 hectares que têm direito a relocação como primeira opção ou compensação em dinheiro (com uma maior resistência para a venda da terra); e iii) os proprietários de um prédio de menos de 5 hectares que teriam uma compensação de 5 hectares e uma casa. Muitos deste último grupo, têm se resistido à venda da terra até o momento (2013), outros têm sido relocados (um importante grupo com esta situação está localizado no povoado de Veracruz). 7 Em 2010 foi realizada uma entrevista com um camponês do povoado de Rioloro e frente à pergunta da divisão da comunidade respondeu: “vienen y dicen a usted le voy a dar las 5 hectáreas en una reunión donde hay poquita comunidad, dicen les vamos a dar 5 hectáreas por la casa, van a otra comunidad y les dicen que no le van a dar nada, entonces ya entran en una, unos dicen que si otros dicen que no, entonces nunca se logran poner de acuerdo porque ellos mismos se prestan para eso. Por ejemplo, van a Veracruz y les dicen una cosa, vienen acá a Rioloro y les dicen otra y los pone en discordia y no dejan que se pongan de acuerdo y se unan, sea para ponerse de acuerdo, sea para ponerse en oposición, ellos los mantienen en discordia”. 8 PGN solicita al Min Ambiente abstenerse de otorgar licencia ambiental al proyecto hidroeléctrico El Quimbo em: http://www.procuraduria.gov.co/html/noticias_2009/noticias_234.htm Consultado em: 11/06/2013 Por outro lado, os não proprietários estão agrupados em mayordomos, partijeros, jornaleros, e pescadores. Neste segundo grupo existe uma disputa em torno das compensações: um argumento defendido por Emgesa no qual estipula que dando um emprego como pedreiro nas obras da barragem ou compensando em dinheiro a estes trabalhadores (com o chamado capital semilla) vai dar cumprimento a licencia ambiental. Frente ao argumento anterior, alguns líderes das veredas9 e da “Asociación de Afectados por la Hidroeléctrica El Quimbo”, Asoquimbo10 que argumentam que as atividades produtivas devem ser restituídas de forma integral tal e como estipula a licença ambiental (o que coloca em questão a divisão entre AID e AII e entre proprietários e não proprietários), portanto, nem a atividade como pedreiro, nem a compensação em dinheiro restitui suas atividades. Igualmente, este segundo grupo não somente se aglutina por uma “re-localização”, estão dentro dele pessoas que nos anos 2012 e 2013 ocuparam terras que foram compradas por Emgesa, isto com o objetivo de exercer pressão para que a barragem não consiga ser construída11 e/ou obter uma compensação. Assim, tem se apresentado uma multiplicidade de situações em torno dos diferentes setores sociais da região a partir das compensações. Os grandes proprietários venderam rapidamente (anos 2010 e 2011); os médios proprietários conhecidos como finqueiros se resistiram fortemente ao processo de venda e alguns apoiaram com dinheiro varias das manifestações para mobilizar aos camponeses contra o projeto, contudo, com o tempo venderam frente às insistentes ofertas de Emgesa (anos 2011 e 2012); os pequenos proprietários apresentam no momento (2013) uma disjuntiva: muitos têm aceitado a relocação pela pressão da empresa Emgesa e existe outro grupo que se resiste às relocações (na vereda Veracruz). Dentro destes pequenos proprietários muitos são jornaleros em algumas épocas do ano. 9 As “Veredas” dividem a área rural colombiana em espécies de bairros, que frequentemente tem um pequeno povoado ou “corregimiento” e casas espalhadas numa área rural mais ampla e delimitada geograficamente. Cada Vereda conta com uma Junta de Acción Comunal (JAC) (similar à associação de moradores no Brasil). 10 A organização Asoquimbo nasceu em julho de 2009 com o objetivo de unificar critérios entre os diferentes grupos populacionais atingidos, e desde seu nascimento tem sido um referencial de mobilização para as diferentes populações atingidas pela barragem, organizando as múltiplas manifestações e assambleias. Asoquimbo está conformada principalmente por camponeses da região atingida e membros da Universidade Surcolombiana. Asoquimbo tem um site de internet: http://www.quimbo.com.co/ 11 Existe uma ideia surgida desde a Universidad Surcolombiana e apoiada por setores camponeses na qual impedindo a construção da barragem consiga se estabelecer na região uma Zona de Reserva Campesina (ZRC). Ela faz referência a uma área delimitada geograficamente, onde a propriedade da terra está limitada pela figura da Unidad Agricola Familiar (UAF). A UAF está medida pelas características da terra e varia em sua área de uma região para outra do país. Nas ZRC nenhum núcleo familiar pode ter mais de duas UAF o que limita a concentração da terra (lei 160 de 1994). Por outro lado, entre os jornaleros, mayordomos e partijetos, sabe-se que alguns aceitaram as compensações em dinheiro, enquanto outro grupo não tem aceitado as compensações oferecidas por Emgesa e resiste por um lado a partir da não venda de sua casa (se mora na AID) ou realizando ocupações de terras vendidas (muitos moram na AII). 2. Conflitos e mudanças dos organizadores do trabalho dos jornaleros na região atingida A seguir vai se trabalhar sobre o grupo especifico dos jornaleros, a partir do qual, procura-se compreender parte dos conflitos existentes na região. Assim vai se trabalhar sobre dois pontos principais como são: 1) descrever a organização da vida e do trabalho dos jornaleros e o funcionamento do trabalho nas grandes e médias propriedades; e 2) descrever a forma como suas relações sociais que compõem sua espacialidade social, entra em conflito com a chegada da barragem. Este segundo ponto pode se dividir em três momentos de conflito para os jornaleros: primeiro, quando os terrenos de influência da barragem foram declarados de utilidade pública; segundo, quando as terras onde os jornaleros trabalhavam são vendidas ficando sem uma de suas fontes de ingressos; e terceiro, as diferentes compensações que quebra suas unidades a partir da divisão entre as populações da Área de Influencia Direta (AID) e Área de Influencia Indireta (AII) e entre os proprietários e não proprietários. Todo o anterior permite uma aproximação para a compreensão das diferentes formas de ação realizadas por parte deste grupo social. 2.1. Os jornaleros na região Na região estudada, a organização da vida de grande parte dos jornaleros, em veredas como San José de Belén, Veracruz, Rioloro e La Honda estava baseada, por um lado, no ingresso derivado de jornalear nas grandes propriedades, em lavouras como arroz, tabaco, soja e cacau, e por outro, em trabalhar em pequenas parcelas para a produção de alimentos de “subsistência”12. Contudo, dentro destes povoados existe um grupo de jornaleros que vivem somente do jornal sem cultivar pequenas parcelas, este caso existe com alguns dos que 12 Segundo o quadro de lavouras da região, existem 129 hectares físicos e 155 hectares de coletadas de lavouras de subsistência que são chamadas de “pancoger”. Em lavouras comerciais as principais são: o arroz com a proporção de 826 hectares físicos e 1.410 coletadas, o tabaco 292 físicos e 413 coletadas, e o cacau 748 físicos e coletadas (devido que este último é uma lavoura permanente). Ver quadro “Resumen de áreas anuales físicas y cosechadas en la AID” (EIA, p. 314). moram na cabeceira municipal de Gigante e que trabalham nas lavouras de cacau na vereda La Honda, o que conduz possivelmente a uma maior dependência dos donos das médias e grandes propriedades, assim como, a necessidade de jornalear em outras áreas da região13 para conseguir sua manutenção e a de suas famílias. Dentro das características do jornalero está a inexistência de um vínculo empregatício: o patrão não paga nenhum tipo de previdência social e não é assinado contrato escrito. Da mesma forma, sua atividade está caracterizada por ser temporal, já que não ocupa o ano todo dos jornaleros e depende das épocas de colheita. Pelo qual, existe uma prática na região denominada de “enganche”, isto é, que um jornalero por seu bom rendimento nos diferentes tipos de lavouras pode conseguir ter a renovação por vários anos do convênio para voltar a trabalhar nessas mesmas propriedades ou ser convidados para trabalhar em outros prédios da região (EIA; p. 138). Dependendo da situação, o “enganche” 14 está em poder de outros jornaleros e mayordomos. Pelo trabalho sobre as lavouras comerciais, o jornalero (e em casos membros de sua família, como seus filhos) recebe “um jornal” diário que varia de 5 a 8 dólares diários. Segundo o EIA (pág. 415) “nas atividades de jornalear participam os filos dos chefes de família dos dois sexos desde idades que oscilam entre os 10 e os 12 anos; trabalham nas tardes logo de terminar seus estudos nas escolas veredales, como uma estratégia de complementar os ingressos familiares. Esta ocupação da mão de obra desde terna idade, frequentemente ocasiona que os jovens não continuem com seus estudos de secundaria ou educação superior (...)”. Assim no processo de jornalear, a unidade doméstica (entendida como “o conjunto de indivíduos que vivem na mesma casa e possuem uma economia doméstica comum” (Heredia, 13 Existem outras lavouras das que os jornaleros poderiam fazer parte como o café. As lavouras de café são de alta importância na região estudada, elas são de uso intensivo de mão de obra, e não seriam alagadas. Estão localizadas nas partes altas de montanha de municípios como Gigante, Garzón e outros próximos. Portanto, provavelmente alguns jornaleros da região atingida tenham relação com as colheitas manuais do café, porém, não se tem informação desta relação. Igualmente, cabe aclarar que atualmente na região e a Colômbia a lavoura de café está em crise pelos preços internacionais e a valorização do peso colombiano que atinge as exportações. Pelo anterior, em fevereiro de 2013 se realizaram na região estudada bloqueio de vias que impediram por mais de uma semana a mobilidade pelas principais vias do Departamento. Produto destes protestos, o governo nacional teve que criar uns pacotes de subsídios aos produtores de café no país todo. 14 Outra prática que está relacionada com o trabalho dos jornaleros é o transporte deles em “guayas” puxadas por um trator, o qual é pago pelo dono do prédio onde os jornaleros vão trabalhar. 1979)) dedicada a esta lavor não tem o controle sobre a produção do produto sobre o que se trabalha (de venda, de comercialização ou de modificação na produção) e desde o ponto de vista dos donos da terra ou de quem administra o processo produtivo é somente um “custo de produção”. Por outro lado, o jornalero está imerso dentro de suas relações de solidariedade e trabalho dentro da unidade doméstica e que conformam, junto com o trabalho nas lavouras comerciais seu mundo social. Portanto, as relações dentro da unidade doméstica e seu desdobramento para o trabalho nas grandes propriedades são as que constroem e fazem possível sua existência como grupo social. 2.2. Os conflitos dos jornaleros pela barragem A chegada da barragem na região está implicando conflitos e modificações na organização social deste grupo. Primeiro com a declaratória de utilidade pública em 2008 e a compra por parte de Emgesa das grandes propriedades em 2010 e 201115 que deixou sem trabalho aos jornaleros16. E como segundo ponto, a divisão das compensações entre a Área de Influência Direta (AID) e Área de Influência Indireta (AII), e entre proprietários e não proprietários, devido que divide ao grupo de jornaleros em dois a partir de uma “formalidade do direito”. Esta distinção esteve baseada no Estúdio de Impacto Ambiental contratado por Emgesa e realizado pela empresa consultora INGETEC, entre os anos 2007 e 2008. 15 Segundo María Disney Quintero Vélez, presidenta de la Junta Acción Comunal del centro poblado Rioloro “Emgesa negoció con los grandes propietarios; los finqueros se fueron con su dinero, pero los mayordomos, partijeros y jornaleros quedaron a la deriva, porque las fincas se abandonaron, la fuente de empleo se terminó porque no hay quién emplee a la gente”. Em: http://www.lanacion.com.co/index.php/dominical/item/205792-afectados-por-el-quimbo-entre-el-desarraigo-y-laincertidumbre (consultado 03/07/2013). 16 Segundo uma reportagem do diário regional La Nación em uma entrevista ao presidente da JAC de Veracruz: “El área de Veracruz es eminentemente agrícola y pesquera. Hay 20 hectáreas en espejo de agua, que generaba 20 empleos directos y 25 mujeres que se utilizaban para arreglar el pescado. 700 hectáreas se cultivaban en arroz, maíz, tabaco; en cacao había 400 hectáreas, pero desde que se declaró la utilidad pública de las tierras todo el mundo abandonó las vegas, los distritos de riego. (…) Lo que se cultiva ahora es poco, no abastece a la comunidad y tampoco nos permite llevar el mercado cada ocho días a nuestras casas. En mi caso, hace tres años trabajaba toda la semana, pero ahora a uno lo emplean máximo dos días” (consultar a reportagem anterior). Segundo a leitura da licença ambiental que faz Emgesa17 existem duas compensações diferentes para os jornaleros: i) os residentes na área alagada (AID) com direito a cinco hectares de terra e uma casa; e ii) os não residentes nela (AII) ou os “irregulares” que moram na AID, com outro tipo de compensações divididas em: 1) outorgar um “capital semilla” com uma capacitação na principal entidade de educação técnica estatal no país, “Servicio Nacional de Aprendizaje” SENA18 ou 2) oferecer um emprego como pedreiro nas obras da barragem. Em relação aos “irregulares”, Emgesa argumenta que são aqueles que morando dentro da Área de Influência Direta (AID) não têm titulo de propriedade sobre suas casas, pelo que são tratados por ela como se morassem na Área de Influencia Indireta (AII) 19 . O caso da vereda de San José de Belén é representativo desta situação. O povoado desta vereda, com 35 vivendas e 36 núcleos familiares, seria totalmente alagado, nele moram em pequenas casas, jornaleros com suas famílias, porém, os terrenos de sua moradia pertencem à cúria (igreja), pelo que não têm titulo de propriedade da terra, e segundo Emgesa, não merecem as cinco hectares e a casa que foram prometidas pela empresa de energia no inicio do processo. O conflito anterior, o expressou em uma entrevista realizada em 2011 um jornalero que trabalhava nas grandes propriedades e mora no povoado de San José de Belén (contida no documentário El Gigante): 17 Dentro dos argumentos discursivos, o conflito em torno das compensações pode ser dividido em dois grandes blocos que geram diferentes tipos de situações no grupo social dos jornaleros: um argumento defendido por Emgesa no qual estipula que dando um emprego como pedreiro nas obras da barragem ou compensando em dinheiro (com o chamado capital semilla) aos trabalhadores que moram na AII vai se dar cumprimento à licença ambiental, realizando ao mesmo tempo a distinção entre “proprietários” e “não proprietários” na AID. Por outro lado, frente ao argumento anterior, alguns líderes das veredas e de Asoquimbo defendem a ideia que as atividades produtivas devem ser restituídas de forma integral tal e como estipula a licença ambiental, portanto, nem a atividade como pedreiro, nem a compensação em dinheiro restitui suas atividades, pelo qual não deve existir essa distinção entre AID e AII (como em Rioloro ou as populações que trabalham na Honda). Ao mesmo tempo, este segundo grupo defende o argumento sobre o qual a única forma para que exista restituição da atividade produtiva é a não construção da barragem e a constituição na mesma área uma Zona de Reserva Campesina, o que impulsa a trabalhadores e pequenos produtores para realizar ocupações de terras. 18 “Emgesa realiza primeros desembolsos del capital semilla a la población no residente del área de influencia directa del proyecto hidroeléctrico El Quimbo”. Em http://www.proyectoelquimboemgesa.com.co/site/Default.aspx?tabid=238 consultado 20/06/2013 19 Baseados na distinção realizada no EIA (pág. 546) entre AID e AII, as porcentagens da população atingida é a seguinte: “o total da população que reside na possível área do lago ascende a 1466 pessoas. A vereda La Escalereta é o assentamento com o maior número de população com o 27%, a continuação Veracruz com o 22%, San José de Belén com 14%, Matambo com 10,7%, Barzal com 6,5%, Balseadero com 6%, La Honda com 3,9%, El Pedenal com 3%. As outras veredas aportam 6,93% do total da população”. No entanto, essa distinção desconhece que as relações sociais existentes na região não podem ser recortadas pela distinção entre área alagada (AID) e área não alagada (AII), tal como vamos ver a continuação e é uma das problemáticas trabalhada na pesquisa. “Íbamos en que nosotros vivimos de un jornal, hemos vivido de los terratenientes que tienen las grandes propiedades porque, pues como ustedes pueden ver en el caserío (poblado), prácticamente nadie tiene más que la vivienda y entonces, pues al llegar la empresa con grandes ofrecimientos para la comunidad, todo el mundo, toda la comunidad se llenó de una expectativa. Pues imagínate tú, que uno nunca ha tenido nada, tiene una vivienda y vengan y le ofrezcan otra vivienda y cinco hectáreas de tierra, pues todo el mundo se llenó de ilusiones, y todo el mundo hizo cuentas, y como dice el dicho, de ser una vereda pobre pasamos a ser unos ricos. Pero ricos de palabra, porque en determinado momento llegó la empresa y dijo, usted si y usted no, entonces se calló el castillo de naipes otra vez”. O que declara o jornalero são os dois momentos em relação à empresa Emgesa e as compensações. Em um primeiro momento, a empresa Emgesa prometeu cinco hectares e uma casa aos camponeses que moravam neste povoado. Eles se ilusionaram com tiver sua própria terra produto das compensações, devido que qualquer pessoa com uma casa tem direito, segundo a licença ambiental, a cinco hectares de terra e uma casa. No entanto, Emgesa tem argumentado que muitas das casas são “irregulais”, devido que não tem titulo de propriedade. Portanto, a maioria dos trabalhadores de essas grandes propriedades, não tem direito segundo Emgesa a uma compensação em terra. Neste povoado, por varias gerações (desde 1969) a maioria de pessoas tinha vivido do jornal nas grandes propriedades: Garañón, El Tablón e nos terrenos de La Escalereta 20 com “jornadas de trabalho de sete da manhã até às quatro da tarde em lavouras de tabaco, arroz, soja e milho” nela participavam homens, mulheres e crianças (EIA; pág 158). Essas atividades eram misturadas com o trabalho de pequenas propriedades dedicadas a alimentos de subsistência. Segundo o EIA (p. 549) o trabalho destas pessoas também estava baseado em que “os grandes proprietários em ocasiões deixam que estas pessoas dediquem parte de seu tempo para realizar lavouras em terrenos da grande propriedade: os grandes proprietários entregam a terra e os insumos (semente, fertilizantes e abonos), e os trabalhadores dispõem sua mão 20 Segundo as conversas realizadas com os habitantes da Escalereta em 2010, a empresa empregava em economias como o tabaco entre 60 e 70 jornaleros diários provenientes de Garzón e El Agrado. No entanto, não se tem informação adicional sobre como estão conformadas estas relações. de obra para as lavouras; ao final, quando o trabalhador tem obtido a colheita, entregam ao hacendado o correspondente as dividas contraídas e eles ficam com o que fica, o que os converte possuidores da cultura do “partijero””. Portanto, as vendas das grandes propriedades por parte de médios e grandes proprietários têm deixado sem trabalho a estes jornaleros ao mesmo tempo em que os oferecimentos de Emgesa não restituem suas atividades produtivas tal como o expressou o mesmo jornalero entrevistado: “Han llegado los grandes terratenientes dueños de la tierra y la han vendido a la empresa. Inmediatamente Emgesa ¿qué les exige?, entrégueme las fincas. ¿Y el personal?, ahí los necesitamos en el túnel (de las obras del proyecto) para que trabajen. Pero ¿Qué pasa? Nosotros no somos constructores, somos agricultores y nos han dejado sin el sustento, porque es que aquí no vivimos construyendo”. O que este jornalero expõe por um lado é a impossibilidade que tem seu grupo social de trabalhar no momento posterior da venda da terra por parte dos grandes proprietários. Frente ao anterior e as compensações que realiza Emgesa sobre a oferta de empregos como pedreiro nas obras, realiza a diferença existente entre um jornalero, trabalhador da terra e um pedreiro das obras, o que compreende toda uma série de práticas diferenciadas. As atividades e práticas destas pessoas estão relacionadas com o trabalho da terra, não com ser construtor de obras que representa um mundo desconhecido. Assim, o que este jornalero expõe é a impossibilidade que tem seu grupo social de trabalhar no momento posterior da venda da terra por parte dos grandes proprietários. Frente ao anterior, Emgesa realiza a oferta de empregos como pedreiro nas obras, porém o jornalero realiza uma diferença entre um jornalero trabalhador da terra e um pedreiro das obras, o que compreende toda uma série de práticas diferenciadas, “somos agricultores não construtores”. Frente à situação, em 2012, Emgesa ofereceu um “capital semilla” que é um dinheiro que dá a empresa para “restituir a atividade produtiva”, alguns dos habitantes deste povoado têm aceitado esta compensação frente às dificuldades econômicas, onde posteriormente abandonaram a localidade, outros se resistem a aceitar compensações para sair da área, devido que para eles, a compensação em dinheiro não restitui sua atividade produtiva. Em outros locais como, nos povoados de Rioloro que não seria alagado e Veracruz que seria alagado, uma grande porção de seus habitantes vivem do trabalho das lavouras de arroz e cacau na empresa comunitária La Libertad e a hacienda Jericó 21, outros trabalhavam na empresa Agropeces Lda. (vendida em 2012 e destruída em 2013 por Emgesa). Estes povoados estão ligados por lassos de amizade, vizinhança, familiares e de trabalho. Igualmente, entre eles existe uma grande quantidade de pequenos proprietários que muitas vezes são jornaleros e podem trabalhar em outras veredas da região22. A distinção entre AID e AII entre os que moram em Rioloro (AII) e Veracruz (AID) está gerando que entre os trabalhadores (jornaleros, arrendatários e mayordomos) se apresentem diferentes situações em relação às compensações. Para os moradores em Rioloro, que não tem nenhuma propriedade na AID, alguns têm aceitado a compensação de um “capital semilla” ou trabalho nas obras da barragem, e um pequeno grupo não tem aceitado compensação. Por outro lado, para os moradores de Veracruz está se apresentando a seguinte situação: alguns aceitaram a re-localização e foram relocados, outros se resistem aos processos de venda de suas pequenas propriedades, e outros aceitaram compensações em dinheiro com o “capital semilla”. Do mesmo modo, segundo o que foi conversado com uma líder do povoado de Rioloro (no mês de dezembro de 2012), existe uma dificuldade das pessoas que receberam o dinheiro das compensações em relação a seu gasto, devido que compram televisores, geladeiras, equipo eletrônicos, etc. isto é, “esbanjam o dinheiro” 23. Igualmente, na vereda Veracruz existem muitos moradores que não têm título de propriedade de suas casas, devido que uma grande quantidade delas está construída nas margens da 21 A empresa comunitária “La Libertad” foi resultado das recuperações de terras realizadas nos anos 1970 sobre a Finca Jericó, no município de Gigante. A empresa foi constituída por 12 camponeses do povoado de Rioloro e da vereda Veracruz, onde estão as 162 hectares que foram entregas pelo INCORA nessa época. 22 Segundo o EIA (p. 133) “na vereda de Veracruz habitam 73 famílias camponesas que se dedicam fundamentalmente ao jornaleo nas grandes fincas que circundam o povoado. No povoado existem 113 prédios com áreas entre menos de um hectare e 50 hectares, onde semeiam cacau, plátano e frutais”. A “Labranza” como é nomeada a cultura de cacau complementa os recursos destas famílias “algo nos ayuda y nos toca salir a jornaliar, uno que otro tiene el producido de Labranza (do cacau), los que no tienen viven del puro trabajo en la Hacienda Díaz, en las tabaqueras, en San Francisco (vereda Barzal, no municipio de Garzón), que es la despensa del trabajo (Entrevista do EIA, junho 2007)”. Por último, “na vereda é frequente que as mulheres desenvolvam atividades complementarias para contribuir aos ingressos familiares como, por exemplo, a cria de espécies menores (porcos, e galinhas) e o cultivo de hortalizas e frutais nos solares das casas”. 23 Segundo o falado no mês de dezembro de 2012 com alguns líderes do Corregimento de Rioloro existem brigas familiares entre padres e filhos por problemas de herança nos processos de venda, o que mostra a ruptura de unidades familiares. As dificuldades nos processos de herança também aconteceram na barragem de Sobradinho (no Estado de Baia no nordeste brasileiro) tal como o expõe Ana Maria lima em sua dissertação de mestrado (pág. 160). única via que comunica as veredas de Rioloro-Veracruz. O anterior gera que Emgesa classifique a essas pessoas como “irregulares”, pelo que não têm direito a uma compensação de cinco hectares de terra. Isto acontece de forma similar com os povoadores de San José de Belén devido que não tem o titulo de propriedade de suas casas. Por último, na vereda “La Honda”, os diferentes trabalhadores como mayordomos, jornaleros e partijeros estão dedicados a diferentes tarefas relacionadas com as lavouras do cacau nas partes planas do vale do Rio Magdalena, e é frequente o “enganche” de trabalhadores. Nesta vereda, segundo o EIA (p.133), um importante grupo de pequenos proprietários e jornaleros convivem com médios proprietários. Muitos dos jornaleros moram principalmente na cabeceira municipal de Gigante (AII) e se deslocam a pé para jornalear nas propriedades da vereda, portanto, sua moradia não seria inundada pela barragem, mas sim sua fonte de trabalho. Nesta vereda, um grupo de jornaleros junto com mayordomos decidiu ocupar desde 201224 as terras que seus patrões venderam25. Para manter a ocupação, eles estão realizando lavouras de rápido crescimento como “milho, feijão de mata, e sandia, para tentar, de adquirir uns recursos da forma mais rápida possível para solucionar a fome que está sofrendo essa comunidade” (entrevista com mayordomo da vereda em 2012). Igualmente, estas pessoas que mantem as ocupações da vereda La Honda apresentam uma “disjuntiva” dentro da comunidade, tal como estimou um mayordomo entrevistado 2012. Alguns têm como objetivo exercer pressão para que a barragem não consiga ser construída e que suas atividades produtivas sejam restituídas, pelo que “amam e defendem o território”, 24 Em novembro de 2012 existiam 80 famílias ocupantes na vereda da Honda. As famílias têm “ordem de desalojo”, no entanto autoridades locais têm respaldado os “invasores” como produto da pressão da população. O Perfeito de Gigante Ivan Luna falou frente ao iminente desalojo por parte da força pública no dia 11 de Novembro de 2012 que “Hay que ayudarles (aos invasores) como debe ser. Son familias trabajadoras del campo que requieren de una compensación para que no se les lance a la calle, a sabiendas que tienen niños y que urgen de la reubicación, por lo tanto esperamos es que se pueda aplicar la ley, pero también que les brinden soluciones sociales acordes con las necesidades y estamos acatando la orden de Emgesa que también es consciente de lo que hay que hacer con ellos”. Ver em Invasores de La Honda se resisten al desalojo http://www.lanacion.com.co/index.php/noticias-regional/huila/item/187226-invasores-de-la-honda-seresisten-al-desalojo (consultado em 01/07/2013). 25 Em 2013 foram ocupadas outras terras em outro local da região no município de Jagua, por parte de trabalhadores da finca La Virginia vendida em 2011. Nesta propriedade, eles trabalhavam sobre as lavouras de arroz, milho e soja, e com a venda destas terras ficaram sem trabalho, pelo que decidiram ocupar as terras e cultivar alimentos de subsistência no ano 2013, porém, devido à amplitude do documento seu caso não vai ser exposto. Ver vídeo realizado na região sobre este grupo populacional pela “Asociación Nacional de Reservas Campesinas”, ANZORC em abril do ano 2013: http://www.youtube.com/watch?v=4XwA-tLm5ME enquanto outros aceitam o modelo compensatório em dinheiro “vítimas das situações calamitosas as que se sometem quando os deixam sem suas atividades produtivas, suas fontes de emprego, que faz entrem em uma condição infra-humana, na que você é completamente vulnerável a qualquer tipo de oferta, por ruim que seja por parte da empresa, como a compensação às pessoas”. Da mesma forma, o mesmo trabalhador frente a uma pergunta realizada em relação ao grau de aceitação do “capital semilla” por parte dos povoadores respondeu: “El capital semilla que se inventó la empresa generó en principio más indignación que aceptación por parte de las personas. Porque según lo establecido en la licencia ambiental las compensaciones, el valor de esas compensaciones, para entregarle a una familia un proyecto productivo ya establecido que le permitiera inmediatamente empezar a generar ingresos, no estaría por debajo de los 200, 250 millones de pesos (100 mil dólares), en este momento le están entregando a las personas en base a ese capital semilla más o menos el 10% de esa compensación. Y se lo están entregando en dinero efectivo. La licencia ambiental dice que inclusive a los pequeños propietarios, se les tendría que restituir los predios para no arriesgarlos a quedar completamente en la calle, que esas personas por no tener la capacidad de administración de unos recursos económicos efectivos, pudieran despilfarrar esos dineros y dejar a sus familias en la miseria. Y eso es lo que está sucediendo ahora con el capital semilla, a unas personas que se les formo únicamente, en unas pocas horas en el SENA y se les enseñó únicamente a cultivar cilantro y en base a eso ya los titularon como empresarios, nosotros no entendemos que ni las entidades del Estado, ni los organismos de control como la procuraduría que han acompañado ese proceso y que lo han convalidado, la verdad no compartimos esa política, esa posición (…)”. Assim, existem os seguintes momentos nas que tem estado imersos os jornaleros pela chegada da barragem: um primeiro momento no que eles estão frente à mudança de suas condições de produção na medida em que por um lado a declaratória de utilidade pública do ano 2008 implicou a queda das lavouras comerciais como o arroz e a venda das grandes e médias propriedades em 2010 e 2011 que terminou de deixar sem trabalho a jornaleros, mayordomos e partijeros. A situação anterior os deixou em uma condição “infra-humana” na que muitos jornaleros aceitaram a compensação em dinheiro com o “capital semilla” ou inclusive um emprego como pedreiro nas obras. Do mesmo modo, essas compensações estão condicionadas sob as diferenciações formais entre aqueles que moram na Área de Influência Direta (AID) e Área de Influência Indireta (AII) e entre proprietários e não proprietários, o que divide artificialmente unidades sociais. Assim, as pessoas que pertencem a este grupo social agem de forma diferenciada frente às compensações como: aceitar dinheiro, relocação, emprego nas obras, resistência para venda, ocupações de terras vendidas. Estas decisões e podem estar relacionadas com fatores como a composição de sua unidade doméstica, a maior ou menor dependência do trabalho nas grandes propriedades, e as intervenções e compensações de Emgesa26. Portanto, as situações que podem se apresentar por parte dos jornaleros dentro do processo são as seguintes: aceite de capital semilla ou emprego (como na Honda, Rioloro e San José de Belén), os residentes com uma casa ou pequena propriedade da região que foram relocados (como em Veracruz), os residentes que se resistem à venda de sua pequena parcela ou são desconhecidos como proprietários para o ano 2013 (como em Veracruz e San José de Belén), os não residentes que ocuparam as propriedades onde trabalhavam (como na Honda). Neste ponto, somente um trabalho de campo detalhado vai permitir compreender e “desenredar” as causas e mobilizadores desta diversidade de situações, assim como as diferenças que podem ocorrer de um lugar para outro. 3. Considerações finais A chegada da barragem na região estudada está implicando a mudança de sistemas sociais para os diferentes grupos sociais da região. No caso dos jornaleros, eles estavam imersos sob uns sistemas de relações sociais e umas condições de produção que possibilitavam suas formas de vida e de reprodução como grupo. Assim, as transformações em seu entorno estão representadas em fatos como: os efeitos da declaratória de utilidade pública (2008) com a queda das lavouras comerciais como o arroz; a venda das médias e grandes propriedades (2010 e 2011) com as que os jornaleros ficaram sem emprego; e por último, as diferentes 26 O ponto das decisões e suas causas estão sendo atualmente objeto de pesquisa no projeto de mestrado que está sendo desenvolvido no PPGSA/IFCS/UFRJ. compensações para o grupo dos jornaleros que depende de sua localização (na AID ou AII) e condição de proprietário. O anterior tem gerado reações e ações diferenciadas por parte deste grupo como são: aceitar dinheiro da compensação, aceitar emprego, aceitar relocação, resistência para sair da área, ocupações de terras vendidas. Estas reações mostram mudanças em seu sistema social representadas pelos conflitos presentes dentro do processo. Assim, no caso estudado, existe um primeiro ponto importante que é a importância e a preferência de uma grande parte dos jornaleros pelo reclamo por terra. Isto, por meio de várias de suas ações como são: a ocupação das terras que seus patrões venderam (onde uma grande proporção morava na Área de Influência Indireta); pela resistência à venda de sua casa ou de suas pequenas propriedades para sair da área; ou por último, a preferência por re-localização por sobre pago em dinheiro de suas terras. Essa preferência por terra reflete parte de suas práticas de vida relacionadas com o trabalho sobre ela, que é o fundamento de sua reprodução como grupo social. Assim, a pressão por parte de Emgesa sobre os jornaleros e a dificuldade para restituir suas atividades produtivas está gerando um clima de desespero e incerteza sobre o futuro por parte das pessoas que compõem este grupo social. Portanto, fatos como a declaratória de utilidade pública e a venda das grandes propriedades tiveram como um de seus principais efeitos “deixar sem o sustento” a estas populações. Segundo palavras de um habitante da região, gerou-se uma “situação infra-humana” na qual, muitos tiveram que aceitar as compensações que oferecia Emgesa. Assim, o anterior coloca em questão a noção de compensação dada por Emgesa, devido à vulnerabilidade na que estão imersos muitos dos jornaleros e pequenos proprietários. Por um lado, com o chamado “capital semilla” baseado em dar um dinheiro para parte das pessoas deste grupo, o qual não tem restituído a atividade produtiva prévia em iguais ou melhores condições das existentes, devido que ela estava fundada no ingresso derivado do trabalho da terra, e segundo a opinião de alguns líderes, muitos dos que aceitaram o dinheiro o estão “esbanjando”. Por outro lado, a compensação em terra oferecida por Emgesa e aceita por alguns pequenos proprietários, não restitui o tecido social no qual eles estavam imersos nem suas condições de produção prévias, o que planteia outro problema entorno dos oferecimentos por parte da empresa de energia27. Igualmente, dentro do processo apresenta-se outro problema derivado da divisão artificial realizada pelo Estúdio de Impacto Ambiental (EIA), entre AID entendida como a área alagada e AII entendida como o “resto”. O anterior gera problemas relacionados com a diferenciação das compensações, na medida em que, muitos dos jornaleros que vivem das terras da AID moram fora dela, pelo que para Emgesa teriam uma compensação diferente daqueles que moram dentro da área alagada. Isto, embora compartilhem e tenham um mesmo tipo de atividades. Assim, Emgesa os divide em dois grupos sem ter em conta suas unidades sociais e a configuração de sua espacialidade. Portanto, existem duas situações representativas nas quais unidades sociais que conformam os jornaleros são divididas entre Área de Influência Direta (AID) e Área de Influência Indireta (AII) ou entre proprietários e não proprietários: os habitantes da região do povoado de Rioloro têm protestado frequentemente porque são considerados como da AII, do mesmo modo que, os jornaleros da Honda onde muitos moram na AII, mas vivem das terras que trabalhavam na AID28; por outro lado, sobre os não proprietários está o caso dos habitantes de San José de Belén ou daqueles que moram nas margens da via que comunica Veracruz com Rioloro, quês embora morem na AID não tem titulo de propriedade, pelo que para Emgesa não merecem a compensação em terra. Assim, do exposto neste artigo se colocam questões derivadas de como está se vivendo um processo acelerado de transformações que estão modificando as posições e oposições 27 Existem outros casos que podem colocar em questão as compensações no Brasil o trabalho realizado na dissertação de mestrado de Ana Luiza Borralho Martins-Costa (1988) sobre o caso da barragem de Sobradinho ajuda pensar sobre as compensações baseadas nas relocações, neste caso os oferecimentos da empresa CHESF não compensaram de fato os sistemas de organização no que viviam populações ribeirinhas do Rio São Francisco. Elas estavam organizadas sob o que Ana chamou de “modelo de retirada” que explica a organização do tempo e espaço dos pescadores, a partir de sua sincronização com as cheias e secas do rio antes da barragem. Assim, a formação do lago modificou e quebrou, a partir da modificação radical de seu território, seus sistemas de representação e as formas como eles viviam e organizavam seus ciclos produtivos e relações familiares e de vizinhança. 28 A problemática levantada neste ponto sobre a divisão de unidades sociais e a importância de levar em conta elas além das delimitadas geograficamente (como um povoado) têm sido trabalhadas por pessoas como Geertz (1967) em referência da delimitação espacial de grupos sociais e Patric Champagne (1975) quem realiza uma crítica a que grupos sociais se definam a partir do recorte geográfico, o que significa isolar conjuntos artificiais, procurando assim “definir átomos sociais” como unidades pertinentes de análise. sociais dos jornaleros. Isto, a partir de uma aproximação de como está conformado o funcionamento da organização do trabalho destas pessoas e a forma como a chegada da barragem atinge sua espacialidade social e formas de vida derivadas de seu trabalho sobre a terra. Portanto, o presente trabalho não procurou fechar questões em torno das problemáticas apresentadas, e pelo contrario procura com os dados expostos aprofundar em próximas pesquisas sobre elas para conseguir assim uma melhor compreensão do funcionamento deste tipo de conflitos. 4. Referências Bibliográficas: BORRALHO MARTINS-COSTA, Ana Luiza; Uma retirada insólita: A representação camponesa sobre a formação do lago de Sobradinho; Dissertação de Mestrado em Antropologia Social/UFRJ, Rio de Janeiro, 1988. CHAMPAGNE, Patrick, 1975 – “La Reestructuration de L´Espace Villageois”. Actes de La Recerche en Sciences Sociales., n° 3, maio, pp. 43-67 GEERTZ, Clifford – “Form and Variation in Balinese Village Structure”. 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PGN solicita al Min Ambiente abstenerse de otorgar licencia ambiental al proyecto hidroeléctrico El Quimbo en: http://www.procuraduria.gov.co/html/noticias_2009/noticias_234.htm (consultado 02/07/2013). Pagina oficial da empresa Emgesa: http://www.emgesa.com.co Movimientos de Resistencia frente la construcción del Quimbo: http://www.quimbo.com.co Resoluções consultadas: Resolución 899 de 2009 do Ministerio de Ambiente, la cual Otorga la Licencia Ambiental del Proyecto hidroeléctrico El Quimbo. Resolución 1628 de 2009 do Ministerio de Ambiente (modificaciones da licencia ambiental) em: http://www.minambiente.gov.co/documentos/res_1628(1)_210809.pdf Resolución 180480 de 23 de Março de 2010 do Ministerio de Minas y Energia “Por la cual se declara de utilidad pública e interés social los terrenos necesarios para la construcción y operación del PROYECTO HIDROELÉCTRICO EL QUIMBO” Material audiovisual: Documentário “El Gigante” realizado em 2011 e difundido em 2012. Bruno Federico, Andrea Ciacci y Consuelo Navarro.