ADMISSIBILIDADE DE PROVAS ILÍCITAS NO PROCESSO CIVIL: uma realidade? Nathalia Dutra da Rocha Jucá e Mello1 Bárbara Elaine Carneiro de Moraes2 O presente trabalho tem por objetivo estudar a prova ilícita no Processo Civil, com sua definição, previsões legais e evolução em nosso ordenamento jurídico. Na tentativa de mitigar a vedação das provas ilícitas, será analisada a Teoria da Proporcionalidade, ponto fundamental para a justificativa de possível admissão deste tipo de prova no processo, sendo também abordadas posições doutrinárias, jurisprudenciais e legislativas acerca do tema. A metodologia utilizada consistiu em Pesquisa bibliográfica, doutrinária e jurisprudencial. Não se tem a pretensão de solucionar questão tão relevante e árida, mas pugnar para que as decisões não sejam tão irrefletidas, calcadas apenas na invocação das proibições normativas. O Estado Democrático de direito destaca-se pelo culto à Constituição, com ênfase no reconhecimento da normatividade dos princípios que consagram direitos fundamentais, que são aqueles direitos considerados indispensáveis ao cidadão; necessários para garantir a dignidade, liberdade, intimidade, igualdade. Enquanto os direitos representam certos bens; as garantias visam assegurar a fruição desses 1 Especialista em Direito Processual pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Pos graduanda em Direito Constitucional pelo Complexo Educacional Damásio de Jesus. Advogada. [email protected] 2 Professora do curso de direito das Faculdades Integradas Vianna Junior. Especialista em Direito Processual Civil. Advogada. [email protected] bens. Acerca dos direitos fundamentais, frise-se que o importante não é apenas positivá-los, mas dotá-los de meios capazes de se tornarem efetivos no mundo jurídico e, com isso, garanti-los para que não sejam passíveis de famigeradas violações. Como uma das formas de assegurar tais direitos, a Constituição Federal, de 05 de outubro de 1988, em seu art. 5º, LVI, vedou a admissão de provas ilícitas no processo. O direito pátrio defende que tais provas, a princípio, não têm eficácia por ferirem, sobretudo, direitos e garantias consagrados na Magna Carta. Tal temática tem maior atenção e é tratado de forma mais abrangente no campo do Processo Penal, com previsões legais e correntes doutrinárias que flexibilizam a previsão do dispositivo supracitado. Hodiernamente, ficam a doutrina e jurisprudências responsáveis pelo estudo e mitigação da vedação constitucional às provas ilícitas, o que desencadeia grandes conflitos de entendimento e aplicação. Com o advento do princípio da proporcionalidade, eventualmente, os tribunais têm acolhido provas obtidas ilicitamente, desde que necessárias para proteger outros valores mais urgentes. Tal admissão ocorre sob a avaliação dos julgadores, ponderação dos interesses em questão, bem como da razoabilidade de sua aplicação. Destaca-se que este princípio não discute a ilicitude material da prova, reconhecendo sua inconstitucionalidade. Todavia, autoriza o julgador a escolher um caminho mais justo, a fim de se evitar julgamentos repugnantes e desproporcionais. Ademais, a prova que ser quer admitir não tem conteúdo ilícito – muito pelo contrário - e por isso deverá ser considerada. Cabe lembrar que praticamente todos os países que acolheram a proibição da prova ilícita foram obrigados a admitir exceções, a fim de preservarem determinados bens e valores dignos de proteção. Percebe-se, portanto, que têm-se discutido a aplicabilidade do princípio da proporcionalidade como um meio de corrigir eventuais distorções, permitir uma leitura menos engessada da lei, sem incorrer em extremos, visando, sobretudo, a realização da justiça como um bem maior. Não se pretende negar que o art. 5º, LVI, Constituição Federal realizou uma ponderação entre a efetividade da proteção do direito material e o direito à descoberta da verdade. Ocorre que é incontestável que a necessidade de uma segunda ponderação, a ser realizada pelo juiz diante o caso concreto. Entende-se a necessidade no ordenamento do referido dispositivo, e quanto a isso não há qualquer discussão. A questão é a ênfase da interpretação de leis à luz de princípios, tal qual o da proporcionalidade, a fim de se evitar julgamentos injustos, insatisfatórios. Frise-se que, para todos os que discutem a possível aplicabilidade do princípio da proporcionalidade na esfera civil, se faz imprescindível que a prova ilícita seja o único meio possível e razoável de proteger os valores fundamentais. O que se faz coerente, já que flexibilidades devem ser aplicadas com critérios, rigor científico e bom senso. Já a maior crítica está na subjetividade, já que esta pode gerar interpretações perigosas, abusos e insegurança jurídica, o que dificulta construções jurisprudenciais e doutrinárias mais sólidas. Em geral, havendo conflito de interesses, entende-se que deverá prevalecer o da coletividade, podendo se admitir uma formalidade antijurídica no procedimento, com uma interpretação menos radical, já que os direitos fundamentais sempre estarão frente a frente, sendo este o obstáculo para a atenuação do comando constitucional. Na tentativa de pacificar a questão, a comissão de juristas responsável pela reforma do Código de Processo Civil, Projeto Lei nº166/2010, em trâmite no Senado Federal, sugeriu a inclusão do art. 257, parágrafo único, visando adaptar os artigos já codificados à realidade social e seus anseios, bem como estabelecer uma “sintonia fina” com os preceitos constitucionais. É o teor do artigo supramencionado: “Art. 257 – (...) Parágrafo único. A inadmissibilidade das provas obtidas por meio ilícito será apreciada pelo juiz à luz da ponderação dos princípios e dos direitos fundamentais envolvidos”. Em primeira análise, verifique-se que o sistema processual passaria a prever expressamente eventual admissão de provas ilícitas no processo civil, mediante ponderação de interesses, princípios e direitos envolvidos no caso concreto. Contudo, levando-se em consideração a previsão constitucional do art. 5º, LVI, já há aqueles que sustentem a inconstitucionalidade da previsão em comento, no caso de eventual aprovação. Para os que apoiam seja o artigo integrado ao sistema processual, deve-se prevalecer o entendimento de que o juiz está apto a, eventualmente, permitir a incidência de tal prova, sem afronta ao texto constitucional. Como visto, a doutrina e jurisprudência firmam entendimentos variados, e com a possível inserção de dispositivo no Código de Processo Civil, as discussões ficaram ainda mais acirradas, permanecendo firmes em seus propósitos as posições contra e a favor que se formam sobre o tema. Porém, se o que se pretende com o Direito é a eficácia jurisdicional e a realização da justiça, devemos deixar de nos ater somente aos dogmas criados durante toda a evolução do Direito, acreditando que a aplicação pura e simples de algo que não evolui nas mesmas proporções da sociedade trará segurança jurídica às partes. Assim, ou se admite a flexibilização excepcional do dispositivo constitucional, ou teremos, por vezes, sentenças injustas, esdrúxulas, quiçá irracionais e que colocam de lado a garantia de direitos fundamentais. É curial que o julgador não fique adstrito à rigidez da lei, mas que encontre alternativas justas ao caso concreto, com fundamento no princípio, mais que princípio, verdadeiro postulado da proporcionalidade e nos informes do devido processo legal.