UNIDADE DE MEDIAÇÃO E ACOMPANHAMENTO DE CONFLITOS DE CONSUMO DIREITO REAL DE HABITAÇÃO PERIÓDICA. DIREITO DE ARREPENDIMENTO MARIA MANUEL BASTOS Factos: O consumidor X, no dia 4 de Março de 2002, celebrou com a sociedade Y um contrato que lhe permitia utilizar apartamentos/quartos durante uma semana por ano, na época baixa. Nesse mesmo contrato estava prevista a possibilidade de o consumidor exercer o direito de arrependimento no prazo de 10 dias. Ora, no dia 5 de Março, o consumidor enviou um fax à sociedade, no qual dava conta que, passado o entusiasmo inicial e livre da pressão psicológica sentida aquando da celebração do contrato, pretendia a sua resolução. Em consequência desse fax, o consumidor foi convidado para uma reunião com a sociedade Y, que se veio a realizar no dia 8 de Março. Nessa reunião, o consumidor reiterou a sua vontade de resolver o contrato, mas foi-lhe dito que tal possibilidade deveria ser submetida à Direcção da sociedade. No dia 19 de Março, o consumidor recebeu um fax informando-o de que a resolução do contrato não tinha sido aceite. Resolução: Estamos perante um contrato de aquisição de direito real de habitação periódica, regulado pelo Decreto-Lei n.º 275/93, de 5 de Agosto, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 180/99, de 22 de Maio. Este diploma dispõe, no seu artigo 16.º, n.º 1, que “o adquirente do direito real de habitação periódica pode resolver o respectivo contrato de aquisição sem indicar o motivo e sem quaisquer encargos, no prazo de 10 dias úteis a contar da data da sua celebração”. Ora, o consumidor exerceu o direito de arrependimento no dia seguinte à celebração do contrato, pelo que, tendo sido respeitado o prazo previsto no contrato e na lei, concluiríamos, à partida, que o contrato teria sido eficazmente resolvido. Assim, o contrato não produziria quaisquer efeitos. 1 UNIDADE DE MEDIAÇÃO E ACOMPANHAMENTO DE CONFLITOS DE CONSUMO Porém, a sociedade reclamada não concorda com tal posição, argumentando que, exigindo aquele diploma que o direito de resolução seja comunicado ao vendedor através de carta registada com aviso de recepção, não é suficiente o mero envio de um fax pelo consumidor. Conclui a sociedade que o direito de arrependimento não foi devidamente formalizado, não produzindo qualquer efeito. Parece-nos, pelo contrário, que é defensável que, apesar de o consumidor não ter exercido o direito de arrependimento através da forma exigida por lei, este direito foi eficazmente exercido. Desde logo porque a exigência de envio de carta registada com aviso de recepção não tem a natureza de formalidade ad substantiam, necessária para a existência ou validade do exercício do direito de resolução, mas de formalidade ad probationem, dirigida apenas à prova do exercício deste direito. Para além disso, a exigência daquela formalidade é feita em favor do consumidor, pelo que só ele poderá alegar a sua falta. Acresce que ficou claro, na reunião realizada entre a sociedade e o consumidor, a vontade deste em anular o contrato. Se a sociedade reclamada, sabendo dessa vontade, não informou o consumidor da necessidade de envio de carta registada como forma de formalização do direito de arrependimento, desrespeitou o artigo 8.º, n.º 1, da Lei de Defesa do Consumidor, relativo ao direito à informação. Alegar, agora, a falta daquela formalidade viola as regras da boa-fé e constitui abuso do direito. Assim, quer porque a exigência de envio de carta registada não é uma formalidade necessária à existência ou validade do direito de arrependimento, quer porque é prevista em benefício do consumidor, só ele podendo invocá-la, quer ainda porque é contra as regras da boa fé invocar a falta de forma quando se conhecia a vontade do consumidor, deve entender-se que o exercício do direito de arrependimento foi eficaz e, logo, o contrato foi resolvido. 2