VIII ENCONTRO DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE ECONOMIA ECOLÓGICA 5 a 7 de agosto de 2009 Cuiabá - Mato Grosso - Brasil POLÍTICAS AMBIENTAIS MUNICIPAIS, TURISMO “AMBIENTAL” E SUSTENTABILIDADE: LIÇÕES DE VISCONDE DE MAUÁ, RIO DE JANEIRO / MINAS GERAIS. Estela Maria Souza Costa Neves (PPED/IE-UFRJ) - [email protected] Professora Colaboradora PPED/IE-UFRJ Sergio Wright Maia (PPED/IE-UFRJ) - [email protected] VIII ECOECO Sessão Temática D “Políticas públicas e instrumentos de gestão para o desenvolvimento sustentável” Políticas ambientais municipais, turismo “ambiental” e sustentabilidade: lições de Visconde de Mauá, Rio de Janeiro / Minas Gerais Resumo. O tema deste estudo é a construção da governança ambiental de Visconde de Mauá. A pesquisa oferece uma contribuição para a identificação das possibilidades e limites da ação pública, e para a qualificação do papel da cooperação na governança ambiental desde a perspectiva municipal. Os atores principais da pesquisa são os três municípios: Resende, Itatiaia e Bocaina de Minas. Os atores coadjuvantes são as duas Unidades da federação, Rio de Janeiro e Minas Gerais, e a União. A desigual distribuição de recursos para política, a existência de recursos ociosos e a baixa capacidade institucional dos municípios apontam que a ação ambiental municipal, se isolada, não alcança o grau de efetividade necessário, sendo imprescindível a cooperação horizontal que, por sua vez depende em certa medida da cooperação vertical com Estados e União. A pesquisa revela a necessidade de implementação de arranjos institucionais estáveis para a promoção de ações intergovernamentais em regime de cooperação. A existência de um processo de construção de um regime de governança ambiental de Visconde de Mauá com a contribuição profícua de agentes da sociedade local, stakeholders estratégicos, têm permitido uma ativa interlocução entre a sociedade e o Estado e a experimentação de arranjos inovadores. Abstract. The objective of this study is the construction of the environmental governance of Visconde de Mauá, thus offering insights to identify the possibilities and limits of the public action and of the role of the cooperation in the environmental governance from the local government perspective. The main actors of this research are the three municipalities: Resende, Itatiaia and Bocaina de Minas. With a secondary role, but not less important, we have the two States, Rio de Janeiro e Minas Gerais and the Federal Government. An unequal distribution of policy resources, the existence of idle ones and the institutional undercapacity of the local governments are supportive of the statement that any environmental policy 1 (action), would be infective if taken without the vertical cooperation of the States and the Federal Government. This research undertakes that the implementation of stable institutional arrangements are prerequisite for the promotion of cooperative intergovernmental policies. The existence of a process of an environmental governance building in Visconde de Maua with the involvement of the actors of the community and strategic stakeholders have enabled the active communication of the various parties inside the governance and the experiment of innovative arrangements. Palavras-chave: governança ambiental, sustentabilidade, governance, local governments, , sustainable tourism. 2 municípios, environmental Políticas ambientais municipais, turismo “ambiental” e sustentabilidade: lições de Visconde de Mauá, Rio de Janeiro / Minas Gerais 1. Introdução Apresentação O tema do presente trabalho é a relação entre as políticas públicas ambientais municipais e o desenvolvimento do turismo local em bases sustentáveis. A perguntaguia da pesquisa, dirigida à região de Visconde Mauá, (Rio de Janeiro e Minas Gerais), indaga quais são as possibilidades e limites da intervenção municipal para enfrentar aos desafios ambientais da área, à luz das exigências do desenvolvimento em bases sustentáveis. O objetivo central da pesquisa é identificar condicionantes de ordem institucional importantes para balizar a ação do poder público (municípios, estados, e União) na construção da governança ambiental de Visconde de Mauá, contribuindo para a identificação das possibilidades e limites da ação pública, e para a qualificação do papel da cooperação na governança ambiental desde a ótica municipal. Para analisar as possibilidades e limites da ação ambiental municipal, a pesquisa focalizou a relação entre recursos para políticas ambientais municipais contextualizadas na moldura institucional da política ambiental. A importância do estudo do caso de Visconde de Mauá se reporta às relações entre condicionantes ambientais, institucionais e experiências de gestão participativa em andamento, que se constituem em um laboratório de políticas públicas cujos desafios e resultados podem contribuir em dois campos: a gestão ambiental municipal em situações similares (pequenos assentamentos que vivem da exploração turística e da qualidade ambiental regional); e o estudo do federalismo ambiental no Brasil, uma vez que as relações intergovernamentais no campo ambiental estão no cerne dos desafios institucionais. O texto está organizado em três partes. Nesta Introdução, é delineado o perfil da área objeto do estudo de caso. Na segunda parte, são sucintamente apresentados os procedimentos metodológicos. A terceira parte é dedicada aos resultados da pesquisa, organizados em três seções, sobre questões ambientais de Visconde de Mauá, condicionantes institucionais da política e gestão ambiental municipal em Visconde de Mauá e com respeito aos recursos disponíveis para políticas ambientais municipais. Esta 3 terceira parte apresenta ao seu final as conclusões e desdobramentos do estudo alem de algumas recomendações para reflexão e futuro aprofundamento. Visconde de Mauá: uma “jóia ambiental” Abrigando uma população total estimada em 6 mil pessoas, em uma área total de 400 km² (SEBRAE, 2003), as vilas de Mauá, Maringá e Maromba estão dispostas linearmente a 1.150 m de altitude, ao longo do rio Preto, na divisa dos estados de Minas Gerais e Rio de Janeiro. Compartilhando o território da microbacia hidrográfica Alto Rio Preto, estas vilas e seus vales - das Cruzes, Alcantilado, Pavão e Grama - as três vilas configuram o core de uma aglomeração rural com identidade própria conhecido pelo nome de Visconde de Mauá, que se estende atualmente nos territórios dos municípios de Resende e Itatiaia, no estado do Rio de Janeiro, e no município de Bocaina de Minas, no estado de Minas Gerais. Conforme ilustram os indicadores selecionados no Quadro 1, as características socio-econômicas dos três municípios são bastante díspares. Enquanto o PIB per capita de Resende se destaca, superior à media nacional (R$11.658,00 segundo IBGE, 2005), Itatiaia apenas se aproxima desta media e Bocaina de Minas é o mais pobre. No caso de Itatiaia o PIB é afetado pelo fato de ser grande parte da área do município ocupada pelo Parque Nacional do Itatiaia, o que em parte justifica o IDH elevado. Quadro 1 - Municípios da microbacia do Alto Rio Preto, indicadores selecionados Resende 1.113,50 Área (km²) População (2005) 118.547 Indicadores 0,809 IDH (2000) 3.786.140,00 PIB (2003, R$1.000,00) 32.246,36 PIB per capita (2003) Itatiaia 225,54 31.185 Bocaina de Minas 501,44 5.034 Total 1.840,49 154.766 0,800 510.001,88 18.080,69 0,724 16.437, 36 3.288,13 Na 4.312.579,25 27.865,16 Fonte: IBGE 2003/5; PNUD/2000 As três vilas da microbacia, interligadas por singelas vias em terra, estão a uma distância média de 40 quilômetros das respectivas sedes municipais. Visconde de Mauá está acessível desde os estados do Rio de Janeiro (150 km de distância) e São Paulo (250 km) pela rodovia BR-116 até a altura de Resende, onde está Penedo, de onde se alcança a serra através de uma estrada de aproximadamente 30 km de extensão, cuja pavimentação está restrita aos quilômetros iniciais. Seu clima é tropical de altitude, com temperaturas muito baixas no inverno (média 17° C), floradas de quaresmeira no outono 4 e chuvas fortes nos meses de verão (temperatura média 24° C). No que diz respeito à inserção de Visconde de Mauá na rede urbana, suas vilas estão sob influência da sede municipal de Resende, que provê a seus habitantes a maior parte de serviços públicos e equipamentos sociais. Até 1970 os equipamentos públicos locais se resumiam a uma escola do ensino fundamental, um posto de saúde e um telefone público. Atualmente, os municípios mantêm nos vales as escolas do ensino fundamental, e a escola estadual na Vila de Mauá oferece o ensino médio. Há um Programa de Saúde da família /PSF na vila de Mauá (por Resende) e outro na vila da Maromba (por Itatiaia). Desde a década de 1990 o telefone já esta disponível a todos. Figura 1 Microbacia do Alto Rio Preto (Visconde de Mauá, RJ/MG) Fonte: Crescente Fértil , 2004 A base de sustentação da economia da região de Visconde de Mauá é o turismo, desenvolvido sem qualquer apoio estatal, cujas atividades têm crescido de forma acelerada nos últimos anos. O incentivo ao turismo foi inicialmente potencializado com o estabelecimento de colonos na década de 1920 e em seguida com a criação do Parque Nacional de Itatiaia, nos anos trinta do século XX. Ao final dos anos 1980 e início de 1990, investiram na região empresários originários dos grandes centros, principalmente Rio de Janeiro e São Paulo, atraídos pela beleza do local classificado como área 5 “ecoturística” (SEBRAE, 2003) e pela possibilidade de uma vida com mais qualidade, construindo hotéis e restaurantes sendo alguns de luxo. Operam atualmente em Visconde de Mauá cerca de 100 pequenos hotéis e pousadas, destinados a distintos públicos – desde o segmento de grande poder aquisitivo até um público mais jovem e menos exigente em qualidade, todavia mais sensível a preço. A significativa capacidade de atração de turistas de Visconde de Mauá está relacionada ao meio ambiente. Está aberta à visitação durante todo o ano, especialmente pela “qualidade do ar e exuberância da mata, [tornando-a] excelente para lazer e repouso” (Michelin, 1991, p. 198), e também para a prática de diversos esportes e formas de lazer tais como montanhismo, escaladas e caminhadas à Pedra Selada (1.600m), cavalgadas, mountain biking, rapel e rafting. Há diversos mirantes, várias cachoeiras, piscinas naturais ao longo do rio Preto, trilhas, uma miríade de oportunidades para passeios, banhos, contemplação de fauna, etc. A gastronomia também é fator de atração local, com a produção de chocolate, trutas e laticínios tradicionais. Os bens ambientais de Visconde de Mauá, cuja importância extrapola o âmbito local, estão sujeitos a estatuto especial de proteção: estão situados no entorno do Parque Nacional do Itatiaia, desde 1985 fazem parte da Área de Proteção Ambiental federal – APA da Mantiqueira e estão inseridos na Reserva da Biosfera da Mata Atlântica, considerada constitucionalmente patrimônio nacional. Portanto, em Visconde de Mauá políticas ambientais efetivas são condição sine qua non para a geração de riquezas e para as perspectivas futuras da área, uma vez que as principais atividades econômicas se apóiam na qualidade ambiental, exposta a permanente risco de degradação. Esta situação é comum a muitos outros assentamentos de pequeno porte situados em áreas dotadas de poder de atração turística em função de seus atributos ambientais. Dois fatores dão relevância e tornam singular a situação de Visconde de Mauá: seus condicionantes político-institucionais (a coexistência, na microbacia na qual está localizado, de três gestores municipais e dois estaduais, além do gestor federal), e o fato de que as opções de desenvolvimento locais têm sido objeto de mobilização e envolvimento de segmentos relevantes dos atores locais, na ótica da sustentabilidade. . 6 2. Metodologia Esse estudo se inscreve na pesquisa de tese de doutoramento de um dos autores. A pesquisa realizada está situada na área de políticas públicas (policy), lançando mão de categorias e instrumentos analíticos próprios deste domínio. A abordagem adotada assume que o estudo do conteúdo de políticas públicas implica em considerar seus laços com as dimensões dos conflitos (politics) e da ordem institucional (polity). Sendo o tema da política ambiental essencialmente transdisciplinar, foi imprescindível buscar apoio nas contribuições teóricas do direito administrativo, em particular do direito ambiental, e da teoria da administração pública. Assume-se também que o estudo da dimensão de políticas públicas das questões ambientais municipais contribui para o conhecimento do modus operandi das organizações que materializam a entidade estatal municipal e oferece instrumentos para os pesquisadores que se debruçam sobre os conflitos estabelecidos em torno do uso e apropriação dos bens ambientais e sobre a própria ordem institucional. A focalização do tema dos recursos para política ambiental se inspira em dois nichos teóricos, o da teoria das políticas públicas e o da visão baseada em recursos (VBR). Seu estudo no presente contexto cumpre a função de exercício exploratório, tanto da utilidade das categorias analíticas construídas quanto das estatísticas atualmente disponíveis para análise e comparação sobre as possibilidades de diagnóstico de questões de gestão e política ambiental municipal através da organização de dados estatísticos de cobertura nacional. As fontes de dados estatísticos sobre política ambiental são o IBGE, em especial as estatísticas oferecidas na série de pesquisas “Perfil dos Municípios Brasileiros, Gestão Pública” (doravante chamada MUNIC), e as estatísticas de despesa municipal sistematizadas pelos Tribunais de Contas do Estado do Rio de Janeiro e do Estado de Minas Gerais. O método de desenvolvimento da pesquisa consistiu em sucessivas aproximações do tema da ação estatal municipal observável em Visconde de Mauá através de procedimentos de pesquisa bibliográfica, análise jurídico-institucional da moldura ambiental, adaptação de taxonomia para estudo de recursos e capacidades para política ambiental, estudos estatísticos, entrevistas em profundidade com lideranças locais e gestores ambientais, pesquisa participante desenvolvida durante três anos e 7 metodologia para análise de recursos mobilizados para políticas ambientais apresentada em Neves (2006), O tema objeto da pesquisa foi tratado em quatro segmentos: (i) identificação das principais questões ambientais relacionadas à área, em particular as que têm interface com o desenvolvimento local; (ii) análise dos principais condicionantes institucionais e da moldura jurídica das políticas ambientais municipais; (iii) identificação e avaliação dos recursos disponíveis para políticas municipais de defesa ambiental; e por (iv) análise das atividades municipais no campo ambiental, cujos resultados não constam do presente trabalho. As principais questões ambientais objeto de análise foram identificadas através de diagnóstico ambiental elaborado a partir de dados secundários, entrevistas semiestruturadas e pesquisa participante. A análise do quadro normativo-institucional incidente sobre a área de estudo compreendeu os principais objetos de defesa ambiental, o arranjo institucional de defesa ambiental e os principais instrumentos institucionais já implementados. A legislação ambiental pertinente e a matriz institucional foram identificadas através de pesquisa bibliográfica, entrevistas em profundidade e pesquisa participante. Os principais recursos para políticas de defesa ambiental disponíveis nos municípios diretamente envolvidos na gestão ambiental de Visconde de Mauá foram identificados e quantificados através da aplicação de taxonomia específica para análise de recursos para políticas públicas ambientais, sendo utilizados os dados estatísticos disponíveis, informações qualitativas coletadas em entrevistas com gestores municipais e lideranças de associações locais e adaptação de taxonomia de recursos e de atividades ambientais desenvolvida em Neves (2006) para análise de gestão ambiental municipal a partir de dados estatísticos1, complementada por análise de consistência através da pesquisa de campo e entrevistas. 3. Os Resultados 1 Considerando as características específicas das pesquisas MUNIC (mais efetivas no estabelecimento de padrões de grupos de municípios do que no estabelecimento de dados quantitativos para municípios individualmente), optou-se por confirmar e validar as informações dos três municípios com entrevistas semi-estruturadas com gestores municipais dos respectivos municípios. 8 Os resultados obtidos pela pesquisa estão a seguir organizados em três segmentos: i) as principais questões ambientais objeto de política pública de defesa ambiental em Visconde de Mauá; ii) os condicionantes institucionais da política e gestão ambiental municipal em Visconde de Mauá; e iii) os recursos disponíveis para políticas ambientais municipais. As principais questões ambientais objeto de política pública de defesa ambiental em Visconde de Mauá O turismo é, em todo o mundo, atividade dotada de grande capacidade de impacto sobre o meio ambiente. Entre os principais fatores impactantes a ele relacionados destacam-se o aumento da demanda de água potável e de energia elétrica, o aumento da geração de resíduos sólidos e efluentes domésticos, a intensificação de tráfego de veículos, a contaminação hídrica decorrente de esgotos sem tratamento, a degradação e redução da população da flora e fauna local, desmatamentos, implantação de obras de infra-estrutura interferentes com o ambiente natural, degradação da paisagem, aumento sazonal da população e mudança de valores da população local (BNB, 1999). Dados os predicativos cênico e climático da região, tantos os descendentes dos colonos originais quanto os imigrantes do final do século passado têm na qualidade ambiental de Visconde de Mauá seu principal patrimônio. Isto vale até mesmo para os que não vivem do turismo. Os encantos de suas florestas, montanhas, flores, biodiversidade, ar e água puros são a grande fonte de atração do local. Todos na região entendem que, quando forem irremediavelmente contaminadas as águas cristalinas do rio Preto que banham toda a região, o turismo acaba - e com ele desaparece a principal fonte de renda regional. Entretanto, tampouco em Visconde de Mauá se foge à regra: processos de degradação têm ocorrido a despeito da emergência de uma cultura conservacionista entre seus habitantes2: o principal desafio de ordem ambiental é o controle e disciplina das atividades turísticas e das demais atividades econômicas envolvidas em sua cadeia de produção de bens e de serviços de modo a compatibilizá-la com a proteção ambiental. 2 Como exemplos desta cultura conservacionista / ambientalista de Visconde de Mauá há a mencionar o Projeto do Lixo Mínimo praticado por alguns empresários locais e o encontro chamado arte-ecologia (1986) que contou com movimento popular (e das crianças das escolas da região) de replantio de mata ciliar ao longo do Rio Preto. 9 É observada perda de qualidade ambiental em decorrência de processos impactantes típicos do turismo, cujas principais evidências são (i) a perda de área florestada, (ii) expansão de área construída desprovida de infra-estrutura e serviços, (iii) perda de qualidade da água do rio Preto, e (iv) problemas relacionados ao processo de ocupação irregular, que tem expandido desordenadamente a área construída das vilas sobre áreas protegidas para ampliar a oferta de serviços turísticos, poluindo o rio, assoreando, desmatando e tornando cada vez mais precário o abastecimento de água potável. Atividades imobiliárias predatórias invadem áreas de mata, reduzem e obstruem corredores ecológicos necessários à preservação da vida silvestre e da diversidade biológica, parcelando o solo, consolidando construções em áreas de preservação permanente - matas ciliares, áreas de encostas e topos de morros, provocando ainda assoreamento por desbarrancamentos das margens do rio Preto e pela movimentação de terras em seu entorno e intervenções em seus leitos. A poluição hídrica, causada essencialmente por despejo de esgoto urbano sem tratamento e secundariamente por assoreamento, faz com que o Rio Preto já seja considerado impróprio para banho, principalmente nas proximidades das vilas3. O abastecimento de água da região é feito sem qualquer organização ou intervenção do Estado, com potencial ameaça às nascentes. Os moradores organizam-se, autonomamente, coletando água das nascentes e transportando-a através de dutos particulares até suas casas. Não há garantias de que a água seja própria para consumo humano ou da manutenção das nascentes pelos atuais proprietários das terras onde estas se encontram. Estão ameaçadas a paisagem, a biodiversidade, a qualidade de vida de moradores permanentes e visitantes e o patrimônio sobre o qual se assentam as atividades turísticas, ferindo ademais os objetivos de proteção estabelecidos em âmbito regional. O processo de perda de qualidade ambiental tem sido incremental e, em certa medida, controlado pelos limites de acessibilidade à microbacia. Por isto, até o presente, Visconde de Mauá tem mantido uma relação peculiar com a expansão do turismo: cada vez mais voltada para a exploração de suas potencialidades turísticas, está acessível a visitantes das duas megacidades brasileiras e, ao mesmo tempo, pelo menos até o momento, razoavelmente protegida pela precariedade do estado da estrada que liga a 3 A inexistência de estação de monitoramento de recursos hídricos impede uma avaliação sistemática mais precisa da situação. 10 Penedo e à rodovia Rio São Paulo, fator desencorajador para uma boa parte de seus potenciais visitantes. Aos impactos ambientais já em curso, há a considerar mais uma iniciativa de significativa capacidade impactante: a iminente melhoria das condições de tráfego na RJ-163, decorrente da construção da estrada-parque e a pavimentação da estrada ligando Visconde de Mauá a Penedo. A melhoria de acessibilidade aos centros urbanos (principalmente Resende) trará efeitos positivos na perspectiva da população local, melhorando o atendimento de necessidades básicas tais como educação e saúde. Entretanto, é inevitável que seja considerada por muitos uma ameaça adicional devido ao incremento da acessibilidade a Visconde de Mauá e do aumento no fluxo de turistas, caso não seja estabelecida uma governança efetiva, com capacidade e consenso para controle da situação. Os condicionantes institucionais da política e gestão ambiental municipal em Visconde de Mauá A ação municipal na defesa do meio ambiente está emoldurada em duas ordens institucionais: a ordem do modelo federativo do Estado brasileiro que enquadra a ação dos entes federados e a ordem das disposições explicitamente estabelecidas sobre a competência ambiental. Na ordem federativa, o campo das atribuições municipais é definido através de uma expressão chave: trata-se do interesse local, abrangendo “os serviços públicos propriamente ditos, as obras públicas e outras atividades e serviços de utilidade pública” (MEIRELLES, 2001, p. 316-319). São considerados de interesse local os aspectos nos quais há predominância do interesse municipal sobre o estadual e o federal. Ademais, os Municípios dispõem de competências exclusivas diretamente relacionadas ao ambiente, tais como a promoção do ordenamento territorial, mediante controle do uso, parcelamento e ocupação do solo urbano e o estabelecimento de Plano Diretor. No que diz respeito à ordem ambiental, no Brasil, a defesa ambiental é uma atribuição comum às três esferas de poder – União, Estados e Municípios, compreendendo a competência material e a legislativa. Portanto, no Brasil, as competências ambientais da União, estado e município são exercidas nos seus respectivos âmbitos simultaneamente sobre um mesmo território, conforme estabelecido constitucionalmente. Tendo em vista o sucinto diagnóstico ambiental esboçado acima, na moldura institucional da ação ambiental em Visconde de Mauá têm destaque particular a legislação incidente sobre florestas, Mata Atlântica, 11 conservação da biodiversidade, gestão dos recursos hídricos, saneamento ambiental e ao controle urbano e territorial. A ação municipal, cuja importância varia de acordo com o tipo de regulação, assume particular protagonismo na gestão de resíduos sólidos e demais atividades consideradas de saneamento ambiental, controle de território e desenvolvimento urbano, paisagem, flora e florestas em perímetro urbano e nas demais questões consideradas de interesse local. Como evidenciado anteriormente, estes aspectos estão no centro da problemática ambiental de Visconde de Mauá, iluminando a responsabilidade dos três municípios na qualidade ambiental local. Quanto à governança ambiental em Visconde de Mauá, cinco especificidades merecem ser destacadas: o número de atores político-administrativos co-responsáveis pela sua tutela, a situação da área em relação às sedes municipais, o envolvimento da esfera federal, a atuação relevante de atores não estatais e iniciativas estatais relacionadas à qualidade ambiental promovidas em regime de cooperação intergovernamental. A ocupação de Visconde de Mauá ocorreu a partir do desenvolvimento de laços entre localidades situadas em uma mesma microbacia, ao longo de um mesmo corpo hídrico, mas localizadas em municípios distintos, um dos quais pertencente a outra Unidade da federação. Tal situação faz com que a defesa ambiental da área seja refém da ação concertada, em regime de cooperação, de três municípios (Resende, Itatiaia e Bocaina de Minas) e de dois Estados. A necessidade de ação cooperada entre os municípios é particularmente aguda nas áreas de política pública de competência exclusiva municipal – nas quais a ação do poder municipal é insubstituível, não podendo ser, em caso de inação, suprida por entes de outras esferas. A segunda característica é a situação destas vilas, em plena zona rural de seus respectivos municípios e distantes das sedes municipais, áreas nas quais é agravada a reconhecidamente baixa capacidade municipal em exercer o poder de polícia sobre a ocupação humana. A seguir, destaca-se a inserção tríplice da área de Visconde de Mauá em áreas submetidas a estatuto especial de proteção por seu valor ambiental, havendo envolvimento direto da esfera federal, fundamentado em seu poder de tutela das duas Unidades de Conservação da área e da Mata Atlântica. A microbacia do Alto Rio Preto 12 está localizada em zona de amortecimento4 do Parque Nacional de Itatiaia. É parte integrante da APA da Mantiqueira, que tem entre seus objetivos proteger e preservar a flora endêmica e andina, a continuidade da cobertura vegetal do espigão central e das manchas de vegetação primitiva; e a vida selvagem, principalmente as espécies ameaçadas de extinção. Além disto, a microbacia está inserida na Reserva da Biosfera da Mata Atlântica, em um mosaico de extrema importância para a conservação da biodiversidade. A defesa do meio ambiente destas áreas protegidas tem sido protagonizada pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e de Recursos Naturais Renováveis - IBAMA, sendo atualmente exercido o poder de polícia pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade - ICM Bio. Aqui, foram registradas áreas de tensão entre os entes federados na definição de atribuições de licenciamento ambiental de obras e empreendimentos impactantes. A quarta especificidade é encontrada no campo da governança ambiental de Visconde de Mauá que, além dos atores político-institucionais, conta com mais dois importantes atores não estatais, duas organizações da sociedade civil em cuja missão está a defesa ambiental: a Associação Turística e Comercial da Região de Visconde de Mauá – MAUATUR e Conselho Gestor da Região de Visconde de Mauá, constituídos essencialmente por representantes de grupos locais. A MAUATUR, fundada em 25 de fevereiro de 1986, representou o primeiro passo na busca de uma governança, a partir da necessidade dos hoteleiros e comerciantes locais de dispor de uma representação junto aos órgãos municipais, estaduais e federais, para tratar de assuntos afetos à condição de pólo turístico, tais como a manutenção do acesso rodoviário e políticas públicas para a Região. Em 2004, com a elaboração do Programa de Gestão Sócio-Ambiental Integrada da Micro-Bacia do Alto Rio Preto5, de 18 meses de duração, descrito sucintamente mais adiante), foram 4 Entorno de uma unidade de conservação, onde as atividades humanas estão sujeitas a normas e restrições específicas, com o propósito de minimizar os impactos negativos sobre a unidade. 5 Com duração de 18 meses, a principal meta do Programa de Gestão Sócio-Ambiental Integrada da Micro-Bacia do Alto Rio Preto foi a integração de políticas públicas para Visconde de Mauá entendida como uma só comunidade. Ao longo de sua implementação, foram promovidos vários encontros com a comunidade, tendo resultado no levantamento das necessidades da população em áreas como saúde, educação, saneamento, transporte, geração de renda e outros (Crescente Fértil, 2008). A área em foco é a APA da Serra da Mantiqueira, diretamente conectada com outras unidades: Parque Nacional do Itatiaia, Parque Estadual do Pico do Papagaio, Parque Estadual de Campos do Jordão, Floresta Nacional de Passa Quatro e APA Municipal da Serrinha. Com estas necessidades básicas identificadas, o Conselho Gestor da Região de Visconde de Mauá passou a denominá-las diretrizes, sendo responsável por promover a discussão com a comunidade local suas necessidades e prioridades e negociar com o setor público a implementação de ações de redução de pobreza e criação de meios de sustentabilidade local. 13 criadas as condições para a criação do Conselho Gestor da Região de Visconde de Mauá e sua institucionalização.Sua composição denota uma intenção de amalgamar forças nos diversos atores sociais, inclusive, e principalmente, entre os governamentais. De seus 27 membros, nove são governamentais (as três prefeituras, o ICMBio, o Instituto Estadual do Ambiente do Rio de Janeiro / INEA-RJ e a Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável do Estado de Minas Gerais / SEMAD-MG), outros nove são da sociedade civil como associação de moradores e ONGs ambientais, e o outro terço é composto por entidades representativas da iniciativa privada. A intenção foi formar um grupo que reunisse o Estado, a sociedade e iniciativa privada. Em 2008, a Prefeitura de Resende institucionalizou o Conselho Gestor com o nome de Conselho Gestor da Microbacia Hidrográfica do Alto Rio Preto. Conforme o decreto municipal, este Conselho é uma entidade voltada para o desenvolvimento e implementação do Plano de Gestão Sócio-ambiental deste segmento da Área de Proteção Ambiental da Serra da Mantiqueira. A partir deste Decreto municipal a formação do Conselho foi atualizada, sendo mantida a mesma proporcionalidade com 1/3 de organizações representativas da sociedade civil, 1/3 de representações da iniciativa privada e o outro terço de membros dos governos municipais (os três) dos dois estados. Finalmente, a quinta peculiaridade diz respeito às ações em regime de cooperação para a proteção ambiental da área, que já conta um acervo acumulado através iniciativas desenvolvidas ao longo de décadas. Dentre estas podemos citar (i) o Protocolo de Intenções para Constituição do Consórcio Intermunicipal de Resíduos Sólidos e Gestão Ambiental Integrada assinado em 03/07/09 entre os municípios de Resende, Itatiaia, Quatis, Porto Real (no estado do Rio de Janeiro) e Bocaina de Minas (no estado de Minas Gerais), cuja ação teve o apoio do Estado do Rio de Janeiro através de recursos do FECAM para reestruturação do aterro existente em Resende para utilização compartilhada; (ii) construção de três estações de tratamento de esgoto (ETEs) e ligações até os lotes residenciais, nas vilas de Maromba, Maringá e Mauá pelo Governo estadual fluminense, através do INEA, em uma parceria com os municípios, a quem caberá a ligação das casas e a manutenção de funcionamento das estações; (iii) a elaboração conjunta do Estado do Rio de Janeiro e Conselho Gestor de um projeto de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos, atualmente sob análise do FECAM estadual. 14 Este projeto foi elaborado a partir das sugestões e contribuições da comunidade em um seminário organizado pelo Conselho Gestor durante três dias na vila de Maringá em 2006. O projeto apresenta como alternativa básica o aproveitamento doméstico do lixo orgânico e coleta seletiva de resíduos sólidos separados; (iv) elaboração do Projeto de Revitalização da Vila de Visconde de Mauá com a criação de um Parque Natural Municipal de Visconde de Mauá, financiado pelo governo Federal (PRODETUR); e (v) Projeto de criação do Parque Natural Municipal da Pedra Selada, elaborado pelo governo estadual, dentro das metas estaduais de criação de áreas protegidas no estado. Os recursos disponíveis para políticas ambientais municipais No Quadro 2 são sintetizados os recursos e capacidades para gestão ambiental dos três municípios de Visconde de Mauá6. No que se refere aos recursos organizacionais, os três municípios dispõem de Órgão Gestor de Meio Ambiente e Conselho de Meio ambiente ativo e deliberativo. Apesar de Itatiaia e Bocaina de Minas terem Fundo Municipal de Meio Ambiente, este fundos não têm financiado ações e projetos para questões ambientais nos últimos 12 meses, podemos desta forma considerar que para os dois municípios este seria um recurso ocioso. Quanto aos recursos humanos envolvidos pelos municípios na preservação do meio ambiente, em termos absolutos Resende e Itatiaia mantêm relação de cerca de 66% de funcionários permanentes no quadro total de funcionários. Entretanto Itatiaia tem uma relação de funcionários por habitante superior aos demais. Bocaina de Minas dispõe de uma estrutura mínima, insuficiente diante de um município com várias vilas e grandes extensões de estradas geradoras de relevantes impactos ambientais. Esta falta de estrutura estaria atenuada pelo fato de ter o município a maior parte de seu território considerado área rural e situar-se no interior da APA da Mantiqueira, além de ter ainda área dentro do Parque Nacional do Itatiaia. Deste modo a responsabilidade primária de fiscalização ambiental é do IBAMA / ICMBio – que, por sua vez ,não aparenta dispor de recursos para a preservação ambiental na região. 6 Os dados fornecidos pelo IBGE (2005a, 2005b, 2008), foram revistos e corrigidos por indicação de gestores municipais: os ex-secretários de Meio Ambiente dos Municípios de Resende e Bocaina de Minas, e o atual sub-secretário de Meio Ambiente de Itatiaia. 15 Quadro 2- Recursos e capacidades para gestão ambiental segundo os Municípios, segundo indicadores selecionados Recursos e capacidades Municípios Itatiaia Resende Bocaina de Minas Recursos Organizacionais 2008 Órgão de meio ambiente Secretaria exclusiva CMMA ativo e deliberativo Sim Sim Sim Fundo Municipal de Meio Ambiente FMMA em atividade 2008 Não Não Sim Não Sim Não Recursos Humanos 2008 Funcionários permanentes 30 11 0 Funcionários totais 45 18 1 Funcionários per 10.000 hab 3,5 5,2 1,9 Secretaria exclusiva No. médio de funcionários per 10.000 hab em Municípios com mesma faixa pop no 3,0 8,5 estado Capacidade cooperação ambiental 2002, 2004, 2008 Sim, com Estado e Sim, com a União Convênios intergovernamentais 2002 União Sim Sim Convênios intergovernamentais 20047 Consórcios Temas dos consórcios a partir de 2004 anterior a 2002 Departam.ou similar 3,1 Não Não a partir de 2008 Residuos sólidos Sim Sim Sim Esgotos urbanos Não Sim Não Despoluição hídrica Não Sim Não ZEE Não Sim Não Participação em CBHs (2002, 2004, 2008) Sim Sim Sim (a 2008) partir de Recursos financeiros 2006, 2007 (média) Saneamento Gestão Ambiental Total Total dos gastos 13.792.295 791.852 14.584.147 326.597 111.382 437.978 109.533 45.942 155.476 168.497.849 46.828.005 5.753.102 Participação total dos gastos ambientais e saneamento no total de gastos municipais 8,7% Fontes: IBGE 2005 a, 2005b, 2008; RJ, 2006; RJ, 2007; MG, 2006; MG, 2007 0,9% O município de Resende com 3,5 funcionários por 10 mil habitantes está acima da média dos municípios de sua faixa populacional (100 mil-500 mil hab.) do 7 A pesquisa do IBGE não discriminou as esferas de órgãos públicos com os quais foram feitos convênios, na pesquisa deste ano. Este quesito não foi objeto da pesquisa MUNIC em 2008. 16 2,7% Estado do Rio de Janeiro. Apesar ter mais funcionários per capita que Resende, Itatiaia esta abaixo da média no estado entre municípios dentro da mesma faixa populacional. Neste quesito Bocaina de Minas dispõe de cerca de metade dos recursos humanos disponíveis em municípios com menos de 10 mil habitantes no Estado de Minas Gerais, muito embora há que levar em conta a situação peculiar apontada acima. O Quadro 2 acima deixa transparecer a inclinação e sensibilidade existente nos três municípios em participar de arranjos e consórcios com outros entes federativos, tanto horizontal quanto verticalmente. Contribui para a compreensão desta inclinação lembrar que o município de Itatiaia se desmembrou de Resende há cerca de 20 anos, o que poderia justificar a prevalência de laços sócio-econômicos e culturais entre os dois municípios. Entretanto, há convênios celebrados por Itatiaia antes do advento da Lei dos Consórcios Públicos em 2005. Bocaina de Minas tem seu elo com os municípios fluminenses em Visconde de Mauá, pois metade de sua população habita a microbacia hidrográfica do Alto Rio Preto. Seu primeiro consórcio intermunicipal teve por objetivo o destino de resíduos sólidos de seus munícipes em Visconde de Mauá. A capacidade de cooperação dos três municípios, revelada pelas estatísticas e confirmada pelas atividades de campo, é surpreendente, ainda que desigual, com evidente defasagem entre os municípios fluminenses e o mineiro. Ao se avaliar a capacidade de cooperação da à luz dos demais recursos, ela contrasta com a precária estrutura de recursos humanos especificamente alocados em gestão ambiental, abrindo a via para duas hipóteses: (i) a existência de pessoal alocado em outros setores da administração engajados de facto em ações de política ambiental, portanto não contabilizados nas estatísticas de gestão ambiental, e (ii) a existência de limites severos à implementação de ações devido à carência de pessoal, especialmente à luz do fato de estar Visconde de Mauá distante das sedes municipais, com menor capacidade de pressão junto aos órgãos competentes. As estatísticas refletem as experiências de ação conjunta entre esferas governamentais identificadas na pesquisa de campo, indicando um processo de construção de uma cultura de cooperação no âmbito da microbacia capaz de produzir as propostas de gestão inovadoras, ainda que em início de implementação. Os recursos financeiros permitem observar as maiores discrepâncias existentes entre os três municípios, apresentando Resende o maior volume de recursos aplicados ao tema do meio ambiente, tanto em termos proporcionais quanto em relação 17 ao total dos gastos. O município de Itatiaia, cujos dados sugerem deter a melhor estrutura de recursos organizacionais e humanos, com maior aptidão em matéria de cooperação, é o que emprega a menor quantidade de recursos financeiros relativamente ao total de gastos. Bocaina de Minas, município mais pobre, apresenta maior participação de gastos em meio ambiente no total de gasto. Entretanto o valor absoluto é muito pequeno para um mínimo exercício de seus deveres ambientais. Conclusões e desdobramentos As análises realizadas evidenciaram que os municípios de Resende, Itatiaia e Bocaina de Minas têm uma responsabilidade crucial e indelegável na defesa ambiental de Visconde de Mauá – cujo exercício depende da construção de um regime de ação conjunta até hoje inexistente. Sem este regime, dificilmente será garantida a defesa dos bens ambientais locais e permanecerá ameaçada a base de sustentação das atividades turísticas locais. Entretanto, há evidências de que, sem o apoio das demais esferas governamentais, os obstáculos que se interpõem nesta responsabilidade municipal permanecerão intransponíveis. A análise da moldura institucional ambiental revelou que, apesar de contar há décadas um quadro jurídico-normativo para proteger o patrimônio ambiental da região na qual está situada Visconde de Mauá, os três municípios não construíram arranjos organizacionais e institucionais adequados às conta das singularidades da área, nem tampouco dos seus desafios ambientais. Em particular, é evidenciada uma estrutural interdependência entre os principais atores político-institucionais responsáveis pela defesa ambiental na microbacia – os três municípios, os estados do Rio de Janeiro de Minas Gerais, e a União. Esta interdependência torna a cooperação, tanto horizontal quanto vertical, uma condição sine qua non para a gestão e o planejamento do desenvolvimento de Visconde de Mauá em bases ambientalmente sustentáveis. No que diz respeito ao papel dos municípios, a ação municipal é estratégica para o enfrentamento dos desafios ambientais da área, pois aos três municípios pertence a competência primária para intervir sobre os vetores impactantes da ocupação desordenada da microbacia. A cooperação horizontal entre os três municípios é essencial para o desenho e implementação de uma estratégia consistente de ocupação da microbacia para nortear em uma mesma estratégia o 18 exercício de atribuições exclusivas, destacando-se o uso e a ocupação do solo e os serviços de saneamento ambiental. A cooperação horizontal é necessária mas insuficiente para a defesa ambiental da área. A cooperação vertical é essencial para o cumprimento de, pelo menos, dois objetivos: a efetiva defesa das áreas protegidas e apoio aos municípios com déficit de recursos para a ação ambiental. O primeiro objetivo é a ação concertada entre os três entes federados para tornar efetivo o estatuto de proteção especial de que goza a área como entorno de um Parque Nacional, parte integrante de uma APA federal, de uma Reserva da Biosfera e de um mosaico de extrema importância para a conservação da biodiversidade, integrando as estratégias de defesa ambiental das Unidades de Conservação federais nas esferas estadual e municipal. Considerada a desigualdade de recursos e capacidades entre os três municípios, evidenciada pelo estudo estatístico, a cooperação vertical tem mais uma importante missão: apoiar os municípios com capacidade institucional deficitária a cumprir integralmente com seu mandato ambiental. Ainda que se conte com o aprendizado institucional em ações conjuntas, conforme relatado anteriormente, ainda não se dispõe de arranjos institucionais que abriguem a promoção de ação intergovernamental em regime de cooperação permanente. Sua construção é crucial para o estabelecimento de um regime de governança ambiental de Visconde de Mauá que responda às suas singularidades. Para tal, já se conta com a contribuição profícua de agentes da sociedade local, stakeholders estratégicos que têm tido um papel fundamental na mobilização da sociedade civil e dos atores estatais, incluindo o desenho e a implementação de colegiados inovadores. É, entretanto essencial o desenho de um regime de cooperação intergovernamental que inclua mecanismos de coordenação, financiamento regular, controles e de contrapesos, tendo em conta as questões de ocupação de território e defesa das áreas protegidas. A análise dos recursos e capacidades dos municípios através das estatísticas municipais revela aspectos importantes da gestão ambiental local. Os três municípios mostram já possuir um acervo de recursos e capacidades para políticas públicas ambientais municipais, dispondo de uma coleção bastante distinta de meios e capacidades para o exercício da defesa ambiental. Destaca-se Resende como o município de maior capacidade institucional. São notáveis(i) a experiência em ações cooperadas, (ii) a indicação de alguma capacidade de gasto no campo ambiental, (iii) a 19 precariedade de recursos humanos e (iv) a existência de recursos ociosos, não utilizados para a área (em particular os fundos municipais e o poder de polícia no controle do uso do solo). É surpreendente a capacidade de cooperação apontada pelos indicadores desde 2002, indicando haver já uma cultura de cooperação nos dois municípios fluminenses. As parcerias para cooperação identificadas pelos estudos estatísticos estão concentradas em parcerias intergovernamentais e com organizações da sociedade civil. Estas características foram confirmadas pelas entrevistas e pesquisa participante, trazendo informações qualitativas essenciais para o conhecimento das características da ação cooperada em Visconde de Mauá. A complementação do exame da construção de arranjos institucionais para cooperação revelou que o governo estadual do Rio de Janeiro tem sido uma das principais, senão a principal, liderança para promover a ação governamental conjunta, provendo inclusive recursos financeiros, secundado pelo governo federal. O grande ausente é o governo de Minas Gerais, que teria diversas missões críticas, entre elas apoiar Bocaina de Minas na construção de recursos de gestão ambiental, ora inexistentes. O município de Resende tem tomado iniciativas inovadoras no plano institucional que por si só não bastam, como já evidenciado. Várias questões sugerem a importância de aprofundamento desta pesquisa em vista das análises realizadas. Dentre estas podemos citar os limites e desafios para a potencialização dos recursos municipais destinados a preservação e proteção ambiental, as alternativas para a superação das fragilidades identificadas, alem das lições que pode fornecer uma avaliação aprofundada sobre o desempenho e a efetividade dos arranjos construídos a partir da ação cooperada na microbacia. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA : BANCO DO NORDESTE DO BRASIL. Manual de Impactos Ambientais. Fortaleza: Banco do Nordeste, 1999. BENSUNSAN, N. Conservação Da Biodiversidade Em Áreas Protegidas. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006. CBP MICHELIN. Rio de Janeiro, Cidade e Estado. CBP Michelin: Rio de Janeiro, 1991 CRESCENTE FÉRTIL. Mapa Microbacia do Alto Rio Preto (Visconde de Mauá, RJ/MG) 20 Disponível em: http://www.crescentefertil.org.br/mantiqueiramaua/maquete3d.htm. Acessado em: ................................... DALY, Herman E. Beyond Growth. Boston: Beacon Press Books, 1996. FERRÃO, Cristina; SOARES, José Paulo Monteiro; MIRANDA, Raul Carvalho. Guia Brasil de Turismo Ecológico. Libris Editora: Rio de Janeiro, 1992 INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Perfil dos municípios brasileiros. Meio ambiente, 2002. Pesquisa de Informações Básicas Municipais. Rio de Janeiro: IBGE, 2005. ______. Perfil dos municípios brasileiros. Gestão Pública, 2004. Pesquisa de Informações Básicas Municipais. Rio de Janeiro: IBGE, 2005b. ______. Perfil dos municípios brasileiros. Gestão Pública, 2008. Pesquisa de Informações Básicas Municipais. Rio de Janeiro: IBGE, 2008. MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE. Áreas Prioritárias para a Conservação, Uso Sustentável e Repartição de Benefícios da Biodiversidade Brasileira. Atualização – Portaria MMA n° 09, de 23 de janeiro de 2007. Biodiversidade n° 31. Brasília: MMA, 2007 ROCHA, Alexandre M. "Imigrantes Em Resende: O Núcleo Colonial De Visconde De Mauá (1908-1916). ," Rio de Janeiro: Gazetilha, 1984. SEBRAE. Turismo ecológico. Rio de Janeiro. Empresa das Artes: São Paulo, 2003 SECRETARIA DO TESOURO NACIONAL. Finanças do Brasil. Dados contábeis dos Municípios, 2007. Disponível em http://www.tesouro.fazenda.gov.br/estados_municipios/index.asp. Acessado em 22-0509 SILVA, José Afonso. Direito Ambiental Constitucional. 7ª edição. Malheiros Editores: São Paulo,2007. SEN, A. Desenvolvimento Como Liberdade. São Paulo, Cia da Letras, 1999. TRUBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE MINAS GERAIS, Fiscalizando com o TCE, disponível em disponível em http://www.tce.mg.gov.br/default.asp Acessado em 18/05/2009 TRUBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, Relatórios da Lei de Responsabilidade Fiscal - Demonstrativo Consolidado de Gestão Fiscal, disponível em http://www.tce.rj.gov.br/main.asp Acessado em 18/05/2009 VILLELA, L. E. , MAIA, S. W. O Consórcio Intermunicipal De Gestão De Resíduos Sólidos Sul-Fluminense, Sua Formação E Aspectos Institucionais. X Engema 2008 Encontro Nacional De Gestão Empresarial E Meio Ambiente, Nov. 2008, Porto Alegre, 21 Brasil." X ENGEMA 2008 Encontro Nacional de Gestão Empresarial e Meio Ambiente. Porto Alegre, Brasil, 2008. 22