HISTÓRIAS QUE MARCAM...TRAJETÓRIAS DE FORMAÇÃO DE PROFESSORAS NEGRAS Fernanda Gabriela Soares dos Santos/UFSM RESUMO: O trabalho a seguir é parte de meu estudo de mestrado, no qual pesquiso as trajetórias de formação de quatro docentes negras de diferentes gerações. Foi possível reconstituir, através de suas falas, um período significativo da história da educação em meu município, um dos objetivos deste trabalho, bem como problematizar as relações de etnia e gênero envolvidas. Outro objetivo foi investigar de que maneira a pesquisa traria reflexos na trajetória profissional das colaboradoras que ainda estão atuando. Como metodologia foi escolhida a história de vida oral e escrita das colaboradoras. A análise de suas falas se deu através de um exercício hermenêutico. As conclusões, ainda provisórias, por se tratar de uma pesquisa em andamento, denotam um horizonte otimista: professoras confiantes com as políticas afirmativas e com a participação da mulher negra nos diferentes espaços. Também é importante destacar que a pesquisa tem contribuído na minha formação docente, enquanto professora de chão de escola, proporcionando-me um outro olhar sobre minha própria trajetória pessoal e profissional. Palavras-chave: Trajetórias-Negras-Professoras- Histórias de vida-Formação. PROBLEMÁTICA ANUNCIADA E DESENVOLVIDA “Os negros trouxeram de longe Reservas de pranto.” Caio Mesquita O trabalho a seguir é uma idealização muito antiga. Ao fazer durante muito tempo pesquisas em escolas públicas eu tinha um sonho antigo de pesquisar professoras que houvessem feito a seguinte travessia: superado barreiras instituídas e chegado ao ensino superior. Queria investigar professoras negras que também soubessem o que é lutar contra o racismo e que tivessem ocupado esse lugar privilegiado: a possibilidade de freqüentar o ensino superior público. Foi durante o período de realização de estágio que comecei a conviver com aquilo que só tinha lido: mesmo em uma escola de periferia, os alunos negros “se afunilavam” dos anos iniciais aos finais. O contingente de alunos negros ia diminuindo. Embora visse muitas crianças negras e pardas nos anos iniciais, contudo, no ensino médio, nas classes em que eu estagiava, eram poucas. Quando eu conversava com as professoras, minhas colegas, elas mesmas iam contando que era o normal. Elas tinham consciência que o índice de evasão era maior entre pardos e negros. Foi também no estágio em uma escola pública que vivenciei um aluno fazendo uma brincadeira maldosa com uma aluna negra. Contei a eles minha história, disse-lhes que os irmãos do meu pai todos tiveram problemas com escolarização por sofrer muita discriminação na escola. Disse-lhes que meu pai, o único filho que estudou é o mais claro de todos. A partir do trabalho, no cotidiano da escola que surgiu a idéia de investigar professoras e negras, assim como eu. Eu queria ouvir o que mulheres, com diferentes trajetórias de vida e profissionais, podiam dizer sobre a questão de ser uma professora negra, uma vez que as pesquisas apontam um grande número de mulheres negras na docência, já que é a profissão que a mulher negra mais tem escolhido. Ouvir suas trajetórias tem sido um dos principais objetivos da pesquisa. Escolhida a temática étnico-racial, precisei traçar algumas delimitações. Uma delas era em relação às colaboradoras da pesquisa. Pesquisar quem para falar sobre negros. Por que mulheres é a pergunta constante? Nos eventos, não raro me questionam o motivo de eu ter escolhido essas colaboradoras e não outras. Eu sempre quis pesquisar mulheres, dentre outros motivos por ter sido militante e sempre atuar nas frentes em que as questões de gênero fossem colocadas em pauta, como quando ia às vilas ou bairros pobres, eu sempre queria conversar com as mulheres. Eram em número reduzido as mulheres que podiam militar, comparativamente aos homens. Os motivos todos conhecemos, tanto que me inspiraram a escrever outro trabalho: a dupla jornada de trabalho feminino, o tipo de trabalho tradicionalmente exercido pelas mulheres negras. E sempre me incomodou vê-las duplamente oprimidas: ora por serem mulheres, ora por serem negras. Para Silva (2003, p. 7): “A indagação sobre o que significa ser mulher e negra, formulada a mulheres militantes [...], mostrou que o configurar-se como mulheres negras implica enfrentar atitudes e posturas discriminatórias, além de exigir combatividade, introspecção, auto-imagem positiva, crítica a relações sociais e propostas para transformá-las”. Lembro que mesmo na militância, às vezes, essas questões se confundiam: quando eu lhes perguntava se existia algum motivo por militarem, a resposta sempre era pela questão racial. Algumas me diziam que não se sentiam tão oprimidas por serem mulheres. Então as que eu convidei para participar de minha pesquisa se destacaram, para mim, nos eventos que eu sempre participo de professores e na própria trajetória de militância, pois duas delas, conforme descreverei posteriormente, eu já conhecia da militância. As duas mais maduras, ainda que de longe, pois eu era da Juventude, o que nos apartava um pouco. Só que para mim elas já se destacavam porque eram poucas. Então duas colaboradoras eu escolhi e não é uma escolha fácil, pela vivência que tive nos meus quase dez anos de militância como independente1 no Partido dos Trabalhadores. Penso que as escolhi, principalmente, pelo marco que tiveram na minha história de formação docente. E elas me marcaram por suas idéias, pela participação, pelo respeito que os demais tinham por elas, por se posicionarem, pelas leituras que traziam: eu sabia que queria ser uma professora como elas, respeitada, ouvida. Conforme Perrot (1997, p. 8), “O lugar das mulheres no espaço público sempre foi problemático, pelo menos no mundo ocidental, o qual, desde a Grécia antiga, pensa mais energicamente a cidadania e constrói a política como o coração da decisão e do poder. ‘Uma mulher em público está sempre deslocada’, diz Pitágoras”. A idéia de que vivemos hoje em igualdade de gêneros não é tão simples. Embora o número de mulheres ocupando o espaço público seja maior do que há algumas décadas, é possível vê-las muito mais em espaços historicamente destinados ao feminino. 1 Independente eram aqueles que não pertenciam a nenhuma corrente do partido. Eram considerados por alguns os mais perigosos porque não precisavam assumir as ideias ou posições impostas pela corrente, podiam trazer opiniões próprias, que muitas vezes eram diletantes com as demais. Ainda no âmbito da política, por exemplo, o ingresso das mulheres tem sido atrelado a um parentesco político, como ao pai ou ao marido, ou ainda às secretarias de assistência, não raro primeiras-damas. São ainda inexpressivos os partidos políticos em que as mulheres ocupam cargos de direção, embora se reconheça o avanço feminino se comparado há décadas atrás. Em princípio, eram para ser três as minhas colaboradoras, até porque duas estudaram em um período próximo, quiçá até suas vidas tenham se cruzado. Contudo, trilharam um caminho muito distinto: uma muito pobre, concluiu os estudos com esforço, precisando trabalhar concomitantemente para adquirir materiais, a fim de se manter estudando. A outra, embora com condições financeiras prósperas, teve os estudos interrompidos por uma gravidez prematura. Portanto, eu imaginei que suas histórias as tivessem feito percorrer um caminho distinto enquanto docentes, o que apenas as entrevistas me diriam. Além disso, também trabalhar com mulheres seria uma maneira de contar minha própria história, ouvindo-as. Comecei então, a traçar uma série de opções. Quais mulheres? Quantas mulheres? Por que estas e não aquelas? Por questões metodológicas e de ordem prática, foi preciso fazer algumas escolhas para a pesquisa. Desde o começo, minha escolha pessoal era fazer uma pesquisa qualitativa. Não me importava então um grande número de colaboradoras, mas sim um pequeno número em que eu pudesse me aprofundar em suas histórias. A primeira decisão, portanto, foi que a abordagem seria a história oral e de vida. Por quê? Durante a realização da minha pesquisa anterior, para mim, a partir de meu olhar, enquanto pesquisadora, foi o grande momento da pesquisa. Quando os professores começavam a me contar suas histórias, tocavam em questões que até então não tinham verbalizado a mim. Emocionavam-se e também a mim. Eu tinha vindo tão embrutecida do curso de Filosofia que sequer imaginava que este momento poderia servir como fonte de análise para a pesquisa. Contudo, de imediato entendi como as histórias de vida contribuíam na minha formação enquanto professora. Com o olhar do presente sei que se já tivesse iniciado o outro trabalho a partir dessa análise, ele teria tomado outro caminho. Tive uma profunda satisfação em realizálo, lembra a dificuldade de escrever as últimas linhas e do olhar de nostalgia de hoje sobre ele. Por que escolhi as mulheres que elegi foi uma pergunta frequente. Por um motivo, para mim, muito simples. Cada uma delas, ao seu modo, marcou minha trajetória docente. Seja através da militância, dos posicionamentos nos encontros com os professores, por frequentarem minha casa e servirem como ídolos em determinados momentos de minha trajetória docente. Foram mulheres que também marcaram meu modo de ser professora hoje. Nóvoa (apud ABRAHÃO, 2001, p. 11), ao comentar no prefácio de um livro a escolha dos sujeitos para trabalhar com o mesmo método, faz o seguinte chamamento: “Sou incompetente para apreciar a pertinência da escolha [...]. Mas tendo eu próprio passado por decisões semelhantes, imagino que a tarefa não tenha sido fácil”. E não é: duas das colaboradoras já tinham sido minhas colaboradoras em outra pesquisa. Mas eu acreditava que, hoje, elas iriam me contar as suas histórias de outra maneira, pois elas já não eram mais as mesmas. Nem a pesquisadora é. Ainda que eu saiba que ao longo do percurso inúmeras obras serão acrescentadas a este trabalho, algumas foram especialmente escolhidas, por tratarem do assunto e olharem para a temática de uma forma semelhante ao trato que intento dar ao meu trabalho. Destaquei então alguns teóricos que penso trazerem o cerne de algumas discussões. Obviamente, não acho que nenhum seja o grande ícone. Tenho apenas predileções por alguns. Utilizei Bosi (2004) e seus estudos quando tangenciar as questões referentes à memória, na medida em que essa, no seu clássico trabalho, não está preocupada com a veracidade dos fatos narrados ou com suas aproximações com a História dita Oficial. Segundo Bosi (2004, p. 37), “Esse registro alcança uma memória pessoal que, como se buscará mostrar, é também uma memória social, familiar e grupal.” Ainda mencionei, a partir da referida autora, a idéia de memória-sonho e memória-trabalho, conceitos desenvolvidos ao longo do livro e que serão referendados ao longo deste trabalho. Adicionei ainda os estudos de Thompson (1992), quando esse acredita que toda a história derivada da percepção humana é subjetiva e ao mesmo tempo é somente a fonte oral que nos permite desafiar tal subjetividade. Ao assumirmos o trabalho com a memória estamos cientes de que as fontes com as quais trabalhamos são passíveis de tudo o que o humano traz consigo. Não buscamos aqui um caráter de verdades absolutas, trabalhamos com as significações individuais, repletas de desejos, sentimentos, paixões e dores. No concernente às vidas de professores, utilizei os estudos de Abrahão (2006), Nóvoa (2001), Gomes (1995), Oliveira (2000). A despeito dos ciclos de vida dos professores, utilizei como referencial os estudos de Huberman (1995). Na Enciclopédia de Pedagogia Universitária (2006, p. 390) encontramos a seguinte definição para Histórias de vida: reconstrução de processos individuais e coletivos de formação do professor, trazendo para os cenários de formação os saberes sobre a docência, a escola, a sala de aula, o professor, a avaliação, enfim sobre as questões pedagógicas e sociais da profissão, assim como os saberes pessoais e os contextos formativos do professor. Ainda sobre as histórias de vida, somo a definição de Souza (2006, p. 137), “as histórias de vida, ainda podem ser agrupadas de acordo com o procedimento de recolha que adotam, a saber: documentos pessoais (autobiografias, diários, cartas, fotografias e objetos pessoais) e as entrevistas biográficas que podem ser escritas ou orais”. É, portanto, a partir da mobilização dos saberes das professoras que vamos apontando o caminho de investigação. O olhar delas a partir dos seus apontamentos de memória é que dará o tom da pesquisa. Esse também é um dos motivos de minha escolha: nunca sabemos o que esperar das histórias individuais e cada uma delas nos remete a pesquisar o inusitado. Também no trabalho de Thompson (1992, p. 1999), “[...] a evidência da história de vida, aparentemente franca e honesta dos empregados, contém seus silêncios e evasões peculiares [...]”. Houve ainda necessidade de se respeitar os silêncios das colaboradoras, tal como mencionado acima. Por se tratar de memória individual, também aconteceram comoções, dores e choros, que foram. No tocante à questão especificamente da memória do negro, Munanga (2005, p. 35) nos ensina que: O resgate da memória coletiva e da história da comunidade negra não interessa apenas aos alunos de ascendência negra. Interessa também aos alunos de outras ascendências étnicas, principalmente branca, pois ao receber uma educação envenenada pelos preconceitos, eles também tiveram suas estruturas psíquicas afetadas. Não penso que esse trabalho sirva apenas como homenagem à etnia negra. Outras etnias também, de alguma maneira, são beneficiadas na medida em que se reconstroem questões de ordem individual, mas também pertencentes à coletividade. Em certa medida é outro olhar para um povo que vem de uma história de escravidão e arca com suas difíceis consequências. Nesse sentido, que esse trabalho não sirva apenas de denúncia, mas, sobretudo como proposta de que atitudes possam ser tomadas no sentido de que se proponham ações para que esse debate não se restrinja ao plano teórico. Que conquistas como a Lei n. 10.639/03 sejam o prenúncio de novos horizontes, que a luta do negro ainda seja reconhecida. Naturalmente, a questão a ser estudada é tão complexa que houve a necessidade de se buscar outras áreas para se explicar determinados acontecimentos. Nesse sentido, Ianni (1988, p. 16) nos diz que: “Para saber como se produz, reproduz e transforma uma formação social, ou outro fato histórico, é necessário estudar as relações, os processos e as estruturas político-econômicas que lhe conferem realidade e movimento”. Outro grande teórico com quem discuto ao longo da escrita é Moura (1988 e 1994), pois quando outros teóricos abandonam a questão étnico-racial ou já não a trazem mesmo como periférica em suas pesquisas, este teórico sempre a tem como central. Embora ainda marginalizado na academia, para mim, foi e continua sendo um dos maiores teóricos sobre o racismo brasileiro. Nos estudos sobre a questão do negro utilizei Ianni (1988), Bernd (1984), Silva (2003) e Gomes (2003), que vêm trabalhando com a questão da discriminação do negro no Brasil: ainda que o país não se assuma enquanto racista, vemos nos pormenores, situações de preconceito. Sei também que, não raro, o diálogo com outras áreas não só se faz pertinente como também imprescindível para a compreensão de determinados fenômenos. Esse trabalho será realizado dentro dessa perspectiva, sempre que houver necessidade se buscará outros autores a fim de que se tente compreender a dialética da discriminação racial em uma das sociedades mais miscigenadas do planeta. Saliento também que o referencial a ser utilizado é inacabado, porque vai aumentando continuamente, pois à medida que outros estudos forem surgindo, outros teóricos também se debruçando sobre as questões de negritude. Também na medida em que todas as entrevistas forem analisadas irão remetendo às categorias que pretendo analisar. Ainda que este trabalho sirva de investigação de inúmeras premissas que, como todo ser humano que pesquise trago comigo, sei que inúmeras questões e possivelmente as mais importantes surgirão a partir do material coletado nas entrevistas. Dei-me conta, justamente no processo de escrita, que queria ir a questões que talvez não surjam: são as entrevistas que irão abrir-me os caminhos. Segundo Castoriadis (1992, p. 31), “[...] o racismo participa de alguma coisa muito mais universal do que aceitamos admitir habitualmente. O racismo é uma transformação ou um descendente especialmente violento e exacerbado [...]”. Embora o autor acima referendado esteja tangenciando, sobretudo ao racismo em relação aos judeus, ele amplia o discurso também falando sobre o racismo universal: no sentido de negar o outro, de não aceitar aquilo que não consideramos o normal. Ainda sobre Imaginário e Racismo, nos diz Gomes (1995, p. 68) que, “A escola não é um campo neutro, onde, após entrarmos os conflitos sociais e raciais permanecem do lado de fora. A escola é uma instituição em que convivem conflitos e contradições”. Na medida em que assumimos que vivemos em uma sociedade racista, ingênuo é imaginar que a escola também não traz consigo esse racismo. A escola é, possivelmente, o primeiro lugar onde acontecem as manifestações de racismo, pois esse é o primeiro lugar social, na maioria das vezes, que as crianças ficam sem os seus familiares. Os conflitos, preconceitos e discriminações que já estão arraigados nas crianças que convivem com eles dentro de suas casas, obviamente serão reproduzidos no espaço escolar. Quando eu estava fazendo a monografia de especialização, cada vez que começava uma entrevista, os professores me contavam a sua história. Eu não precisava pedir. Àquela época, eu pedia para que me narrassem as situações de racismo vivenciadas na escola. Quando menos esperava, lá de novo estavam eles contando as suas histórias. Eles mesmos pediam para contar a sua vida. Dei-me conta disso, contudo, apenas na análise das entrevistas. Porque foi quando parei com calma para ouvir cada entrevista, já que eu mesma realizei a transcrição. Então, aquela vivência de conversar e estar perto dos professores na escola, fez-me deparar com o que apenas conhecia através das reflexões trazidas por Nóvoa (1995), sobre a voz do professor nas pesquisas educacionais e na história da docência. De que é preciso dar voz a esses sujeitos, ouvi-los contar a sua história, entretanto, no adiantado em que eu estava naquela pesquisa já não dava tempo. A partir desse momento eu tinha um sonho: fazer um trabalho em que eu pudesse ouvir a própria história dos professores, até porque, durante essa caminhada eu também me tornei professora da rede, tal como meus entrevistados de outrora. Esta pesquisa, portanto, é de cunho qualitativo, na qual a coleta de dados se dará mediante as entrevistas semi-estruturadas com as colaboradoras. O método de investigação será a coleta da história de vida oral e escrita das colaboradoras. Também se pedirá a elas que levem objetos que foram significativos para suas trajetórias: fotos, músicas, poesias, objetos exclusivamente escolhido por elas, os quais auxiliarão o trabalho da memória. Nesse sentido, Souza (2006, p. 137) nos diz que: “As histórias de vida adotam e comportam uma variedade de fontes e procedimentos de recolha, podendo ser agrupadas em duas dimensões, ou seja, os diversos documentos pessoais (autobiografias, diários, cartas, fotografias e objetos pessoais) e as entrevistas biográficas que podem ser orais ou escritas.” As entrevistas serão posteriormente transcritas e devolvidas para as entrevistadas, a fim de que mudem se pensarem necessário algum trecho ou que seja suprimido algo. Todas as sugestões das colaboradoras serão acatadas. Ainda sobre as histórias de vida, penso importante uma afirmação de Abrahão (2006): “A narrativa autobiográfica foi entendida por nós com base em Bolívar et al. (2001), na tríplice dimensão de FENÔMENO (o relato, o acontecimento), MÉTODO (de investigação) e PROCESSO (de ressignificação do vivido do sujeito que se narra)”. Portanto, mesmo que a partir de um olhar superficial possa parecer um trabalho investigativo simples ele não é: o material coletado vai sugerindo uma busca de referenciais teóricos e de estudos que muitas vezes o pesquisador ainda não construiu. Por isso, em algum sentido é a própria pesquisa que vai apontando o caminho a ser percorrido. O trabalho vai se tornando complexo porque nunca se sabe o que o material coletado vai apontar. A análise das entrevistas se dará pela hermenêutica filosófica. O que importa aqui, não é o caráter de verdade do narrado. A importância é o horizonte de sentido e significações daquilo que me narram para as suas vidas, para aquilo que constroem e construíram nos seus planos pessoais e profissionais. Imprescindível também lembrar que neste momento da pesquisa o trabalho já passou pela apreciação e aprovação do comitê de ética da instituição que estudo, portanto todos os cuidados éticos com as colaboradoras foram, são e estarão sendo realizados. CONCLUSÕES “O que eu tenho, lembro.” João G. Rosa O sentido de Formação discutido aqui é, sobretudo o de Autoformação Docente. Segundo Marcelo (apud MOROSINI, 2006), o processo que contempla os professores como responsáveis por sua própria formação, na medida em que desenvolvem ações ativadas conscientemente e mantêm o controle sobre seu processo. A ênfase recai principalmente no desenvolvimento e crescimento da pessoa do professor, envolvendo uma peculiaridade da aprendizagem adulta que é a capacidade de formar-se. Acredito nesse trabalho como formativo para elas, na medida em que vão olhar para sua própria história e trajetória docente, como também formativo para mim que estou atuando na educação básica. Não vou trazer um material novo para elas ou mobilizar conhecimentos que elas mesmas já não tenham construído. A partir da conjugação dos meus olhares e dos de cada uma delas, vou compondo junto a elas o caminho da pesquisa, mobilizando saberes que já tínhamos, porém que, às vezes, ficam armazenados na memória. A escuta delas tem me proporcionado aquilo que Josso (2004) argumenta em seu trabalho sobre a estranheza que a escuta do outro também repercute na nossa própria escuta. As trajetórias delas muitas vezes se confundem com a minha, pois várias das situações ouvidas também se identificam com as minhas. Em alguns momentos também sou colaboradora, e reconstituir aqui minha história foi um processo complexo. Não tenho a pretensão de ensinar-lhes nada. Minha ambição com a pesquisa é aprender junto com suas histórias e me constituir uma professora melhor. Ficaria imensamente satisfeita se produzisse nelas aquilo que produziu em mim, mas só a tessitura, o andamento, o processo que por si é dialético vai dizer o que a pesquisa pode provocar em cada uma delas. Outro exercício importante que o trabalho me proporcionou, já às vésperas de sua conclusão foi meu próprio olhar para a professora negra. Até então, as consideravam como vítimas do sistema, imaginava suas vozes muito negaceadas pela história. Hoje, posso dizê-las como protagonistas de sua história, autoras de si. Ocupam lugares bastante delineados e se a História Oficial não lhes fez justiça, as histórias individuais de cada uma superaram as barreiras, desbravaram caminhos, ocuparam seus lugares de protagonistas de um horizonte que tem se delineado bastante promissor às mulheres negras. Que os meus próximos trabalhos sejam sobretudo de anunciação de novos tempos. Todo olhar sobre algum povo que de certa maneira já foi oprimido gera debates e inconclusões. É neste sentido que também esse trabalho pretende inquietar: que outros tantos surjam com a idéia de pesquisar professoras que pertencem ou pertenceram a uma das categorias consideradas subalternas em nosso contexto histórico. 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