CIÊNCIA AMBIENTE ' Uma ameaça à qualidade da água Biólogas encontram 20 espécies de algas que contaminam represas uando, no verão de 1996, mais de 40 pacientes de uma clínica de hemodiálise morreram em Caruaru, no Estado de Pernambuco, levouse algum tempo para se descobrir a causa do problema. A água que abastecia a clínica, soube-se depois de muitos testes, continha toxinas produzidas pelas cianofíceas. Esses organismos são também conhecidos como cianobactérias ou algas azuis, um grupo de seres vivos muito antigo, que está na Terra há pelo menos 2,5 bilhões de anos e é considerado um elo de ligação entre as bactérias verdadeiras e as algas, com características de ambos. Em condições normais, as cianobactérias e os demais organismos aquáticos convivem de modo equilibrado em lagos e reservatórios. Não há dominância de uma determinada espécie em detrimento de outra. Mas, quando há algum tipo de interferência, que enriquece a água com nitrogênio e fósforo, a chamada eutrofização, algumas espécies passam a ser dominantes: multiplicam-se de forma excessiva e dão origem ao fenômeno chamado floração, ou bloom. Essas fiorações formam uma densa massa na superfície da água, que altera o equilíbrio ecológico e cria problemas. Algumas espécies de cianobactérias produzem toxinas e as suas florações podem causar mortandade de peixes e de outros animais ou até mesmo de seres humanos, como ocorreu em Caruaru. As cianobactérias ocorrem nos mais diversos tipos de ambientes Q Lagoa com cianobactérias na zona sul de São Paulo: acúmulo de esgotos 28 • MAIO DE 1000 • PESQUISA FAPESP aquáticos e terrestres. Em lagos e represas, as espécies planctônicas, isto é, aquelas que vivem soltas na massa d'água, são as que freqüentemente causam florações. A eutrofização é um fenômeno cada vez mais freqüente. Pode ser conseqüência de despejos de esgotos, doméstico ou industrial, de adubação das lavouras, de piscicultura e da criação de animais como bois e porcos nas proximidades da água. Um passo muito importante para a compreensão desse problema foi dado pelo de São Paulo, aparece também na represa Billings. Ocorre em conjunto com espécies do gênero Microcystis, formando fi orações. Os testes para determinar se a alga é tóxica ou não ainda estão em andamento. Outra espécie nova é a Coelosphaerium evidenter-marginatum, encontrada num lago eutrófico no Parque Estadual das Fontes do Ipiranga, zona sul da cidade de São Paulo. Um trabalho sobre essa espécie, que não é tóxica, já foi publicado na revista alemã Algological Studies. A terceira es- No Brasil, há poucos especialistas nessa área específica. Normalmente, dizem as pesquisadoras, os laboratórios que fazem testes de toxicidade não têm especialistas para identificar as cianobactérias. Vem daí o interesse em desenvolver trabalhos em conjunto para, no futuro, ter um banco de dados com informações precisas sobre as espécies brasileiras. Patrim ônio genético- A bióloga Maria Teresa de Paiva Azevedo, que trabalhou com Célia no projeto, é a resr - - - - - - - - - - - - - - - - - . o ponsável pelo Banco de ~ Cultura de Cianobacté~ rias, criado no Laborató~ rio de Cultura de Algas ~ do Instituto de Botânica. ~ < Nesse banco, são manti"'< das culturas isoladas de ~ material recolhido da na":1'Z tureza. "Podemos garantir § que em cada tubo de en~ saio depositado no Ban~ co de Cultura existe apes ~ nas uma única espécie, < com o mesmo patrimônio genético", diz ela. A área do Estado de A Sphaerocavum, comum em reservatórios, e . .. . .. uma Coelosphaerium, não-tóxica: espécies novas São Paulo foi o foco principal deste projeto, mas as biólogas examinaram tampécie nova descrita é a Microcystis projeto Cyanophyceae!Cyanobacteria Planctônicas do Estado de São Paulo, bém amostras de cianobactérias popanniformis, encontrada em várias realizado entre 1997 e 1999, que contou represas do Estado, como a Billings, tencialmente tóxicas provenientes de com um financiamento da FAPESP Guarapiranga, Barra Bonita e Amerioutros Estados. Normalmente, essas de R$ 32,9 mil, mais US$ 47,9 mil. cana. Os testes sobre a toxicidade ainamostras são enviadas por técnicos das Coordenado pela bióloga Célia Leite companhias de saneamento. Trata-se da estão em andamento. Sant' Anna, pesquisadora do Instituto de um intercâmbio habitual, especide Botânica da Secretaria do Meio almente quando há dúvidas com reIdentificação - O projeto tinha dois Ambiente do Estado de São Paulo, o objetivos fundamentais. Um deles era lação à identificação das algas. projeto identificou 20 espécies poconhecer a biodiversidade das cianoO intercâmbio mais freqüente das tencialmente tóxicas de cianobactébactérias planctônicas (as que flutuam pesquisadoras do Instituto de Botârias encontradas no Brasil, sendo 13 na água) do Estado de São Paulo. O nica, porém, é com técnicos da Ceoutro era detalhar o desenvolvimento, no Estado de São Paulo. O projeto tesb e da Sabesp, os órgãos do goverdescobriu ainda três espécies novas a variabilidade morfológica e a distrino paulista ligados à preservação do para a ciência, uma delas colocada buição geográfica das espécies potenmeio ambiente e ao abastecimento num gênero novo. cialmente tóxicas no Brasil. "Esses repúblico, respectivamente. "Nosso inA equipe do Instituto de Botânica sultados poderão subsidiar, de forma tercâmbio funciona há mais de dez deu o nome de Sphaerocavum, que mais prática e segura, os programas anos", diz a bióloga Marta Condé significa "esfera oca", ao novo gênero de monitoramento de florações de Lamparelli, gerente da divisão de que descobriu. O nome sugerido para cianobactérias", afirma Célia. análises hidrobiológicas da Cetesb. a espécie é Sphaerocavum brasiliensis, Segundo ela, a taxonomia das ciaencontrada em lagos urbanos eutrónobactérias é bastante complexa e Manual ilustrado - As pesquisadoras ficos na cidade de São Paulo e em exige observações das diferentes etapretendem preparar um manual ilusMontevidéu, no Uruguai. No Estado trado, descrevendo as espécies de ciapas do desenvolvimento das espécies. ~ PESQUISA FAPESP · MAIO DE lOOO • 29 Espalhadas pelo Brasil O caso de Caruaru é o mais sério verificado até agora com relação aos efeitos das algas tóxicas. Mas não é o único. Em 1990, uma floração da cianobactéria Anabaena solitaria, na represa de Guarapiranga, que abastece um terço da cidade de São Paulo, provocou forte cheiro de inseticida na água que chegava às casas. Imediatamente, registrou-se um aumento nos casos de dermatites, diarréias e vômitos, especialmente em crianças. Na Lagoa da Barra, no Rio de Janeiro, uma floração de Synechocystis aquatilis f. salina causou mortandade de peixes. Proliferações de Microcystis aeruginosa em um lago na cidade paulista de Araras mataram pombos e, num lago do Jardim Zoológico de São Paulo, foram responsáveis pela morte de vários patos. Técnicos da Cetesb informam que o controle da água destinada ao abastecimento é feito colocando-se algicidas, como sulfato de cobre ou peróxido de hidragênio, nas represas. Nem sempre resolve, pois a morte das algas acaba por liberar suas toxinas na água. "A solução ideal é evitar que o corpo d'água seja eutrofizado': dizem as biólogas Marta Condé Lamparelli e Maria do Carmo Carvalho, dessa empresa. Ou seja, impedir que os mananciais sejam contaminados por esgotos ou outras fontes de poluição. Atualmente, grupos internacionais de pesquisadores priorizam o estudo de uma espécie extremamente agressiva e competitiva, a Cylindrospermopsis raciborkii, que se alastrou rapidamente em represas e lagos brasileiros. Uma das espécies tóxicas mais comuns no Brasil é Anabaena spiroides. Geralmente, forma flora- 30 • MAIO DE 2000 • PESQUISA FAPESP ções em corpos d'água eutrofizados. Outras espécies do mesmo gênero, A. solitaria e A. planctonica, também estão entre as mais conhecidas algas produtoras de toxinas. Contudo, não são as mais bem distribuídas no Brasil. A honra cabe à Microcystis aeruginosa, espécie bastante competitiva e encontrada com facilidade em nossas nobactérias potencialmente tóxicas. Esse manual poderá ser utilizado por técnicos da Sabesp, da Cetesb e das empresas de saneamento de outros Estados. Além disso, os resultados da pesquisa, sobre mais de 80 espécies de cianobactérias planctônicas, serão repassados ao Biota-FAPESP, o programa que mapeia a fauna e a flora do Estado de São Paulo. O próximo passo das pesquisadoras é definir as linhagens tóxicas no Banco de Cultura de Cianobactérias. Para isso, já começaram a montar um laboratório no Instituto de Botânica. No isolamento e identificação das toxinas, contarão com a colaboração de outra pesquisadora do Instituto, Luciana Retz de Carvalho, doutora em Fitoquímica pelo Instituto de Química da Universidade de São Paulo (USP). • PERFIS: • CÉLIA LEITE SANT'ANNA Célia e Maria Teresa: perigo crescente represas, cuja toxina causa amorte de peixes e animais de criação, como gado bovino e patos. A explicação para a presença cada vez maior das algas tóxicas está na eutrofização. "Temos observado que a distribuição das espécies potencialmente tóxicas está aumentando rapidamente à medida que aumenta o número de represas eutrofizadas no Estado': afirma Célia. formou-se em Ciências Biológicas pelo Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP), onde também fez mestrado e doutorado. Pesquisadora do Instituto de Botânica desde 1976, assumiu este ano a direção da Divisão de Fitotaxonomia do Instituto. • MARIA TERESA DE PAIVA A ZEVE - formou-se em Biologia nas Faculdades Brás Cubas, em Mogi das Cruzes, e fez o doutorado na Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Rio Claro. Desde 1986 é pesquisadora do Instituto de Botânica. Projeto: Cyanophyceae/Cyanobacteria Planctônicas do Estado de São Paulo Investimento: R$ 32.911,00, mais US$ 47.907 DO mesmo tempo, ser reconhecido. Conta, para isso, com mecanismos tão sutis que às vezes parece um convidado. "O T. cruzi só sobrevive se encontrar uma célula, penetrar e ficar lá': explica o médico Walter Colli, do Instituto de Química da USP, que estuda a relação entre o parasita e a célula hospedeira desde os anos 70. Segundo ele, descobrindo como o protozoário entra na célula e como sobrevive dentro dela, seria possível identificar as vias metabólicas que permitiriam o desenvolvimento de drogas inibidoras dos processos de reconhecimento, de adesão ou de invasão, de ambos os lados, e assim causar amorte do Trypanosoma. mente, identificou, em um dos membros da família da Tc-85, um trecho específico que poderia ser bloqueado para inibir a adesão celular. Em outros termos, Júlia sabe agora que existe um receptor na célula hospedeira quereconhece uma molécula do T. cruzi e deixa que o parasita se instale no organismo. Ela espera em um ano finalizar o trabalho a que se dedica, o mapeamento fino da Tc-85. Vacina de DNA - Aos poucos, as pe- ças do intrincado quebra-cabeÇ,a da doença de Chagas vão se encaixando. Na Unifesp, o grupo da bioquímica Nobuko Yoshida conseguiu avançar Cada vez mais perto - O laboratório de Bioquímica de Parasitas, co-dirigido por Colli e pela bióloga Maria Júlia Manso Alves, descobriu uma nova família de moléculas chamadas GIPLs ou glicoinositolfosfolipídeos. Existem na membrana do parasita em grandes quantidades e são similares às chamadas âncoras, que inserem proteínas nas membranas celulares. Conhecendo a composição da membrana do parasita, pode ficar mais fácil entender as reações químicas que ocorrem quando uma célula, o protozoário, encontra outra, do corpo humano. Júlia conta que está muito perto de desvendar os mecanismos de adesão e de penetração utilizados pelo parasita, como resultado do projeto Trypanosoma cruzi: Interação Parasita-Hospedeiro, que contou com R$ 480 mil, concedidos pela FAPESP ao laboratório dos dois pesquisadores nos últimos quatro anos. Não é a primeira vez que esse laboratório da USP contribui no combate à doença de Chagas. Nos anos 80, Júlia descobriu uma família de glicoproteínas que denominou Tc-85, também associada à entrada do parasita na célula. Recente- destruição do parasita. Além da produção de anticorpos específicos, essa imunização estimula as células do sistema imune a produzir interferongama, uma substância que desempenha um papel importante no controle da infecção. A equipe espera que esses estudos ajudem a viabilizar uma vacina que melhore o prognóstico da doença e evite que os doentes desenvolvam sua forma mais grave. Mas o desenvolvimento de vacinas e de medicamentos não depende apenas dos achados científicos. Esbarra também, segundo os pesquisadores, no desinteresse da indústria farmacêutica em produzir e comercializar medicamentos que seriam dirigidos basicamente para populações muito pobres, de países subdesenvolvidos. O raciocínio predominante é que, em relação a outras doenças, como a malária e a dengue, a doença de Chagas não justifica altos investimentos com a produção de novos quimioterápicos. Municípios infestados - na identificação e caracterização d.e moléculas envolvidas na sinalização celular na relação parasita-hospedeiro. Uma delas, presente em formas específicas do T. cruzi encontradas no barbeiro, é a gp82, uma glicoproteína (proteína que contém açúcar) que parece participar do processo de entrada do parasita na célula. Esse é um dos resultados do projeto Aspectos da Imunobiologia do Trypanosoma cruzi: Interação com Células do Hospedeiro Mamífero e Indução da Resposta Imune, que começou no ano passado e segue até 2003, com um financiamento de R$ 350 mil, mais US$ 300 mil, da FAPESP. O grupo de Nobuko conseguiu também demonstrar que a imunização com DNA é capaz de conferir resistência contra o T. cruzi e levar à Resta, portanto, o caminho mais prático: o controle permanente dos barbeiros, considerado "a melhor vacina': "A experiência acumulada desde a década de 1950 demonstra que a transmissão da doença de Chagas pode ser interrompida por meio do uso adequado de inseticidas, aliado à melhora habitacional e à educação", observa Liléia Diotaiuti, diretora do Laboratório de Triatomíneos e Epidemiologia da Doença de Chagas, do Instituto René Rachou, de Belo Horizonte (MG). Mesmo assim, o controle do barbeiro não pode ter data para acabar, alerta a pesquisadora. Segundo ela, esse trabalho deve considerar duas situações epidemiológicas distintas. A primeira envolve espécies nativas de barbeiros, originárias de ambientes silvestres - caatinga, mata úmida e cerrado, por exemplo-, que apresenPESQUI SA FAPESP • MAIO DE 1000 • 33