A-12 Cidades A TRIBUNA www.atribuna.com.br Segunda-feira 16 junho de 2014 Boas histórias para quem quiser ver Para médicos, estava condenado à cegueira. Mas Reynaldo Martins conheceu método graças ao qual, diz ele, recuperou a visão FOTOS LUIGI BONGIOVANNI ro, sem falar da visão periférica que parecia aos poucos voltar. Os tais exercícios, que fazem parte do método self healing (autocura; ver matéria), consistiam em olhar para o sol com os olhos fechados e mexer a cabeça em movimentos suaves. “Na terceira semana, quando terminei e abri os olhos, senti como o flash de uma máquina. Consegui ver o azul do céu... A partir disso fui me concentrando cada vez mais, observando mais os detalhes... Foi maravilhoso, uma alegria indescritível”. Outro método, também bem simples, era esfregar as mãos e levá-las ao olhos, como uma concha. “Nesse, era preciso ficar contra o sol. Mas era uma espécie de aquecimento”. THAÍS LYRA DA REDAÇÃO O enredo do consultor econômico aposentado Reynaldo Martins poderia enveredar para um tom dramático e literalmente sombrio. No entanto, o protagonista nunca se sentiu vítima e buscou, a cada dia, trazer luz para sua vida. Em uma frase, é possível entender as emoções que este senhor de 70anos está vivendo: não precisa mais ver os jogos da Copa em pé, grudado ao televisor. Bem diferente do que aconteceu no Mundial de 2010, quando só enxergava luzes e via o mundo embaçado e escuro. No final de 2007, trabalhando em uma feira no Pavilhão do Anhembi, em São Paulo, percebeu algo estranho. “Pensei: essa iluminação não está boa”. Já em Santos, foi comer uma pizza e, ao levar o garfo à boca, ouviu dos amigos: “Você não está vendo que o talher não tem comida?”. Não, ele já não enxergava mais nada. Foi para casa – onde morava com a mãe e um irmão –, chegou e dormiu, na esperança de que tudo passasse. Não foi o que aconteceu. Apesar do dia ensolarado, Reynaldo só via escuridão. Naquela semana mesmo iniciou uma peregrinação de seis meses por médicos de Santos e de São Paulo. “Ninguém descobria o que eu tinha”. Até que, no dia 2 de abril de 2008, no Hospital São Paulo, veio a sentença. “A especialista me falou um nome enorme, cuja tradução era a de que estava cego e o problema só iria progredir”. E com a mesma calma com que já havia desafiado os outros médicos pelos quais havia passado, foi avisando de maneira contundente: “Eu não consigo ver a senhora, mas voltarei aqui para conhecê-la”. Mesmo esperançoso em voltar a enxergar, decidiu que não iria ficar em casa sentado, deixando a vida passar. Entrou no Lar das Moças Cegas, aprendeu a usar a bengala-guia e recebeu óculos cujas lentes E OS MÉDICOS? Reynaldo Martins decidiu que se esforçaria para voltar a enxergar. Chegou a usar óculos com lentes de 26 graus e, ainda assim, lia com muita dificuldade eram verdadeiros fundos de garrafa, com 26 graus. “E ainda assim eu tinha que grudar o papel na cara”. Nada o fazia desisitir. “Ganhei noção de espaço, reaprendi a comer, a levar o copo à boca... Era um desafio nessa época”.No entanto,alguma coisa – que ele não sabe explicar exatamente qual é – sempre dizia que voltaria a enxergar. E ele tinha razão. A REVIRAVOLTA “Como sou consultor financeiro e de gestão, meu filho me indicou uma amiga dele para realizar um trabalho. Liguei, marquei com a secretária e no dia combinado estava lá”. A futura cliente ficou surpresa com o fato de ele ser cego, Evolução e autocura “Na terceira semana (de exercícios), quando terminei e abri os olhos, senti como o flash de uma máquina. Consegui ver o azul do céu... A partir disso fui me concentrando cada vez mais, observando mais os detalhes... Foi maravilhoso, uma alegria indescritível” “Moro sozinho, faço cursos de mandarim e de espanhol para exercitar o lado direito do cérebro e há dois anos concluí uma pós-graduação em Jogos Corporativos” Reynaldo Martins, consultor econômico aposentado Após exercícios de autocura, leva vida normal e faz exames periódicos. Também participa de oficinas de self healing e estuda para ser terapeuta mas ouviu uma resposta bemhumorada e coberta de verdades: “Eu não enxergo. Mas falo, escuto e penso”. O serviço foi feito, até que um dia essa moça revelou que estava fazendo tratamento para glaucoma com uma terapeuta de visão, Sylvia Lakeland. “E me emprestou uns CDs ensinando a fazer alguns exercícios ao ar livre”. Em casa, ouviu atentamente as recomendações para, em seguida, começar a praticar. “Todo dia, por volta das 7 horas, ia à praia. Ficava me exercitando por uma hora, uma hora e meia e muita gente perguntava o que eu estava fazendo ali”. Logo no início, Reynaldo revela que se sentia ótimo, pois começava a perceber uma diferenciação entre o claro e escu- Dos oito profissionais consultados quando ficou cego, voltou em quatro. “Ninguém me explicou o que aconteceu nem tampouco se interessou em conhecer e se aprofundar no meu caso. Diziam que era charlatanismo”. Pouco a pouco, os flashes foram aumentando, e a carga de exercícios também. “Em dois anos, redescobri o mundo”. Mas a prova só veio mesmo quando resolveu renovar a Carteira Nacional de Habilitação (CNH), em 2012. “Respirei fundo e fiz o exame oftalmológico. O médico disse que estava tudo ótimo e que precisava trocar as lentes dos óculos. De 1,5 grau passei para dois”. Hoje, leva uma vida normal, faz exames periódicos, mas se mantém mais ativo do que nunca. “Moro sozinho, faço cursos de mandarim e de espanhol para exercitar o lado direito do cérebro e há dois anos concluíuma pós-graduação em Jogos Corporativos. Além disso, participo de oficinais de self healing e estudo para ser terapeuta”. Mas por que teve problemas? O que teria causado essa deficiência visual temporária em Reynaldo Martins? O histórico médico do consultor pode ajudar a explicar. Transplantado do fígado em 2002, ficou suscetível ao surgimento de doenças oportunistas por causa da imunidade baixa. Em 2005, contraiu tuberculose e durante seis meses passou por um rigoroso tratamento. Dois anos depois, novo susto: uma pneumonia. “Não achavam o agente que estava causando a infecção. Até que um médico suspeitou de que o bacilo de Koch (causador da tuberculose) poderia estar infectando o pulmão de Martins. “O jeito foi reiniciar o tratamento. Não me lembro se foram três ou seis meses, mas depois disso os problemas na visão surgiram”. O infectologista Marcos Gomes Caseiro esclarece que alguns medicamentos integrantes do protocolo para a cura da tuberculose podem causar lesões oculares, afetando as microcirculações dos vasos oculares ou mesmo o nervo óptico. “São casos raros, um para cada 10 mil. Mas em pacientes imunodeprimidos, essa possibilidade pode até aumentar”. Outras doenças que podem impactar na saúde dos olhos são hipertensão e diabetes. “São casos como a renitopatia diabética e a hipertensiva”. Técnicas são utilizadas mundialmente LUIGI BONGIOVANNI - 19/6/12 ❚❚❚O self healing é uma técnica criada na década de 1970 por Meir Schneider, que aos 7 anos foi declarado deficiente visual. Por intermédio de uma amiga, aos 15 anos, conheceu o método do oftalmologista William Bates de estimulação da visão. A partir disso, dedicou-se aos exercícios para os olhos, aliando técnicas de ioga, automassagem e movimento. Ingrid Maria Frare, terapeuta formada pela Associação Brasileira de Self Healing (ABSH), explica que o método possui quatro pilares. “O primeiro é a massagem, com vários tipos de toques e relaxamento, reconhecimento de músculos”. Emoutro ponto,propõe exercícios ativos com grupos musculares pouco usados. “Andar de costas, de lado, levantar os braços de formas diferentes... Além de fortalecimento, au- dades sendo vencidas. OFICINAS Meir Schneider criou o método menta a lateralidade”. Em terceiro lugar, aparecem os exercícios passivos. “É uma forma de relaxamento da musculatura, com movimentos suaves, em que a própria pessoa ou outra faz. Mais: a visualização leva os participantes a fechar os olhos, respirar e ver dificul- Há oficinas de self healing todas as terças-feiras e sábados, em frente à Rua Oswaldo Cruz, no Boqueirão, em Santos, e às terças. às 17h30, na Praça 21 Irmãos Amigos (próximo à Ilha Porchat), em São Vicente. Até 9 setembro, Ingrid vai se ausentar das aulas, mas explica que Reynaldo Martins continuará com as turmas. “Frequento há quatro anos. É uma forma de eu retribuir tudo o que tive”, afirma o consultor. Martins resolveu tornarse terapeuta eestá no primeiro módulo do curso em São Paulo, na ABSH. “Ganhei um novo olhar, interno e externo, sobre tudo. Agora, é minha chance de fazer isso para quem precisa”.