1. Eu tenho uma amiga que viaja muito e incluiu uma nova mala, além das de roupa e sapatos, ao batalhão de couro que a acompanha por todos os aeroportos do mundo. Ela não viaja mais sem sua nécessaire com brinquedos eróticos. Alta executiva de uma empresa de cartão de crédito, parte para as cidades absolutamente focada nos negócios a serem decididos e tem sempre a expectativa de que nas horas vagas surja alguma aventura amorosa que a faça prescindir dos vibradores — mas prefere não arriscar. Leva a turma de rabbits e afins com ela. Em cada parada compra uma novidade do tipo e alardeia as maravilhas entre as amigas. O problema é o suspense ao passar pelas alfândegas com seu arsenal, correndo o risco de ter a mala aberta para alguma vistoria. Se acontecer, tem uma excelente expressão bege e um porte de princesa para enfrentar constrangimentos. Até hoje, o único problema foi num voo para Nova York. O balanço da mala acionou o mecanismo de um vibrador e, na fila para o check-in, ele começou a se agitar com p. 7 aquele barulho característico. Algumas mulheres perceberam e deram um risinho de solidariedade. Minha amiga, com o ar brincalhão de quem procurava um coelho inconveniente que se jogara ali, abriu o zíper da mala, tateou em busca do malandro e click. Abafou a ereção. 2. Eu tenho uma amiga que foi subitamente con- vidada por um colega de trabalho, com quem flertava há algum tempo, para ir até sua casa jantar. Ela disse um “sim” discreto, mas estava eufórica. Era o melhor partido da repartição. Naquela noite houve o jantar, houve uma conversa muito interessante e houve também uma garrafa de vinho, ingredientes que se harmonizavam tão bem que ela aquiesceu com um novo “sim” quando o rapaz a beijou. Quando os beijos foram ficando insuficientes e os novos contatos físicos se tornaram inevitáveis, minha amiga lembrou que a depilação não estava em dia. Esperava que o encontro fosse uma aproximação para algo mais íntimo em outra noite e não se preparou. Viu-se como “uma macaca” — mas não queria perder a oportunidade. O rapaz pediu luz plena para o show, ela negociou uma iluminação feita apenas por um abajur ao lado da cama. Ainda assim, medrosa de que ele a visse por depilar, arrumou um jeito de jogar a calcinha em cima do abajur, o que diminuiu ainda mais o p. 9 campo de visão dele. Estava indo tudo muito bem, ela mais à vontade com a semiescuridão, quando o quarto foi tomado por um cheiro insuportável de algo queimando. Era a calcinha. Ela se desfazia em cima da lâmpada, provocando uma fumaça de filme de terror, e começava a pingar no lençol da cama, que logo estava pegando fogo. Minha amiga saiu correndo do quarto, deixando ao pobre herói a tarefa de bombeiro. Colocou imediatamente o vestido. Carregou porta afora, depois de beijinhos de desculpas no rapaz, a certeza de que uma depilação atrasada pode não ser o pior dos quadros. 3. Eu tenho uma amiga que voltou ao mercado da paquera depois de um longo casamento e recebe com muita atenção os conselhos sabichões da filha adolescente, que está nele há vários anos, atualizadíssima. Ao anunciar, depois de sair uma única vez com um rapaz, que estava namorando, levou uma bronca da adolescente. Segundo esta, seriam necessárias várias saídas para saber se era mesmo um namoro ou outro tipo de relacionamento. A filha disse que tinha sido vítima de idêntica precipitação e desaconselhou a mãe a oficializar o pretendente com o rótulo de namorado. Minha amiga lembrou-se da própria mãe, casada por toda a vida com o mesmo homem, e que cairia para trás com aquele diálogo. Achou bom, por mais açodada que a filha adolescente estivesse em considerá-la despreparada para as novas relações, discutir a vida real, sem as proibições e os falsos pudores d’antanho. Perguntou o que deveria fazer. Avisou que os tempos estavam difíceis e não queria perder o pretendente, um homem maduro, com perfil p. 11 de vida parecido com o dela, bonito e extremamente gentil no trato. A filha não teve dúvidas em irradiar a sua sabedoria. Aconselhou, suavemente sabichã: “Vai ficando, mãe, vai ficando, e depois você vê.”