As propostas do Brasil para uma nova ordem internacional Kjeld Jakobsen Introdução Este texto sobre as propostas brasileiras para uma nova ordem internacional (NOI) foi produzido como um insumo para o III Seminário do Partido dos Trabalhadores (PT) do Brasil e do Partido Comunista da China (PCC). Embora tenha sido escrito à luz das reflexões e experiência da política internacional desenvolvida pelo partido e pelo governo Lula é, antes de tudo, uma contribuição pessoal que não reflete, necessariamente, as posições do PT ou a opinião de seus dirigentes. Da mesma forma em relação ao governo brasileiro e suas autoridades. O tema tem detalhes que permitiriam produzir uma análise mais profunda, mas em função da necessidade prática de subsidiar o debate foi necessário apresentar o texto de uma forma mais sucinta e desta forma abordar as questões principais que estão divididas em três partes. A primeira delas é uma avaliação da conjuntura que regeu a política brasileira desde a posse do primeiro presidente, Fernando Collor de Mello, eleito pela via direta em 1989 após a redemocratização do Brasil, até a conclusão dos dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso (FHC) em 2002 com destaque para a política externa brasileira da época alicerçada sobre o neoliberalismo e a inserção subordinada na globalização. A segunda parte comenta o desenvolvimento da política externa do governo Lula, particularmente, a mudança de concepção em comparação com os governos neoliberais da década de 1990, bem como registrando algumas mudanças importantes na conjuntura mundial e a própria contribuição deste governo para isto. A parte final que também pode ser considerada como a parte conclusiva, embora deixe mais questões do que respostas, tenta apresentar pelo menos os temas que incidirão na construção de uma nova ordem internacional como o redesenho das maiores economias mundiais; os limites que potências hegemônicas como os Brasil-China Brasil -Propostas para uma nova ordem internacional 1 Estados Unidos e a União Européia vem enfrentando e a ascensão de novos atores (Estados) nacionais; o papel dos movimentos sociais na arena internacional; a nova institucionalidade mundial; a migração e, por fim, a convergência das crises econômica, energética, climática, bem como do suprimento de água e alimentos. A política externa do governo anterior: Fernando Henrique Cardoso – 1995 a 2002 Algumas lideranças do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) chegaram a cogitar uma coligação com o governo Fernando Collor de Mello no início de 1992, onde FHC assumiria o cargo de Ministro das Relações Exteriores (MRE também conhecido como Itamaraty). Este, por mais que estivesse interessado no cargo e se frustrasse pela não realização da aliança, deve agradecer profundamente aos setores de seu partido que impediram este movimento, pois poucos meses depois o presidente Collor de Mello sofreu um impeachment no Congresso Nacional por envolvimento em corrupção, o que seguramente teria impedido, caso a coligação tivesse ocorrido, a eleição de Fernando Henrique Cardoso para Presidente da República em 1994. Mesmo assim, um acadêmico ligado à indústria paulista e próximo aos círculos do PSDB, Celso Lafer, assumiu o ministério no governo que marcou, provavelmente, o que representou o pior desempenho da política externa do Brasil nas últimas décadas ao se submeter plenamente aos ditames das potências hegemônicas, particularmente os EUA a quem considerava o “vencedor da guerra fria” e desorganizar totalmente a atuação internacional do Brasil. Foi, por exemplo, durante o governo Collor de Mello e o início do governo de seu sucessor, Itamar Franco, quando FHC se tornou Ministro de Relações Exteriores, que os europeus e americanos formularam os aspectos principais da Rodada Uruguai do GATT e da maior liberalização tarifária da história desta organização e que causou forte impacto negativo para a indústria brasileira. Contudo, o governo Itamar era composto por forças políticas contraditórias e vale ressaltar que apresentou um viés nacionalista na política externa quando José Aparecido e depois o Embaixador Celso Amorim assumiram o cargo de Ministro de Brasil-China Brasil -Propostas para uma nova ordem internacional 2 Relações Exteriores. Eles defendiam o projeto nacional de desenvolvimento e também o fortalecimento da integração regional por meio do Mercosul. De qualquer maneira, a política externa adequada aos preceitos neoliberais e de aceitação das mudanças no paradigma da governança mundial teve um ensaio no Brasil antes da posse de FHC em 1995, inclusive com a participação do grupo que governaria o país a partir deste momento e até 2002. O neoliberalismo tornou-se hegemônico politicamente ao longo dos anos 1980 e início dos 1990, impulsionado pelas empresas multinacionais, principais beneficiárias do modelo e pelas instituições financeiras internacionais como o Fundo Monetário Internacional (FMI), Banco Mundial (BIRD) e Organização Mundial do Comércio (OMC) a serviço dos interesses dessas empresas. O FMI e o BIRD se utilizaram da renegociação da dívida externa e concessão de novos empréstimos para pressionar os países latino-americanos a aceitar as orientações para ajustar estruturalmente suas economias. As principais características desta reestruturação econômica e política e que foi adotada pelo governo Fernando Henrique Cardoso eram a liberalização do comércio e investimentos em nível mundial, bem como a integração de mercados, a expansão, “desverticalização” e integração das cadeias produtivas transnacionais, redução da presença do estado na economia e de seu papel regulatório, promoção do trabalho terceirizado e informal, negação de direitos aos trabalhadores nos países de desenvolvimento econômico mais recente e redução dos mesmos nos países industrializados e, finalmente, a liberalização dos fluxos financeiros internacionais. Este profundo ajuste nas economias dos países latino americanos durante a década de 1990 à guisa de combater a inflação crônica no continente tornou-se conhecido como o “Consenso de Washington” e era composto basicamente por medidas de abertura comercial, privatizações, liberalização das regras de investimentos, reformas cambiais, reforma do sistema financeiro, entre outras que provocaram graves conseqüências para os trabalhadores, particularmente, do setor público. Estas medidas foram também introduzidas no Brasil, embora tardio e não Brasil-China Brasil -Propostas para uma nova ordem internacional 3 completamente devido à resistência popular e de alguns setores do empresariado (Pomar, 2009). O primeiro país da região a adotá-las foi o México, mas o ataque especulativo que sofreu em 1995 devido à liberalização de suas finanças custou quase US$ 50 bilhões aos cofres públicos do país para ser superada expressando um primeiro sinal concreto dos possíveis problemas atrelados às receitas neoliberais. Este problema se repetiu em escala maior com a “Crise Asiática” em 1997-1998 e depois em países como o Brasil, Rússia, Turquia e Argentina até chegar à crise financeira internacional iniciada nos EUA em 2008. Com o colapso dos regimes socialistas e a crise da social democracia, o ideal da igualdade debilitou-se enormemente e ganhou força a premissa das soluções individuais serem mais eficazes do que as coletivas. Do ponto de vista político e ideológico emergiu uma onda conservadora e muitos valores com base na liberdade e direitos duramente conquistados ao longo do século XX foram atacados. O pensamento único da economia de mercado tornou-se hegemônico politicamente. A dissolução da União Soviética, sua aproximação e de seus aliados do Leste Europeu da Europa Ocidental e dos EUA também extinguiu a bipolaridade que vigorava entre estes dois blocos desde o término da Segunda Guerra Mundial e que se equilibrava no poderio nuclear e capacidade de mútua destruição. Num primeiro momento parecia que ela seria substituída por um mundo multipolar em função da ascensão econômica de países como Alemanha e Japão, bem como do fortalecimento da própria União Européia e do crescimento do PIB chinês na ordem de dois dígitos ao ano. No entanto, a recuperação econômica dos Estados Unidos durante os anos “Clinton” (1993 – 2001) deu-lhes novo fôlego e a submissão dos países europeus ao seu comando no ataque da OTAN à Sérvia em 1999 em função das ocorrências em Kosovo eliminou a possibilidade do estabelecimento de uma política européia de segurança autônoma em relação à política externa americana. A União Européia, enquanto um bloco coeso com uma economia mais forte do que a americana, poderia ter almejado a substituir ou pelo menos compartilhar a hegemonia com os EUA se tivessem investido em uma política de segurança comunitária, mas não o fizeram. Pelo contrário, hoje a maioria dos países Brasil-China Brasil -Propostas para uma nova ordem internacional 4 europeus segue a política de agressão que os Estados Unidos implementam, principalmente, por meio da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) como ocorre, por exemplo, na ocupação do Afeganistão. A configuração da unipolaridade e a reafirmação da hegemonia dos Estados Unidos como a principal potência militar do mundo ocorreram durante o governo neoconservador de George Bush (2001 – 2009) por meio de sua doutrina de intervenção direta em terceiros países em caso de ameaça à segurança americana, como as invasões do Afeganistão e Iraque e as sucessivas ameaças de fazer o mesmo com a Síria e Irã. Os EUA são atualmente responsáveis por 50% do orçamento militar mundial gastando em torno de US$ 540 bilhões ao ano, volume que é maior que os orçamentos somados dos dez países seguintes que mais gastam em segurança (Guimarães, 2010). O governo FHC aderiu às políticas neoliberais, não por que fosse premido a isso pela conjuntura internacional e tivesse ficado sem opções, mas o fez por claro convencimento político que se refletiu na política externa que desenvolveu. As conseqüências para a população brasileira foi concentração de renda, aumento do desemprego e da informalidade, serviços públicos mais caros e de pior qualidade e a perda da perspectiva de desenvolvimento devido ao afastamento do Estado da indução do mesmo. O novo presidente havia desempenhado a função de chanceler entre o final de 1992 até maio de 1993 e, portanto, conhecia razoavelmente os meandros do ministério de relações exteriores, o que lhe permitiu, em primeiro lugar, adotar medidas para neutralizar eventuais obstáculos de parte do corpo diplomático brasileiro, caracterizado pelo alto nível profissional e concepção nacionalista. Sua estratégia foi alavancar elementos mais liberais para postos chave na chancelaria, reduzir a estrutura do ministério e das representações no exterior, afastar os que se manifestassem contrariamente às novas posições na política externa de suas atividades e desenvolver uma diplomacia pessoal favorecida pelo fato de ser personagem prestigiada no meio acadêmico internacional (Vizentini, 2003). A adesão ao neoliberalismo norteou o posicionamento do Brasil no âmbito da globalização da economia e de sua relação com outros países, particularmente, as Brasil-China Brasil -Propostas para uma nova ordem internacional 5 potências maiores. Isso se refletiu na sua política em vários aspectos como o comércio, abrangência das relações externas, governança mundial e segurança, bem como a integração regional. Porém, acima deles ou articulando estes aspectos havia a noção da inserção subordinada à globalização que partia de uma análise que, se por um lado, o Brasil não era mais um país subdesenvolvido, por outro, deveria romper definitivamente com a perspectiva nacional desenvolvimentista e dessa maneira procurar se “beneficiar” de suas vantagens comparativas, como seus recursos naturais e agrícolas, e dos vínculos com as grandes cadeias produtivas internacionais por meio da liberalização do comércio e investimentos, bem como da privatização das empresas estatais. Do ponto de vista prático essas posições implicaram nas seguintes medidas: - Nenhum questionamento na OMC quanto a sua agenda de liberalização, mas apenas a busca de adaptações nas suas regras de funcionamento como, por exemplo, do mecanismo de solução de controvérsias consolidado na primeira conferência que a organização realizou em 1995 em Cingapura. O governo brasileiro foi, inclusive, um dos que mais atuou em 2001 junto com o chamado “Quadrilátero” – EUA, UE, Canadá e Japão – para lançar a Rodada Doha e sua ambiciosa agenda de negociações que possuía 16 itens que, no entanto, foram reduzidos a quatro após a criação do G-20 em Cancun em 2003. O lançamento desta Rodada sofria muita oposição de países em desenvolvimento que não tinham se recuperado ainda dos efeitos do maior acordo internacional de liberalização comercial da história que foi a Rodada Uruguai do GATT. Porém, a pressão americana para que a nova rodada se iniciasse amplificou-se depois do ataque terrorista de 11 de setembro sob o argumento de que “o terrorismo é fruto da pobreza e a solução para a pobreza é o desenvolvimento econômico a ser conseguido por intermédio do livre comércio” e “quem não estivesse com os EUA, estava com o terrorismo” (Jawara e Kwa, 2003). - Aceitação da agenda de negociação da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA) iniciada na prática em 1994 e que implicaria em ampliação das medidas liberalizantes já definidas no âmbito do GATT/OMC como já havia ocorrido com o Nafta envolvendo Canadá, Estados Unidos e México. Por mais que houvesse Brasil-China Brasil -Propostas para uma nova ordem internacional 6 reticências entre setores empresariais brasileiros à realização de um acordo de liberalização com esta dimensão devido à impossibilidade de competir com a escala e a produtividade americana, bem como uma aberta oposição do movimento social devido aos riscos de aprofundar a dominação imperialista, o governo avaliava que o acordo era inexorável. - Continuação do “programa de desestatização”, iniciado no governo Collor e que já havia alienado todo o setor siderúrgico, ferroviário e petroquímico do Brasil, com a privatização do setor de telecomunicações, distribuição de energia elétrica, mineração, entre outros. A convicção do governo FHC era a de que caberia ao Estado apenas a administração direta da estrutura ministerial, da coleta de impostos e da defesa do país. Todo o restante do aparato do Estado poderia ser privatizado, inclusive a gestão da saúde, educação, cultura e outras áreas por meio de organizações sociais (OS). Nesta segunda etapa do “programa”, a expectativa era atrair principalmente capital internacional e a maioria dos investidores veio de países do sul da Europa. - Implementação em nível regional da visão neoliberal enfatizando apenas os aspectos meramente comerciais no Mercosul, bem como nas relações com outros vizinhos. Por exemplo, foi assinado um acordo com o governo, na época igualmente neoliberal da Bolívia, para fornecimento de gás natural, principalmente, para as usinas termelétricas que o setor privado foi autorizado a construir em vários estados brasileiros e que, na verdade, acabou por não fazer. O preço definido foi muito abaixo da realidade internacional e teve que ser renegociado durante o governo Lula. - Um episódio muito ilustrativo sobre o nível que a subordinação ao imperialismo pode chegar foi a defenestração do embaixador brasileiro, José Maurício Bustani, do cargo de presidente da Organização para Proibição de Armas Químicas (OPAQ) por pressão americana em 2002. As adesões a OPAQ haviam aumentado de 87 para 145 países, incluindo o Iraque, durante o seu mandato. Isso permitiria a realização de inspeções para verificar se estes países estariam cumprindo as normas da Organização. Como não interessava ao Departamento de Estado americano que eventualmente se verificasse um comportamento correto de parte do Iraque que era acusado de possuir armas de destruição em massa, foi Brasil-China Brasil -Propostas para uma nova ordem internacional 7 proposta a destituição de Bustani de seu cargo por “incompetência”, sendo que ele havia sido eleito em 2000 por unanimidade, incluindo o voto americano. O governo brasileiro não tomou nenhuma medida para defendê-lo e na votação, até os parceiros do Mercosul se abstiveram devido ao silêncio da chancelaria brasileira (Guimarães, 2002). FHC assumiu para si o papel de porta voz do governo brasileiro no exterior por meio de algumas visitas oficiais, recebimento de diplomas honoris causa em universidades de renome no “Primeiro Mundo” e participação em reuniões internacionais de políticos e acadêmicos ligados à “Terceira Via” deixando para o Itamaraty os aspectos técnicos das relações internacionais. Além das já mencionadas graves conseqüências econômicas e sociais provocadas por estas políticas, foi também um período em que a democracia e a relação entre sociedade e Estado foram bastante constrangidas no Brasil, uma vez que elas partiam de um pensamento único que se tentava impor a qualquer custo e cuja oposição era intimidada. A relação dialética com a política externa foi igualmente negativa, pois ela contribuía para fortalecer as medidas neoliberais internamente e o governo brasileiro as realimentava nas organizações internacionais como na OMC, Fundo Monetário Internacional (FMI), ONU, Organização dos Estados Americanos (OEA), Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), entre outras devido a sua influência e peso relativo no cenário externo. A política externa do governo Lula A posse do presidente Luis Inácio Lula da Silva em 10 de janeiro de 2003 marcou uma inflexão no modelo político implantado por Collor e FHC e as mudanças mais visíveis ocorreram de forma relativamente rápida na política externa, a começar pela nomeação dos embaixadores Samuel Pinheiro Guimarães e José Maurício Bustani, já mencionado, respectivamente como Secretário Geral do MRE e Embaixador em Londres. O primeiro havia sido afastado de suas funções durante o governo anterior devido às suas críticas públicas a ALCA. O princípio básico que norteou a política externa do governo Lula foi, em primeiro lugar o respeito aos parâmetros estabelecidos pela Constituição da República Federativa do Brasil, aprovada em 1988 e cujo artigo 4º afirma que a “República Brasil-China Brasil -Propostas para uma nova ordem internacional 8 Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios”: “independência nacional; prevalência dos direitos humanos; autodeterminação dos povos; não-intervenção; igualdade entre os Estados; defesa da paz; solução pacífica dos conflitos; repúdio ao terrorismo e ao racismo; cooperação entre os povos para o progresso da humanidade; concessão de asilo político”. O “parágrafo único” do mesmo artigo 4º afirma ainda que “a República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações” (Pomar, 2009). Esta posição se desdobrou em vários temas tratados internacionalmente além da diplomacia em si, representada pela participação nas organizações internacionais, pela integração regional e pelas relações bilaterais. Estes temas são a ação contra a fome e a pobreza; assistência humanitária; biocombustíveis; ciência e tecnologia; desarmamento; direitos humanos e temas sociais; G-20 financeiro; bem como mar, Antártida e espaço (Site www.mre.gov.br consultado em 30/01/2010). A situação internacional enfrentada pelo governo em seu início era de continuidade da promoção das políticas neoliberais pelas instituições financeiras internacionais e das negociações comerciais de acordo com a agenda aprovada em Doha. Estas políticas haviam prosseguido no plano nacional até o final do governo FHC embora com alguns reveses. Por exemplo, a falta de investimentos na infra-estrutura energética provocou um blackout em quase todo o país e racionamento de energia elétrica impedindo politicamente a continuidade da privatização do setor elétrico, pois o principal argumento para justificá-la era a promessa que a privatização traria investimentos privados para ampliar o sistema elétrico e torná-lo mais seguro. Vivia-se nesta época, no Brasil e em vários países latino-americanos, um desgaste do modelo econômico e político vigente em função das crises provocadas pelos ataques especulativos mencionados e pelo agravamento da situação social, que desmentiram todo o discurso falso dos supostos benefícios que a economia de mercado produziria. Brasil-China Brasil -Propostas para uma nova ordem internacional 9 A resposta popular a este desgaste foi a eleição de Hugo Chávez na Venezuela em 1998 e de Lula no Brasil em 2002, seguido pela de outros candidatos presidenciais progressistas no Uruguai, Argentina, Bolívia, Equador, etc. A situação econômica herdada pelo governo Lula era péssima. Grandes volumes de reservas internacionais, bem como os recursos advindos da privatização de empresas públicas haviam evaporado para sustentar a paridade entre a moeda brasileira (Real) e o dólar americano para cumprir com a reforma cambial recomendada pelo “Consenso de Washington” e que tornou a balança comercial brasileira deficitária ao longo de quase todo o governo FHC. A taxa de juros se encontrava em patamares elevados e havia risco de aceleração da inflação. Isso sem falar na redução de recursos para custeio da máquina administrativa do governo federal. A herança econômica e social foi enfrentada em algumas ocasiões de forma contraditória, pois a opção política de Lula foi a de promover reformas sem provocar rupturas políticas, o que exigia uma série de negociações com setores sociais muito díspares. Por um lado, foram implementados vários programas sociais. Particularmente o de renda mínima causou grande impacto no combate à pobreza; universalização do acesso à energia elétrica; facilitação do acesso às universidades; entre outros. O plano nacional de desestatização foi interrompido e os salários dos servidores públicos começaram a ser reajustados, além da contratação de novos funcionários em órgãos do governo que haviam sido desprovidos de recursos humanos. No entanto, por outro lado, a taxa de juros aumentou, as dívidas públicas continuaram a ser pagas sem qualquer questionamento, houve muitas medidas que favoreceram os grandes empresários, particularmente, os latifundiários e até hoje há muitas dificuldades em compatibilizar os investimentos em infra-estrutura e o meio ambiente. Na política geral do governo Lula, o que se diferenciou desde o início e marcou profundas diferenças em relação ao governo anterior, foi a política externa com dois marcos concretos e muito simbólicos ainda em 2003. Um deles foi a interrupção das negociações da ALCA quando o governo brasileiro secundado pelos vizinhos do Mercosul fez uma proposta inaceitável para os EUA de negociações em três níveis (“Três Trilhos”) da agenda: o que já fizesse parte da pauta da OMC seria resolvido Brasil-China Brasil -Propostas para uma nova ordem internacional 10 neste nível, outros itens poderiam se tornar acordos plurilaterais e no âmbito da área de livre comércio se negociaria o comércio agrícola. O outro foi a articulação do G20 comercial em Cancun, ao mesmo tempo em que esta conferência fracassava que alguns meses depois reduziu significativamente a agenda da Rodada Doha (Mello, 2010). Para cumprir os princípios emanados da Constituição Federal e transformar o Brasil num ator político de expressão no sistema internacional foram adotadas várias iniciativas. A primeira foi a de privilegiar e fortalecer as relações sul – sul por intermédio do estreitamento de relações com as potências médias como a Índia, África do Sul, Argentina, entre outras, com os países da América do Sul, com os países africanos e com os países árabes. Os instrumentos utilizados foram o Acordo IBSA (Índia – Brasil – África do Sul), as reuniões do grupo BRICs (Brasil – Rússia – Índia – China), o G-20 comercial, os encontros entre países árabes e sul-americanos e entre países africanos e sul-americanos, as cúpulas ibero-americanas, as relações bilaterais específicas e, por fim, os acordos de integração regional Mercosul e Unasul. As relações com os países africanos adquiriram uma dimensão especial e o próprio presidente Lula visitou o continente sucessivas vezes, sendo que os países de língua portuguesa receberam muita atenção. Há muitos países na África e sua participação na definição das políticas das Organizações Internacionais é muito importante, além de possibilitar o estabelecimento de novas relações econômicas e comerciais. Por fim, há uma forte relação étnica e cultural entre o Brasil e os países africanos que justifica e, inclusive, dá dimensão popular e apoio a este movimento do governo brasileiro. A integração regional, por sua vez, possui uma dimensão estratégica para além das relações sul – sul, pois a perspectiva da formação de um bloco sul – americano integrado economicamente e com capacidade política é a de melhorar a situação sócio-econômica de seus povos, integrar a infra estrutura e ampliar o poder e o espaço destes países no cenário internacional. O Unasul jogou um papel fundamental durante a “crise separatista” na Bolívia quando a direita neste país fomentava uma divisão entre suas províncias e entre as classes sociais que Brasil-China Brasil -Propostas para uma nova ordem internacional 11 caminhava para uma guerra civil. Mesmo assim, o Mercosul e a Unasul ainda carecem de uma dimensão de complementariedade econômica maior, assim como de mais institucionalidade, pois suas estruturas de decisão são muito centralizadas na figura dos presidentes. Embora freqüentemente haja diferentes interesses entre este leque de países, a iniciativa de reuni-los para tratar de alguns temas e demandas comuns começa a contribuir para mudar o desenho do poder no sistema internacional como a criação do G-20 financeiro que politicamente substituiu o G-8 e algumas reformas, embora ainda modestas, nas instituições financeiras internacionais. A criação do G-20 comercial permitiu que pela primeira vez houvesse a definição de uma agenda de negociações que não fosse exclusivamente aquela definida pelos países industrializados. No entanto, se por um lado este fato foi um marco positivo, por outro, a insistência do governo brasileiro em concluir a Rodada Doha com o resultado negativo ao qual chegou em 2008 e 2009 não se justifica, nem mesmo sob o argumento de preservar o multilateralismo nas relações de comércio. No aspecto da busca da democratização da governança mundial e das atitudes próativas do governo Lula nas relações internacionais registra-se também a discussão sobre a ampliação do número de membros permanentes no Conselho de Segurança da ONU para que este reflita a nova realidade mundial que é muito diferente daquela do final da Segunda Guerra Mundial em 1945. Além deste debate, o governo tem sido pró-ativo em várias questões internacionais como a tentativa de engajamento com os governos da França e Alemanha na oposição à invasão americana do Iraque, as contribuições para solucionar o conflito entre israelenses e palestinos, a campanha fome-zero internacional, a atuação contrária ao golpe de estado em Honduras, a missão de paz no Haiti onde o Brasil lidera a Minustah e o apoio à reintegração de Cuba no sistema interamericano. Quanto à operacionalização da política externa também houve várias mudanças, a começar pela reestruturação do próprio MRE com a ampliação de seu orçamento que permitiu abrir várias embaixadas novas e ampliar expressivamente o número de novos diplomatas. Apesar da coordenação da política exercida pelo Itamaraty, atualmente há também a participação de outros ministérios e órgãos de governo no Brasil-China Brasil -Propostas para uma nova ordem internacional 12 exercício da política externa, alguns inclusive com excessiva influência como é o caso do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC) e o Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento (MAPA) devido aos vínculos que possuem com o setor empresarial e a defesa desses interesses. Há outros um pouco mais limitados como o Ministério de Meio Ambiente (MMA) e o Ministério de Desenvolvimento Agrário (MDA). Mesmo assim, eles têm exercido um papel importante nas negociações de políticas internacionais. O MMA formulou a posição brasileira para a Conferência das Partes (COP-15) em Copenhagen em 2009 e o MDA tem assegurado propostas nas negociações comerciais que beneficiam a agricultura familiar. Atualmente o MRE tem sido também mais aberto à participação dos movimentos sociais, centrais sindicais e ONGs nos eventos internacionais, inclusive, muitas vezes como membros da delegação oficial, e os diplomatas do MRE têm se disponibilizado para dialogar e participar de eventos organizados pela sociedade civil quando convidados. Entretanto, ainda faz falta a criação de um “Conselho Nacional de Política Externa” como organismo consultivo com participação social a exemplo de outros ministérios como, por exemplo, o da saúde e o da educação. Ao longo da década de 1990 ampliou-se a participação de estados e municípios, principalmente estes últimos, nas relações internacionais no nível sub-nacional em busca de articulação de interesses junto aos governos nacionais e organizações internacionais, intercâmbio de experiências e boas práticas e o desenvolvimento de cooperação descentralizada. Estas iniciativas têm contado com respaldo do governo Lula como demonstra a criação do Ministério das Cidades, de organismos internacionais como o Fórum Consultivo de Estados e Municípios do Mercosul e apoios específicos do Itamaraty. A política externa do governo Lula é bem avaliada pela militância em geral do PT e de fato há muita coerência entre ela e a política internacional defendida pelo partido, embora existam evidentemente diferenças na interpretação e nas relações necessárias para promover o princípio do internacionalismo porque partido e governo são instituições de natureza diferentes. O governo responde por todos e o partido por uma parte da sociedade, mas as diferenças podem se evidenciar, particularmente, em algumas relações bilaterais. Por exemplo, o governo brasileiro Brasil-China Brasil -Propostas para uma nova ordem internacional 13 deve se relacionar com o atual governo de direita da Colômbia que além de vizinho é também membro da Unasul, embora tenha transformado o país no “Cavalo de Tróia” dos Estados Unidos na América do Sul. Ao contrário, o PT privilegia na América Latina e Caribe as relações com o Foro de São Paulo de partidos de esquerda e na Colômbia apóia e relaciona-se com o Pólo Democrático Alternativo (PDA) que faz oposição a Uribe. O mesmo acontece no México onde o PT se relaciona com o Partido da Revolução Democrática (PRD) que faz oposição ao governo de Felipe Calderón, atual presidente do país e do Partido da Acción Nacional (PAN). O PT, neste caso, pode manifestar críticas a estes governos e apoiar abertamente a oposição, mas o governo não. A afinidade temática entre partido e governo diz respeito à defesa da paz mundial, respeito à soberania e autodeterminação dos povos e nações, reforma democrática das instituições internacionais, defesa da integração regional, alianças e relações sul – sul e promoção dos direitos humanos, econômicos, culturais, ambientais e sociais (PT, 2007). Apesar de estes pontos estarem incorporados na política externa brasileira, não significa que não possa haver divergências quanto à sua execução, pois é freqüente o governo adotar posições mais comedidas e pragmáticas do que aquelas defendidas pelo partido, como ocorre normalmente nas discussões internacionais que envolvem direitos humanos, por exemplo. Neste caso, o desafio é compatibilizar o princípio da soberania nacional e autodeterminação dos povos com o respeito às normas internacionais e universais de direitos humanos. A oposição ao governo critica a política externa, porém sem argumentos consistentes para não dizer muito toscos e rebaixados. Porém, a avaliação dos setores da população que acompanham a política externa, é positiva e devemos trabalhar para manter as conquistas do governo Lula e ampliá-las no próximo governo. Uma nova ordem internacional - propostas para o futuro A conjuntura do presente é marcada principalmente pela crise econômica mundial e as tentativas de superá-la. Ela se iniciou como uma crise financeira e em menos de um ano assumiu as características de profunda crise econômica conforme apontam Brasil-China Brasil -Propostas para uma nova ordem internacional 14 os indicadores de recessão, retração da economia global e crescimento do desemprego. Devido à interdependência da economia globalizada, ela afetou todos os países, embora aqueles cujo crescimento se apoiava principalmente nos seus mercados internos como o Brasil ou os que adotaram medidas de estímulo ao desenvolvimento local como a China sofreram impactos menores e a superaram com maior rapidez. Apesar de alguns países como Alemanha, França e outros começarem a apresentar ligeiro crescimento de seus PIBs nos meses finais de 2009, o que vem sendo vendido pela imprensa como indicador de superação da crise, ainda é temerário afirmar que a mesma já passou, principalmente, diante da previsão da OIT da perda de mais 15 milhões de postos de trabalho em 2010 e pela ausência de medidas para neutralizar os fatores que provocaram a crise financeira, particularmente, o funcionamento do sistema financeiro e dos paraísos fiscais sem qualquer regulação e controle do Estado. O aspecto positivo da crise econômica, se podemos chamar assim, foi o fato de todos os governos neoliberais lançarem mão dos recursos e do aparato do Estado para enfrentá-la. Sem entrar no mérito do resultado, o importante foi a mensagem de que o Estado tem papel importante a cumprir na regulação da economia, embora não esteja ainda definido o caráter do modelo econômico do futuro. No entanto, não é apenas a economia mundial que se encontra em crise, mas também o meio ambiente em função das mudanças climáticas; as fontes de energia não-renováveis devido aos limites físicos de sua exploração e à contribuição que dão para o aquecimento global pela grande emissão de CO2; o fornecimento de alimentos devido à especulação das corporações multinacionais com commodities agrícolas e o fornecimento de água devido ao aumento populacional, aumento da desertificação e falta de saneamento básico. Estas crises denotam a insustentabilidade do modelo de desenvolvimento implementado pelas grandes potências do Norte e não têm como ser enfrentadas meramente no plano nacional. Portanto, deverão ser consideradas no debate sobre a nova ordem internacional. Após a Segunda Guerra Mundial havia-se constituído, principalmente, nos países desenvolvidos o que Ruggie denominou de “liberalismo embutido” onde os Brasil-China Brasil -Propostas para uma nova ordem internacional 15 processos inerentes ao mercado, bem como atividades empresariais e das corporações multinacionais foram “envoltos” por um conjunto de regulamentações sociais e políticas, embora o conteúdo delas fizesse parte da estratégia estatal de promoção do desenvolvimento industrial e econômico. Tratava-se a rigor de estabelecer a estrutura de uma nova ordem mundial que garantisse o multilateralismo das relações econômicas e políticas com estabilidade doméstica para evitar a repetição dos distúrbios dos anos 1930 (1983). O sistema de Bretton Woods que norteou o rumo deste desenvolvimento e da governança mundial, no entanto, foi colocado em xeque pelos seus próprios criadores na década de 1970, mas eles mantiveram o funcionamento de suas instituições para servir á implantação do modelo neoliberal. Contudo, a crise financeira colocou a última pá de cal na capacidade de governança do sistema, mesmo com o G-20 colocando grandes montantes financeiros sob administração do FMI para combater a crise econômica. A percepção geral também é de crise e declínio relativo do modelo hegemônico e da unipolaridade impulsionada por Bush que pouco mudou na nova administração dos Estados Unidos. O que não se sabe, por ora, é como se dará a transição para uma nova hegemonia, quanto tempo levará e que resultado estabelecerá. Esta incerteza é pertinente, pois mesmo rejeitando a idéia da teleologia da história, identificam-se algumas semelhanças entre a queda e ascensão dos diferentes impérios, por exemplo, o esgotamento da capacidade financeira para sustentá-los e a substituição das finanças pela força e pelas guerras para tentar manter a hegemonia, mas que somente apressaram a decadência como foi, por exemplo, a queda do império romano no século IV ou dos Habsburgos no século XVII. Já a transição da hegemonia inglesa para a americana se deu sem conflitos armados. Pelo contrário. Foi uma transição articulada com o novo hegemon – EUA – a partir do fim da Primeira Guerra Mundial e que gerou uma aliança financeira e política que se mantém até hoje possibilitando, inclusive, que o Reino Unido muitas décadas depois da perda do posto de império hegemônico, interviesse militarmente com capacidade própria em outros continentes como nas Ilhas Malvinas nos anos 1970 e posteriormente no Iraque, por duas vezes, bem como no Afeganistão. Brasil-China Brasil -Propostas para uma nova ordem internacional 16 A construção do “novo”, enquanto o “velho” não morre ou se aposenta é um desafio para a política externa das potências grandes e médias do norte e do sul, mas principalmente para o sul como a China, Brasil, Índia, África do Sul, Rússia, entre outras (Pomar, 2009). As iniciativas para democratizar o sistema internacional e reformar suas organizações e regimes podem contribuir para que o “novo” seja um sistema efetivamente multilateral. No entanto, o objetivo é que este multilateralismo seja o mais abrangente e inclusivo possível, pois trocar a unipolaridade pela participação do poder das potências emergentes, sem dúvidas, é um avanço, mas será sempre insuficiente enquanto todos não participarem de alguma forma. Para atingir este objetivo é necessário também estar atento para superar o “subimperialismo” que, pelo menos no caso do Brasil, dificulta uma relação mais integrada com seus vizinhos menores e mais pobres. Seja por ressentimentos históricos e/ou seja, por fatos concretos. Países como o Uruguai, Paraguai e Bolívia vêem o Brasil como uma ameaça maior a sua economia e soberania do que os próprios Estados Unidos. Isso se explica por conflitos bélicos ocorridos no século XIX e porque o capitalismo brasileiro atual tem empreendimentos e é dono de grandes extensões de terra nestes três países, sem falar da questão de Itaipu e do gás boliviano. Para alterar esta percepção do subimperialismo, há um segundo elemento que deve fazer parte de uma política visando uma nova ordem internacional que é a redução das assimetrias. O desenvolvimento sustentável, equitativo e inclusivo não pode admitir as atuais diferenças econômicas e sociais entre as nações. Não interessa a ninguém ter vizinhos pobres, pois enquanto eles permanecerem assim estarão sempre ameaçando o desenvolvimento daqueles que se encontram em melhor situação. Para combater as assimetrias é necessária uma política de cooperação internacional mais generoso e dinâmico do que o atual, além da mudança de enfoque. Atualmente, além de apenas quatro países da OCDE cumprirem com a recomendação de destinar, pelo menos, 0,7% de seus PIBs para a cooperação internacional, a maioria destes países aprovam projetos que beneficiam suas Brasil-China Brasil -Propostas para uma nova ordem internacional 17 próprias empresas privadas. Por exemplo, país “X” doando certo volume de recursos para construir uma ponte no país “Y” sob a condição de a obra ser feita por uma empresa do país doador. É importante que a cooperação internacional fomente o desenvolvimento local e emancipação a partir da capacidade local. Este novo enfoque e alocação de recursos poderiam partir dos países do sul que têm melhor compreensão sobre esta problemática. O cancelamento de dívidas e o acesso dos países menos desenvolvidos aos mercados dos países em desenvolvimento maiores também deve ser estimulado, mas acompanhado de medidas que impeçam o desvio de comércio. Ainda no aspecto da democratização do sistema internacional é fundamental incluir a regulação de seu sistema financeiro. Um dos mecanismos já apontados para isso é a taxação internacional sobre movimentações financeiras e o outro é controlar rigorosamente o setor financeiro, quando não, estatizá-lo, pois esta é a maneira mais segura para garantir sua regulação. A definição das novas relações de poder, a reforma do sistema internacional e a construção de uma nova agenda para as relações internacionais é uma tarefa contínua e que não trará uma resposta definitiva no curto e médio prazo. As questões que envolvem esse propósito terão que conviver com outros temas internacionais conjunturais que podem ajudar no redesenho do sistema, mas que também apresentam aspectos e demandas próprias como a busca da paz, o desenvolvimento ambientalmente sustentável, a migração e o fortalecimento das relações transnacionais. A governança atual não tem conseguido evitar os conflitos regionais e tampouco as iniciativas unilaterais do império americano como as injustificadas invasões e ocupação do Afeganistão e Iraque, bem como as ameaças ao Irã. Um dos motivos é que freqüentemente há conflitos de interesses no interior das instituições internacionais responsáveis pela promoção da paz. Por isso é importante que os países em desenvolvimento se envolvam com estas situações, pois não lhes interessa o fortalecimento da idéia da solução de conflitos por meios armados e, além disso, a possibilidade de possuírem interesses diretos nos países conflitantes é menor do que os países imperialistas. Brasil-China Brasil -Propostas para uma nova ordem internacional 18 A questão ambiental em função das mudanças climáticas, além do que significa para a deterioração da qualidade de vida no planeta poderá também se transformar em uma questão de segurança se não forem adotadas medidas rapidamente para reduzir as emissões de CO2 e recuperar as áreas degradadas. Se não forem adotadas, a perspectiva é de deslocamento de populações de áreas afetadas como refugiados em outros países, a começar pelas que vivem em ilhas do Oceano Índico e Pacífico que poderão ser cobertas, uma vez que o nível do mar vem subindo. Os problemas relacionados a grande número de refugiados raramente são pacíficos e da mesma forma as questões sociais ligadas à escassez de alimentos e água provocada pelas mudanças no clima como a fome e a pobreza. Os esforços dos países na área internacional devem se pautar pelo objetivo de um acordo equilibrado e justo para corte de emissões de gases de efeito estufa e atribuição de recursos para recuperar o que foi estragado até o momento. Quando foi para salvar os bancos afetados pela crise financeira, muito dinheiro apareceu rapidamente e, apesar das reticências dos países desenvolvidos eles devem pagar para salvar o planeta que ajudaram a destruir. Um tema que começa a requerer cada vez maior atenção dos operadores da política externa dos países em desenvolvimento é o tema da migração, seja porque ondas de seus cidadãos começam a se estabelecer em países mais desenvolvidos na expectativa de melhorar de vida e seja porque os próprios países em desenvolvimento começam a receber migrantes de países vizinhos mais pobres. A resposta da comunidade internacional não tem sido adequada em relação a esta situação e em muitos lugares, particularmente, na Europa, desenvolvem-se posições xenofóbicas que tem alimentado a direita política, enquanto nos EUA foi construído um muro para tentar barrar a entrada de latino-americanos. É um comportamento extremamente oportunista politicamente, pois as empresas americanas e européias se beneficiam do trabalho barato dos migrantes e estes, pelo menos na Europa, aportam três vezes mais para a economia do que custam para se manter, uma vez que eles se encontram sempre em situação de insegurança quanto a sua permanência e integridade. Há alguns tratados e convenções internacionais que lidam com este tema na ótica de proteger o migrante como as Convenções 97 e 143 da OIT e a Convenção Brasil-China Brasil -Propostas para uma nova ordem internacional 19 Internacional da ONU sobre a Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e de suas Famílias. É preciso fortalecê-los e aplicá-los e se for necessário criar mecanismos mais novos e eficazes para garantir seus direitos humanos, econômicos, políticos e culturais no país que elegeram para viver. Por fim, é necessário considerar as perspectivas do movimento social de incidir sobre a nova ordem internacional por meio das relações transnacionais que já tem dado várias demonstrações de sua capacidade de influenciar a agenda internacional, particularmente nas questões relacionadas a meio ambiente e direitos humanos. O governo Lula tem sido mais aberto do que outros quanto à participação da sociedade nas discussões sobre a política externa, embora com as limitações já mencionadas, e a retribuição tem sido positiva no aporte de conhecimento acumulado por organizações sociais e ONGs em vários temas como propriedade intelectual, meio ambiente, trabalho, entre outros além de constituir uma caixa de ressonância das políticas de Estado junto a setores da população. Embora do ponto de vista realista as relações internacionais continuem sendo relações entre Estados e entre Estados e Organizações Internacionais, elas não precisam ser exercidas exclusivamente pelo que podemos considerar uma elite no bom sentido, por dominar as técnicas que regem a diplomacia, mas comportam seguramente muita participação das organizações sociais. Estas são algumas idéias básicas que necessitam ser mais desenvolvidas e formatadas para que possam contribuir para as formulações desejadas de uma nova ordem internacional. Janeiro de 2010 Bibliografia GUIMARÃES, SAMUEL PINHEIRO. O Brasil, os EUA, a OPAQ e Bustani. Correio da Cidadania (art). São Paulo, 27/04/2002. ___________________. Uma política externa para enfrentar as vulnerabilidades e disparidades in O Brasil em Transformação, Vol. III, A política Externa do Governo Lula (No prelo). São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2010. Brasil-China Brasil -Propostas para uma nova ordem internacional 20 JAWARA, FATOUMATA e KWA, AILEEN. Behind the scenes of the WTO. Londres: Zed Books, 2003. MELLO, FÁTIMA. Uma avaliação a partir do movimento social in O Brasil em Transformação, Vol. III, A política Externa do Governo Lula (No prelo). São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2010. POMAR, VALTER. A política externa do Brasil (mimeo). São Paulo, 2009. PT. A política externa do PT (Brochura). São Paulo, 2007. RUGGIE, JOHN. G. International regimes, transactions, and change: embedded liberalism in the postwar economic order. In KRASNER, S. D. (Org). International regimes. Ithaca: Cornell University Press, 1983. p. 195 – 231. VIZENTINI, PAULO FAGUNDES. Relações internacionais do Brasil: De Vargas a Lula. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2003. SITES CONSULTADOS: www.mre.gov.br em 30/01/2010. Brasil-China Brasil -Propostas para uma nova ordem internacional 21