Concorrência: Para uma Nova Cultura Empresarial
Abel M. Mateus
Presidente da Autoridade da Concorrência
Conferência proferida no
American Club of Lisbon,
Hotel Sheraton, 21 de Abril de 2004
Minhas Senhores e Meus Senhores,
É um privilégio estar aqui hoje a falar-vos de uma nova instituição, como primeiro
presidente da Autoridade. Este clube tem para mim um grande significado, porque
embora português, tenho dois filhos americanos e devo aos EUA uma parte importante
da minha formação intelectual – e contando comigo, já são três gerações que lá
estudam, e país onde vivi metade da minha vida profissional.
Não vos vou falar de assuntos que me ocuparam durante muitos anos que foram a macro
e o desenvolvimento, mas de aspectos microeconómicos e em particular da política da
concorrência.
Vivemos hoje momentos difíceis perante a incerteza geo-política criada por movimentos
fundamentalistas e a esclerose da economia europeia. As empresas portuguesas
confrontam-se com uma recessão que já dura cerca de 2 anos, e têm pela frente uma
retoma que se perspectiva lenta e difícil. Mas são os grandes desafios que geram as
grandes oportunidades. A sociedade e cada empresa, em particular, deve aproveitar
estas ocasiões para tomar as grandes decisões, fazer as reformas profundas, reduzir os
custos e reorganizar-se para criar as condições de um crescimento sustentado da
produtividade. E é nesta perspectiva que em Portugal somos chamados a introduzir uma
nova cultura: a cultura da concorrência como vector da vida empresarial.
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Depois do Estado corporativo e da breve história da economia nacionalizada é hoje
amplamente reconhecido que estamos num sistema de economia de mercado. Assim
como o direito constitucional protege as liberdades dos indivíduos, o direito da
concorrência protege a livre concorrência entre as empresas – fundamento da economia
de mercado. Foram os congressistas dos Estados Unidos da América que, através do
Sherman Act de 1890 e depois com o Clayton Act de 1914, reconheceram que a
sobrevivência da democracia política necessitava da democracia económica. E o próprio
senador Sherman afirmava no congresso que os EUA tinham recusado o domínio da
realeza (britânica) e que o povo americano não estava disposto a vê-lo substituído pelo
domínio dos grandes conglomerados. Estes dois actos lançaram as bases da política
anti-trust, o primeiro proibindo práticas de concertação entre empresas e o segundo
controlando as concentrações. Aqueles princípios foram nos anos 1950 vertidos nos
Tratados das Comunidades Europeias.
Ao contrário dos EUA, onde a violação das regras anti-trust acarreta sanções criminais,
a UE só introduziu sanções pecuniárias, embora estas hoje se aproximem de níveis
bastante pesados (10% do volume de negócios). Mas há hoje cada vez um maior
número de países da União a introduzir sanções criminais, como é já o caso da
Alemanha, França, Reino Unido, Áustria e Irlanda. Também esperamos que em
Portugal se caminhe neste sentido. E não é só o legislador que se encontra ainda
antiquado nestas matérias, pois a prática do sistema judicial é considerar mesmo os
crimes cometidos pelas ou contra empresas com maior tolerância do que os cometidos
entre indivíduos. Basta a este respeito referir, que é possível provar pela teoria
económica que os danos sociais ultrapassam muitas vezes largamente os danos
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cometidos na esfera individual: por exemplo, um diferencial de preços de 5% que afecte
10% do consumo nacional, corresponde a um dano anual de cerca de 560 milhões de
euros.
Minhas Senhoras e Meus Senhores
É hoje largamente reconhecido pelos economistas de que a concorrência promove a
eficiência e a inovação. A empresa protegida pelas barreiras à entrada, que podem ser
tecnológicas, institucionais e mesmo, o que é pior, legais, não necessita de se esforçar
por aumentar a produtividade, pois tem os seus lucros assegurados. Daí, que, ao
contrário do que muitas vezes se tem apregoado, é por ter tido sucesso num ambiente
concorrencial dentro do país que as empresas se tornam mais competitivas para
concorrer no mercado global.
Esta temática leva-nos à questão dos “campeões nacionais”. Tanto a Comissão Europeia
como as autoridades nacionais da concorrência têm sido por vezes acusadas de não
permitirem a emergência de “campeões nacionais” que possam concorrer no mercado
seja comunitário seja global. Um caso recente na Holanda ilustra o problema no sector
energético: a autoridade da concorrência holandesa tem sido criticada por não permitir a
fusão entre as seis maiores empresas de electricidade do país. Apesar da existência de
interconexão entre os sistemas eléctrico holandês e dos países vizinhos, a autoridade
reconhece que o mercado relevante é o nacional, enquanto que as empresas defendem
que é o comunitário. E, reconhecendo a existência de monopólios locais, o Ministro da
Economia da Holanda acaba de propor ao Parlamento uma lei para obrigar aquelas
empresas a vender até 2007 o negócio da distribuição, separando-o do da produção, para
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incentivar a concorrência ao nível dos consumidores. Será mais importante para a
Holanda ter uma grande empresa de energia que vai concorrer a nível europeu, ou uma
situação em que a maior concorrência no mercado nacional leva a preços relativamente
baixos? A propósito, a Holanda tem preços próximos da média da UE e bastante abaixo
dos de Portugal. O resultado será um aumento do bem-estar dos consumidores e da
competitividade das empresas que pagam as “utilities”.
Também um estudo recente da autoridade sueca rejeita a hipótese de que o controle de
concentrações tenha prejudicado o crescimento das empresas a nível comunitário. Deixe
que vos assegure que nem eu nem qualquer dos meus colegas europeus vê qualquer
problema na fusão de empresas, quando o mercado onde concorrem efectivamente é o
europeu, e não existe qualquer barreira à entrada e a concentração nesse mercado é
baixa. Por exemplo, uma empresa portuguesa, que nesse mercado tenha tipicamente
entre 2 a 5% do total do mercado da UE não deve recear a rejeição das autoridades, ao
adquirir uma empresa estrangeira.
O controle das concentrações é fundamental numa política de concorrência. Entre nós, a
nova lei da concorrência, veio modernizar e alinhar o seu enquadramento legal com o
prevalecente na Europa, embora se reconheça que a nova revisão dos regulamentos
comunitários já deu mais um passo na aproximação com os EUA, ao acolher a
importância do teste de rejeição baseado no impacto significativo sobre a concorrência,
em abandono do teste da dominância, que ainda é o consagrado na lei portuguesa. Em
Portugal herdámos situações de elevada concentração em vários sectores de bens não
transaccionáveis e que colocam problemas difíceis de resolver à Autoridade. Depois de
atribuídas concessões, assinados contratos, é extremamente difícil pela via
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administrativa-judicial levar à separação estrutural de uma empresa privada. E, como
dizem muitos economistas: pior que um monopólio público só um monopólio privado.
No pólo oposto, há casos em que a fusão entre empresas pode aumentar a concorrência.
É o que nos parece ser o mercado dos serviços bancários. Embora a banca exerça
actividade em vários mercados, uns locais, outros nacionais e outros mesmo
comunitários ou globais, não vemos qualquer problema na fusão entre pequenos bancos,
que poderiam mesmo aumentar o grau de concorrencialidade na banca.
É particularmente preocupante o elevado grau de ineficiência e concentração que existe
nos sectores infraestruturais como a electricidade e as telecomunicações. Relatórios
recentes publicados pela Comissão, e baseados em números do Eurostat, mostram
diferenças substanciais não só em relação à média da UE como sobretudo em relação
aos países com mais baixos custos da Europa. Não há programa de competitividade para
a economia portuguesa que não possa considerar estes aspectos. As empresas
portuguesas pagam a electricidade 11% acima da média, e 80% acima da Suécia,
excluindo o elemento fiscal. E em relação ao mercado mais próximo, o espanhol, o
diferencial em Junho de 2003 era de 11% em desfavor de Portugal, excluindo os
impostos. Para as telecomunicações, um cabaz de serviços custa em Portugal quase o
dobro do da Suécia.
Refira-se ainda que o controle das concentrações trás benefícios substanciais para as
empresas que não estão em posição dominante, pois a Autoridade, ao proibir a
constituição de posições dominantes, protege aquelas de possíveis abusos de poder de
monopólio.
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Finalmente, a proibição de práticas restritivas da concorrência como os acordos entre
empresas para controlarem preços (cartéis) ou abusos de posição dominante permitem
não só proteger os consumidores dos seus efeitos nefastos como evitar que empresas
que não estão dentro desses acordos sejam prejudicadas. Neste domínio, deixem-me
referir dois casos paradigmáticos. O caso do sector cimenteiro, já objecto de várias
investigações a nível comunitário e de diversas autoridades nacionais europeias por
dividirem mercados entre si, onde o elevado montante de prejuízos causados aos
consumidores levou a elevadas coimas, mas que quando comparadas com os enormes
lucros realizados por estes oligopólios, talvez não tenham sido dissuasores.
Outro sector em que temos estado activos é o das profissões liberais, onde ainda
recentemente a intervenção da Autoridade levou à não fixação de tabelas de preços no
caso de duas Associações. É evidente que estas associações podem prestar enormes
benefícios à sociedade através da promoção do ensino profissional e da instauração de
padrões de qualidade, mas o controle de preços pode levar à situação caricata de ter de
pagar um preço elevado por um mau serviço.
A actividade de “advocacy” assume entre nós uma grande prioridade, pois é o Estado
muitas vezes quem acarreta os maiores danos à concorrência. Convido-vos a dar uma
vista de olhos pelas recomendações que a Autoridade tem feito neste domínio e que
mesmo que não sejam seguidas marcam uma posição para a actuação futura dos
governantes. Estas estão disponíveis no nosso website.
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Dentro de dias, mais precisamente a 1 de Maio, vai entrar em funcionamento o novo
regulamento das Comunidades Europeias que permite à Autoridade actuar nestes
domínios em nome da Comissão, o que dá pela primeira vez poderes comunitários a
uma instituição a nível nacional.
Esperemos que esta nova cultura ganhe raiz e se difunda entre as empresas e os
consumidores portugueses, de forma a reforçar a competitividade das primeiras, e o
bem-estar dos segundos.
Muito obrigado pela vossa atenção.
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