BOL. MUS. BIOL. MELLO LEITÃO (N. SÉR.) 13:7-15 MARÇO DE 2002 7 Uma nova espécie de Scinax do grupo perpusillus para Santa Teresa, Estado do Espirito Santo, Brasil (Amphibia, Anura, Hylidae) Oswaldo Luiz Peixoto 1 RESUMO: É descrita uma nova espécie de Scinax pertencente ao grupo perpusillus, para a região de Santa Teresa, Estado do Espírito Santo. Adultos e larvas da nova espécie são descritos e figurados. Alguns caracteres morfológicos que possibilitam a distinção entre a nova espécie e Scinax v-signatus, que também ocorre em Santa Teresa, são apresentados. Palavras-chave: Amphibia, Anura, Hylidae; Scinax arduous, sp.n.; girino; taxonomia. ABSTRACT: A new species of the Scinax of theperpusillus group for Santa Teresa, ES, Brazil (Amphibia, Anura, Hylidae). A new species of Scinax belonging to the perpusillus group is described from Santa Teresa, Espirito Santo State, Brazil. Both adults and larvae are described and figured. Some comments are made on morphological traits that distinguish the new species from Scinax v-signatus, that also occurs at Santa Teresa. Key words: Amphibia, Anura, Hylidae; Scinax arduous, sp.n.; tadpole; taxonomy. Introdução A região de Santa Teresa (ES) abriga um diversificado conjunto de bromeliáceas. Estas plantas ocorrem, em ambiente florestal, como formas terrestres ou epífitas em vários estratos. Em áreas abertas, são encontradas, freqüentemente, como rupícolas. Tal diversidade deve responder, em parte, pela ampla variedade de espécies de anuros bromelígenas aí encontrada. Peixoto (1995) registrou a ocorrência, em Santa Teresa, de oito espécies de anuros associadas reprodutivamente a bromeliáceas, seriam: duas espécies de Crossodactylodes (Leptodactylidae), uma espécie de Dendrophryniscus (Bufonidae), duas espécies de Flectonotus (Hylidae), duas espécies de Phyllodytes (Hylidae) e uma espécie de Scinax (Hylidae). O estudo de 1. Departamento de Biologia Animal, Instituto de Biologia, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Seropédica, 23851-970, Rio de Janeiro, <[email protected]> 8 PEIXOTO: NOVA ESPÉCIE DE SCINAX exemplares do gênero Scinax, colecionados em bromeliáceas em Santa Teresa, permitiu a identificação de uma nova espécie, aqui descrita. O grupo perpusillus, definido por Peixoto (1987), reúne cinco espécies: S. perpusillus (Lutz & Lutz, 1939), S. v-signatus (B.Lutz, 1968), S. alcatraz (B.Lutz, 1973), S. littoreus (Peixoto, 1988), e S. atratus (Peixoto, 1988). Este grupo de espécies ocorre desde o Estado do Espírito Santo, de onde era registrada apenas Scinax v-signatus, até o Estado de São Paulo, ocupando bromeliáceas de restingas e da mata de encosta. Métodos Os exemplares estudados estão depositados nas seguintes coleções herpetológicas: EI, coleção Eugenio Izecksohn, depositada no Departamento de Biologia Animal, Instituto de Biologia, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro; MNRJ, Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro; ZUFRJ, Departamento de Zoologia, Instituto de Biologia, Universidade Federal do Rio de Janeiro; WCAB, coleção Werner Bokermann, depositada no Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo. Os estágios dos girinos referidos na descrição seguem o proposto por Gosner (1960); a representação da distribuição de fileiras de dentículos córneos o proposto por Altig (1970); e a notação da membrana interdigital o proposto por Savage & Heyer (1967). Resultados Scinax arduous sp.n. Holótipo WCAB 44833, fêmea (Figuras 1-2), Estado do Espírito Santo, Santa Teresa, 18 de outubro de 1978, W. C. A. Bokermann; parátipo: WCAB 44834, macho, coletado com o holótipo. Diagnose 1. Comprimento rostro anal (CRA) da fêmea 26,2mm, do macho 19,5 mm ; 2. largura da cabeça discretamente maior do que o comprimento; 3. comprimento da cabeça representando, cerca de, 36% do CRA; 4. mão BOL. MUS. BIOL. MELLO LEITÃO (N. SÉR.) 13. 2002 9 equivalendo a 27% do CRA; 5. Comprimento fêmur-tibial discretamente maior do que o CRA no macho, e menor na fêmea; 6. membrana interdigital ausente entre os dois primeiros artelhos e reduzida entre o segundo e o terceiro; 7. pele do dorso com poucos grânulos, esparsos; 8. girinos com corpo ovalado, em vista dorsal, cauda correspondendo a pouco menos de 2/3 do comprimento total, com altura máxima inferior à do corpo; 9. adultos com ornamentação parda, discreta, representada por uma faixa interorbital e duas faixas transversais e convergentes, no terço posterior do corpo; 10. áreas ocultas das coxas esbranquiçadas, com discretas barras transversais, pardacentas; 11. gula com discreta pigmentação parda. Scinax arduous, holótipo, WCAB 44833, fêmea, CRA 26,2mm, Santa Teresa, Estado do Espírito Santo: Figura 1, vista dorsal; Figura 2, vista ventral. Descrição Espécie de porte pequeno (CRA, fêmea 26,2mm, macho 19,5mm); cabeça discretamente alongada, com seu comprimento representando 36% do CRA; focinho com perfil oblíquo (Figura 3), levemente acuminado; canto rostral pouco evidente; loros ligeiramente oblíquos e côncavos; olhos grandes (Figura 4), projetados, afastados da extremidade do focinho por pouco menos do dobro do diâmetro ocular; distância interorbital aproximadamente equivalente ao diâmetro ocular; narinas arredondadas, situadas na base de pequenas elevações, próximas da extremidade do focinho; distância entre as narinas menor do que o diâmetro ocular; tímpano com diâmetro maior do que o do disco do terceiro dedo; prega supra-timpânica discreta; coanas elípticas, relativamente amplas; 10 PEIXOTO: NOVA ESPÉCIE DE SCINAX dentes vomerianos em dois curtos arcos, entre as coanas; língua grande, ovalada, presa em toda a extensão; fendas vocais amplas, situadas lateralmente próximo ao bordo posterior da língua; saco vocal subgular, discreto. Membros anteriores esbeltos e alongados, mãos correspondendo a 27% do CRA; dedos longos (Figura 6), em ordem crescente 1,4,2,3; membrana interdigital ausente; discos relativamente grandes e levemente alargados; calos sub-articulares nítidos e arredondados; calos carpais externo e interno alongados, o primeiro sulcado até cerca de 1/3 de seu comprimento; calos acessórios pouco evidentes. Membros posteriores alongados, comprimento fêmur-tibial maior do que o comprimento rostro-anal no macho e menor na fêmea; tíbia correspondendo a 51% do CRA na fêmea e a 54% no macho; fêmur correspondendo a 45% e a 51%, respectivamente; pé equivalendo a 66% do CRA na fêmea e a 69% no macho; discos equivalentes aos dos dedos; artelhos (Figura 5), em ordem de crescimento 1,2,5,3,4; membrana interdigital ausente entre os dois primeiros artelhos, reduzida entre o segundo e o terceiro; variação da membrana interdigital I - II 2-2+ III 2--(3+-3) IV (3+-3)-2 V; calos subarticulares nítidos e arredondados, o primeiro maior e pouco mais marcado; calos acessórios discretos. Superfícies dorsais apresentando alguns grânulos esparsos; ventre e área próxima à cloaca granulosos; gula lisa; face ventral das coxas granulosa, demais superfícies dos membros, lisas. Coloração em formalina Superfícies dorsais pardo-claro, com pequenas manchas pardacentas no corpo; uma faixa interorbital, duas barras transversais, convergentes e pouco evidentes, no terço posterior do corpo, uma estreita faixa sobre o canto rostral e algumas faixas transversais sobre os membros, todas pardas. Áreas ocultas das coxas e tíbias esbranquiçadas com discretas barras pardas, pouco mais evidentes nas coxas. Flancos pardo-claro, com uma estreita faixa pardo-escuro, desde os olhos, sobre o tímpano, até o início do terço posterior do corpo. Superfícies ventrais esbranquiçadas, com discreta pigmentação parda na gula. Coloração em vida, EI 7712 Dois indivíduos, colecionados como larvas e metamorfoseados em laboratório, mostraram, para exemplares com CRA 10,9mm e 13,2mm, BOL. MUS. BIOL. MELLO LEITÃO (N. SÉR.) 13. 2002 11 superfícies dorsais variando de pardo levemente acobreado à cinza claro; uma faixa interorbital pardacenta, relativamente larga, porém pouco destacada, e manchas de igual coloração, dispersas. Flancos com uma discreta barra parda, desde os olhos até a metade do corpo, a seguir e até a região inguinal, uma coloração amarelada; com origem no ângulo da mandíbula e até pouco à frente dos olhos, uma estreita faixa esbranquiçada. Áreas ocultas das coxas, em ambas as faces, com uma linha enegrecida, contínua ou fragmentada, e uma faixa amarelada, menos intensa posteriormente; áreas ocultas das tíbias pardacentas, com um leve tom amarelado na parte voltada para a coxa. Ventre despigmentado, translúcido na região gular. Íris creme, levemente amarelada. Scinax arduous, parátipo, WCAB 44834, macho, Santa Teresa, Estado do Espírito Santo: Figura 3, cabeça, perfil; Figura 4, cabeça, vista lateral; Figura 5, pé, face plantar; Figura 6, mão, face palmar. 12 PEIXOTO: NOVA ESPÉCIE DE SCINAX Girinos, EI 7713 Treze girinos, entre os estágios 26 e 37, apresentaram um comprimento médio de 19,9mm; menor girino, estágio 26, 16,7mm, maior, estágio 37, 23,0mm.Corpo ovalado, em vista dorsal (Figura 8), representando 39% do comprimento total; largura do corpo correspondendo a 61% do comprimento; focinho arredondado; olhos dorsolaterais, afastados entre si por cerca de três vezes o diâmetro ocular; narinas arredondadas, mais afastadas entre si do que da extremidade do focinho, voltadas discretamente para a frente e situadas pouco mais próximas dos olhos do que da extremidade do focinho; espiráculo curto, pouco projetado, situado do lado esquerdo do corpo e com abertura voltada para atrás; tubo anal mediano, relativamente curto, com abertura voltada para a direita. Scinax arduous, EI 7713, girino estágio 31, Santa Teresa, Estado do Espírito Santo: Figura 7, vista lateral; Figura 8, vista dorsal; Figura 9, vista ventral; Figura 10, disco oral. BOL. MUS. BIOL. MELLO LEITÃO (N. SÉR.) 13. 2002 13 Cauda (Figura 7) equivalendo a pouco menos de 2/3 do comprimento total; altura máxima atingindo, em média, a 93% da do corpo, no terço anterior da cauda; nadadeiras com contorno, aproximadamente, retilíneo e alturas equivalentes; extremidade caudal arredondada, musculatura caudal pouco desenvolvida. Disco oral ventral (Figuras 9-10), relativamente amplo, lábio anterior brevemente interrompido, com uma ou duas fileiras de papilas marginais; lábio posterior com duas fileiras de papilas marginais, papilas sub-marginais presentes, lateralmente; fórmula dentária 2(2)/ 3, fileiras inferiores com comprimento equivalente; maxila e mandíbula fracamente serrilhadas. Em formalina, superfícies dorsais acinzentadas ou pardacentas, com discreta pontuação enegrecida; flancos e ventre transparentes, com pontos negros dispersos; musculatura caudal creme, com pontos negros, em alguns exemplares, em outros mostrando um fundo cinzento com pequenas manchas creme; nadadeiras esbranquiçadas, com pequenas manchas enegrecidas. Diferenciação Scinax arduous sp.n. ocorre, em Santa Teresa, em simpatria com Scinax v-signatus, conhecida além desta região para algumas localidades serranas do Estado do Rio de Janeiro, onde seu registro é mais frequente. O comprimento total dos exemplares das duas espécies é equivalente, porém S. arduous apresenta porte mais robusto; cabeça mais larga; loros mais inclinados e menos escavados; focinho, em vista lateral, menos projetado; superfícies dorsais com um menor número de tubérculos, e tubérculos menos pronunciados. O padrão de coloração dorsal de S. arduous é mais simples que o de S. v-signatus, sendo a faixa interorbital menos evidente; as barras convergentes do terço posterior do dorso mal definidas; e as faixas que se estendem das barras convergentes até os olhos em S. v-signatus, ausentes ou fracamente marcadas em S. arduous; na região gular não se observa a característica marca em V ou Y (presentes em S. v-signatus); em S. v-signatus observa-se uma mancha pardo-escuro na inserção das coxas e, na maioria dos exemplares, esta mancha é visível ventralmente, o que não ocorre em S. arduous. Os girinos de S. arduous mostram porte menos robusto e corpo discretamente alongado, enquanto que em S. v-signatus o corpo é piriforme; em S. arduous as nadadeiras são mais baixas, e com alturas equivalentes, sendo a dorsal mais alta em S. v-signatus; em S. arduous a altura da cauda é equivalente à altura do corpo, superando a altura do corpo em S. v-sinatus; em S. arduous a musculatura caudal é pouco menos desenvolvida; em S. arduous a maxila tem uma projeção mediana mais 14 PEIXOTO: NOVA ESPÉCIE DE SCINAX acentuada; após um período em formalina, a pele do corpo é transparente em S. arduous, tendo aspecto branco-leitoso em S. v-signatus. Em nenhum dos colecionamentos, os girinos de ambas as espécies de Scinax foram encontrados associados em uma mesma bromeliácea, sugerindo alguma diferença quanto a microdistribuição, no entanto, ambos foram encontrados junto a girinos de Crossodactylodes. Embora limitadas, essas observações sugerem que os girinos de S. arduous sejam encontrados, com maior freqüência em bromélias que ocorrem sobre pedras, em áreas abertas, e os de S. v-signatus em bromélias em ambiente florestal. Etimologia O epíteto específico faz referência à dificuldade de colecionamento de adultos desta espécie, já que intensas atividades de campo na região de Santa Teresa propiciaram, apenas, a obtenção de girinos. Agradecimentos Sou grato aos curadores das coleções citadas pela possibilidade de exame do material nelas depositado e por empréstimos concedidos; agradeço aos Profs. Eugenio Izecksohn e Carlos Alberto G. Cruz pelo auxílio nos trabalhos de campo, motivo pelo qual também sou grato aos amigos do Laboratório de Herpetologia do Departamento de Zoologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Material examinado Scinax arduous, girinos Estado do Espírito Santo, Santa Teresa, WCAB 49652, 18.x.1968, W. C. A. Bokermann; EI 7711, 31 iv. 1978, E. Izecksohn, C. A. G. Cruz e O. L. Peixoto; EI 7712, 09.x.1980, E. Izecksohn, I. Ferreira e O. L. Peixoto; EI 7713, 06.ii.1985, O. L. Peixoto. Scinax v-signatus Estado do Rio de Janeiro, Teresópolis, adultos, MNRJ 3007, holótipo, BOL. MUS. BIOL. MELLO LEITÃO (N. SÉR.) 13. 2002 15 Parque Nacional da Serra dos Órgãos, 23-26.xi.1956, B. Lutz; EI 7604/05, mesmo local, 28.x.1979, J. Pimentel e O. L. Peixoto; ZUFRJ 4025, Vale da Revolta, 07.x.1989, S. P de Carvalho e Silva, O. L. Peixoto, E. Izecksohn e C. S. Santos. Girinos: EI 7601, Represa dos Guinle, 14.ix.1977, E. Izecksohn; EI 7602, mesmo local, i.1978, E. Izecksohn, C. A. G. Cruz e O. L. Peixoto. Estado do Espírito Santo, Santa Teresa, adultos, WCAB 44838, 18.x.1968, W. C. A. Bokermann; EI 7600, 24.viii.1974, C. A. G. Cruz, E. Izecksohn e S. T. Albuquerque; EI 7595-96, 09.x.1980, E. Izecksohn, I. Ferreira e O. L. Peixoto; girinos, WCAB 49653, 17.x.1968, W. C. A. Bokermann; EI 7607, 22.xii.1980, E. Izecksohn, P. Cascon, F. C. C. da Rocha e O. L. Peixoto; EI 7603, 29.ix.1984, E. Izecksohn, C. A. G. Cruz e O. L. Peixoto. Referências Bibliográficas ALTIG, R., 1970, A key to the tadpoles of the continental United States and Canada. Herpetologica 26: 180 207. GOSNER, K. L., 1960, A simplified table for staging anurans embryos and larvae with notes on identification. Herpetologica 16: 183 190. PEIXOTO, O. L., 1987, Caracterização do grupo Perpusillus e reavaliação da posição taxonômica de Ololygon perpusilla perpusilla e Ololygon perpusilla v-signata. Arq. Univ. Fed. Rur. Rio de J 10 (1/2) : 37 49. PEIXOTO, O. L., 1995, Associação de anuros a bromeliáceas na Mata Atlântica. Rev. Univ. Rural, Sér. Ciênc. da Vida 17 (2) : 75 83. SAVAGE, J. M. & HEYER, W. R., 1967, Variation and distribution in the treefrogs genus Phyllomedusa in Costa Rica. Beitr. Neotr. Fauna 5 : 11 131.