III SIMPÓSIO SOBRE A BIODIVERSIDADE DA MATA ATLÂNTICA. 2014 445 Uma Nova Espécie de Anadiplosis (Diptera, Cecidomyiidae) no Brasil V. C. Maia1, F. L. Pinheiro Machado1 & R. F. Monteiro1 1 Universidade Federal do Rio de Janeiro/Museu Nacional *Email para correspondência: [email protected] Introdução Anadiplosis Tavares, 1916 é um gênero neotropical com quatro espécies galhadoras conhecidas, todas associadas a Fabaceae e com ocorrência apenas no Brasil (Gagné & Jaschhof, 2014), a saber: A. caetetensis Tavares, 1920; A. procera Tavares, 1920; A. pulchra Tavares, 1916 e A. venusta Tavares, 1916. As duas primeiras espécies foram descritas com base em material da Bahia coletado por Tavares, 1920: A. caetetensis obtida de galhas em uma espécie não determinada de Fabaceae e descrita apenas na fase de pupa (permanecendo desconhecidos até hoje a larva, o macho e a fêmea), e A. procera obtida de galhas em uma espécie não determinada de Mimosoidea e descrita como pupa, macho e fêmea (permanecendo desconhecida apenas a larva). As outras duas espécies, A. pulchra e A. venusta, foram coletadas no Estado do Rio de Janeiro, em Nova Friburgo por Tavares 1916: A. pulchra induzindo galhas em Machaerium sp. e descrita como ovo, macho e fêmea (larva desconhecida e pupa descrita posteriormente, em 1920, pelo mesmo autor) e A. venusta, indutora de galhas em uma espécie indeterminada de Fabaceae e descrita nas fases de larva, macho e fêmea (pupa também descrita posteriormente por Tavares em 1920). O gênero Anadiplosis pode ser caracterizado morfologicamente por apresentar o primeiro tarsômero de cada perna com uma projeção espiniforme, garras tarsais simples, palpo com dois segmentos, ovipositor bulboso no terço basal e afilando posteriormente, presença de mamelões abaixo das papilas laterais da larva e ausência de espátula (Gagné, 1994). Uma nova espécie coletada no Parque Nacional da Serra dos Órgãos, indutora de galhas em Machaerium sp. é acrescida ao gênero, sendo caracterizada nas fases de larva, pupa, macho e fêmea. Machaerium é um gênero botânico diversificado, com cerca de 130 espécies conhecidas (Bozano & Klitgaard, 2006). É predominantemente neotropical e popularmente conhecido 445 446 MAIA ET.AL:UMA NOVA ESPÉCIE DE ANADIPLOSIS. como jacarandá. Sua madeira é empregada na construção civil, construções rústicas, pequenos serviços de marcenaria e principalmente para lenha e carvão; também recomendada para a composição de reflorestamentos, visando à recuperação de áreas degradadas (Lorenzi, 2002). Material e Métodos O Parque Nacional da Serra dos Órgãos (PARNASO) localiza-se na região central do Estado do Rio de Janeiro, no maciço da Serra dos Órgãos e abrange os municípios de Guapimirim, Magé, Petrópolis e Teresópolis. Possui uma área de aproximadamente 10 mil hectares de Mata Atlântica e altitudes que variam de 100 a mais de 2000 m, compreendendo os maiores picos da Serra do Mar (Drummond, 1997). A flora do Parque Nacional da Serra dos Órgãos é diversificada, com cerca de 2000 espécies vegetais. Nas altitudes de 100 até 2000m, encontra-se a floresta montana, cuja vegetação atinge até 40 m, e acima de 2000 m predominam as gramíneas e espécies que crescem sobre os rochedos. Em 2012 e 2013, foram realizadas campanhas esporádicas no PARNASO para coleta de galhas em Machaerium sp. (Fabaceae). Parte da amostra de galhas foi levada para o laboratório e acondicionada em potes plásticos fechados, forrados com papel umedecido para a obtenção dos adultos. Estes potes foram observados diariamente. Outra parte da amostra foi dissecada sob estereomicroscópio com auxílio de um estilete para obtenção das larvas e pupas galhadoras. Os exemplares obtidos foram fixados em álcool 70% e posteriormente montados em lâminas permanentes de microscopia, seguindo a metodologia de Maia, 2001. A espécie nova obtida foi identificada inicialmente em gênero com base na chave de Gagné, 1994 e tentativamente seguimos a chave de Tavares, 1920 para a identificação da espécie, porém os exemplares não se adequaram às dicotomias da chave. A espécie nova foi comparada com as já conhecidas, com base nas descrições originais e ilustrações apresentadas. Os principais caracteres morfológicos foram ilustrados, usando-se uma câmara clara acoplada a microscópio óptico. As medidas de comprimento e largura foram obtidas utilizando-se uma lâmina de microscopia com escala inclusa. Foi adotada a terminologia de Mc Alpine, 1981 para adultos e a de Gagné, 1994 para os imaturos. O material-tipo encontra-se depositado na Nacional/Universidade Federal do Rio de Janeiro. coleção de Diptera do Museu III SIMPÓSIO SOBRE A BIODIVERSIDADE DA MATA ATLÂNTICA. 2014 447 Resultados e Discussão A espécie nova caracteriza-se por apresentar palpos com 1 ou 2 segmentos, macho com gonocoxitos longos, edeago com uma reentrância apical acentuada, gonóstilos quase retos, cercos e hipoprocto similares na forma, cercos um pouco mais longo que o hipoprocto; pupa com chifres antenais curtos e tergitos abdominais 6 a 8 com uma fileira de três ou quatro espinhos não conectados entre si; larva com espátula protorácica reduzida e bidenteada no ápice, mamelões ausentes e segmento terminal com dois lobos curtos fortemente esclerotizados. Dentre as espécies de Anadiplosis já conhecidas, a espécie nova apresenta maior similaridade com A. pulchra, principalmente quanto à morfologia da pupa e da fêmea. Em ambas espécies, as pupas possuem chifres antenais pouco desenvolvidos, o mesmo arranjo de papilas faciais, espiráculos protorácicos com forma e comprimento similares e o mesmo número de espinhos abdominais, no entanto em A. pulchra os espinhos são conectados uns aos outros, enquanto que na espécie nova são livres. As fêmeas não apresentam caracteres morfológicos que permitam a distinção das duas espécies, exceto pelos palpos, nitidamente com dois segmentos em A. pulchra e aparentemente com os dois segmentos fusionados na espécie nova, mas em Cecidomyiidae, há vários gêneros com palpos variando em número de segmentos, portanto esta diferença pode ser considerada superficial. Porém, os machos são facilmente distinguíveis com base na terminália masculina: os gonocoxitos da espécie nova são nitidamente mais longos, o edeago apresenta uma reentrância apical acentuadamente mais profunda e os gonóstilos além possuir maior comprimento são quase retos, enquanto que em A. pulchra são claramente curvos. Apenas a larva de A. venusta é conhecida, e esta caracteriza-se pela ausência de espátula protorácica e presença de mamelões abaixo das papilas laterais, diferindo da espécie nova, cuja larva possui espátula protorácica, ainda que reduzida, e não apresenta mamelões. Possui ainda o segmento terminal afilando posteriormente e terminando em dois lobos com ápice fortemente esclerotizado. Conclusão A morfologia da terminália masculina é conclusiva para a separação das espécies congenéricas. A especificidade de Anadiplosis em relação à família de planta hospedeira é mantida, e uma nova espécie é acrescida ao gênero, aumentando a sua representatividade no Brasil. 447 448 MAIA ET.AL:UMA NOVA ESPÉCIE DE ANADIPLOSIS. Agradecimentos Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pela bolsa de produtividade. Literatura Citada Bozano, P & Klitgaard, B. B. 2006. The genus Machaerium (Leguminosae, Papilionoideae, Dalbergieae) in Ecuador. Brittonia 58 (2): 124-150. Drummond, J. A. 1997. O Parque Nacional da Serra dos Órgãos: uma síntese da Serra do Mar. p. 183-207. In:Devastação e preservação ambiental: os parques nacionais do Estado do Rio de Janeiro. Niterói, EDUFF. Gagné, R.J. 1994. The gall midges of the Neotropical region. Ithaca: Comstock Cornell University Press, 352p. Gagné, R.J. and M. Jaschhof. 2014. A Catalog of the Cecidomyiidae (Diptera) of the World. 3rd Edition. Digital version 2. Lorenzi, H. 2002. Árvores brasileiras: manual de identificação e cultivo de plantas arbóreas nativas do Brasil. Noca Odessa: Instituto Plantarum, 368p. Maia, V.C. 2001. The gall midges (Diptera, Cecidomyiidae) from three restingas of Rio de Janeiro State, Brazil. Revista Brasileira de Zoologia, Curitiba, 18(2):583-629. MCAlpine, J.F. 1981. Manual of Neartic Diptera. Quebec, Research Branch Agriculture Canada, Vol. 1, 674p. Tavares, J. S. 1916. Cecidomyias novas do Brazil. Brotéria (Série Zoológica), 14: 36-57. Tavares, J. S. 1920. Anadiplosariae, nouvelle tribu de Cecidomyiinae (Dipt.). Marcellia 17: 57-72, pl. I.