PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2014 (8 a 10 de outubro 2014)
ENTRE ARQUÉTIPOS E IMAGINÁRIOS: considerações acerca das
possibilidades socioculturais da constituição de sentido1
Victor Hugo Lima Alves2
Universidade Metodista de São Paulo
Resumo
Há uma miríade de vetores para a constituição de sentido da comunicação do consumo na
contemporaneidade, que buscam explicar como as mensagens revestem-se de sentido à medida
que se reproduzem na sociedade. Uma delas é a vertente psicológica do arquétipo em que se
pleiteia a identificação de narrativas inconscientes expressas por personagens ou imagens, que
incorporadas à comunicação da empresa buscam ser identificadas pelos consumidores e
conquistá-los. Esta é a expressão de como se têm pensado as relações de consumo acerca de
sua comunicação. Contudo, à medida que se toma consciência do ativo papel do consumidor
na apropriação de formas simbólicas e na geração de sentido em seu meio social, as pesquisas
assumem outros paradigmas explicativos. Destarte, busca-se pôr em paralelo a apreensão
teórica de arquétipo das vertentes psicológica e cultural, aventando a possibilidade de tornarse manancial para a constituição de sentido na comunicação a partir do consumo como prática
social.
Palavras-chave: Comunicação; Consumo; Arquétipo; Imaginário.
A perspectiva social do consumo
A perspectiva de que o consumo é uma atividade de toda e qualquer sociedade
humana independentemente se para a satisfação das necessidades básicas ou supérfluas
desdobra-se em um pressuposto teórico da Sociologia do consumo, de reconhecimento
do consumo como central no processo de reprodução social de qualquer sociedade, ou
seja, todo e qualquer consumo é essencialmente cultural, pois inclusive as atividades
mais triviais e cotidianas reproduzem e estabelecem mediações entre estruturas de
significados e o fluxo da vida social por meio das quais identidades, relações e
1
Trabalho apresentado no Grupo de Trabalho 06: Comunicação, Consumo e Subjetividade, do 4º
Encontro de GTs - Comunicon, realizado nos dias 08, 09 e 10 de outubro de 2014.
2
Mestre (Doutorando) em Comunicação Social pela UMESP. Professor Assistente A da Universidade
Federal de Roraima. Pesquisador dos Grupos de Pesquisa ECOM (Estudos de Comunicação e Mercado)
e COLING (Estudos em Comunicação e Linguagem). Contato: [email protected]
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instituições são formadas, mantidas e alteradas ao longo do tempo (BARBOSA, 2010,
p. 13).
Embora seja uma perspectiva sociológica, uma análise mais cuidadosa desta
afirmação pode levar a discussão para uma visão antropológica da noção de cultura
para o consumo. Se o consumo é uma atividade cotidiana, trata-se de uma prática do
processo socio-histórico, então, apreensível como prática cultural; e se o consumo
reproduz e estabelece mediações entre estruturas de significados e o fluxo da vida social
ele é um processo social de circulação de sentido, constituinte do significado, apoiado
em relações ativas e indissolúveis entre elementos e práticas inter-relacionadas (HALL,
2003, p. 127-128). Por estruturas de significado entende-se os aspectos socioculturais
compartilhados pelos sujeitos na sociedade e, por fluxo da vida social, as práticas
cotidianas dos sujeitos, inclusive, a prática do consumo.
Deste modo, o consumo pode ser apreendido como uma prática cultural
constituidora de sentido, comunicação em sua acepção mais elementar, a partir do ponto
de vista da característica de partilha destes sentidos e significados.
Além disso, vai ao encontro da afirmação de Lima (2004, p. 29) ao observar,
apropriando-se de uma citação de Stuart Hall, que as teorias comunicacionais contêm
necessariamente, implícita ou explicitamente, uma teoria social. É nesta vertente que
esta argumentação se desenvolve, no intuito de discutir possibilidades outras de
constituição de sentido para a comunicação inerente ao consumo – ou a comunicação
do consumo – na sociedade contemporânea.
Entre arquétipos e imaginários
O conceito psicológico de arquétipo vem sendo amplamente utilizado por
diversos autores na comunicação inerente ao consumo, seja na publicidade, seja na
marca, para a constituição de sentido. Todavia, em muitos dos casos, entende-se que tal
conceito é levado tanto ao extremo reducionismo quanto ao deslocamento de seu eixo
teórico a ponto de não refletir a fundamentação teórica seminal proposta em Jung
(2002), em Os arquétipos e ο inconsciente coletivo.
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Não somente como casos ilustrativos, mas representativos do que se pretende
argumentar, parte-se da observação de situações as quais o arquétipo é dado como um
conteúdo, em formatos de personagem ou imagem, que fundamentam a prática
comunicacional.
Incisivamente, o arquétipo em si não torna-se um personagem ou imagem tendo
em vista que esta ótica o caracteriza em conteúdo, portanto diametralmente oposta a
sua pré-condição de forma. Esta pré-condição está explicitamente reiterada em Jung
(2002, p. 15-17) para o qual o inconsciente coletivo repousa sobre uma camada mais
profunda, em que não tem sua origem em experiências ou formulações pessoais, sendo
inata. É coletivo, porque não é de natureza individual, mas universal. O autor demarca,
pontualmente, que é contrário à psique pessoal tendo em vista que ele possui conteúdos
e modos de comportamento, os quais são os mesmos em toda parte e em todos os
indivíduos. "Em outras palavras, são idênticos em todos os seres humanos, constituindo
portanto um substrato psíquico comum de natureza psíquica suprapessoal que existe
em cada indivíduo" (JUNG, 2002, p, 15).
Supõe-se que os autores tenham se valido deste entendimento para afirmar que
o arquétipo é um conteúdo, uma situação mundialmente conhecida, representadas por
personagens ou imagens, embora sem condições de precisar o que possa ocasionar esta
interpretação, que considera-se errônea no que se refere ao teor “conteúdo”.
Partindo da concepção de Agostinho, em que a ideia de arquétipo está contida
em sua formulação, apesar de não utilizar-se deste termo, Jung (2002, p. 16) explana
que os conteúdos do inconsciente coletivo tratam-se de tipos arcaicos, quer dizer,
primordiais, no sentido de referirem-se à imagens universais que existiram deste os
tempos mais remotos.
Continua sua explanação colocando o conceito de representações coletivas
(représentations collectives), de Levy-Brühl, como aplicável aos conteúdos
inconscientes tendo em vista que ambos têm praticamente o mesmo significado, pois
estas representações designam "as figuras simbólicas da cosmo-visão primitiva"
(JUNG, 2002, p. 16-17). Contudo, esclarece que estes conteúdos referem-se a
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ensinamentos tribais primitivos em que os arquétipos são tratados de um modo peculiar,
mas que
na realidade, eles não são mais conteúdos do inconsciente, pois já se
transformaram em fórmulas conscientes, transmitidas segundo a tradição,
geralmente sob forma de ensinamentos esotéricos. Estes são uma expressão
típica para a transmissão de conteúdos coletivos, originariamente provindos do
inconsciente. (JUNG, 2002, p. 17).
Portanto, o que Jung (2002, p. 17) relativiza é que estes ensinamentos esotéricos
são formas de expressão dos arquétipos, assim como o são os mitos e os contos de fadas
nas diversas culturas, pois o conceito de arquétipos (archetypus) "só se aplica
indiretamente às représentations collectives, na medida em que designar apenas aqueles
conteúdos psíquicos que ainda não foram submetidos a qualquer elaboração
consciente" (JUNG, 2002, p. 17, grifo do autor).
Neste sentido, "o arquétipo representa essencialmente um conteúdo
inconsciente, o qual se modifica através de sua conscientização e percepção, assumindo
matizes que variam de acordo com a consciência individual na qual se manifesta", mais
perceptível quando se expressa pelo mito, pelo ensinamento esotérico ou pelo conto de
fada, mas ainda assim de difícil fundamentação psicológica (JUNG, 2002, p. 17).
A partir desta introdução ao pensamento junguiano sobre os arquétipos,
demonstra-se mais inteligível a imbricada confusão entre forma e conteúdo que, em
diversos momentos e autores, denota a inexata correlação, como se pode verificar ipsis
litteris neste autor a fim de expô-la em termos definitivos.
Sempre deparo de novo com o mal-entendido de que os arquétipos são
determinados quanto ao seu conteúdo, ou melhor, são uma espécie de 'idéias'
inconscientes. Por isso devemos ressaltar mais uma vez que os arquétipos são
determinados apenas quanto à forma e não quanto ao conteúdo, e no primeiro
caso, de um modo muito limitado. Uma imagem primordial só pode ser
determinada quanto ao seu conteúdo, no caso de tornar-se consciente e portanto
preenchida com o material da experiência consciente. Sua forma, por outro
lado, como já expliquei antes, poderia ser comparada ao sistema axial de um
cristal, que pré-forma, de certo modo, sua estrutura no líquido-mãe, apesar de
ele próprio não possuir uma existência material. (JUNG, 2002, p. 91, grifo do
autor [aspas simples] e grifo meu [itálico]).
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Em outras palavras, sempre de acordo com o que postula Jung (2002, p. 53-54),
o inconsciente coletivo é um segundo sistema psíquico 3 de caráter coletivo e não
pessoal no qual os arquétipos são as estruturas psíquicas presentes em todo tempo e em
todo o lugar. E como estrutura é aquilo que sempre é dado, isto é, o que sempre
preexistiu, uma condição prévia (JUNG, 2002, p. 109). Em termos do senso comum,
seria comparável a uma fôrma de bolo.
Os arquétipos, ou estruturas arquetípicas, são os conteúdos do inconsciente
coletivo, mas elementos vazios e formais em si, uma faculdade pré-formativa, uma
possibilidade dada a priori da forma da sua representação. Consequentemente, como o
inconsciente coletivo não se desenvolve individualmente, mas é herdado, e os
arquétipos são as suas estruturas psíquicas, o que é legado são as formas e não as ideias
(JUNG, 2002, p. 54 e 91), imagens, personagens ou quaisquer outros elementos que
seja possível entender como um "preenchimento dado".
Estas estruturas psíquicas apenas secundariamente podem tornar-se conscientes,
conferindo uma forma definida aos conteúdos da consciência (JUNG, 2002, p. 54). E,
mesmo assim, como uma existência psíquica, "só pode ser reconhecida pela presença
de conteúdos capazes de serem conscientizados. Só podemos falar, portanto, de um
inconsciente na medida em que comprovarmos os seus conteúdos" (JUNG, 2002, p. 16)
na mesma medida em que somente se pode falar em instintos quando os mesmos são
postos em ação in concreto. Portanto, uma questão empírica que se trata de saber se tais
formas universais existem ou não (JUNG, 2002, p. 55 e 91, grifo do autor).
Finalmente, pode-se asseverar que o que é atemporal são as estruturas psíquicas
do inconsciente coletivo, os arquétipos, como formas a serem materializadas na
experiência consciente, impossível de reducionismos a uma simples fórmula.
Nenhum arquétipo pode ser reduzido a uma simples fórmula. Trata-se de um
recipiente que nunca podemos esvaziar, nem encher. Ele existe em si apenas
potencialmente e quando toma forma em alguma matéria, já não é mais o que
era antes. Persiste através dos milênios e sempre exige novas interpretações.
O primeiro sistema psíquico – a psique – é o consciente pessoal ainda que lhe seja acrescentado como
apêndice o inconsciente pessoal; segundo o autor, a única psique passível de experiência (JUNG, 2002,
p. 54).
3
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Os arquétipos são os elementos inabaláveis do inconsciente, mas mudam
constantemente de forma. (JUNG, 2002, p. 179).
Destarte, entende-se que a ideia inicial não encontra paralelo no conceito do
autor seminal em que se baseia, pois, como já se espera que tenha ficado claro, o
arquétipo não se consubstancia em qualquer especificidade ou particularidade como um
personagem ou uma situação transcendente a qualquer época, cultura ou quaisquer
outras condições, analogamente como Jung (2002) observou para as experiências
descritas por Levy-Brühl (apud JUNG, 2002).
Estas especificidades ou particularidades são expressões arquetípicas, ou seja,
elaborações conscientes que não pertencem mais ao inconsciente coletivo, mas às
formulações conscientes, portanto, ao nível do consciente pessoal, que é a única psique
passível de experiência, de acordo com o que preconiza Jung (2002, p. 53-54).
Somente deste modo, reitera-se, como formas conscientes, têm condições de
serem transmitidas atemporalmente, ao menos naquelas formas indicadas propriamente
por Jung (2002), como o ensinamento esotérico, o mito e o conto de fada. É a que se
refere o autor quando aduz que o arquétipo é imagem primordial que só pode ser
determinada quanto ao seu conteúdo ao tornar-se consciente, ou seja, preenchida com
o material da experiência consciente individual (JUNG, 2002, p. 91).
Buscando outras referências complementares, afirma-se com Durand (2002, p.
17) que o entendimento dos autores que se utilizam dos arquétipos como explanado
alinha-se a uma forma de colonialismo intelectual.
Considerar os valores privilegiados da sua própria cultura como arquétipos
normativos para outras culturas é sempre dar mostras de colonialismo
intelectual. A única coisa normativa são as grandes reuniões plurais de imagens
em constelações, enxames, poemas ou mitos. (DURAND, 2002, p. 17).
Esta busca por outros autores que referenciem o inconsciente coletivo não é
arbitrária, mas essencial tendo em vista a pluralidade destes estudos em diversas
ciências, assim como o próprio Jung (2002) reconhece em sua formulação psicológica.
Encontram-se contribuições profícuas no modo de pensar os arquétipos em uma
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perspectiva social de modo a tornar possível a sua adoção como possibilidade de
constituição de sentido da comunicação inerente ao consumo.
A partir da concepção de arquétipo como imagem primordial, de Jung (2002),
se pode estabelecer a conexão com a perspectiva antropológica em que Durand (2002)
assenta e classifica o seu trabalho sobre o trajeto antropológico do imaginário.
[...] o Imaginário – ou seja, o conjunto das imagens e relações de imagens que
constitui o capital pensado do homo sapiens – aparece-nos como o grande
denominador fundamental onde se vêm encontrar todas as criações do
pensamento humano. O imaginário é esta encruzilhada antropológica que
permite esclarecer um aspecto de uma determinada ciência humana por um
outro aspecto de uma outra. (DURAND, 2002, p. 18).
Considerando que Durand (2002, p. 41) define este trajeto antropológico como
a "incessante troca que existe ao nível do imaginário entre as pulsões subjetivas e
assimiladoras e as intimações objetivas que emanam do meio cósmico e social", o autor
assinala que Jung evidenciou claramente em sua obra o caráter de trajeto antropológico
dos arquétipos ao dizer que
a imagem primordial deve incontestavelmente estar em relação com certos
processos perceptíveis da natureza que se reproduzem sem cessar e são sempre
ativos, mas por outro lado é igualmente indubitável que ela diz respeito também
a certas condições interiores da vida do espírito e da vida em geral... (JUNG
apud DURAND, 2002, p. 60).
É essencialmente neste interstício, entre as pulsões subjetivas e as intimações
objetivas, que o autor acredita incontestável a instalação da pesquisa antropológica haja
vista solucionar o problema de anterioridade ontológica prescrita em alguns autores,
porque ao basear-se em incessante troca, entende que haja uma gênese recíproca, em
termos do autor, para o qual define que
afinal, o imaginário não é mais que esse trajeto no qual a representação do
objeto se deixa assimilar e modelar pelos imperativos pulsionais do sujeito, e
no qual, reciprocamente, [...], as representações subjetivas se explicam 'pelas
acomodações anteriores do sujeito' ao meio objetivo. (DURAND, 2002, p. 41,
grifo do autor).
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Consequentemente, baseando-se nas conclusões de diversos estudos, Durand
(2002, p. 42) afirma que a pulsão individual sempre tem um leito social no qual corre
facilmente, ou contrariamente, contra os obstáculos do qual se rebela, e que nestes
encontros se formam os complexos de cultura que rendem os complexos psicanalíticos.
De interessante para esta elaboração teórica, é que, deste modo, o "trajeto
antropológico pode indistintamente partir da cultura ou do natural psicológico, uma vez
que o essencial da representação e do símbolo está contido entre esses dois marcos
reversíveis" (DURAND, 2002, p. 42), contudo sem prescindir das condições materiais
e imateriais do meio em que está inserido.
Na perspectiva social, é exatamente no universo da representação e do símbolo
que se encontra a força instituidora do imaginário social na formação das sociedades.
Como toda sociedade é um sistema de interpretação do mundo, ainda que este termo
seja impróprio e insuficiente, o sistema simbólico nela admitido corresponde ao sistema
de suas significações imaginárias, que, por sua vez, não correspondem a (e não se
esgotam em) referências a elementos “racionais” ou “reais” e porque são introduzidas
por uma criação compartilhada entre sujeitos, mas impessoal e anônima, por isto
coletiva.
É nesta perspectiva simbólica que Durand (2002, p. 31 e 59) intenta colocar o
estudo dos arquétipos fundamentais da imaginação humana uma vez que entende que a
concepção simbólica da imaginação postula o semantismo das imagens, ou seja,
conterem materialmente, de algum modo, o sentido. Sobre isto, Jung (2002, p. 47) havia
assinalado que o processo simbólico é uma vivência na imagem e da imagem e,
conforme complementa Bachelard (apud DURAND, 2002, p. 19), ela somente pode ser
estudada por si mesma.
Do ponto de vista da imagem como uma vivência simbólica emerge um rico
material de estudo do contemporâneo tendo em vista a profusão de imagens deste
tempo, nas quais em muito se fundamenta tanto o consumo quanto, e
consequentemente, a sua comunicação em sociedades em que ele preenche funções
além das necessidades materiais.
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Antes do encerramento desta ideia, deve-se considerar-se ainda que não é
somente o fenômeno comunicacional estabelecido na relação estrutural entre a instância
de produção e a instância de consumo que ocupou lugar central neste processo, mas
inclusive os fenômenos comunicacionais que se desenvolvem cotidianamente no
estabelecimento das relações de consumo dos sujeitos os quais, há muito, deixaram de
ser passivos, se é que um dia o foram, devido à crescente produção e disseminação de
conteúdo relacionados ao consumo e socializados por meio de diversas plataformas
tecnológicas.
Neste sentido, a presença das imagens como “alma”, força vital, dos fenômenos
comunicacionais contemporâneos no escopo supracitado carrega-os de uma expressão
simbólica constituidora de sentido distintiva, com força capaz de espelhar os períodos
socio-históricos em que existiram do mesmo modo como afirmou McLuhan (1995, p.
262) ao conceder aos anúncios publicitários de uma época o status de registro fiel de
um tipo de sociedade organizada em torno do consumo para conceber e retratar o
funcionamento de seus setores de atividades.
Prosseguindo com a proposta de correlação entre as posições teóricas,
acrescenta-se que, de certo modo, a terminologia relacionada ao imaginário por Durand
(2002) difere da postulada por Jung (2002), que exige algum nível de formulação
teórica, mas perfeitamente cambiáveis. Para tanto, e nos limites deste texto, o
fundamental é apreender que para o inconsciente coletivo os arquétipos são estruturas
psíquicas que agem como estruturas do pensamento e uma vez preenchidas com o
material da experiência consciente se materializam em qualquer das formas
anteriormente descritas, mas que deixam a sua condição de “arquétipo”.
Já o imaginário é uma estrutura antropológica, ou seja, o imaginário coletivo se
estrutura e uma das formas de estruturação são os esquemas mentais que geram formas
de imaginação, entre elas, os arquétipos.
Esquema (schema = forma ou figura) é uma generalização dinâmica e afetiva
da imagem constituindo sua factividade e a não substantividade do imaginário
(DURAND, 2002, p. 60), ou seja, a sua existência e não o seu conteúdo. São
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representações mentais de um procedimento da imaginação que propicia a formação da
imagem de um conceito vivido ou aprendido. Neste sentido, dos esquemas resultam
conceitos que podem tomar a forma de arquétipo, assim como estereótipos, papéis
sociais, visões de mundo4. Nos termos de Durand (2002, p. 60-61), o arquétipo é um
intermediário entre os esquemas subjetivos e as imagens fornecidas pelo ambiente
perceptivo.
Estas implicações teóricas permitem, se não concluir, colocar em suspeição,
tanto por uma via quanto por outra, a efetividade do uso dos arquétipos para a
substantividade da constituição de sentido do fenômeno comunicacional circunscrito
socialmente como reprodutora de formas simbólicas linearmente reprodutíveis em
esfera global simplesmente sob a prerrogativa de ser imbuído de um caráter inato (na
perspectiva psicológica) e coletivo (em ambas), que também seria verdadeiro na
perspectiva social, pois cada sociedade organiza-se de modo ímpar visto a
particularidade de seu processo socio-histórico.
Admite-se que, ainda que se encontrem "fôrmas de bolo" intrinsecamente
carregadas nos seres humanos, a experiência consciente remete ao repertório de
imagens localizadas no continnum espaço-temporal da história vivida ou aprendida do
indivíduo, da mesma maneira observada por Durand (2002, p. 62) ao asseverar que "os
arquétipos ligam-se a imagens muito diferenciadas pelas culturas nas quais vários
esquemas se vêm imbricar", e Jung (2002), em diversas passagens, das quais entendese a seguinte como representativa e definitiva, em última instância, em relação à cultura.
Quer o homem compreenda ou não o mundo dos arquétipos, deverá
permanecer consciente do mesmo, pois nele o homem ainda é natureza e está
conectado com suas raízes. Uma visão de mundo ou uma ordem social que
cinde o homem das imagens primordiais da vida não só não constitui uma
cultura, como se transforma cada vez mais numa prisão ou num curral. (JUNG,
2002, p. 102).
4
Como esclarecimento, Durand (2002) faz um inventário de terminologias de imagens baseado em
diversas pesquisas. Desenvolve algumas em sua teoria e afasta outras, em geral, com as devidas
justificativas.
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Por esta perspectiva, mesmo em uma determinada época, ainda que os
elementos arquetípicos comuns (a fôrma de bolo – arquétipo do herói, da mãe, da roda)
possam ser identificados por diferentes indivíduos em diferentes culturas, os símbolos
gerados (os conteúdos – a personificação de herói, qual a concepção, papéis sociais,
etc., de mãe, da roda) serão diferentes devido às experiências conscientes. Em termos
imaginários, a ligação entre o social e o natural resultará num conteúdo sociocultural.
É o elemento da construção social do imaginário. Por ser uma construção social,
o conteúdo da fôrma de bolo será determinado pelas culturas, o qual se pode
exemplificar pela maior quantidade de heróis do que heroínas, que pode ser entendida
como uma dimensão sexista que vê a mulher como um ser frágil ou submissa5.
Consecutivamente, por esta concepção, entende-se que os arquétipos sejam, ao
menos, de difícil aplicação para a constituição de sentido do fenômeno comunicacional
inerente ao consumo, com a finalidade de produção de sentido único para a pluralidade
das culturas que se desenvolvem socialmente. Esta é uma situação recorrentemente
identificada que remete aos pressupostos da ligação histórica desta comunicação ao
paradigma funcionalista pragmático, especificamente a corrente denominada de
Pesquisa em Comunicação de Massa (Mass Communication Research) da positivista
Escola Americana, que tem como eixo o estudo dos efeitos dos meios de comunicação.
Decerto, sem a necessidade de uma posição conclusiva, mas indicativa de uma
abordagem, pensa-se que os mitos sejam os conteúdos mais bem alinhados a este
intento devido a tendência natural à formulação narrativa consonante a sua
conformação na constelação imaginária. Há indícios de que Sal Randazzo, em A
criação de mitos na publicidade, tenha encontrado a resposta ao afirmar que a imagem
arquetípica de Jung é a chave para que se possa entender a conexão entre a mitologia e
a psique humana (RANDAZZO, 1996, p. 65), como caracterizada em Durand (2002).
Entendemos por mito um sistema dinâmico de símbolos, arquétipos e
esquemas, sistema dinâmico que, sob o impulso de um esquema, tende a
compor-se em narrativa. O mito é já um esboço de racionalização, dado que
5
Informação verbal da disciplina Comunicação e Construção do Imaginário, ministrada pela profª. Drª.
Magali do Nascimento Cunha, no Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da UMESP.
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utiliza o fio do discurso, no qual os símbolos se resolvem em palavras e os
arquétipos em idéias. O mito explicita um esquema ou um grupo de esquemas.
Do mesmo modo que o arquétipo promovia a idéia e que o símbolo engendrava
o nome, podemos dizer que o mito promove a doutrina religiosa, o sistema
filosófico, [...], a narrativa histórica e lendária. (DURAND, 2002, p. 62-63).
E, acrescenta-se, por fim, também como um destes sistemas simbólicos, o
sistema do consumo, no qual a sua comunicação age como o laço social que preenche
as lacunas da necessidade imaterial, subjetiva, pela atribuição de algum elemento para
além do consumo como satisfação material, como status, satisfação, poder, etc.
À guisa de considerações finais
Em conclusão da ideia inicial de paralelismo entre os conceitos de arquétipos,
pode-se dizer que há similaridades especificamente quanto a tratar-se de estruturas.
O arquétipo de Jung são estruturas psíquicas inatas inerentes a todos os
indivíduos, de presença universal, por isto coletivo, que agem como estruturas de
pensamento. É o conteúdo do inconsciente coletivo, contudo ele próprio não possui
conteúdo, é um elemento vazio e formal em si, é uma pré-condição. Como faculdade
pré-formativa de um modo de representação, é uma forma determinada, embora ainda
assim o seja de modo muito limitado.
Já o arquétipo imaginário de Durand decorre de uma estrutura antropológica, o
imaginário. O imaginário coletivo que se estrutura em esquemas mentais, entendidos
como formas ou figuras, geradores de formas de imaginação, as quais se
consubstanciam em vários tipos imaginários, como os arquétipos e os mitos, símbolos,
as imagens, dentre outras.
Neste sentido, ambos são como estruturas de modos de representação, em que
para o primeiro todo pensamento repousa em imagens primordiais – formas primitivas
– que determinam inconscientemente o pensamento enquanto que para o segundo são
representações mentais de um procedimento da imaginação que favorece a formação
da imagem de um conceito vivido ou aprendido.
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Em relação ao modo de representação, reafirma-se que na abordagem
psicológica o arquétipo é uma imagem primordial, um conteúdo inconsciente, que
modifica-se por meio de sua conscientização e percepção do material da experiência
consciente de acordo com a consciência individual na qual se manifesta; neste
momento, esta pré-condição torna-se, ela própria, conteúdo, deixando de ser arquétipo
para tornar-se expressões arquetípicas nas diversas culturas como os mitos, os contos
de fadas e os ensinamentos esotéricos para citar apenas os enumerados no texto.
O contato com o material da experiência consciente se dá, obviamente, ao nível
do consciente pessoal, quer dizer, no nível das experiências da consciência individual.
O repertório destas experiências pode ser rico e variado tendo em vista a generosidade
do ambiente quanto à riqueza de materiais e recursos simbólicos à disposição da
interação com o sujeito e, possivelmente, de sua assimilação. Mais um fator que renova
a constante mutação do arquétipo junguiano, conforme descrito anteriormente, e a sua
pluralidade de expressões arquetípicas, porém individualizada a sua representação.
Complementarmente, deve-se demarcar que esta compreensão equivale a afirmar que
o social impregna a assimilação das expressões simbólicas no nível das experiências da
consciência individual.
Em contrapartida, o arquétipo imaginário é uma significação imaginária criada
e compartilhada entre os sujeitos, que constitui um sistema decorrente do universo de
representação e do símbolo constituinte do imaginário social – coletivo, impessoal e
anônimo, o sistema de interpretação do mundo. Enfim, como já observado, em termos
imaginários, a ligação entre o social e o natural resultará num conteúdo sociocultural.
Esta constituição cultural liga o arquétipo à constelação de imagens do período
socio-histórico da experiência vivida ou aprendida em que o imaginário é que determina
a constelação de imagens e não o contrário. Sendo assim, são várias as possibilidades
de significações imaginárias, como visões de mundo, estereótipos, mitos, símbolos,
imagens, conforme a cultura a que estiver relacionada.
O cotejo destas perspectivas quanto ao modo de representação evidencia o
caráter coletivo de constituição social do arquétipo imaginário em relação à experiência
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psicológica do arquétipo junguiano, embora a constatação mais importante seja que até
mesmo este arquétipo não prescinde da cultura de seu período social e histórico tendo
em vista que não se pode separar o homem de sua natureza.
É importante refletir ainda sobre a indicação de que os mitos sejam os conteúdos
mais adequados ao intento deste fenômeno comunicacional por sua tendência natural à
formulação narrativa, como delineado. Primeiro, pois apesar de os adeptos da vertente
psicológica privilegiarem a concepção de simetria nos processos comunicacionais, pela
qual seria possível obter integralmente o efeito desejado, há um sólido entendimento
acerca da utopia de concretização deste projeto (WOLTON, 2004).
Segundo, mesmo considerando o arquétipo imaginário, ele mesmo uma
significação imaginária juntamente com o mito, os símbolos, etc., como uma
possibilidade para a constituição de sentido da comunicação inerente ao consumo, a
necessidade de alimentação constante deste tipo de comunicação exige um repertório
incessante de novas imagens para manter-se viva na mente dos receptoresconsumidores; sendo assim, os mitos atendem melhor a esta prerrogativa tendo em vista
a sua organização dinâmica corresponder muitas vezes à organização estática do que se
denomina de constelação de imagens (DURAND, 2002, p. 63), nos moldes como
prescrito anteriormente por este mesmo autor.
Esta percepção decorre da compreensão de que o arquétipo imaginário é
universalmente constante, adequado ao esquema e carece de ambivalência, em que, na
exemplificação oferecida por Durand (2002, p. 62-63), a roda é o grande arquétipo do
esquema cíclico visto que não se percebe outra significação imaginária adequada
enquanto a serpente é apenas o seu símbolo, mas um símbolo polivalente, que pode
servir a outras significações; ou ainda em que o esquema ascensional e o arquétipo do
céu permanecem imutáveis, embora seu simbolismo pode transformar-se de escada em
flecha voadora ou avião supersônico nas diversas culturas em que se possa circular.
Deste modo, a constituição inadequada da mensagem ou a má disposição de
apenas um elemento, como a imagem, pode aprofundar a lacuna entre a constituição do
sentido entre as instâncias de produção e de recepção da mensagem com resultados
PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2014 (8 a 10 de outubro 2014)
imprevisíveis na constituição do significado. Portanto, pensa-se que seja possível a
utilização do arquétipo imaginário como argumento axial do fenômeno comunicacional
inerente ao consumo não obstante o seja com a sobriedade e cuidado necessários em
relação ao escopo de seu alcance na cultura em que se insere.
Cabe dizer, finalmente, que traçar, ainda que em panorama, sobre perspectivas
tão densas de autores clássicos é desafiador, mas extremamente necessário na medida
em que tais construtos são apresentados sob uma fórmula, esquema ou modelo para
cumprir estritamente uma finalidade empírica. Portanto, a intenção é incitar à discussão
para que se possa sedimentar novos caminhos para a análise da constituição de sentido
do fenômeno comunicacional inerente ao consumo.
Referências
BARBOSA, Lívia. Sociedade de Consumo. 3.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2010.
BAUDRILLARD, J. A sociedade de consumo. Rio de Janeiro: Edições70, 2007.
BERGER, Peter L.; LUCKMANN, Thomas. A construção social da realidade. 33. ed.
Petropólis, Vozes, 2011.
CASTORIADIS, Cornelius. A instituição imaginária da sociedade. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1982.
DURAND, Gilbert. As estruturas antropológicas do imaginário: introdução à
arquetipologia geral. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
HALL, Stuart. Codificação/Decodificação. In Da diáspora. Identidades e mediações
culturais. Belo Horizonte: UFMG, 2003.
JUNG, Carl Gustav. Os arquétipos e o inconsciente coletivo. 2. ed. Petrópolis/RJ: Vozes,
2002.
LIMA, VENÍCIO A. Mídia: teoria e política. 2. ed. São Paulo: Perseu Abramo, 2004.
McLUHAN, Marshall. Os meios de comunicação como extensões do homem. São Paulo:
Cultrix, 1995.
RANDAZZO, Sal. A criação de mitos na publicidade: como os publicitários usam o poder
do mito e do simbolismo para criar marcas de sucesso. Rio de Janeiro: Rocco, 1996.
WOLTON, Dominique. Pensar a Comunicação. Brasília: Ed. Universidade de Brasília,
2004.
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