O QUE NOS DIZ A MITOLOGIA?
Lannoy Dorin
Quando um estranho se aproxima de uma criança de ano e meio, esta olha para a mãe que está
próxima e corre para junto dela. Por quê?
Temos a tendência para pensar em hereditariedade apenas quanto à forma do corpo, porque
aprendemos, desde cedo, que devemos a nossos pais e seus ancestrais traços como altura, cor dos olhos e
cabelos etc.. Geralmente, não temos idéia de que, juntamente com as características anatomofisiológicas,
trazemos em nosso cérebro inclinações, formas de pensar, sentir e se comportar próprias de nossos pais e
nossa espécie. Isto é fácil de se verificar, porque cada ser humano traz o que os antigos chamavam de
instintos e arquétipos, os constituintes do inconsciente coletivo, o transpessoal, tão estudado por C.G.Jung
quanto S.Freud estudou o pessoal. Cada um de nós tem, com variação de grau, as mesmas necessidades
fisiológicas (de água e alimentos, p.ex.) e seus correspondentes impulsos (no caso, sede e fome). Mas
trazemos também propensões para nos comportarmos, como a da criança que, ao ver um estranho, corre para
a mãe ou o pai. Ela quer segurança, porque há uma programação cerebral inata para que o organismo se
defenda quando ameaçado. O motivo básico é natural. Mas, no caso citado, o medo é aprendido. A criança
aprendeu o que é um estranho e como conseguir a proteção da pessoa com a qual tem um vínculo emocional
desde o seu nascimento. Esse apego, attachment, pode ser visto em animais no início de seu
desenvolvimento.
O inconsciente coletivo humano não aloja, não contém só o que determina nossas características
anatomofisiológicas. Ele também tem formas para pensar, sentir e agir, pautas, propensões, “sugestões” de
nossa natureza humana. Por isso somos religiosos, místicos, preconceituosos, céticos, ambiciosos,
competitivos cooperativos, ciumentos, invejosos, bondosos, maldosos etc., de acordo com a nossa
socialização.
Pelo exposto, deduz-se que cada um de nós traz uma carga genética da família e da humanidade.
Assim, sou tão semelhante quanto diferente de todo e qualquer ser humano. Aliás, sou até diferente do que
fui. Algo ficou em mim do que fui, mas agora sou outra personalidade. Por isso a história de minha vida é
interessante, explica parte do que sou, mas tanto eu como o mundo em que ora vivo somos diferentes do que
fomos. O diabo é que só notei isso quando seu Zé das Quantas, grande empresário, faliu da noite para o dia e
disse: “Concordo com Marx, pensa-se como se vive”. É que ele me parecia outro homem.
Onde ficamos? Pois é, assim como a Biologia me diz do corpo com o qual vim ao mundo e como sou
sendo animal, matéria viva, a Psicologia e a Sociologia me explicam como me tornei humano, e a mitologia,
a grega, por exemplo, me revela o universal de minha mente. Todas as figuras mitológicas, lendárias, estão
em mim como traços, atributos, características manifestas ou potenciais.
A mitologia é a antecessora da religião como instituição, porque esta, apesar de seu apelo à
racionalidade, não pode impedir que seus seguidores sejam humanos, tragam consigo motivos específicos de
nossa espécie, os arquétipos. Veja-se, por exemplo, a subserviência a um “guru”, as idolatrias, as
superstições, os rituais e outras manifestações espontâneas de pessoas religiosas. Não há como um sacerdote
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racionalista se opor ao misticismo dos fiéis, que buscam nos templos respostas para os mesmos problemas
que fizeram nascer os grandes sistemas filosóficos e, antes deles, as mitologias e as religiões.
Se o leitor for espiritualista (iogue, budista, taoista, espírita, teosofista, umbandista ou de outra
doutrina), poderá considerar os arquétipos como inerentes, próprios do espírito, que encarnado é denominado
alma. E até concluir que o homem biológico, psicológico, sociológico, mitológico e religioso nunca “fugirá
do padrão original do seu ser”, como disse C.G.Jung a John Freeman, na entrevista Face to face (Face a face)
em março de 1959. Esse padrão traz o bom e o mau. A opção pelo bem ou pelo mal fica a critério do próprio
homem.
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O que nos diz a mitologia