Autoria: André Vinícius Bezerra (Andre Mengo) 1. Por dentro da Nintendo Muito mais que uma instituição de cifras, funcionários e sede, a companhia revolucionou a filosofia do entretenimento, criou um jeito único de fazer games e personagens de identidade, o que a concede um status de grife do videogame. Além disto, a dramática história da empresa traz à tona os velhos valores nipônicos do trabalho árduo, superação e sacrifício. O mundo do entretenimento eletrônico é entre Nintendo e o resto. As outras empresas podem implementar um ou outro sucesso, mas querendo ou não, a Nintendo é que é diferente. Em todos os eventos da área de games, os lançamentos mais esperados pela imprensa e público são sempre os da centenária. Tanto por seus apaixonados seguidores como pelos seus detratores, que, ao apontar ou inventar erros e defeitos, acabam apenas por engrandecer mais a marca nintendista. No dia 23 de setembro de 1889, Fusajiro Yamauchi fundou, em Osaka, a Nintendo Koppai para a manufatura das Hanafudas[1]. A empresa nada mais era do que uma pequena agremiação de fundo de quintal, que nasceu como um mero passatempo de um artesão – e este passatempo viria a se tornar uma religião para milhões de fãs apaixonados. Religião cimentada por vários nomes ladeados ao fundador. Homens como Hiroshi Yamauchi, maior presidente da história nintendista; Shigeru Miyamoto, pai das franquias Mario e Zelda; Gunpei Yokoi, criador do Game Boy e inevitável propagador do videogame de bolso (dificilmente existiriam os joguinhos de celular e os “Brick Games” sem a inovação do Game Boy); Minoru Arakawa, primeiro presidente da Nintendo Ocidental; Satoru Iwata, o presidente da “Era Wii”. Conforme já citado, a Nintendo surgiu de um hobbie. Mas em pouco tempo já estava atendendo a máfia Yakuza, apreciadora da hanafuda – curiosamente, a mesma máfia que, quase um século depois, tentou roubar o NES em seu lançamento.[2] Posteriormente, a companhia estaria presente em um intricado caso de família. 1.2. O clã Yamauchi Yamauchi. Impossível falar de Nintendo e não citar este sobrenome. No Japão da Era Meiji (1868 – 1914), os negócios de família eram assumidos pelo primogênito da família. Contudo, Fusajiro tinha uma filha única: Tei Yamauchi. A fim de não trair a tradição, o fundador da Nintendo arranjou o casamento[3] de sua filha com o funcionário da empresa Sekiryo Kaneda. Tei, mesmo rejeitando seu marido, teve de consentir, e com ele teve muitas filhas. O estigma persiste: mais uma geração (a segunda do clã Yamauchi) sem o primogênito para herdar a empresa. A filha mais velha de Tei e Sekiryo, Kimi Yamauchi, casa-se com Shikanojo Inaba, o qual recebeu o sobrenome da família e estaria destinado a ser o sucessor de Fusajiro. Inaba pertencia a uma família de artesãos, e seria natural que assumisse a Nintendo pela forma de produção implantada pelo fundador. Em 1927, já durante o Período Showa (1926 – 1989), o tabu do primogênito é quebrado: filho de Kimi e Shikanojo, Hiroshi Yamauchi é o primeiro filho homem em três gerações. No ano de 1929, Fusajiro se aposenta, deixando a Nintendo nas mãos de seu genro Sekiryo Kaneda. A esta altura, a companhia já era a maior fabricante de cartas do país. Em 1933, durante a expansão nintendista ainda em Osaka, o pai de Hiroshi Yamauchi e marido de Kimi, Shikanojo Inaba, abandona a família e abre mão do direito à sucessão da presidência nintendista. Kimi, envergonhada, foi morar com uma irmã e o pequeno Hiroshi ficou sob a tutela dos avós Sekiryo e Tei. A educação do menino era tão severa quanto o comando dado à Nintendo. Em 1945, após a Segunda Guerra, período em que Hiroshi quase foi para o front[4], ele entrou para a Universidade Waseda para cursar direito e casou-se dois anos mais tarde com Michiko Inaba, sua colega de faculdade. Em 1947, Sekiryo Kaneda já amplia e moderniza a Nintendo, contando inclusive com a subsidiária Marufuku, para circular as novas cartas tipo Ocidental da companhia, incluindo baralhos de pôquer. Dois anos depois, Sekiryo, em seu leito de morte, chamou o neto Hiroshi e pediu que ele assumisse o comando da empresa. O rapaz, do alto da dura educação imposta pelos avós, implantou seus termos: que tivesse liberdade total para demitir qualquer um que questionasse sua autoridade e fosse contra seus planos para a nova Nintendo. Assim, com apenas 21 anos, Hiroshi Yamauchi tornava-se o terceiro presidente da Nintendo, posição que só deixou de ocupar em 2001. 1.3. Hiroshi Yamauchi A Nintendo tem 120 anos, mas apenas quatro presidentes em seu histórico, o que daria uma média de 30 anos de mandato para cada um, marca digna dos impérios do país-sede da empresa. Porém, um deles conseguiu se manter no poder por incríveis 52 anos, superando em três o cubano Fidel Castro. Neste período, a “nova Nintendo”, como definiu Hiroshi Yamauchi, mudou sua sede para Kyoto e em 1959 já contava com a licença da Disney para estampar os personagens desta empresa[5] nas Hanafudas. Na década de 60 Hiroshi quase levou a empresa à falência, pois implantou vários empreendimentos fracassados[6]. Podemos afirmar que a Nintendo de Hiroshi desta época era “tentativa e erro”. Com ele, a empresa viveu sua pior fase, mas arrancaria rumo à consagração nos anos 70, com a implantação do novo e definitivo empreendimento da empresa: games. Então, a Nintendo poderia finalmente ganhar o mundo com sua nova marca. A partir de então, Hiroshi Yamauchi não era apenas um comandante empresarial. Já era um símbolo. Conhecido por sua severidade com seus funcionários e espírito empreendedor, ele representa até hoje o período mais significativo da história da empresa. Foi em seu mandato que a Nintendo criou sua identidade atual, calcada no método único de fazer videogames e transformouse em um mito contemporâneo. Entretanto, ao analisar o curioso tabu de três gerações do clã Yamauchi e do antigo modo de trabalho da Nintendo, concluo que o expansionismo global só se tornou possível graças à quebra de paradigma dentro da própria família promovida por Hiroshi. Se talvez a tradição fosse mantida, e os empreendimentos – mesmo os falhos – não tivessem sido tentados, a Nintendo, se ainda existisse, poderia hoje ser uma empresa completamente desconhecida no Ocidente. 2. A cultura da Nintendo Em 1981, o estagiário Shigeru Miyamoto, sob ordens de Yamauchi, criou o fliperama Donkey Kong, a partir dos gabinetes do fracassado RadarScope. A partir de então, o mesmo Miyamoto não parou de criar jogos e personagens, nascidos na era NES, o primeiro videogame doméstico da Nintendo. Com as séries Super Mario, Legend of Zelda, Star Fox e Metroid, a empresa acumulou simpatizantes e tornouse a maior referência japonesa de videogames. Pouco adiante, com o surgimento do Game Boy, a cultura do videogame de bolso estava implantada pela empresa. Na década de 80, a marca Nintendo chegou ao mercado norte-americano e passou a ser global. Foi a chamada “Nintendomania”. Imprensa, crítica e público esperavam sempre com mais ansiedade os títulos nintendistas pelo quê de novidade que a companhia já tinha e também pelo carisma de seus personagens. Mesmo a concorrente mais forte da Nintendo até o início do século XXI, a Sega, moldou seu Sonic a partir da engine da série Super Mario. Várias empresas de games, pequenas, médias e grandes, passaram a “criar” jogos de ação lateral, pionerizado pela série Mario. Sem contar as origens do Playstation, possível apenas graças a um desentendimento entre Nintendo e Sony, na época do Super NES.[7] Na Nintendo, não importa somente criar jogos com lindo visual gráfico, violência detalhada e opções de upgrade – quem já não leu, em publicações especializadas em jogos, algo como: “aperte B, C, Y, X, Z, gire em 123,3º e aperte a tecla PQP para ganhar vidas infinitas, inimigos mais fracos...”. Não que os títulos nintendistas não tenham suas manhas! Mas me refiro ao modo de criação da diversão. É o algo mais! É a tão propalada “Diferença Nintendo” [8], a qual permeou todas as gerações de consoles e franquias da empresa. A prioridade é sempre o grau de diversão, qualidade e criatividade dos jogos. De nada adiantaria um software potente como o Playstation 3 e o Xbox 360 se os jogos são como automóveis, que saem todos iguazinhos da linha de produção. Donde inclusive desperta a fúria das concorrentes. O presidente da Sony já criticou o lançamento do GameCube por este não ser compatível com CDs e DVDs. A imprensa japonesa, no ápice do Playstation Portable, chegou a especular que o monopólio nintendista do mercado de portáteis estava ameaçado. Pois a Nintendo respondeu em campo: durante os primeiros passos do PSP, as vendas de portáteis estavam 95% nas mãos da ex-fabricante de Hanafuda. Até o Greenpeace, tradicional lavanderia monetária, já tentou provocar a gigante nipônica com suas sempre controversas teorias ambientais[9]. O desenlace histórico da empresa possui vários confrontos judiciais, e cabe destacar alguns: Universal Studios X Nintendo Ano: 1983 Caso: O sucesso de Donkey Kong irritou a gigante cinematográfica, que moveu um processo contra a Nintendo afirmando que o título do jogo e o próprio gorila assemelhavam-se muito com o fracasso de bilheteria “King Kong”, sendo, portanto, infração de Copyright. Veredicto: A grande defesa do advogado Howard Lincoln cimentou ainda mais a lenda em torno deste caso. Lincoln questionou se o nome King Kong realmente pertencia à Universal, que adorava mover processos como fonte de renda. E o nome era de domínio público, sendo que a própria Universal ganhara um caso valendo-se deste argumento, mas mesmo que não fosse, não haveria infração, já que o filme e o game nada tinham em comum. A Universal Studios foi obrigada a ressarcir a Nintendo em 1,8 milhão de dólares por perdas e danos. Nintendo X Tengen Ano: 1989 Caso: Processo igualmente mítico, que foi caracterizado pela versão de Tetris para o NES desenvolvida pela Tengen sem que a mesma tivesse a licença oficial do jogo. Para se defender, a empresa afirmou ter adquirido os direitos da Mirrorsoft na Europa. Veredicto: Constatou-se que a Mirrorsoft apenas poderia vender o Tetris na Europa, sendo impossibilitada de passá-los para os EUA. Contudo, a Nintendo havia adquirido a patente diretamente de Alexey Pajitnov, o russo criador do game, e a Tengen foi facilmente derrotada. A Big N teve os seus prejuízos pagos pela Mirrorsoft e a versão de Tetris da Tengen foi retirada do mercado. Estado de Nova York X Nintendo Ano: 1991 Caso: A Nintendo enfrentou uma (infame, por sinal) acusação de monopólio, por culpa de suas práticas de mercado. Veredicto: Mais surpreendentemente ainda, a empresa concordou em dar a cada consumidor de seus produtos um cupom no valor de cinco dólares em qualquer game licenciado. Uri Geller X Nintendo Ano: 2000 Caso: O paranormal judeu afamado por mover objetos metálicos moveu mesmo foi uma ação estapafúrdia contra a Nintendo. Uri alegou que os Pokémon Kadabra e Alakazam, conhecidos no Japão como Un Gellar e Yun Gellar, respectivamente, além de relacionar-se negativamente à sua imagem, faziam menções ao nazismo e ao anti-semitismo. O israelita ainda exigiu cem milhões de dólares e que a Nintendo retirasse os dois Pokémon de seus produtos. Veredicto: Não se sabe em detalhes. O processo foi considerado inconstitucional e posteriormente suspenso. A Nintendo não retirou nenhum destes Pokémon de seus jogos. 3. 1996 – 2006: Década perdida ou tempo de aprendizado? Em 1996, a Nintendo coloca no mercado o único videogame de 64 bits do mundo: o Nintendo 64. Com ele, é lançado o revolucionário Super Mario 64, a primeira aventura tridimensional da mascote-símbolo da empresa. Até hoje, este título é considerado um dos maiores da história dos games por ter sido o divisor de águas da era 2D/3D. Tudo indicava novo domínio nintendista, certo? Errado. Um ano antes, a Sony já lançara o Playstation, o primeiro case de sucesso da mídia em CD[10]. O N64, assim como seus antecessores NES e Super NES, continuava apostando nos cartuchos. E a partir dali, o que tivemos foi a supremacia da Sony. A "traidora" dominou os mercados do Oriente e Ocidente com direito a muita violência em seus jogos, mídia mais barata (as softhouses sempre preferiram os CDs aos pesados e dispendiosos cartuchos de silício) e muitas franquias de sucesso, como Bomberman (Hudson), Street Fighter e Mega Man (Capcom), Chrono Trigger (Square), Tomb Raider (Eidos), entre outras. Os grandes títulos do Nintendo 64, praticamente, foram os first-parties (criados pela empresa dona do console) como o próprio Mario 64, Zelda, Pokémon, Kirby, Star Fox e Donkey Kong. Estranhamente, a série Metroid passou batida pelo 64. Em compensação, foi aqui que vimos nascer a franquia de luta Super Smash Bros, a qual reúne os maiores mascotes da empresa desde 1999. Poucas empresas queriam se arriscar a fazer cartuchos para a Nintendo, dado o maior preço da mídia e a concorrência dos jogos da casa, e quando o faziam, normalmente não repetiam o ato. A inglesa Rare, second-party (empresa que, por força contratual, só pode produzir games para o sócio majoritário) foi uma exceção até 2002[11], quando foi vendida à Microsoft e, coincidência ou não, jamais conseguiu repetir no Xbox o sucesso dos áureos tempos com a Nintendo. Em 2002, o Gamecube ganhou o mundo definitivamente. A Nintendo, com uma napoleônica publicidade, apresentou um console cuja mídia era o mini-DVD – o que já foi visto pela crítica como um erro, posto que esse videogame, ao contrário do Playstation 2 e do Xbox, não seria compatível com CDs de música e DVDs de filmes. O presidente Hiroshi Yamauchi, ainda em 2001, respondeu que, "um jogador procura um console pelos games, e não para ouvir música e ver filmes". Pois o tempo cobrou caro a presunçosa declaração: na Era Gamecube, a Nintendo viu-se atropelada pelas rivais Sony e Microsoft. Também não ajudava o fato de o Cubo ter suporte para banda-larga. Afinal, pouquíssimos (e desconhecidos) games utilizaram esta conectividade, e o preço do modem específico não era nada atraente. Distintamente do N64, o Gamecube teve um ou outro grande título third-party (uma empresa cria um jogo para outra sem pertencer a esta e sem prometer exclusividade) e as séries caseiras, mas mesmo os personagens da Nintendo, sozinhos, não bastaram para colocar a empresa-mãe no topo novamente. Curiosamente, o declínio nintendista não foi sentido na área dos portáteis. Afinal, com a dupla Game Boy Color e Game Boy Advance, a empresa reinou absoluta, e sequer sentiu os lançamentos do fracassado N-Gage, da Nokia, e do claudicante Playstation Portable, vocês já sabem de quem. Os insucessos da Nintendo não abalaram a fé e a devoção dos fãs. Neste período é possível notar a diferença dos admiradores nintendistas e dos outros jogadores: estes acompanham uma empresa enquanto uma determinada série está em voga, por uma queda nos preços ou mesmo por modismo. Já aqueles, não raro gastam os tubos em jogos apenas pela presença de seu personagem favorito, escrevem cartas e mensagens de cunho lírico para revistas especializadas em games e comunidades na internet e jamais deixam de acompanhar os passos da Nintendo, não importando se a fase é boa ou não. Por parte dos fãs existe uma confiança inabalável na tradição nintendista em reproduzir seus signos. Afinal, se a empresa já sobrevivera ao período do arroz instantâneo, dos motéis e dos táxis... 4. 2006: A Era do Renascimento! Posteriormente ao período de baixa, a Nintendo sabia que teria de apresentar uma revolução pós-crise. Para qualificar esta nova fase, vamos analisar o seguinte trecho do livro “Cultura”, de Raymond Williams: “1 – Ascensão de novas classes sociais (novos tipos de jogadores, no caso nintendista), que introduzem novos tipos de produtor e de interesses e/ou dão apoio a novas obras; 2 – Redefinição por uma classe social existente, ou por uma fração, de suas condições e relações, ou da ordem geral dentro da qual essas existem e estão se alterando, de modo que novos tipos de obras sejam necessários; 3 – Mudanças nos meios de produção cultural, que oferecem novas possibilidades formais (o Nintendo Wii aparece como completamente diferente de tudo o que já se fez) 4 – Reconhecimento das necessidades abordadas em 1 e 2, em um nível precedente ou não diretamente ligado à organização social sistematizada a que pertencem.” Antes mesmo do mítico ano de 2006, a Nintendo já havia reinventado o mercado portátil um ano antes: o Nintendo DS, sucessor da linha Game Boy, apresenta uma nova forma de jogabilidade. “DS” significa “Dual Screen”, ou “Tela Dupla”. Um console com duas telas, uma para a ação e a outra para as subtelas de seleção e estratégia foi muito bem aceita pelo público. Some-se a isso a inédita interatividade do console, em que jogar com uma caneta Stylus (sistema “Touchscreen”, poder fazer anotações e certas ações nos games com simples toques na tela) tornou-se possível. Foi também no DS que os games educativos ressurgiram[12], como “Learn Math”, “Cooking Mama” e “Train your Brain few Minutes a Day”. Em novembro de 2006, a empresa apresentou ao mundo o revolucionário Nintendo Wii. Tudo neste console era inédito. A começar pelo nome. “Wii” é um trocadilho com o inglês “we”, para dar a entender que o objetivo do novo sistema era ser, enfim, um videogame da família, da comunidade. E as duas letras “is” são o formato do novo joystick, com um modo de jogo completamente reformulado. Deixou de ser necessário ter uma prática em apertar botões rapidamente num controle quase indecifrável para quem não tem o videogame por hábito. Agora, apenas um ou outro botão facilmente localizável e o movimento do braço do jogador já são o suficiente. Donde veio a inovadora cultura[13] dos “jogos casuais”, para aquelas pessoas que, pelo grau de dificuldade ou falta de tempo e/ou vontade de aprender novos comandos, não tem o costume de jogar. O Nintendo Wii representa, portanto, a conquista de novas fronteiras do videogame. Pode-se afirmar que é um benefício não apenas para a própria Nintendo, mas também para as outras empresas, as quais em que pese o poderio gráfico e de processamento de seus consoles (alguns exemplares do Playstation 3 têm HDs de 60 GB), simplesmente não buscam novas formas e filosofias dentro da área do entretenimento eletrônico. No fundo, todas precisam de uma Nintendo para copiar, se inspirar e também criticar. Não à toa, a revista BusinessWeek divulgou sua lista das 40 melhores empresas do mundo atualmente. Neste ranking, a Nintendo alcançou a liderança, à frente do Google e da Apple. 5. Séries, personagens e curiosidades Em 1981, o arcade Donkey Kong foi a primeira novidade nintendista de sucesso nos videogames. Nele, o objetivo é resgatar a princesa Pauline, sequestrada pelo gorila que dá nome ao jogo. O herói da aventura ainda não é Mario, mas sim um tal de Jump Man. Este personagem já se vestia da mesma forma que o Encanador[14], macacão, camisa e o indefectível bigode – o qual, na época do pixel, surgiu apenas para definir os limites do rosto do personagem. Posteriormente o Jump Man, pela semelhança com o zelador italiano Mario Segali, ganhou o nome que o consagra como um dos maiores personagens de videogame. As suas histórias têm quase sempre a mesma premissa, herdada do fliperama: o Mario deve resgatar a princesa do reino – agora rebatizada como Peach, talvez para sugerir que sua pele é macia e suave como um pêssego[15] - das garras do vilão Bowser, o Rei dos Koopas, uma bizarra mistura de lagarto e tartaruga. Donkey Kong deixa de ser antagonista e ganha uma franquia para si, em que ele deve salvar sua pátria de King K. Rool, um gigantesco jacaré (será que a Nintendo não gosta de répteis?). A Nintendo já desenvolveu o Mario de tudo quanto foi jeito, mas no final Peach deve ser sempre salva de Bowser. Para a missão, o bigodudo conta com a ajuda dos cogumelos Toads (afinal, as histórias sempre se passam no psicodélico País dos Cogumelos) e, às vezes, de seu irmão Luigi. A série Super Mario conta com vários outros personagens e até outra alteza em apuros (Daisy), mas não entrarei em maiores detalhes em relação a eles. Em 1986, Shigeru Miyamoto (mesmo criador de Mario), inspirado no filme “A Lenda”, cria o universo de Legend of Zelda. A história tem algumas semelhanças com Super Mario. O herói, chamado Link, precisa salvar a princesa Zelda do vilão Ganondorf. Mas as similaridades param por aí: enquanto que a aventura de Mario tem um ar mais humorístico e descontraído, Legend of Zelda apresenta uma premissa mística, com ingredientes das mitologias nórdica e japonesa. Link e Zelda são elfos, Ganondorf é um beduíno do deserto e o local de ação é Hyrule, país de elfos, fadas e demais criaturas. Existe também uma religiosidade na história: o mundo foi criado a partir das deusas Din, Farore e Nayru. Depois da criação elas teriam deixado, em algum lugar de Hyrule, o artefato Triforce. Trata-se de um triângulo dourado em que cada terço representa uma virtude das deusas: Força (Din), Sabedoria (Nayru) e Coragem (Farore). Quem encontrá-la terá o controle total sobre o Universo. Este é o artefato desejado por Ganondorf. Todas as Lendas de Zelda, a princesa que conta a Link o que deve ser feito, são baseadas neste ponto de partida. Traçando mais um paralelo entre Mario e Zelda, verificamos que as princesas possuem funções distintas. Bowser apenas deseja se casar com Peach e tomar os Cogumelos, sem deixar claro que o mundo também é o alvo. Mario, morador do país e apaixonado por Peach, não mede esforços para salvar a sua querida “princesa-patricinha”. Já Zelda, de socialite, não tem nada ou muito pouco. Como governante de Hyrule, ela conhece a lenda da criação (uma nova teoria criacionista, existente apenas em Legend of Zelda) e aguarda o Herói do Tempo, o qual reverterá o fluxo temporal e salvará o mundo contra a ambição do tirano Ganondorf. Ele é o Rei dos Ladrões da lenda, Zelda é a Princesa do Destino e o Herói do Tempo é Link, um menino da floresta que, a partir da história a ele contada pela princesa, descobre ser ele o escolhido. Talvez haja certo machismo em colocar sempre uma mulher em situação de perigo para ser salva por um homem. O vilão também é um homem. Não esqueçamos que são séries de uma empresa do Japão, país dos miais, em que a noiva pode, no máximo, estar em condições de igualdade ao noivo, mas nunca superior. A autoridade no matrimônio é masculina. E geralmente o primogênito assume os negócios da família, como não foi diferente na Nintendo. É inegável afirmar que certos signos como um país de cogumelos, encanadores e lagartos e um mundo criado por três deusas são, no mínimo, filosofais. Seria a obsessão de Bowser por Peach uma referência ao casamento arranjado? E qual religiosidade está presente na Lenda de Zelda? Esta última parece misturar elementos cosmológicos de civilizações indígenas e mitologia nórdica. E a partir de tudo isto, uma nova filosofia nasce. O continuísmo de retórica destas séries pode ser explicado, por seu sucesso, como uma tradição de herança cultural, a qual representa uma repetição desejada. Esse desejo é efetivamente definido pelas relações sociais gerais (WILLIAMS, 2000) Super Mario e Legend of Zelda são as mais famosas, mas existem outras séries da Nintendo, como Metroid, em que o protagonista é uma mulher, Samus Aran, uma caçadora de recompensas que deve manter a galáxia a salvo. Star Fox é um grupo de guerreiros espaciais animais, que liderados pela raposa Fox McCloud (sim, redundante) precisam proteger seu planeta da ameaça alienígena. Tanto Metroid como Star Fox contém elementos muito utilizados em outras obras da cultura pop japonesa e também em Hollywood. Pokémon, a coleção de animais, é um anime de sucesso que nasceu como um jogo da Nintendo. A empresa tem ainda outras séries, como Kirby, Kid Icarus, Fire Emblem, Super Smash Bros, cada uma com suas histórias e interpretações distintas. Quase todas essas séries são sucessos como exportação e importação cultural, pois podemos perceber que claramente são difusões artísticas e ideológicas. (WILLIAMS, 2000) Existem outras curiosidades acerca do universo nintendista. Vamos a algumas: Um grupo de “pais preocupados”, em certa ocasião, tentou mover um processo contra a Nintendo por causa de “bolhas dolorosas” nos dedos das crianças que jogam; Uma famosa série do NES, “Punch Out” era originalmente vendida com o nome “Mike Tyson’s Punch Out”. Isso até o devorador de orelhas ser preso e seu contrato com a Nintendo expirar. A companhia não o renovou pelo fato de o pugilista ter se encrencado com a lei, e todos os novos jogos dali por diante foram batizados apenas de Punch Out e o Tyson virtual foi rebatizado como “Mr. Dream”; O nome feminino da séria Legend of Zelda foi inspirado no de Zelda Farrow, esposa do escritor norte-americano Francis Scott Fitzgerald, escritor de “O Grande Gatsby”. Miyamoto achava o nome exótico e de pronúncia agradável. Já Link foi baseado em tudo o que Shigeru sonhava ser em sua infância, pois ele sonhava alto enquanto passeava pelas ruas de Kyoto; Apesar das criações nintendistas serem protegidas por direitos autorais, a Philips já teve permissão para trabalhar com Mario e Zelda. Ocorre que a empresa estava junto com a Sony no claudicante projeto de leitor de CD-ROM do Super NES, e o contrato estabelecia que ela, e somente ela poderia mexer com jogos da Nintendo enquanto trabalhasse com a mesma. A Philips, então, lançou o CD-i em 1993 com três jogos Zelda (Zelda’s Adventure, Faces of Evil e Wands of Gamelon) e um de Mario (Hotel Mario). Mas os jogos foram desenvolvidos pela própria Philips, ficando muito ruins e envergonhando a Nintendo. O CD-i também foi um retumbante fracasso, naturalmente; A Nintendo sempre foi conhecida por fazer um criterioso controle do conteúdo de seus jogos. Politicamente correta, ela censura cenas de sexo e violência explícita, e ganhou o estigma de que desenvolve jogos para crianças. Entretanto, nem tudo era devidamente corrigido. No RPG da Square “Secret of Mana”, do Super NES, havia um inimigo de nome Ecchi na Hon, ou “porno book” (isso mesmo, livro pornô). O diabinho foi rebatizado como National Scar na versão ocidental, mas o livro por ele folheado, às vezes, mostrava uma cena da publicação indiana Kama Sutra! Desesperada, a Nintendo não pôde fazer nada. CONCLUSÃO O ensaio analítico apresentado é um debate sobre elementos históricos, visuais e interpretativos que compuseram a trajetória da Nintendo desde sua fundação até o século XXI. Nele, não há respostas definitivas ou teorias irrefutáveis no que tange a questões culturais e filosóficas, mas sim uma leitura pessoal com base em variados detalhes paralelos. A leitura promovida por mim pretendeu, através da apresentação de dados históricos, curiosidades e a descrição de uma postura praticamente inexpugnável da Nintendo, identificar ao leitor leigo uma visão de autor muito mais interpretativa e simbológica do que simplesmente um conto factual inodoro, que apenas aborda um assunto sem efetivamente “invadi-lo”. O texto pode ser lido como um paralelo de referências culturais e filosóficas que fazem parte dos anais da instituição Nintendo e também as que eternamente se encontram em suas obras. Com isto, espero poder ter municiado o leitor suficientemente para que o mesmo, dentro do tema proposto, se sinta apto a entender questões mais comunicativas e reflexivas do que meramente aparentes. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS The best site for info about Nintendo’s classic vídeo games. Disponível em <http://www.nintendoland.com/home.htm>. Acesso em 16 de novembro de 2009. Fundação Japão – Cultura Japonesa. Disponível em <http://www.fjsp.org.br/guia/ cap21_a.htm>. Acesso em 18 de novembro de 2009. INFO Online. Disponível em < http://info.abril.com.br/aberto/infonews/112007/ 27112007-18.shl>. Acesso em 21 de novembro de 2009. The World’s Best Companies – Business Week. Disponível em <http://bwnt.businessweek.com/interactive_reports/global_champs_2009/ index.asp?sortCol=rankid&sortOrder=1&pageNum=1&resultNum=50>. Acesso em 24 de novembro de 2009. JUNIOR, Odair Braz. Revista Nintendo World 49 e 50, setembro e outubro de 2002. Seção Superclassics. Ed. Conrad, 2002. Período Showa – Wikipédia. Disponível em < http://pt.wikipedia.org/wiki/ Per%C3%ADodo_Showa>. Acesso em 18 de novembro de 2009. SANTANA, Fabio. Revista Nintendo World 73, 74 e 75, setembro, outubro e novembro de 2004. Seção Hot Shots. Ed. Conrad, 2004. WILLIAMS, Raymond. Cultura. Ed. Paz e Terra, 2000. [1] “Koppai”, do japonês, significa baralho. A Hanafuda foi introduzida no Japão pelo padre português Francisco Xavier, em 1549. Consiste num jogo de quarenta e oito cartas, divididas em doze grupos de quatro cartas cada (da mesma forma que o baralho ocidental); os grupos representam os meses, e as cartas trazem as flores típicas de suas respectivas épocas. Assim como o baralho ocidental, a Hanafuda pode ser jogada de várias maneiras, com regras diferentes. [2] Em 1983, no lançamento do NES – Nintendo Entertainment System, primeiro videogame doméstico da Nintendo – a iminência de um atentado por parte da Yakuza motivou a empresa a utilizar-se de carros blindados para o evento. [3] O miai, ou casamento arranjado, tem uma longa tradição no Japão, principalmente na Era Meiji (1868-1914). O nakodo (intermediador do casamento entre as duas famílias) fazia um levantamento do passado da família do noivo (e da noiva) e do status social (o do noivo deveria ser superior ou equivalente ao da noiva!). Embora o casal tivesse a permissão de se conhecer antes do casamento, deveria acatar a vontade dos pais. [4] Quando esteve no colégio militar em plena Segunda Guerra Mundial, Hiroshi teve uma idéia para fugir do lugar às tardes. Já que durante a guerra a comida era escassa e o povo, quando era possível, alimentava-se sempre de batatas, Yamauchi todos os dias levava uma marmita de arroz, cortesia de sua avó Tei. Ele soube fazer bom uso do produto para escapar de muitos problemas, já que a partir do momento em que percebeu que seu supervisor não tirava os olhos de seu almoço, ele resolveu dividi-lo em troca de uma folga vespertina. Daquele dia em diante, ele sempre levou duas marmitas ao colégio e escapou dos conflitos. [5] Afinal, os personagens da própria Nintendo só surgiriam a partir de 1981. [6] As três trapalhadas empresariais foram: arroz instantâneo, que era misturado com água e resultava numa comida intragável; Love Hotel, motéis com quartos alugados a hora, sendo o próprio presidente um assíduo freqüentador e Daiya, uma frota de táxis que faliu devido a querelas com o sindicato. [7] Ironicamente, no momento em que o CD-ROM se consagrava como mídia eletrônica, a Nintendo fechou contrato com a Sony para desenvolver um dispositivo de CD para o Super NES. O nome do aparelho seria, isso mesmo, Playstation! O projeto foi cancelado porque a Nintendo se desagradou com os “load times”, entre outras características do CD-ROM. Profundamente magoada, a Sony desenvolveu sozinha seu console e tornou-se, hoje, a maior rival da Nintendo. [8] Na E3 (Eletronic Entertainment Expo, maior feira de videogames do mundo) de 2001, no lançamento do GameCube, a Nintendo lançou a seguinte filosofia: Inovação – sempre fazer algo diferente e nunca deixar de inovar. Qualidade – manter a alto nível de seus produtos. A empresa não publica “qualquer” jogo, somente os melhores. Personagens e franchises – a Nintendo é a responsável pela criação dos maiores símbolos do entretenimento virtual no mundo. E eles só podem ser encontrados em seus consoles. Herança e tradição – A Nintendo, diferentemente da maioria, prefere não recorrer a violência gratuita e sexo explícito em suas first-parties. (jogos feitos pela própria empresa) [9] No fim de 2007, o Greenpeace divulgou um ranking das empresas tecnológicas que mais respeitam o meio ambiente, com uma escala de zero a dez. E a Nintendo ficou com zero, isolada na lanterna. [10] A Philips e a Sega já haviam criado consoles com suporte para CD (CD-i e SEGA CD, respectivamente), mas não obtiveram êxito. [11] A Rare, parceira desde os tempos de Super NES, foi responsável pela série Banjo-Kazooie e 007, sucessos do Nintendo 64. Além disso, ajudou a desenvolver os títulos das franquias Donkey Kong e Star Fox, as quais não conseguiu levar consigo para a Microsoft. [12] Na década de 80, a Nintendo já apostara em games educativos como “Mario is Missing”, para o NES. Neste título o jogador, controlando Luigi, deve encontrar o irmão Mario respondendo perguntas de História geral. [13] É justo destacar a verve pioneira da empresa: quando os jogos e brinquedos passaram a ser o empreendimento da Nintendo, na década de 70, surgiram os patinhos de barro de parques de diversão e os primeiros simuladores de tênis e tiro; na década de 80, o videogame portátil (Game Boy) e a ação lateral (side-scrooling de Super Mario, copiada até hoje); e nos dias atuais, o videogame de duas telas (DS) e o videogame para criar hábito aos que não jogam (Wii). [14] Profissão de Mario desde os primeiros jogos. [15] É importante que se esclareça que este capítulo apenas especula certos signos do conteúdo de games da Nintendo. A empresa nunca explicou, por exemplo, o porquê do nome da princesa.