IMBERT, Claude – Introdução a Escritos lógicos e filosóficos de Gottlob Frege –
– Alduisio M. de Souza – Versão, Digressões e Comentários –
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SEMINÁRIO DE LEITURAS CLÍNICAS 2009
LEITURAS DE FREGE
INTRODUÇÃO
Escritos lógicos e filosóficos de Gottlob Frege
Claude Imbert
TRADUÇÃO e COMENTÁRIOS
Alduisio M. de Souza
IMBERT, Claude – Introdução a Escritos lógicos e filosóficos de Gottlob Frege –
– Alduisio M. de Souza – Versão, Digressões e Comentários –
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―APRESENTAÇÃO DE GOOTLOB FREGE NA FRANÇA‖ (1)
Claude Imbert
I
Os dez textos de G. Frege que fazemos a tradução foram publicados entre 1879 e
1925. Oito dentre eles apareceram em diversas revistas filosóficas ou nas Atas da
Societé savante d’Iena. Esta sociedade foi o único auditório ao qual Frege teve a
ocasião de se apresentar, com única exceção de uma conferência feita em Lübeck.
Função e Conceito foi publicada [paga] pelo próprio autor e o artigo O que é uma
função? que foi destinado a uma obra coletiva em homenagem à Ludwig Boltzamann.
Não devemos concluir que Frege tenha escolhido antes de se dirigir ao público
cultivado e às pessoas das letras, do que aos matemáticos. É muito mais por causa das
recusas que recebera das revistas de matemática para artigos técnicos que ele passou a
escrever texto sucintos desprovidos de detalhes para os matemáticos que então se
dirigiu a revistas mais ecléticas. Os artigos em que Frege se dedica à defesa da
Begriffsschrift [Conceitografia] nos fornece um exemplo que fala por si mesmo: os
inéditos (2) contem uma minuciosa comparação entre Cálculo lógico de Boole e
ideografia, foi recusada sucessivamente pela Zeitschrift für Mathematik und Physik, e
pelo Mathematische Annalen e também o Zetschrift für Philosophie und philosophische
Kritik em 1881. Uma outra versão, muito reduzida, intitulada A Língua formular de
Boole e minha Ideografia, foram recusados pela Vierteljahrshrift für wissenschaftliche
Philisophie mesmo que esta revista tenha publicado vários estudos consagrados escola
lógica inglesa (Boole, Mac Coll) e a seus ramos alemães (Lange, Schröder, Erdmann).
Somente foi publicado, na revista de Iena a conferência Sobre o objetivo da
Conceitografia (o segundo título de nosso estudo) que resume em grandes linhas a
argumentação destes artigos inéditos: vemos aí como Frege mede os dois cálculos, o de
Boole e o seu, seus principais princípios diretivos, antes de julgar os resultados. O
debate opõe duas análises da proposição. Ilustrados por dois simbolismos. Boole, de
certa forma é sem dúvida é mais fiel ao sentimento e ao recorte aristotélico; toma para
ele o senso comum da tradição. Ao contrário, Frege surpreende sempre na primeira
leitura, e em toda sua vida sofreu incompreensões dos matemáticos – philosophica non
leguntur – também a indiferença dos filósofos – matemática non leguntur. Sacamos às
vezes – ao escutá-lo – suas mágoas, sem que a desaprovação de seus contemporâneos
tenha balançado o curso de sua pesquisa.
Estes textos então não tiveram eco no tempo de sua primeira publicação. Os
mais importantes dentre eles, (sem levar em conta as Investigações Lógicas posteriores
à Primeira Guerra mundial e interrompida com a morte de Frege) foram tirados do
esquecimento nos anos 1900 por Bertrand Russel, que teve sua curiosidade despertada
por Peano. No apêndice A dos Principles of Mathematics, o filósofo inglês [B.R.] faz
uma magnífica homenagem a Frege e dois anos mais tarde, em um artigo que foi
determinante para a filosofia analítica ele submeteu a ideografia fregiana a um exame
severo. Na mesma época, Husserl e Frege estabelecem correspondência. Husserl envia
alguns textos para Frege As doutrinas lógicas de Frege afetaram pouco a fenomenologia
nascente exceto talvez para o abandono do psicologismo empírico da Philosophie der
Aritmetik de Husserl. Não deixa também de ser destacável que as duas grandes escolas
filosóficas do começo do século, a fenomenologia e a filosofia analítica tenham definido
sua doutrina em diálogo com Frege.
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(1) IMBERT, Claude – Introdução da Tradução ―Écrits logiques et philosophiques‖ de Gottlob
Frege – Éditions du Seuil – 1971.
(2) Publicados em 1969 com o título Nachgelassene Schriften, Hamburgo.
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Os textos originais por longo tempo dispersos em revistas de baixa tiragem são
acessíveis hoje em dois apanhados (1): Begriffsschrift und andere Aufsätze (1963) e
Kleine Schriften (1967) [Cf. o Corpus Fregeanun, de Paulo Alcoforado no texto do
Seminário de Leituras Clínicas 2009]. Estes apanhados se beneficiam da reprodução
fotográfica e contêm uma nova edição da Begriffsschrift [Conceitografia]. O
simbolismo de Frege é tão complexo em sua precisão que fora excluído de traduzir a
Begriffsschrift. Esta impossibilidade não pesou, no entanto sobre nossa escolha: várias
edições desta obra estão disponíveis e os textos aqui publicados contêm exemplos
suficientes da escritura ideográfica bidimensional.
Nosso projeto era de reunir um conjunto de artigos que jogasse uma luz na lenta
gestação da ideografia, as modificações que Frege incluía com o tempo e a análise da
língua matemática que precede e justifica a definição de número cardinal. Ou seja,
tratava-se de esclarecer o nascimento da lógica extensional, e estes textos devem ser
lidos, em nosso sentido, conjuntamente com os Fundamentos da Aritmética, tanto
quanto ao Tractatus lógico-phosohicus. Tanto que, e pelas mesmas razões estes textos
foram eles que por intermédio de Russel e Wittgenstein tiveram uma influência
permanente sobre a história da filosofia analítica. É verdade que o interesse se deslocará
do atomismo lógico, do qual poderíamos traçar a origem remontando até Frege, sobre os
estudos das significações e das suposições implícitas da língua comum: mas, as duas
escolas nascidas das lições de Wittgenstein meditaram sobre a obra de Frege. Se A
língua formular do pensamento puro ou Ideografia impôs uma reforma da lógica
clássica, ela renovará igualmente a análise espontânea das línguas comuns,
principalmente em seu emprego filosófico.
Estes dez textos portam intenções duas diferentes. A maioria tem um aspecto
polêmico: Frege teve de defender a Begriffsschrift e Os fundamentos da Aritmética,
depois de algumas críticas deselegantes e irresponsáveis, críticas nas quais os erros
eram evidentes. Em seu sentido positivo, elas permitiram modificar e completar a
primeira ideografia por uma série de descobertas e autocríticas que constituíram o
interesse maior e até insuficientemente destacados. Classificaremos assim elas em três
períodos.
Antes de seguir o percurso histórico, devemos justificar aqui a tradução que
adotamos dos termos os mais característicos de Frege e mencionar alguns problemas
fundamentais que foram aí encontrados. Examinando adiante as razões lógicas das
grandes distinções fregeanas, daremos aqui um apanhado dos aspectos que dependem da
lingüística, tomando a liberdade de não mais abordá-las. Pedimos ao leitor a gentileza
de reter no espírito estas diversas precisões lendo as páginas que seguem: Gedanke e
Satz foram traduzidos respectivamente por pensamento e proposição.
O termo de proposição deve ser tomado no sentido do Littré: termo de lógica e
de gramática. É mais precisamente, a proposição independente dos gramáticos, a
sentença, doa Anglo-Saxões.
O pensamento designa, na língua de Frege o sentido de uma proposição ou de
uma fórmula, sentido que pode ser considerado verdadeiro ou falso. A. A. Church
traduz Gedanke por proposição (conteúdo abstrato da sentença), única tradução que lhe
parece desprovida de subentendidos psicológicos. Nós escolhemos pensamento porque
a língua francesa não tem nenhum par de termos equivalentes do inglês
sentence/proposition, e por respeitar ao pé da letra as intenções de Frege: citando
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(1) Este apanhado nós devemos a I. Angelelli que retomou uma parte do projeto de H. Scholz.
Este último havia iniciado entre as duas guerras uma edição dos principais textos inéditos de
Frege ao mesmo tempo em que dava a conhecer a obra integral, lógica e matemática do filósofo
de Iena, e consagrará suas últimas forças na preparação dos textos que esta publicação integra.
O tomo I relata (Na Sc p. XXXIV á XLI) a história atribulada desta edição. Os tomos seguintes
publicarão a correspondência científica de Frege.
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Leibniz frege quer que a língua ideográfica ―trata [cuida] dos pensamentos e não das
palavras‖.
Sinn e Bedeutung foram traduzidos respectivamente por sentido e denotação.
A tradução teria de levar em conta o fato de que os termos alemães designam um
par de noções solidárias. Para o primeiro [Sinn] traduzir por sentido era o mais
adequado. Para o segundo [Bedeutung], certos tradutores propuseram significação. Mas,
o par sentido/significação nos parece incapaz de ter o alcance em francês da distinção
Sinn/Bedeutung. Designação era reservada para traduzir Bezeichnung, e Frege emprega
o termo bezeichnen (1) como um duplo de bedeuten. Poderíamos ainda, com orientação
de E. Benveniste (A forma e o Sentido na Linguagem, 1966) e observando a escolha de
traduções da língua inglesa, traduzir Bedeutung por referência: mas o regime indireto
do verbo se referir teria introduzido volteios bastante pesados. Seguimos então A.
Church (Introduction to mathematical Logic, p. 4) e utilizamos um termo que já
pertence ao vocabulário da lógica, este de denotação.
Resta que seu emprego difere do emprego clássico no qual dizíamos que um
conceito (e não, como é aqui o caso, toda expressão dotada de sentido) conota certas
propriedades e denota certos objetos. Este emprego clássico é fruto de uma amalgama
entre a doutrina dos lógicos de Port-Royal e esta de J. Stuart Mill. Os primeiros
introduziram o par de noções: extensão/compreensão, associado ao conceito ele mesmo,
ao passo que J. Stuart Mill associa o par: conotação/denotação ao signo material do
conceito. Esta última distinção, que seduz de imediato, é na verdade uma falsa luz. Ele
deixa confundidos dois sistemas de noções que são para Frege estranhos um ao outro,
mas claramente distintos na ideografia:
1. O primeiro sistema (sugerido pelo termo de conotação) analisa o poder característico
ou representativo do conceito [Cf. Fundamentos da Aritmética]: os caracteres
(Merkmale) que constituem o conceito como tal representam as propriedades
(Eingenschaften) dos objetos que o conceito é dito, em lógica clássica, subsumir. Frege
foi o primeiro a distinguir entre poder representativo do conceito e a subsunção do qual
é o fundamento. Assim analisado, o conceito atua como uma função característica para
o conjunto dos objetos que constituem sua extensão. E, a correspondência entre os
caracteres do conceito e as propriedades dos objetos nos dá conta da relação da
compreensão e à extensão, imperfeitamente descrita desde o século XVII.
2. O segundo sistema de noções (trazidas pelo termo denotação) analisa a relação
propriamente lingüística entre o signo ou uma expressão, seu sentido – isto é, precisa
Frege, o que o permite se compor com outros signos para formar uma unidade de
sentido nova – e sua denotação: o objeto que lhe é eventualmente atribuído [assinado].
O primeiro grupo de noções pertence especificamente á lógica e a teoria do
conhecimento. Elas definem as condições mínimas que fazem de um sistema simbólico
uma característica e não um simples código, mas independente do material sensível
escolhido para este sistema. As noções do segundo grupo são propriamente lingüísticas
e sua análise deve levar em conta o material sensível próprio de cada linguagem
considerada. No caso das línguas examinadas por Frege – as línguas usuais e formulares
– as regras do sentido (substituição, concatenação) são rigorosamente dependentes da
sintaxe linear comum à proposição e a fórmula.
Como veremos nas páginas seguintes desta introdução, Frege tentou, no curso de
uma reflexão crítica feita às vezes contra si mesmo, de liberar a lógica de qualquer
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(1) Cf. adiante, em pede página, que jamais designação será um duplo de denotação. A
designação sendo um signo e a denotação o que é designado.
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preconceito induzidos pela linearidade das línguas usuais, sem que, no entanto o
problema jamais tenha sido posto em sua forma geral, ele denunciará, principalmente na
época [que escreveu] das Investigações Lógicas, o abuso da subordinação, da conjunção
e da predicação nas línguas naturais. Mas, já que seu objetivo era de fazer lógica da
língua aritmética, ele respeitará a fórmula lingüística. Ora, a fórmula aritmética
(equação) que serve de modelo para a ideografia, tem uma fórmula linear assim como a
proposição. Por este fato, as considerações do artigo Sentido e denotação [Sinn und
Bedeutung] se aplicam tanto a uma quanto às outras.
Para se dar conta da composição do sentido, Frege recorreu à expressões que não
são, não de seu feitio, a imagens as quais não poderia dispensar: tais como incompletude
ou insaturação e unidade de sentido. No mais, confessa o liame constitutivo da unidade
de sentido, lhe pareceu sempre enigmático. É então que deixa de tomar significações
marcadas de antemão a um tesouro de entidades mentais, dirigindo sua inquietação para
o uso platônico, como disse às vezes. Antes, Frege hesitou não ter tomado consciência
exata das necessidades que um significante linear impõe à sintaxe, à composição dos
elementos sucessivos da escrita em unidades integrantes, ditas completas ou bem
formadas.
Convém aqui lembrar as definições propostas por E. Benveniste [Problemas de
lingüística geral]:
―A forma de uma unidade lingüística se define como sua capacidade
de se dissociar em constituintes de nível inferior‖. (...) ―O sentido de uma
unidade lingüística se define como capacidade de integrar uma unidade de
nível superior‖. (...) ―Forma e sentido aparecem assim como propriedades
conjugadas, dadas necessariamente e simultaneamente, inseparáveis nas
funções da linguagem‖.
Na página precedente, E. Benveniste lembrava a análise dos lógicos: ―O modelo
da relação integral é este da função proposicional de Russel‖ e ele citava um texto,
bem conhecido dos leitores de língua francesa, Introdução à filosofia matemática
(1919), p. 188. Mas a observação vale também para a ideografia fregeana. Frege foi o
primeiro a fazer o exame lógico (1) sobre a proposição e distinguir na escritura:
um signo de argumento: ―2‖, e um signo de conceito
. A
escrita
, onde ξ é uma variável sintáxica é o que Russel chama uma função
proposicional. Para bem acentuar que esta função proposicional é um ser lingüístico e
não uma entidade abstrata, W. W. Quine prefere o termo de ―matriz‖ [Whitehead, 1941].
Pois, no caso de uma forma lingüística proposicional só há um meio de compor entre
elas as unidades de sentido em uma unidade nova: este meio é a articulação predicativa
(1). Desta necessidade sintáxica Frege tomou conhecimento sem saber explicá-la a não ser por
imagens: estas dos véus sucessivos que revestem um indivíduo. Cada véu se ajusta à
forma do corpo e completa a vestimenta precedente, mas que, por si mesmo não tem
nenhuma vestimenta e então exige de certa forma alguém que pudesse vesti-lo. Uma
outra imagem é esta dos átomos que devem necessariamente ser integrados a
compostos estáveis moleculares. Frege constata que Wilhem Wundt utiliza esta imagem
em sua Logik. Este texto mesmo, dos inéditos cita numa nota de chamada algumas
linhas acima, os trabalhos de um lingüista de língua inglesa A. H. Sayce
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(1) O que vai contra a tradição aristotélica na qual o primeiro imperativo é de dissolver a
aparência da proposição, substituindo-lhe por uma relação entre termos. É o sentido da
άναλὑειν. ―λογαὑχώς χαι χενώς‖ é oposto a άναλυτιχώς. (Ética a Eudeme, 1217 b 21).
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[Assiriólogo Archibald Henry Sayce – 1845-1933] que reduz a forma lingüística a uma
única palavra (Sentence word) para a unidade do discurso primitivo. Esta tese ia de
encontro a uma opinião então em voga e ligada às Investigações sobre o indo-europeu,
segundo a qual a língua se constituiria em torno da raiz. Ao inverso, Sayce considera a
raiz uma abstração face à realidade lingüística da proposição. Frege lê em Sayce como
uma justificativa de sua própria pesquisa, da qual ele afirma várias vezes a novidade e o
caráter não aristotélico. Partindo da escrita de uma proposição – desta que ele chama de
pensamento ou conteúdo de julgamento – Frege descobre de imediato, algo como uma
articulação primeira e fundamental, a articulação predicativa.
Ausdrucken, Ausdruck foram traduzidos respectivamente por: exprimir e
expressão.
Frege emprega estes termos no sentido objetivo, aquele em virtude do qual
diremos que ―ax + b‖ é uma expressão algébrica, por uma escritura algébrica.
Unbestinmt andeuten foi traduzido por: indicar de maneira indeterminada, à
maneira de um signo de variável figurando numa fórmula algébrica ou ideográfica. ―Na
expressão Φ (x), a letra x indica de maneira indeterminada ao passo que
, cada
signo tem uma denotação determinada‖ (Leis Fundamentais §, 7). Na língua comum, os
pronomes pessoais e outros dêiticos (aqui, hoje...) são ditos igualmente indicar de
maneira indeterminada.
Pensamos que Frege foi o primeiro a recorrer às aspas pra distinguir entre
menção de uma expressão e seu uso:
―Surpreender-nos-emos talvez do emprego freqüente das aspas. Ela serve para
distinguir o caso onde falo do signo ele mesmo daquele em falo de sua denotação‖ (Leis
Fundamentais, I. 4, 1892).
Frege viu primeiramente aí um remédio próprio para sanar uma confusão pelo
uso autônomo dos signos aritméticos, este da cifra e do número, de uma expressão
analítica e de uma função e em geral do nome e do denominado. Ele reconhece mais
tarde no uso das aspas um utensílio indispensável para quem quer falar na metalíngua e
a língua objeto:
―As proposições de minha linguagem auxiliar [Hilfssprache] são objetos que
foram falados na linguagem de exposição [Darlegungsprache]. Devo poder designá-los
em minha linguagem de exposição como num tratado de astronomia, planetas são
designados por seus nomes próprios ―Vênus‖ ou ―Marte‖. Eu obtenho os nomes
próprios das proposições na língua auxiliar colocando estes entre aspas‖.
[Investigações lógicas, 1923/1925].
Seguramente a controvérsia com Kerry exposta em Conceito e Objeto (1892)
teria sido mais clara se Frege tivesse disposto da distinção entre Hilssfprache e
Darlegungssprache (língua–objeto e metalíngua) que utilizará trinta anos mais tarde.
II
Os artigos do primeiro período [1884] confrontam o simbolismo booleano e a
ideografia com a vantagem indiscutível para este último.
Em seguida nós designaremos por Begriffsscrift o opúsculo de 1879; por
ideografia, o simbolismo perfeito (vollkommene Zeichensparache) do qual Frege
trabalhou durante quarenta anos e por procedimentos ideográficos às transformações e
deduções que se autorizam no interior da ideografia, que Frege enuncia sob a d duas
exposições das leis fundamentais da ideografia. O primeiro, na segunda secção da
enominação de Leis Fundamentais (Grundgesetze) e regras de inferência. Ele fará
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(1) BENVENISTE, E. e JAKOBSON, R.: ―O ato sintagmático fundamental, que é ao mesmo tempo o ato
criador da frase, é a predicação‖. Círculo de Praga – Teses de 1929.
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com que Begriffsschrift, comporte nove leis. O segundo, no primeiro tomo das Leis
Fundamentais da Aritmética (Primeira parte, Exposição da ideografia), comporta seis
leis, das quais somente duas pertencem à primeira exposição. Distinguiremos em
conseqüência dois sistemas da ideografia: este da Begriffsschrift e este das Leis
Fundamentais da Aritmética.
Nas palavras de Frege, a ideografia é mais que uma lógica no sentido de que a
lógica é dita classicamente formal. Isto é, vazia de qualquer conteúdo e reguladora de
todo discurso. Sem dúvida a ideografia é ela formal em outro sentido, na medida exata
na qual pretende ser um cálculo ao mesmo tempo ser uma característica [uma língua
formular análoga a esta da aritmética ou da química]. Pois, as escritas das fórmulas e
inferência de uma fórmula a partir de outra são submetidas a regras pouco numerosas
sem nenhuma exceção de forma que a conclusão de um raciocínio é estabelecida
unicamente em consideração aos símbolos. Mas, não esqueceremos que a decisão é
confiada às regras de signos, pois eles constituem uma característica adequada e
regular, já que não são nem vazios nem arbitrários.
Se levarmos em conta os símbolos primitivos da ideografia, as leis e as regras de
inferência que lhe são associadas, a ideografia enquanto cálculo autoriza construções e
deduções específicas. Em particular, a constante de igualdade figura em número de
signos primitivos e desempenha um papel duplo. Ela serve em primeiro lugar às
definições nominais que permitem introduzir um símbolo novo abreviando uma
fórmula que conta vários símbolos legitimados precedentemente. Ela permite em
segundo lugar identificar (Wiedererkennen) a solução de uma equação como no
exemplo elementar que segue:
(1) x = 3 + 5.
Frege utiliza o segundo sentido da identidade na lei V (da segunda ideografia), a qual
permite identificar a extensão de dois conceitos se estes conceitos têm o mesmo valor
para os mesmos argumentos. Ora, no exemplo acima, o que a identidade afirma é que
existe um procedimento de construção de entidade identificada. A equação é solúvel
porque < Z, + > constitui um monóide [conjunto munido de uma operação associativa
com elemento neutro]. Assim, esta lei V da segunda ideografia foi concebida para
resumir um procedimento conhecido em geometria e em aritmética, para quocientar
por uma relação de equivalência que Frege entende utilizar para definir os números
cardinais. Assim procedendo Frege introduz na ideografia um procedimento singular
de álgebra sem reconhecer a especificidade de sua construção. Mas, lhe parecerá não
ter rompido explicitamente os limites da lógica já que ele sabia definir a equivalência
cardinal dos conceitos sem recorrer à intuição, mesmo fosse ela tomada no sentido de
Kant. Ele sabia definir o número sem recorrer à psicologia dos aritméticos, mesmo
sendo ela reduzida ao poder de abstração no sentido de Cantor ou de Dedekind.
Sabemos que Frege, advertido em 1902 da antinomia das classes por B. Russel,
chegou a suspeitar da validade universal da lei V. Ele confessará então ter sempre tido
alguma dúvida sobre o caráter evidente e puramente lógico desta lei [Frege no
posfácio de As Leis fundamentais, T.II, p. 253 nos lembra que fez reservas ao uso
desta lei desde 1892].
Daí pode perceber que, Frege mesmo nos momentos de seu auge de esperança se
mantém ligado a sua fé lógica que às vezes tinha termos ambíguos: ―Eu divido a
opinião daqueles que consideram impossível separar claramente [id est: a lógica e a
matemática]‖.
Tudo está neste ―claramente‖. Hoje, e levando em conta as lições da história da
teoria dos conjuntos, possuímos um critério permitindo separar a lógica e a
matemática. Constatamos, pelo menos, que as matemáticas empregam duas constantes
primitivas extra-lógicas, esta da igualdade e do pertencimento: seu uso é definido por
uma lista de axiomas que caracterizam a teoria dos conjuntos como teoria particular
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mesmo que fundamental. No resto a ideografia serva para expressão destes axiomas e
Frege concebeu, alguns anos antes de Peano e Russel a língua extensional requerida
pela teoria matemática. Esta língua oferece, a mais, uma característica mais fina que
esta das palavras da língua natural que carrega consigo o sentido do uso, fornece
também uma teoria da dedução enriquecida pelos axiomas e as regras da
quantificação. Aí está a vantagem estupenda que a Begriffsschrift [Conceitografia] tem
sobre a lógica de Boole.
O simbolismo escolhido por Boole representa as diversas relações podendo
existir entre a extensão dos termos, ou classes, partindo da relação fundamental que é a
identidade. Aristóteles tinha escolhido a inclusão estrita. ―A diferença, diz Frege, se
limita ao que Aristóteles coloca em primeiro plano o caso no qual a extensão de um
conceito inclui totalmente esta do outro, ao passo que Boole reduz este caso a este da
identidade das extensões‖. Frege não nega no entanto o progresso técnico que a
exposição booleana trás para o silogismo e que resulta no que a lógica de Boole é já
uma linguagem formular (Formelsprache), um cálculo (calculus ratiocinator), no qual
cada equação pode ser transformada segundo as leis algébricas previamente
enunciadas (1). E é a invenção desta álgebra que permanece sendo a mais bela glória
de Boole.
Este cálculo tem, entretanto na consideração de Frege duas falhas:
1. A primeira é que os princípios da lógica aristotélica não foram alterados: a lógica de
Boole tem os mesmos limites que esta do Estagirita. Ela não tem expressão para os
julgamentos de existência. Ela não tem também os meios para construir novas
expressões conceituais e deve supor que os conceitos são dados.
Para o primeiro ponto, Frege quer dizer que se o silogismo tem proposições
particulares do tipo:
Alguns A são B,
ela ignora as proposições existenciais do tipo:
Existe A.
Ora, isto é de uso quotidiano em aritmética através do que dizemos e provamos,
por exemplo, que, a equação: x + 2 = 6
tem uma raiz, ou ainda, que existe x para o qual x + 2 = 6.
Quanto ao segundo ponto, veremos sobre um exemplo o que Frege entende por
construção de conceitos (Bildung der Begriffe). Todo conteúdo proposicional onde
substituímos n variáveis por n argumentos define um conceito, ou uma relação n –
ária. Se submetermos a expressão assim obtida a uma quantificação, podemos
construir novos conceitos. E a mesma operação pode ser efetuada sobre as
combinações das proposições elementares. Consideremos um caso simples:
obtemos sucessivamente:
utilizando os recursos da
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(1) Frege dá como exemplo a equação: (1) A=AB, traduzindo: ―Todos os mamíferos (A) tem
uma respiração aeróbica (B)‖. A equação pode ainda ser escrita: (2) A (1 – B) = 0; 1 representa
o universo do discurso, 0 a classe vazia e (1 – B) o complemento de B em 1. Esta equação é
solúvel sobre o conjunto 1 munido dos operadores
A invenção que permitiu a
Boole tratar algebricamente a silogística é a introdução das classes complementares (no
exemplo acima (1 – B) representa a classe do que não tem respiração aeróbica) quando
Aristóteles excluía os termos negativos, julgados indeterminados. Da equação acima a solução
é A = B. Em virtude da mesma potenciação [idempotence] temos: A = AA. Verificamos sobre a
fórmula (2), que nesta álgebra um produto de fator pode ser nulo sem que ao menos um dos
fatores o seja. Por princípios elementares, cf. a Analise matemática da lógica (1847) e Na
Investigation of the laws of thought (1853) que é seu desenvolvimento.
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quantificação,
construímos
as
expressões
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de
quatro novos conceitos:
.
Trata-se mais de formação que invenção de novos conceitos, com sintaxe e
vocabulário da ideografia, constantes predicativas requeridas para tal dedução que foi
então proposta (1).
Em resumo, a limitação assinalada por Frege se deve à ausência de uma teoria
da quantificação em Boole como em Aristóteles. Desde a Begriffsschrift, Frege tinha
consciência da novidade essencial de sua ideografia, sem, no entanto, como veremos,
ter esgotado as conseqüências.
2. A segunda falha do cálculo de Boole se deve ao que os símbolos servem para
representar em uma equação as relações entre termos (o que Boole chama primary
proposition) servem igualmente para representar a relação entre os enunciados
proposicionais (secondary propositions). Para isso Boole identifica um enunciado com
a classe de instantes durante os quais este enunciado é verdadeiro. Mais que um
simbolismo que recebe no curso de um mesmo cálculo duas interpretações é ambíguo,
Frege objeta que não podemos escrever simultaneamente o conteúdo das proposições e
o lime lógico entre proposições como se faz na continuidade do raciocínio
matemático. A objeção significa que se podemos, no rigor, transcrever no simbolismo
booleano a língua falada do matemático, seria necessário fazê-lo em duas etapas.
Escrevemos sucessivamente as equações correspondentes à relação entre os termos,
depois as que traduzem a relação das proposições. Assim fazendo deixaremos escapar
algumas sutilezas que Frege soube exprimir em uma fórmula onde figuram vários
quantificadores de alcance diferente. A lógica de Boole é em tudo e mesmo mais um
instrumento de controle, não é uma ideografia (2).
A ideografia ao contrário, se ajusta diretamente às fórmulas matemáticas, ao
mesmo tempo em que adota os princípios aqueles mesmos que Frege tinha
identificado em 1879. Em primeiro lugar ela utiliza como formulário aritmético um
duplo jogo de signos (constantes e variáveis). E desta forma ela é uma característica.
E alem, como se faz na resolução de uma equação ela tira partido das duas dimensões
da página por representar a conduta da prova: o conteúdo de cada proposição é
representado sobre uma linha de esquerda para a direita, como se escreve uma
equação, ao passo que a relação entre proposições se desenvolve verticalmente. A
ideografia, enfim, exprime isto que interessa à prova, e analisa cada conteúdo de
julgamento em função do argumento, como pode ser toda expressão aritmética (2).
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(1) Uma expressão de conceito assim formada deve ser submetida ao critério da estrita
delimitação (schärfe Begrenzung, Fondements, § 74, Leis Fundamentais): para todo objeto,
devemos poder dizer se ele cai sob um conceito. Frege aborda dois casos de respostas a esta
questão: a) ou o conceito é contraditório e sua extensão é vazia. Ele é então equinumérico ao
conceito x ≠ x, e ela lhe dá um uso matemático, ou seja, ele permite de definir o conjunto
vazio; b) ou então podemos, para todo objeto tomado como argumento, dizer se o objeto
tomou o valor V ou F. A dificuldade é que Frege, antes da carta de Russel, não percebeu que a
ideografia admitia de formar pelo menos um conceito para o qual não poderíamos dar nem
uma resposta do tipo a) ou do tipo b).
(2) No prefácio da Begriffschrift até os últimos rascunhos inéditos Frege sustenta esta tese de
que a ideografia deve permitir pensar diretamente nos símbolos que analisam e representam o
pensamento independente das palavras da língua falada, e diferente dela. Mas, a ideografia
pretende ter a mesma potência que uma linguagem natural e representar simultaneamente todos
os dados do raciocínio. ―A verdadeira diferença [entre o cálculo de Boole e a ideografia] é que
eu soube evitar esta divisão em duas partes na qual uma é consagrada às relações entre
conceitos (primary propositions) e a outra a relação entre julgamento (secondary propositions).
Em Boole as duas partes fazem seguida de forma que uma é como uma imagem em espelho
[Spielgebild] da outra, e por isso mesmo não existe entre elas nenhum liame orgânico‖.
IMBERT, Claude – Introdução a Escritos lógicos e filosóficos de Gottlob Frege –
– Alduisio M. de Souza – Versão, Digressões e Comentários –
10
Esta análise, independente da articulação natural em palavras que preservam a
lógica dos termos, repousa sobre uma propriedade sintáxica geral dos textos nos quais
entram em composição signos de constantes e signos de variáveis. É o sentido da regra
proposta na Begriffsschrift no § 9:
―Nós exprimimos a coisa de maneira geral dizendo: Se em uma expressão,
na qual não é necessário que o conteúdo seja este de um julgamento, um signo
simples ou composto tem uma ou várias ocorrências, e se, pensamos que este signo
em todas ou algumas de suas ocorrências pode ser substituído por outro, desde
que o signo substituído seja sempre o mesmo, então a parte estável da expressão é
chamada função e a parte submetida à substituição é chamada argumento da
função‖.
O objetivo explicitamente buscado por Frege é de completar a característica da
aritmética de forma que uma exposição matemática não seja mais um ajuntamento de
um texto da língua comum, mal costurado a um sistema de equação ou fórmulas. O
raciocínio seria um cálculo e este cálculo se regularia sobre a natureza mesma dos
conteúdos: da união orgânica entre a lógica abstrata e os conteúdos, da qual Frege se
orgulha.
Mas, há aqui alguma hesitação no vocabulário (1). Às vezes Frege identifica a
parte formal, abstrata, da lógica às relações entre proposições, às vezes ele parece
suspeitar (como ele estabelecerá mais tarde) que as relações são elas mesmas regidas
pelo conteúdo ou a matéria das proposições, pelo menos de certa maneira: seu valor de
verdade. Trata-se aqui da matéria no sentido no qual falamos de implicação material
entre proposições. No mesmo movimento Frege afirma que o signo de implicação
exprime o mínimo conteúdo, pois ele exclui o único caso no qual o antecedente seria
verdadeiro e a conseqüência falsa. Este argumento pesou em favor do papel do
símbolo primitivo dado ao signo de implicação material (cós outros motivos que
examinaremos adiante). Ele revela a incerteza de Frege: se a lógica das proposições
(que Frege designa como: conteúdo de julgamentos, pensamentos) pode ser pelo
menos aproximativamente identificada com a lógica abstrata e formal, é necessário
que estes símbolos primitivos tenham o mínimo conteúdo. E, se a ideografia deve ao
mesmo tempo ser uma característica, seus signos primitivos devem, no entanto se deve
conter algum conteúdo. Daí decorre que Frege tratará, o que pesado em
conseqüências, os signos do cálculo das proposições como símbolos próprios da língua
característica (2).
A Begriffsschrift e os artigos que são a seguida imediata resumem, pois a tentativa
de traduzir o raciocínio matemático, o que chamamos de prova em língua formular.
Frege não se inquietará então de buscar sobre quais razões e em quais medidas as duas
linguagens, a característica lógica e a característica aritmética podem ser assimiladas
nem em saber se a ideografia era verdadeiramente e sem nenhum limite um calculus ao
mesmo título que a aritmética. A existência dos tratados de aritmética no qual a equação
avizinha com a dedução, lhe parecia uma garantia suficiente de sua afinidade.
.............................................................................................................................................
(2) Em conseqüência desta fidelidade aos princípios da língua aritmética e ao primado da
equação, Frege afirma: ―Aí está uma das diferenças mais significativas entre minha concepção e
esta de Boole, e acrescento esta de Aristóteles, que, não parto de conceitos, mas de
julgamentos‖. [Sobre o objetivo da ideografia, p. 74].
(3) Particularmente sensível no inédito: O Cálculo lógico de Boole e a ideografia. A hesitação
sobre a verdadeira natureza do cálculo das proposições se perpetuará até as Investigações
lógicas [publicadas em 1967].
IMBERT, Claude – Introdução a Escritos lógicos e filosóficos de Gottlob Frege –
– Alduisio M. de Souza – Versão, Digressões e Comentários –
11
III
O segundo período da obra de fregeana vai de 1883 com a publicação dos dois
tomos das Leis Fundamentais da Aritmética (1893 e 1903). Os Fundamentos da
Aritmética (1883) havia exposto em língua comum a definição do número cardinal e
dado o esboço das leis da aritmética elementar. Antes de se dedicar a redação em língua
simbólica do corpus mesmo da aritmética, Frege teve de refazer a ideografia para pô-la
em acordo com os princípios novos que surgiram nos Fundamentos. Foi necessário em
particular dar uma escrita ideográfica à extensão do conceito, e ordenar as leis
regulando o uso deste símbolo. Os artigos Sentido e Denotação (ou Significação),
Função e conceito, Conceito e Objeto, O que é uma função? [TODOS TRADUZIDOS
PARA O SEMINÁRIO] assim como a resenha da Philosophie der Aritmetik de E.
Husserl, publicados entre 1891 e 1904 remetem uns aos outros e todos aos
Fundamentos de que foram a conseqüência. Tomados em conjunto, eles constituem uma
exposição não formal da segunda ideografia, na qual o cerne está contido no artigo
Função e Conceito.
Em Os Fundamentos, Frege tinha esmiuçado o conceito de seus usos filosóficos
ambíguos, distinguindo-o da representação (Vorstellung) assim como do termo, nome
comum, abstrato de indivíduo dado por percepções. Analisando o julgamento de
existência:
Existem árvores
E o julgamento que atribui um número:
Existem quatro árvores,
Frege observará que eles dispensam um e outro uma informação sobre a extensão do
conceito ser uma árvore: para o primeiro [a informação] de que esta extensão não é
vazia; e para o segundo onde ela coloca quatro indivíduos. Os § 45 a 54 dos
Fundamentos elaboraram a doutrina lógica do conceito que impunha as constatações e
o artigo Conceito e Objeto nos lembra os traços essenciais. Em primeiro lugar,
distinguiremos entre os conceitos que nos oferece a linguagem comum, aqueles
definidos sobre indivíduos discretos e que Frege chama de conceitos-unidades
[Einheit, in Os fundamentos]. Eles se distinguem pelo uso, fato que podemos então
lhes atribuir um número. Assim, por exemplo, partindo do conceito de ser um soldado,
podemos formar a proposição: ―há soldados‖, e ―há trinta soldados‖. Ao passo que
não saberíamos, partindo de ser vermelho formar, no mesmo sentido as proposições:
―há vermelhos‖, ou ―há trinta vermelhos‖. Somente os conceitos do primeiro tipo (2)
são tomados pela ideografia. Eles devem em seguida satisfazer ao princípio de estrita
delimitação (3). Estas propriedades que revela a língua, às vezes com alguma
ambigüidade correspondem ao tratamento lógico sem equívoco, ou seja, a
quantificação. Enfim nós podemos definir uma correspondência biunívoca [Beiderseits
eindeutige Zuordrung] entre as extensões de dois ou mais conceitos deste gênero (Os
Fundamentos § 71 e 72]. Estes requisitos bastam para os Fundamentos para o fim que
se propõe: dar sem aparato simbólico o esquema da definição do número cardinal.
Deveu-se no entanto a uma análise delicada para integrar esta doutrina à ideografia.
Ela decorre dos artigos que examinamos no presente.
Função e Conceito, toma em seu ponto de partida o caso muito simples das
funções numéricas como:
,
da qual a forma geral é:
.
Segundo a acepção comum, devida a Euler, a função era identificada a uma expressão
analítica. É confundir na equação acima o signo e o significado. Este primeiro erro
IMBERT, Claude – Introdução a Escritos lógicos e filosóficos de Gottlob Frege –
– Alduisio M. de Souza – Versão, Digressões e Comentários –
12
mascara um outro mais grave e se reportando às coisas nelas mesmas. y não é, para
dizer a verdade, a função, mas o valor desta função f (ξ) para o argumento x. Quanto à
função f, podemos nos ajudar com uma representação geométrica para conceber sua
natureza: ―O método da geometria analítica nos dá o meio de representar
intuitivamente os valores de uma função para diferentes argumentos... Cada ponto da
curva corresponde a um argumento e o valor da função que lhe é associado‖. Decorre
desta análise que Frege entende a função no sentido moderno deste termo, como uma
lei de correspondência entre um conjunto de argumentos e um conjunto de valores.
A noção de função, assim apurada e reduzida a um princípio simples, admite
uma dupla generalização, já esboçada na história das matemáticas. Por um lado, às
operações aritméticas já em uso na construção de expressões funcionais, Frege
acrescenta as relações de igualdade e de ordem estrita e daí às funções de verdade, a
quantificação e as funções descritivas. Por outro lado, ele entende o campo dos
argumentos e valores possíveis acrescentando aos números o valor de verdade, as
extensões do conceito, e finalmente todo objetos que a língua lógica pode alcançar
para uma função descritiva. A generalização deve, entretanto ser verificada a cada uma
de suas etapas e nos perguntaremos, para cada função novamente [recém] introduzida,
qual deve ser seu valor para os argumentos, eles também novamente [recém]
introduzidos. Ora, Frege empresta sua resposta do artigo Sentido e Denotação
(Significação). Assim toda invenção deste artigo repousa sobre a distinção
sentido/denotação (Significação) que havíamos tornado preciso acima e do qual Frege
mediu a importância e as dificuldades que oferecia ao senso comum. (1)
Função e Conceito passa em revista as diferentes funções lógicas que requerem a
ideografia. Esta revista segue uma ordem que satisfaz a dois princípios. Por um lado,
Frege dá a cada uma de suas inovações a autoridade de um bem análogo bem
conhecido em matemática (2). Mas aí se trata de um fio condutor puramente heurístico
[descobrir]. Por outro lado, a ordem é esta de uma construção na qual as noções
precedentemente introduzidas justificam a determinação de noções que seguem. O
passo essencial é este que permite a primeira extensão da noção de função, ele consiste
em receber como objetos os dois valores de verdade. (3). Após dito isso será simples
definir tais funções pois elas serão os valores dos argumentos. Frege dá este passo em
nome de um princípio semântico geral, que, para estabelecimento do qual está
consagrado Sentido e Denotação.
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(1) As considerações de Função e Conceito estão na origem dos métodos semânticos
desenvolvidos ulteriormente. Em particular a extensão do conceito é definida como o domínio
dos argumentos de uma função característica: ―Podemos então conceber o percurso de valor
[domínio dos argumentos] de uma função cujo valor pra todo argumento é um valor de
verdade como sendo a extensão de um conceito‖. E ainda, as funções de verdade são
explicitamente definidas sobre os valores de verdade falso e verdadeiro. Mas, para justificar
este duplo apelo aos valores de verdade, Função e Conceito remete a Sentido e Denotação. A
hierarquia das noções e sua novidade é lembrada na introdução aos Grundgesetze. Aí será dito
que todo cálculo lógico repousa sobre a introdução de valores de verdade, ―conseqüência de
uma distinção entre o sentido a denotação de um símbolo‖. Frege acrescenta: ―Posso numa
certa medida ser juiz da resistência que estas idéias novas não deixarão de despertar, pois me
foi necessário vencer em mim mesmo tal sentimento antes de aí me dedicar‖.
(2) Salvo para a introdução, no fim do artigo, as funções de verdade, aqui mesmo tratadas
adiante. Nós constatamos a mesma prudência para a definição do número cardinal
(Fundamentos § 64). No caso presente, a quantificação é comparada a uma integral definida.
(3) Enquanto nas exposições modernas, verdadeiro e falso são postos como auxiliares de
cálculo e o princípio da bivalência das proposições autoriza, para o cálculo clássico, o método
da tábua de verdade. Para a crítica do método fregeano, Cf. Tractactus lógico-philosophicus
[Wittgeinstein].
IMBERT, Claude – Introdução a Escritos lógicos e filosóficos de Gottlob Frege –
– Alduisio M. de Souza – Versão, Digressões e Comentários –
13
Segue a fórmula:
Se interpretarmos segundo o uso das matemáticas, esta equação diz que os
signos a e b têm, mesmo como o sentido diferente, uma mesma denotação. A
identidade a parte objetiva funda a equivalência dos sentidos e a capacidade
substitutiva [substituabilité] dos signos. Esta concepção é um progresso em relação à
Begrffsschrift na qual a identidade era definida como uma relação entre os signos (e
não entre os sentidos. (1). Esta relação traz uma feliz precisão para a doutrina dos
Fundamentos da aritmética na qual Frege resumia as propriedades da identidade na
fórmula de Leibniz, apresentada como uma definição: eadem sunt quorum unum alteri
substitui potest veritate, sem que soubéssemos se a substituição autorizada era esta do
objeto, do sentido ou dos signos.
Desta interpretação da proposição de identidade, Frege tira três lições que foram
colocadas em uso em Função e Conceito.
Em primeiro lugar, Frege estende para toda unidade da língua comum [Alemão:
Ausdruk, Inglês: phrase]: nome, grupo de palavras, proposição, o princípio descoberto
sobre a igualdade aritmética. Todo signo ou grupo de signos tem um sentido e uma
denotação. No caso das proposições. Diremos que esta denotação é um valor de
verdade, o verdadeiro e o falso. A última e maior parte do artigo pretende verificar
sobre uma tábua de casos tomados da gramática, o que Frege considera um postulado
tácito, comum para todos os locutores. Em segundo lugar, Frege requer por toda
expressão ideográfica, desde o momento que ela é bem formulada, que tenha um
sentido e uma denotação. Para este transporte [transfert] ele redobra a propósito da
ideografia o postulado implícito da língua comum, segundo o qual toda proposição
tem por denotação um valor de verdade.
Em terceiro lugar: ele aplica a toda equação de ideografia, a interpretação
proposta por:
na qual a e b seriam nomes próprios de indivíduos. Em
particular, se tomarmos por a e b os signos das proposições eles têm por sentido um
pensamento e por denotação um valor de verdade. Frege dá como exemplo:
na qual a equação identifica [wiedererkennt] o valor de verdade das duas proposições.
Dessas três lições, a primeira autoriza a segunda. Dando à ideografia os valores
de verdade, ela legitima a primeira generalização de Função e Conceito. Diremos a
partir de então que as igualdades e as desigualdades são funções lógicas cujo valor é
um valor de verdade. Mas, esta segunda sustenta a terceira. Sob reserva que existe
valores de verdade, então e somente então podemos interpretar uma equação tal qual
(1).
..........................................................................................................................................
(1) Begriffsschrift, § 8. Frege tinha então adotado a definição usual da sinonímia: dois signos
são equivalentes se eles têm o mesmo sentido. Esta concepção de sinonímia é inclusive de uso
geral na língua comum. É o princípio do dicionário que é um utensílio da conversação e do
falar bem. Mas, a língua comum permite às vezes distinguir entre o sentido e a denotação,
pelo menos em seus usos cognitivos, este mesmo que Frege leva em consideração. Este uso é
este que E. Benveniste caracteriza como uma semantização da língua (A forma e o sentido na
linguagem, artigo onde o lingüista propõe o par de termos significação/referência). Ele está
igualmente no princípio deste utensílio da ciência que é o herbário [herbier] no qual, face a
uma flor seca, figura duas escritas, o nome vulgar e o nome sábio, onde os sentidos são
usualmente diferentes. Frege faz aí alusão aos nomes que no exemplo entre vulgar e sábio não
diferem no sentido (violeta odorante e viola odorata).
IMBERT, Claude – Introdução a Escritos lógicos e filosóficos de Gottlob Frege –
– Alduisio M. de Souza – Versão, Digressões e Comentários –
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A nova concepção de identidade toma todo seu sentido após esta última etapa. A
ideografia aí ganha conector [conectivo] proposicional, o signo de igualdade que Frege
não distingue da equivalência. Além disso, as funções definidas sobre os valores de
verdade (verdadeiro, falso) são assimilados às funções definidas sobre um outro
conjunto de indivíduos discretos. Enfim, os valores dos conceitos e as relações são
argumentos das funções de verdade. Assim Frege acreditou ele ter alcançado a esta
unidade orgânica da ideografia que havia oposto alguns anos antes à lógica de Boole.
O apoio que Sentido e Denotação trazem para teoria geral das funções esboçada
em Função e Conceito consiste, em última análise em um frágil acréscimo. Frege
atribui generosamente à ideografia uma semântica induzida por um uso particular da
língua comum, seu uso cognitivo (1). Este acréscimo [transfert] supõe que as
construções de expressões ideográficas são, no essencial, análogas aos torneios
recebidos da língua comum. Sabemos que esta hipótese não resistiu à experiência.
Todavia, tão frágil ou limitada que ela possa parecer, Frege não negligenciou de dar
precisões as condições de seu exercício. Assim sendo, a semântica fina do sentido e da
denotação, que Frege retira de certo uso da língua natural, se aplica às fórmulas já que
―a forma lingüística de uma equação é uma proposição afirmativa‖. (2) Ao passo que
a fórmula ideográfica empresta sua sintaxe à proposição: a divisão do texto em signo e
argumento e signo e função e a divisão irredutível do objeto e do conceito. (3) Esta
transferência em todo caso proveu as fórmulas ideográficas de um princípio semântico
que lhe fosse diretamente aplicável. Ao inverso, a Begriffsschrift associava às
fórmulas ideográficas sua tradução em língua comum como se este exercício, hoje
pedagógico, fosse indispensável enquanto a ideografia não houvesse criado princípio
hermenêutico próprio. O desejo, formulado em 1879, que podemos pensar diretamente
com os signos matemáticos ou lógicos se liberando da articulação das palavras, tem
então alguma aparência de realidade.
Além destas lições diretamente úteis à ideografia, Sentido e Denotação propõe
duas teses, todas duas com intenções filosóficas. A primeira é corolário da
transferência indicada acima e coloca que a análise das línguas formulares vale para as
línguas naturais. Esta tese irá inspirar a primeira filosofia analítica anglo-saxone. A
segunda geração dos analistas se distinguirá pela negação deste mesmo princípio. A
segunda tese, com intenções epistemológicas, resolve um paradoxo enunciado desde
as primeiras linhas do artigo: podemos aumentar o conhecimento por um cálculo
constituído de uma série de equações, por menos que distingamos o sentido e
denotação.
Por fidelidade ao princípio mesmo da ideografia, de que há uma afinidade
profunda entre o cálculo lógico e o cálculo aritmético, Frege foi conduzido a assumir
uma olhar de esgueira sobre as duas línguas, aparentemente estranhas uma à outra que
lhe havia ensinado a filosofia e a matemática. De uma, ele aprendeu a álgebra literal,
herdada do XVII século de Viète [1540-1603] e Leibniz [1646-1716]. Da outra, estes
tropos de inferências vindos da filosofia grega, e que são verdadeiramente
..........................................................................................................................................
(1) Um dos seis ou mais usos, que identificam os lingüistas.Cf. R, Jakobson, Ensaios de
lingüística geral, trad. francesa p. 220.
(2) Cf. Conceito e objeto no seu conjunto. É o terceiro princípio daos Fundamentos da
Aritmética (p. ex.). Cf. igualmente em Função e Conceito: ―Nas duas partes nas quais a
expressão é analisada, o signo do argumento e a expressão da função, não são do mesmo
gênero‖. Este princípio se opõe à análise aristotélica em termos, para ser do mesmo gênero
admitem a conversão.
(3) Deve ser notado que na mesma época e sem nenhuma ligação com Frege, Pearce
recomenda que substituamos as palavras da língua comum dos ícones ou dos diagramas cujo
modelo é dado pala língua aritmética (Collected papers, III, § 429).
IMBERT, Claude – Introdução a Escritos lógicos e filosóficos de Gottlob Frege –
– Alduisio M. de Souza – Versão, Digressões e Comentários –
15
um sedimento da língua comum. Ao refletir sobre os torneios habituais dos
matemáticos – as proposições de existência, estas que atribuem um número e as
equações – Frege se encarregou de reconstruir a lógica dos princípios extensionais.
Função e Conceito cumpre parcialmente este programa técnico sobre uma hipótese
tirada de Sentido e Denotação: há dois valores de verdade, o verdadeiro e o falso.
Mesmo que a doutrina seja vulnerável, ela faz revirar [basculer] a pré-história da
ciência das teorias lógicas clássicas. (1)
A contenção de espírito com a qual Frege se aplicava para refazer a ideografia
explica seu silêncio doa anos 1883-1890: ―A razão pela qual a execução do projeto
(expor a aritmética em língua ideográfica) acontece tão tarde do que o anunciado (nos
Fundamentos) se deve em parte às transformações internas acrescidas à ideografia.
Elas me obrigaram a jogar fora um manuscrito quase terminado‖. E Frege conclui
assim o resumo destas modificações: ―Como vemos, os anos não passaram em vão
depois do nascimento da Begriffsschrift e dos Fundamentos‖.
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(1) Em particular o princípio de que uma função é determinada se soubermos qual valor ela
toma para cada um de seus argumentos, o que é o caso da impredicabilidade. Por outro lado, a
analogia dos predicados e das funções de verdade estabelecida por Função e conceito, tem
limites que Frege ignora durante este segundo período. Aí está a fraqueza da segunda ideografia
que examinaremos.
(2) Sobre o uso abusivo das constantes lógicas na ideografia (constantes de cálculo das
proposições), Cf. Tractatus, 4, 0312: ―Minha idéia fundamental é que ‗as constantes lógicas‘
não representam‖ e 5.4, 5.44. No período aqui examinado até as Investigações lógicas, Frege
não distinguirá jamais o aparato simbólico e as leis do cálculo das proposições do aparato
simbólico e das leis do cálculo dos predicados.
(3) Fundamentos §54 ―... O conceito, ao qual o número é atribuído separa em geral ―letra da
palavra Zahl‖, separa Z de a e a de h etc. Mas todos os conceitos não são dessa natureza; nos
podemos dividir de várias maneiras o que cai sob o conceito de vermelho sem que as partes
assim obtidas cessam de serem subsumidas pelo conceito. Para um tal conceito somente
podemos atribuir um número finito‖.
(4) Fundamentos §87: ―A lógica do rigor das provas exige simplesmente que um conceito tenha
limites perfeitamente definidos, de forma que podemos dizer que para todo objeto podemos
dizer se ele cai sob o conceito ou não‖. (É o que sublinhamos). Este princípio de scharfe
Begrenzung foi enunciado de novo nas Leis Fundamentais da Aritmética sob o título de
Grandsatz der Vollständigkeit, T. II, § 56.
IMBERT, Claude – Introdução a Escritos lógicos e filosóficos de Gottlob Frege –
– Alduisio M. de Souza – Versão, Digressões e Comentários –
16
IV
As três Investigações Lógicas (1918-1923) [Traduzido por Paulo Alcoforado –
EDIPUCRS] – cuja originalidade foi desconhecida [no sentido de relativamente ignorada]
que nos perece merecer um maior exame – nos dá o último estado das concepções lógicas
de Frege. Ele redigirá estas Investigações quinze anos após ter reconhecido que a segunda
ideografia continha falhas, e tentou então remediá-las em um esboço que nunca mais
retomou. O seu objeto era, de maneira aproximativa, a lógica das proposições, estudadas
com a intenção de estabelecer as regras de dedução. Permaneceram inéditas as primeiras
páginas de uma quarta pesquisa, intitulada A Generalidade Lógica. Deveria então tratar
da quantificação. Pudemos ver nestas Investigações uma exposição acompanhada dos
elementos da lógica fregeana, projeto que foi adiado a cada ano. Na verdade, Frege
propõe mais que expõe. Não se trata mais de exibir os elementos de uma ideografia
constituída, mas de examinar de novo e de maneira preliminar os princípios sobre os
quais deve se regular a língua formular.
Observaremos certa desconfiança em relação à língua falada que confirmam os
inéditos contemporâneos. A crítica não visa mais à articulação de palavras, já começada
ao mesmo tempo em que a lógica dos termos, mas a articulação natural em proposições.
O cálculo lógico dos pensamentos toma sua independência em relação à sintaxe
proposicional dos gramáticos e se regula sobre as únicas exigências da atribuição dos
valores de verdade. Se o princípio aparece assim mais claramente, o cálculo dos
pensamentos é também tão claramente distinto no presente da teoria geral das equações
e da quantificação, e situa como incrustado na segunda ideografia. Ora, aí tocamos num
caractere essencial dos procedimentos ideográficos: a homogeneidade do cálculo
associada à língua característica, esta unidade orgânica que Frege opunha às lógicas de
Boole e Schröder. Lamentamos mais ainda que a quarta pesquisa jamais fora escrita.
Vista por este ângulo, estas Investigações nas quais Frege trata do pensamento e da
verdade poderia bem ser a revisão a mais grave e lúcida à qual ele teria submetido o
princípio mesmo da língua ideográfica.
Em Sentido e Denotação, Frege seguiu a lição dos gramáticos para situar, mesmo
de forma provisória, os elementos da lógica, esta que pode ser dita verdadeira ou falsa, e
que ele chamará de pensamentos. Ele supõe então, já que as proposições das línguas
vernaculares admitem serem comparadas com as fórmulas da aritmética, que a
composição dos pensamentos se acomodava por uma analogia com a subordinação da
sintaxe comum. O mesmo artigo afirmava que a proposição como toda expressão
completa da ideografia, tem um sentido (um pensamento) e uma denotação (o valor de
verdade deste pensamento). A proposição era então qualificada de nome próprio (do
verdadeiro e do falso), e também as constantes de indivíduos presentes no corpo das
fórmulas. Ao contrário, as Investigações Lógicas definem de imediato o pensamento
como um sentido completo, do qual demandaremos se ele é verdadeiro ou falso.
Nenhuma referência é feita ao suporte material da expressão, os pensamentos são
identificados com toda independência e como uma sobreimpressão [duplicação
superposta] do recorte proposicional escolar.
Como Frege conseguiu suspeitar esta parte da gramática que chamamos, pela
tradição estóica, análise lógica, e porque o retoma com novos esforços o exame do
verdadeiro?
Em um texto inédito que datamos de 1897, Frege distingue o conteúdo
proposicional abstrato, o que é traduzível de uma língua para outra, do cerne lógico que é
...............................................................................................................................................
FREGE, Gotlob – Investigações Lógicas – 1. O pensamento. 2. A negação. 3. Pensamentos
Compostos. 4. A generalidade Lógica. Trad. Paulo Alcoforado – EDIPUCRS 141.
IMBERT, Claude – Introdução a Escritos lógicos e filosóficos de Gottlob Frege –
– Alduisio M. de Souza – Versão, Digressões e Comentários –
17
como que envolvido na forma lingüística da proposição, forma que resiste à prova da
tradução. ―O estudo de linguagens diferentes facilita o aceso ao que é propriamente
lógico. Mas, não devemos pensar que isto é suficiente para derrubar a dificuldade. E os
livros de lógica se embaraçam sempre na consideração (por exemplo, entre sujeito e
predicado) que são estranhos à lógica. É por isso que é necessário se familiarizar com um
procedimento de expressão dos pensamentos de um gênero totalmente diferente. Tais são,
por exemplo, a língua formular da aritmética ou minha ideografia‖. O exemplo escolhido
por Frege é bem destacado, pois a estrutura sujeito predicado incriminada, ligada às
necessidades da emissão e da recepção de uma mensagem num médium linear, não
depende da lógica. Frege suspeita aqui que a linearidade das línguas naturais pesou muito
na análise lógica tradicional. Na A Ideografia de Senhor Peano e a minha, ele nota por
outro lado que a língua comum carece de formas fixas para exprimir a dedução.
Constataremos assim que a língua confunde as relações de inferência e aquelas de
coordenação, os mesmos termos acumulam às vezes as funções diversas [em gramática
francesa pela tradição a partícula então é classificada entre as conjunções de
coordenação]. Pena não eliminou o equívoco e designa implicação meterial e dedução
pelo mesmo símbolo [―a c b‖ se lê: ab a deducitur b]. A sintaxe dos gramáticos é então
inapta para descrever a realidade das relações lógicas. Ela confunde uma relação entre
pensamento e uma relação entre julgamento, a coordenação e a inferência.
As Investigações Lógicas trazem para o debate duas objeções novas.
Em primeiro lugar, Frege demanda que o pensamento seja distinto da
representação. Visto de imediato, o argumento retoma a propósito do pensamento o
combate já travado contra as teorias psicológicas do conceito e da abstração nos
Fundamentos da Aritmética. Na verdade ele busca outro objetivo, o de excluir do
domínio lógico todas as proposições que exprimem representações e que, como tal
―necessitam de um portador‖. São desse tipo as proposições que contêm os pronomes
pessoais e dêicticos. Não saberíamos lhes corresponder um pensamento, já que seu
sentido é indeterminado e não pode de imediato ser submetido à questão do verdadeiro e
do falso. Por este critério seria estabelecido o caráter objetivo do pensamento, que deve
ser liberado das condições nas quais está submetido o ato de palavra no diálogo
cotidiano, liberado então igualmente das elipses e da regra de economia das línguas
naturais [é pelo princípio de economia que as línguas naturais sobredeterminam o sentido das
partículas (e, porque, já que, etc.)]. Certo, a escolha do termo pensamento deixa entender
que Frege não rompeu com a tradição idealista alemã, que faz do pensamento uma
produção mal determinada [mal acabada] da alma individual. E Frege cita Leibniz, para
quem a língua característica ―deve tocar os pensamentos e não as palavras‖. Mas ele se
descola do idealismo por diversos meios. Daí deriva a expressão em imagem de sacada
[ou tomada] [saisie] de sentido: ela se opõe à idéia de que o sentido pudesse ser
produzido pelo sujeito lógico. Ou mais exatamente que: não há sujeito lógico. Frege
mostra que esta idéia se destrói por si mesma. A hipótese de um sujeito lógico criador de
sentido é incompatível com as exigências da língua característica [língua de caracteres].
O argumento embaraçado sobre a eficácia dos pensamentos que fecha a primeira pesquisa
[O pensamento: uma investigação lógica], tem o mesmo objetivo.
Mais interessante ainda é a interpretação que Frege de um argumento de Dedekind
[1831-1916]. No § 66 de Was sind und was sollen die Zahlen (1887), ele estabelece que
existe um conjunto infinito, isto é, eqüipotente a uma de suas partes próprias, mostrando
que ―o universo de seus pensamentos‖ ele mesmo tem as propriedades requeridas.
Sabemos que o argumento não satisfez aos algebristas. Sem tomar partido sobre a
pertinência do argumento numa teoria matemática, Frege observará que, se ele pode ser
válido, devemos admitir que Dedekind, ele fala então de pensamentos independentes do
pensador e não efetivamente de pensamentos no sentido que ele mesmo [Frege] emprega
IMBERT, Claude – Introdução a Escritos lógicos e filosóficos de Gottlob Frege –
– Alduisio M. de Souza – Versão, Digressões e Comentários –
18
este termo. Se Dedekind quisesse considerar os pensamentos efetivamente pensados, ou
então o argumento seria contestável, pois poderíamos duvidar que a expressão:
o pensamento do pensamento... do pensamento s ................................ ou ainda
que φ [ φ [... φ (s) ... ]] tenha
sempre denotação; ou ainda que o argumento suporia o que se trata de demonstrar, ou
seja, que existe um conjunto infinito.
Estes textos mostram que Frege tenta separar os pensamentos dos atos de palavra,
e as determinações propriamente lógicas das regras devidas ao material sobre o qual a
lógica foi historicamente elaborada. Cada uma destas críticas revela de fato a
contaminação entre as necessidades de informação máxima da mensagem, da produção
da palavra, da linearidade da enunciação e a natureza lógica dos pensamentos e de suas
relações. Daí deriva a distinção figurada que Frege retoma sempre: ―Pensar não é
produzir pensamentos (hervorbringen), mas lhes sacar (erfassen) [agarrar ou no sentido
estóico com-preender]‖. Faltará a Frege de conceber os pensamentos ou as fórmulas de
sua ideografia como o conjunto, definido por recorrência das expressões bem formadas
de uma linguagem. Apesar da clarividência de suas críticas, Frege ficará no meio das
duas hipóteses, Segundo a primeira, a linguagem é expressão (de minhas representações,
sentimentos e conhecimentos) como manda a tradição estóica que criou o próprio termo
de expressão; segundo a segunda hipótese certa linguagem, senão toda linguagem poderia
ser de imediato um quadro de coisas. Caberá a Wittgenstein a solução [Tratactus].
Em segundo lugar, a primeira Pesquisa vê um abuso no torneio da língua que faz
do termo ―verdadeiro‖ um predicado e a noção: ser verdadeiro uma qualidade das
proposições. Acusando a linguagem, Frege acusa a si mesmo. Na Begriffsschrift, ele
havia tratado o verdadeiro como um predicado – mesmo se ele preferia um torneio de
sinônimo ―... é um fato‖ – que ele supunha ser atributo comum a todas as proposições
verdadeiras. (1) No Sentido e Denotação, Frege deixou de tomar o verdadeiro por um
predicado trivial, mas argüindo por uma razão negativa, ou seja, que não se tratava de
uma determinação ―do mesmo nível (Stufe)‖ que as outras. E admitiremos facilmente que
uma proposição não é verdadeira como a água do mar é salgada. Frege se aproxima assim
de uma análise semântica do verdadeiro sem atingi-lo, no entanto: o termo nível deixa ver
as razões.
Nos anos que precederam a segunda ideografia, Frege havia destacado a falsa
predicação do julgamento existencial. À proposição: – Deus existe – nada diz de um
objeto, Deus que ele tenha a propriedade de existir, ela diz de um conceito, ser Deus, que
ele não é vazio. Para descrever este fato de ordem semântica, Frege escreve que a
existência é uma propriedade de segundo nível, no que ela qualifica os conceitos e não os
indivíduos. Por analogia, ele trata a verdade como a existência, fazendo desta uma
propriedade dos conceitos e a outra uma propriedade das proposições. Em conseqüência
então, a verdade parece pertencer às proposições como o número aos conceitos. Aí está a
origem da surpreendente doutrina, característica da segunda ideografia, que faz da
verdade um objeto (2); a origem do muito obscuro § 10 das Leis Fundamentais, onde
.............................................................................................................................................................
(1) ―Podemos conceber uma linguagem onde a proposição: ―Arquimedes morreu durante o saque
de Siracusa‖ seria exprimido da seguinte maneira: ―A morte violenta de Arquimedes durante o
saque de Siracusa é um fato‖... Uma tal linguagem teria um único predicado comum a todos os
julgamentos. Isto é ―é uma fato‖... Nossa ideografia é precisamente uma linguagem deste gênero
e nosso signo [o signo que precede todo julgamento] é o predicado comum a todos os
julgamentos‖ – Begriffsschrift, §4, p. 4. Daí a crítica de Wittgenstein (Tratactus 4.063, última
alínea) à qual as Investigações Lógicas não dão acesso.
(2) Sob argumentos bastante fracos vimos que ―Os dois objetos [o verdadeiro e o falso] serão
admitidos, mesmo tacitamente por alguém que forme um julgamento e considere algo verdadeiro,
mesmo sendo um cético‖. (p. 110).
IMBERT, Claude – Introdução a Escritos lógicos e filosóficos de Gottlob Frege –
– Alduisio M. de Souza – Versão, Digressões e Comentários –
19
Frege constrói o verdadeiro e o falso como as extensões de conceito, à maneira dos
cardinais. Seria então permitido de escrever os nomes dos valores de verdade de um lado
ao outro do sinal de igualdade e, parece a Frege, poder tratar o cálculo lógico das
proposições como uma parte da teoria geral dos conceitos de igualdade. Em
conseqüência, uma igualdade aritmética tal que:
2 + 3 = 5, e uma
equivalência tal que: p = q (que hoje escrevemos p ≡ q) dependem da mesma análise. Os
símbolos escritos de uma parte e de outra do sinal de igualdade teria nos dois casos um
sentido diferente e uma mesma denotação. É sob a base desta doutrina que Frege pode
enunciar a lei V das Leis Fundamentais, cuja sintaxe parece impecável:
(1)
Das três ocorrências do sinal de igualdade, o primeiro e o segundo figuram entre nomes
de valores de verdade, o terceiro entre nomes de objetos, e as extensões dos conceitos
Φ(ξ) e ψ(ξ). Daí o artigo Sentido e Denotação no qual Frege como vimos, tentará
verificar caso por caso a hipótese segundo a qual toda proposição tem um sentido e uma
denotação – seu valor de verdade – em relação à qual ela tem o papel de um nome
próprio. Para o sentido, a tese irá quase por si mesma, para a denotação, a argumentação
proposta é tortuosa. Em primeiro lugar, Frege elimina os aparentes contra exemplos por
uma perigosa análise de estilo indireto. Em segundo lugar, a hipótese é confirmada por
uma argumento que nada prova, tomada de empréstimo no critério leibniziano da
identidade [―Eadem sunt quorum unum potest substitui alteri salva veritate‖]: só, diz
Frege, o valor de verdade permanece inalterado quando operamos uma substituição salva
veritate em uma proposição, ao passo que o sentido é sempre, por méis pouco que seja,
alterado.
No mesmo espírito, e bastante imprudentemente, a função — ξ (2), a negação e
implicação são descritas, na segunda ideografia como conceitos.
Sem nenhuma dúvida, o sucesso com o qual a teoria extensional dos conceitos
(nossos predicados) foi aplicada na definição do número cardinal, e que Frege quis aqui
renovar, foi ruinosa para a análise da função da verdade. Lembremo-nos assim do § 10
das Leis Fundamentais que a função — ξ tem por valor a verdade quando seu
argumento é o verdadeiro e o falso para qualquer outro argumento, Frege nao V~e
nenhum obstáculo para definir por meio da função com dois argumentos ξ = ξ (que é
um autentico predicado binário), pois, para os mesmos argumentos, as duas funções — ξ
e (ξ = ξ ) = ξ tem um mesmo valor. Ele não atribui nenhum limite à analogia entre
conceitos e funções de verdade e não hesita a considerar a extensão da função — ξ, seja
em escrita ideográfica ἐ (— ε). Esta extensão nada mais é que, no dizer de Frege, o
verdadeiro, e a função — ξ admitem sua própria extensão como argumento. Ora, é o
...............................................................................................................................................
(1) Que traduziremos livremente: Se dois conceitos φ (ξ) e ψ (ξ) têm sempre o mesmo valor pelo
mesmo argumento então suas extensões são idênticas. Na escrita φ (ξ) e ξ é uma escrita sintáxica.
(2) Frege introduziu esta função na Begriffsschrift sob o nome de índice do conteúdo, ela
indicando que a expressão que lhe segue deve ser tomada como um todo. Na segunda ideografia
ela a chama de horizontal e precisa em nota: ―Chamei precedentemente de índice do conteúdo,
confundindo sob a expressão ‗conteúdo de julgamento‘ o que aprendi a distinguir em pensamento
e valor de verdade. Ver meu artigo Sentido e Denotação‖. (...) Esta função tem pois por
argumento a denotação do símbolo simples ou complexo que segue o sinal. Na escrita — ξ , ξ é
sintáxica. (...) Eis então como Frege descreve esta função nas Leis Fundamentais:
― — ξ é uma função para a qual o valor será sempre valor de verdade, isto é, após nossas
estipulações precedentes um conceito‖ (§ 5). (...) Podemos ler algumas linha adiante (§ 6): ―┬ ξ é
uma função cujo valor é sempre um valor de verdade, isto é, um conceito sob cai todo e qualquer
objeto com a exceção do verdadeiro‖. [Sublinhado pelo autor: Claude Imbert].
IMBERT, Claude – Introdução a Escritos lógicos e filosóficos de Gottlob Frege –
– Alduisio M. de Souza – Versão, Digressões e Comentários –
20
bem conhecido princípio da antinomia e a falha aqui é perfeitamente identificada. (1).
Assim procedendo, mesmo que o verdadeiro seja tratado como um objeto (uma
extensão de conceito) Frege não pode impedir que os diferentes argumentos, os diferentes
valores de verdade verdadeiro que constitui a extensão — ξ, não se fundam entre si. E
nada nos serve de dizer que o verdadeiro é um objeto, ele continua a se portar como uma
qualidade homogenia em todas suas partes. Dito de outra maneira, um verdadeiro
particular (valor de verdade desta proposição) não é mais discernível do verdadeiro, este
objeto da ideografia fregeana, como um vermelho particular não é discernível da
qualidade vermelha – a não ser por jogo verbal. É notável que Frege abandona aqui a
prudência que comandava a definição de conceito unidade nos Fundamentos da
Aritmética. Tal conceito unidade tem, sabemos, por traço destacável de subsumir
indivíduos discretos que não podemos em nenhum caso confundir com sua classe, e a
construção do número cardinal, que Frege entende aqui replicar na construção do
verdadeiro, repousa sobre esta propriedade dos conceitos unidades que infelizmente faz
falta à função — ξ.
Assim Frege, querendo nos anos 1890 dissipar a pseudo-predicação das línguas
naturais ―... é verdadeiro‖ aplicará primeiramente um remédio pior que a doença, e a
ideografia assim toda ela iria sucumbir.
Nenhum texto permite dizer que Frege viu claramente que a fraqueza principal da
ideografia estava aqui, nessa infeliz concepção de cálculo das proposições e da verdade.
Observaremos, no entanto que desde o artigo Sentido e Denotação, Frege introduz a
estranha expressão ―parte do valor de verdade‖, como se quisesse exorcizar em princípio
a dificuldade em distinguir entre o verdadeiro, objeto lógico requisitado pela ideografia e
as verdades particulares. Quanto às Investigações Lógicas, não mais foi dito que o
verdadeiro é um objeto, como não mais falará da função — ξ.
A primeira Pesquisa toma, em todo caso, um caminho novo. A primeira enquête,
o verdadeiro assinala o domínio lógico como o belo assinala o domínio estético. Mas, a
analogia se esgota rápido, e Frege cessa logo de comparar o verdadeiro com os outros
valores com havia feito em textos anteriores inéditos. O verdadeiro, assim sendo, se
distingue do bom – pois não há nenhuma função normativa; assim como se distingue do
belo – pois o verdadeiro não admite graus. De princípio de avaliação ele se torna
princípio de classificação. E, além disso, o julgamento é descrito como passagem de um
pensamento ao seu valor de verdade: seu papel é de atribuir o valor de verdade, qualquer
que seja o verdadeiro e o falso.
No texto inédito, verossímil do primeiro período da obra fregeana, nós podemos
dizer: ―Quem não sabe o que quer dizer esta palavra [verdadeiro] em sua generalidade,
não pode também se fazer uma idéia justa da tarefa da lógica‖. Ao término de uma longa
pesquisa, Frege descobre que este termo é vazio (2), que ele nada diz, que as palavras ―...
é verdadeiro‖ não acrescenta nada à proposição que eles pretendem qualificar. Ao
................................................................................................................................................
(1) Lembremos a formulação que dará Frege em língua vulgar no apêndice do tomo II das Leis
Fundamentais onde tenta em vão liberar a ideografia. ―Eu digo, pois que alguma coisa pertence a
uma classe se ele cai sob um conceito cuja extensão é precisamente esta classe. Vejamos o
conceito ‗classe que não pertence a si mesma‘. A extensão deste conceito, e se assim for para que
possamos falar, é a classe das classes que não pertencem a elas mesmas. Chamemos esta classe de
C. Esta classe C pertence a ela mesma? Suponhamos primeiramente que a resposta seja
afirmativa. Se alguma coisa pertence a uma classe, ela cai sob o conceito cuja classe é a extensão.
Se então nossa classe pertence a ela mesma, ela é uma classe que não pertence a si mesma. A
primeira hipótese contém contradição. Suponhamos em segundo lugar que a classe C não
pertença a ela mesma, neste caso ela cai sob o conceito da qual é extensão, pertence então a si
mesma. Mais uma vez temos a contradição‖. (Leis Fundamentais da Aritmética, t. II, p. 254).
(2) ―O que se trata verdadeiramente [em lógica] não está contido no termo ―verdadeiro‖, mas
reside na força afirmativa com a qual a proposição é enunciada‖.
IMBERT, Claude – Introdução a Escritos lógicos e filosóficos de Gottlob Frege –
– Alduisio M. de Souza – Versão, Digressões e Comentários –
21
inverso eles indicam que atribuímos um valor de verdade ao pensamento que precede,
que enuncia um julgamento, que o discurso depende da ciência e não da poesia
(Dichtung). Na língua falada, estas palavras impõem, devemos compreender um código
de interpretação, a maneira pela qual devemos tomar o que entendemos como uma
história ou como um fato, mesmo sendo uma indicação redundante, pois a atribuição
[assinação] da verdade jaz aí na forma da proposição afirmativa. Na língua ideográfica,
estas palavras devem desaparecer. Nas duas ideografias precedentes, Frege lhes havia
substituído o sinal de julgamento
que precederia cada tese (1). Ora este sinal só
aparece nas Investigações Lógicas e Frege precisa em nota que ―é verdadeiro‖ não
pertence à língua objeto. [Suponho que seja a língua auxiliar: Hilfssprache – [Alduisio].
O pseudo-predicado aparece agora como uma astúcia da língua natural. Ela exprime
pelos meios sintáticos que ela dispõe – a predicação habitualmente reservada à
qualificação dos objetos – uma determinação de outra ordem. Uma coisa foi tomar
consciência, uma outra, a de desfazer a astúcia. Frege levou para isso trinta anos.
Os textos que acabamos de comparar reduziram algumas ilusões lógicas dadas às
exigências da língua natural. No fundo desta crítica, os traços destacáveis das três
Investigações Lógicas tomam um relevo mais acentuado.
Ao término da primeira pesquisa, o pensamento é definido como um sentido
completo, independente, objetivo, e que pode ser estampilhado como verdadeiro ou falso.
Estes caracteres não convêm rigorosamente senão às fórmulas das ideografias imitadas
das fórmulas de álgebra.
Em ruptura com a sintaxe natural, que associa termos negativos diferentes com
diversas partes da proposição – [Pronomes indefinidos negativos: nenhum; negação
propriamente dita: não; prefixos com sentidos negativos: in-, a-...] –, a segunda pesquisa
mostra que a negação é de um único tipo e afeta à totalidade do pensamento. Não existe
também dois julgamentos: o negativo e o afirmativo. Julgar é atribuir (assinar) o valor de
verdade verdadeiro seja ao pensamento A seja ao pensamento não-A. Pela primeira vez,
a negação é claramente tratada como um functor [função que mapeia objetos em objetos,
e morfismos, nos correspondentes morfismos] do cálculo dos pensamentos e distinguido
tanto da atribuição [assinação] do valor falso quanto de um predicado negativo.
A terceira investigação fornece para a gramática as relações sintáticas de
subordinação, utilizadas precedentemente como uma boa imagem do liame (Verbindung)
entre os pensamentos. A composição dos pensamentos (Gedankengefüge) é definida a
partir de então como uma relação entre pensamentos independentes, e a escolha mesma
do termo indica que Frege concebe uma operação que, unindo dois pensamentos, produz
um outro. Este resultado é bem diferente da coordenação (verbinden) das línguas naturais
na qual a cesura entre as proposições não é jamais abolida. A implicação material é, pela
primeira vez, claramente distinta da implicação formal. Consideremos a proposição:
―Se alguém cometeu um assassinato, é um delinqüente‖
a gramática aí situa duas proposições ao passo que a lógica aí reconheça um só
pensamento. Seu conteúdo é uma subordinação de conceitos do qual afirmamos a
generalidade. Frege reconhece aí a forma geral das leis científicas, e seu estudo será
esboçado no fragmento conhecido como quarta pesquisa.
................................................................................................................................................
(1) Wittgenstein mostrou que este sinal, comum às ideografias de Frege e de Russel era inútil
(Tratactus, 4.441). Ele permite a Frege de introduzir no curso de uma prova uma lei lógica, uma
definição, uma hipótese, mas a numeração das proposições faria tão bem quanto a solução. Este
sinal, claro, não tem o sentido que lhe é dado geralmente hoje em dia na teoria da demonstração
(por exemplo, Rosset e Kleene).
IMBERT, Claude – Introdução a Escritos lógicos e filosóficos de Gottlob Frege –
– Alduisio M. de Souza – Versão, Digressões e Comentários –
22
Consideremos uma proposição:
―Se 2 + 3 = 5 então 4 é um número par‖
aí onde a gramática destaca duas proposições, Frege distingue três pensamentos: o que é
exprimido pela primeira proposição, o que é exprimido pela segunda e a composição de
dois pensamentos. No caso da implicação formal, a língua a dissimulava em uma falsa
relação sintática de subordinação de conceitos. No segundo exemplo, a língua é, por sua
linearidade, incapaz de ter uma expressão clara para manifestar a unidade da proposição
composta [O simbolismo atual usa o sistema de parênteses – Claude Imbert].
Estas considerações explicam a escolha dos functores primitivos retidos pela
terceira pesquisa. Nas duas ideografias, Frege tinha escolhido o par (implicação,
negação) e definido todos os outros functores cujo uso seria feito a partir deste par. A
terceira pesquisa retém o par (conjunção, negação), mostrando ao mesmo tempo que
outras escolhas são possíveis. Frege não dá nenhuma razão a favor deste novo texto,
devemos buscar a origem no desmentido que sustentaram a escolha anterior. No curso
dos anos 1880, Frege tinha preferido a implicação (1) pelo seu conteúdo mínimo (Inhalt):
a implicação exclui mesmo assim uma única possibilidade, no caso onde o antecedente
seria afirmado e o conseqüente negado. Ora esta razão vale no único caso no qual o
aparato lógico das funções de verdade é concebido como parte da língua característica,
ao mesmo título que o conteúdo dos pensamentos que ele compõe, no caso onde as
funções de verdade não são distintas dos conceitos. Hipótese que era duplamente
contradita. Primeiramente, a distinção do sentido e da denotação arruína desde o interior
a noção de conteúdo, e o cálculo dos pensamentos aparece para Frege nos anos 1890
como um conjunto de operações definidas sobre as denotações dos pensamentos, os
valores de verdade verdadeiro ou falso. Apesar de tudo, Frege mantivera a escolha da
Begriffsschrift na segunda ideografia. A razão era aí que, a passagem da implicação
formal pelo meio da quantificação mostrava de forma excelente a unidade orgânica das
duas partes da lógica que lhe parecia vertida na ideografia [A unidade esperada é, vimos,
esta do cálculo dos conceitos e do cálculo dos pensamentos. Leis Fundamentais, I, §
17. Nota de Claude Imbert]. Mas, esta unidade será desfeita pelas conseqüências da
antinomia. Uma última razão era invocada em favor da implicação: a comodidade de
inferências no modus ponens que pode lhe ser associada. Ora, na terceira pesquisa, Frege
propõe uma inferência particular para cinco das composições examinadas. Se nada mais
resta das razões antigas de privilegiar a implicação, em revanche a conjunção se impõe
como sendo a combinação na qual o valor da função é verdadeiro se, e somente se, os
dois argumentos são o verdadeiro. Um princípio extensional substituiu o ponto de vista
do conteúdo, e a escolha de Frege é aqui exatamente inversa de sua escolha primitiva (2).
................................................................................................................................................
(1) Na Sc, p. 40. ―Mais que um conteúdo simples, ele diz menos. Por exemplo, meu sinal de
implicação que nega somente o terceiro dos quatro considerados diz menos que o signo de
identidade booleano, o qual nega ao mesmo tempo o segundo caso. O produto lógico diz mais
ainda...‖. (...) Este texto faz série com o quadro de casos:
(1) A e B
(2) A e não B
(3) não A e B
(4) não A e não B
(2) Em relação ao conteúdo, a conjunção tem a mais pesada exigência, já que dois pensamentos
unidos por e devendo ser verdadeiros simultaneamente para que sua composição seja também.
IMBERT, Claude – Introdução a Escritos lógicos e filosóficos de Gottlob Frege –
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A comparação das Investigações Lógicas e dos inéditos dos anos 1920 nos dá uma
imagem das últimas pesquisas de Frege. Examinando as diversas fontes de conhecimento
das ciências matemáticas, Frege inclui então uma fonte de conhecimento lógico. É que a
lógica tem um papel constitutivo, mesmo às vezes despercebido no processo de
conhecimento. Frege então sustenta que a condução de uma prova é produtora de saber,
segundo a tese epistemológica de Sentido e Denotação.
Enquanto que ciência particular, a lógica estuda a passagem do verdadeiro ao
verdadeiro, mas considera o verdadeiro como indefinível (1). Devemos entender que não
compete à lógica estabelecer a verdade das proposições particulares (fórmulas ou
pensamentos). ―Um julgamento é verificado seja por redução a outras verdades já
conhecidas, seja sem ajuda de outros julgamentos. Somente o primeiro caso, a inferência,
é objeto da lógica‖. A verdade dos pensamentos em relação a seus conteúdos, compete às
ciências particulares. No caso das proposições aritméticas, Frege atribui [assigne] a
geometria como sendo fonte de conhecimento obrigatória. De forma alguma ele recusa a
teoria da construção do número cardinal em se período precedente, simplesmente ele faz
duas restrições. Em primeiro lugar, ele não crê mais possível de construir os números
reais a partir dos inteiros e o contínuo a partir do numerável. Em segundo lugar, a
construção do número cardinal depende das propriedades da igualdade e das relações de
equivalência as quais Frege não dá nenhum lugar em sua última exposição de lógica.
Esta, com todas as diferenças assinaladas, não recobrem senão uma parte do domínio das
ideografias precedentes. Se considerarmos de mais perto o papel da lógica definido aqui,
ela trata das composições ditas matemáticas e de inferências associadas: estas
proposições são funções de verdade definidas sobre pensamentos independentes. É o
princípio da extensionalidade e todo o conteúdo, da lógica dos pensamentos.
As Investigações Lógicas não tem o tom dogmático dos artigos precedentes. Ela
reflete um último combate com a linguagem, no qual Frege reconhece a tarefa
essencialmente filosófica. Sem dúvida a teoria do cálculo dos pensamentos não esta
acabada: Frege não teve a noção de distribuição de verdade sobre as letras da
proposição. E mais, preocupado unicamente com o raciocínio sob a hipótese, que é um
tipo de raciocínio euclidiano, ele nunca examinou a combinatória de todos os casos de
verdade entre três proposições, nas quais duas são proposições elementares de um
conector binário e a terceira, sua composição. Daí decorre a restrição das composições
de pensamentos a seis casos, que lhe parece útil e suficiente para os argumentos bilemáticos usuais na matemática. Estas Investigações são o esboço de uma teoria da
dedução natural pelo cálculo das proposições, mesmo sendo menos consumada que o
sistema axiomático da Begriffsschrift. Mas, por sua virtude crítica, elas reduziram a
analogia a mais tenaz a ser a mais ilusória que parecia ligar as proposições da língua
natural e as fórmulas de uma língua científica. Sabemos agora que tudo o que se situa
na língua usual, mesmo posto em proposições, não é susceptível de um tratamento
lógico, isto é, da lógica extensional. Caem em particular para fora deste domínio
lógico as proposições onde figurem os pronomes pessoais e outros dêicticos. Também
todos aqueles que são ligados entre eles pelo tecido indecifrável de sentido. Ora, é
bastante raro que a língua comum fale por aforismos ou máximas [apophtemes:
apoftegmas].
A lógica fregeana foi em suma uma lenta descoberta dos princípios extensionais
sobre os quais esta ciência é hoje construída. A extensionalidade dos conceitos foi
.............................................................................................................................................................
(1) Em sua edição de Investigações Lógicas (Göttingen, 1966, p. 20), G. Patzig observa que, A.
Tarski (Der Wahreitsbegriff in den formalisierten Sprachen, 1935) deu uma definição do
verdadeiro, o que contradiz ao menos para certas linguagens bem delimitadas a tese de Frege. F.
Kambartel responde que a definição de Tarski (―S‖ é verdadeiro se e somente se S) não é e nem
mesmo jamais pretendeu ser uma definição explícita no sentido de Frege.
IMBERT, Claude – Introdução a Escritos lógicos e filosóficos de Gottlob Frege –
– Alduisio M. de Souza – Versão, Digressões e Comentários –
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conseguida primeiramente por uma análise da quantificação e da igualdade, entre 1883 e
1890. A extensionalidade que regula o cálculo dos pensamentos, o que Frege chama de as
leis do ser verdadeiro, foi conseguida mais tarde, pois faziam obstáculo o sentimento da
língua falada e sua sintaxe. Não podemos saber se a conversação [diálogo] de Frege com
Wittgenstein tenha conquistado o primeiro para as idéias do segundo, mas isto tem pouca
importância [O processo verbal de tal conversação foi destruído quando Munique foi
bombardeada em 1943]. O que parece mais é que a matéria das dificuldades não
resolvidas na segunda ideografia conduziu um e outro para as concepções extensionais
em lógica do pensamento. O Notebook revela que o enigma da lógica dos fatos (das
proposições) ocupou Wittgenstein durante vários anos.
V
Após termos seguidos a reflexão de Frege, nos resta a precisar como ela
influenciou a história da Lógica. Os textos traduzidos aqui [dez textos] foram escolhidos
entre as obras publicadas em vida por Frege. Neles ele se dirigia tanto aos filósofos
quanto aos matemáticos, como vimos. Daí decorre a aparente facilidade destes textos
que, alguns entre eles inclusive foram lidos em público. Tomados em seu conjunto eles
devem ter como resultado de desfazer o ensino aristotélico: entendemos assim a tradição
lógica que se ligaram unicamente às línguas faladas. Para aqueles que quiserem penetrar
nos detalhes destes artigos, será necessário de se reportarem aos dois estados sucessivos
da ideografia e às obras aritméticas de Frege.
Nós não traduzimos nenhum texto tocando a antinomia, à qual Frege foi advertido
por Russel em 1902 (1). O apêndice que Frege acrescenta no tomo II das Leis
Fundamentais é inteiramente técnico e sua leitura deve ser acompanhada tanto pela
correspondência de Frege com Russel, em vias de publicação [França, 1971], que, pelos
detalhes da segunda ideografia. Somente então o leitor estará em condições de sacar a
contradição e de medir o sentido da correção, vã, proposta por Frege. A antinomia é
muito célebre, não será útil de resumir mais uma vez. E a prova de Babel, à qual,
traduzida em todas as línguas. Esta antinomia foi submetida, alimenta a suspeição de que
a ideografia foi contaminada por preconceitos e procedimentos inerentes às línguas
naturais. Tal é bem o caso da confissão de Frege, a razão também pela qual ele retoma até
às últimas horas a crítica das línguas faladas, comparada às línguas formulares.
Por seus caracteres intrínsecos tanto quanto seu simbolismo ideográfico, a lógica
de Frege pareceu tão original comparado às pesquisas contemporâneas, que ela foi vítima
de um preconceito. Tentou-se erigi-la como doutrina monolítica e sem história, e não se
teve o escrúpulo de esquematizá-la tomando elementos de períodos diferentes os três
períodos resumidos acima.
É verdade que o simbolismo ideográfico recebeu sua forma definitiva desde 1879.
Os dois caracteres essenciais estão presentes, ou seja: a utilização simultânea de duas
dimensões da página, o uso de letras góticas para a quantificação. Mas, curiosamente, a
interpretação associado a esta escrita modificou-se consideravelmente com o tempo:
entendemos assim o recorte sintático do texto e as regras da interpretação que lhe foram
associadas, nos termos pelos quais este mesmo trabalho fora feito por Aristóteles e sobre
.............................................................................................................................................................
(1) A antinomia em questão ficou conhecida como Paradoxo de Russel que grosso modo se
enuncia assim: ―O conjunto de todos os conjuntos que não contém a si mesmo deve ou não conter
a si mesmo? Se ele não se contém estará incompleto. Se ao contrário ele contém a si mesmo
estará em contradição com sua própria definição‖. Lacan fará referência dentre outros em seu
Seminário ―De um outro ao Outro‖ que será também retomado por Marc Darmon em Ensaios
sobre a topologia lacaniana, com o conceito da teoria dos conjuntos de par ordenado, p.p. 216 e
seguintes. Ed. ZAHAR e Artes Médicas.
IMBERT, Claude – Introdução a Escritos lógicos e filosóficos de Gottlob Frege –
– Alduisio M. de Souza – Versão, Digressões e Comentários –
25
o material da língua comum no tratado Da Interpretação. Podemos nos surpreender que a
invenção da linguagem tenha, para Frege, precedido sua interpretação extensional, e que
a interpretação do simbolismo tenha variado com o tempo. E para isto temos pelo menos
duas razões.
A primeira é de ordem geral e se deve ao que os homens sempre falaram uma
língua antes de fixar a sua invenção por uma gramática. Neste sentido, e com o máximo
cuidado, os textos aqui reunidos têm para a língua formular o mesmo papel que os dois
primeiros tratados do Organon têm para a língua grega. Esta estava a mais de um século
como veiculo de saber quando Aristóteles se deu ao trabalho de fixar os poderes [lógica].
De maneira análoga, Frege interpreta em 1890 a quantificação a qual ele já havia feito
uso na Begriffsschrift para representar a indução de Bernoulli [1654-1705] e a igualdade
da qual a aritmética usa desde suas origens.
A segunda razão é particular e se deve ao estado da lógica no século XIX. Tendo
preservado sua herança grega no essencial, a lógica dita formal tinha um papel normativo
e regulava a língua à maneira de um cânone [padrão que se quer absoluto]. Mas o direito
de olhar da lógica sobre a língua tinha um fundamento completamente empírico, como o
melhor é naturalmente o juiz do pior, o direito do oblíquo e o caldo da sopa. Erigir em
cânone alguns torneios, seja o silogismo aristotélico ou os tropos estóicos, é dar à língua
mesma, certas formas particulares claras de dóceis para análise, para julgar outras: tal são
bem o silogismo perfeito em Barbara (1) e os anapodícticos estóicos.
Assim como os cânones de arquitetura são formas estéticas felizes, assim sendo
retidas para apreciar outras formas. Quando Frege concebe a Begriffsschrift ele não tinha
ainda aposentado a tradição lógica. Sua intenção confessa era de fixar os sinais escritos,
menos frágeis que os sinais vocais, da língua de usual dos matemáticos. Escolhendo
simbolizar os torneios costumeiros da língua matemática [sem consumar integralmente o
projeto] até então correntes na língua natural, Frege mudava os cânones, mas ele o fazia
com plena fidelidade com os métodos tradicionais. Mais uma vez, foi o uso que se
refletia e se escolhia no próprio uso. A audácia vem mais tarde quando Frege submete à
análise a língua matemática ela mesma, e se emprega em corrigi-la. Assim, o artigo
Função e Conceito ele assinala algumas expressões viciosas no uso dos aritméticos, a
mesma intenção comanda a crítica que Frege submete os formalistas. Estes tratam a
língua formular como a língua natural [reconduzindo a distinção da forma e do conteúdo] e
não quiseram reconhecer os princípios extensionais regulando a língua matemática nem
sua virtude de língua característica. Ou ainda, a análise da identidade proposta em
Sentido e Denotação, consideremos ou não como definitiva, obriga os matemáticos a
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(1) Os silogismos era maneira de organizar e controlar as forma de pensamento e se faziam
através de frases compostas que poderiam conter afirmações ou negações ao mesmo tempo. Para
classificar memorizando as formas de silogismos foram criados nomes que pudessem indicar a
operação silogística. Foram catalogadas 256 formas dentre elas, 19 eram as mais comumente
usadas, organizados em quatro blocos: 1) Bárbara, Celerent, Darii Festino, Ferio, Bocardo,
Ferison. 2) Cesare, Camestres, Disames, Baroco, Frisemorum. 3) Darapti, Felapton, Dabits,
Datisi. 4) Baralipton, Celantes, Fapesano. Mesmo as palavras que soassem familiares, como do
silogismo barbara, nada tinha a ver com um nome de mulher. O que interessava era a ordem em
que as vogais se apresentavam. As vogais era o elemento informativo e as consoantes aleatórias.
Um exemplo que usamos, trabalhado por Affonso Romano de Sant‘Anna in O BARROCO
[Rocco], o silogismo BAROCO, com um único R, mesmo tendo sido confundido com a origem
de ARROCO tem valor silogístico pela ordem: bArOcO, dando o silogismo AOO, como o citado
BARBARA seria AAA. A marca a proposição universal afirmativa os dois O, o particular
negativo. Crísipo, o Estóico, foi quem melhor estudou o SILOGISMO aristotélico. Ex:
Todos os ladrões temem a prisão (proposição universal afirmativa).
Alguns homens públicos não temem a prisão (particular negativa).
Logo, alguns homens públicos não são ladrões (particular negativa).
IMBERT, Claude – Introdução a Escritos lógicos e filosóficos de Gottlob Frege –
– Alduisio M. de Souza – Versão, Digressões e Comentários –
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tomar consciência dos meios de expressão de sua própria língua. O ato liberador exige
saída da comodidade da língua para julgar, medir a relação entre um sistema de sinais
[signos] e os objetos designados, isto é, tomar por objeto de ciência o que não era até
então veículo de ciência.
A análise da fórmula matemática foi bem manejada no período que separa as duas
ideografias (entre 1882 e 1890) e é destacável que os princípios desta análise não
nasceram de uma reflexão direta sobre a língua matemática ou sua expressão ideográfica.
Frege, como vimos, subordina todas as modificações da ideografia à análise do conteúdo
do julgamento em sentido e denotação. Mas, como foi revelado em seu diálogo com os
teólogo Punjer, cujo processo verbal abreviado aparece em seus inéditos (1), a análise do
julgamento de existência precedeu esta do julgamento de identidade e induziu às
considerações extensionais. Ora, este diálogo é inteiramente filosófico, ele trata da
existência de Deus e de experiência. Frege foi então conduzido a deslocar a falsa
atribuição de existência por uma reflexão aplicada às dificuldade kantianas muito mais
que aos torneios aplainado e cômodos da língua matemática.
Quando lemos o apêndice acrescentado às Lei Fundamentais da Aritmética vemos
quanto Frege estava pouco convencido da solução que ele propunha para a antinomia, e
com razão. Ele não dará, em seguida, nenhuma solução exposta ou podendo ser exposta
no seio da ideografia. Mas, o caminho que tomou sua pesquisa mostra que ele buscava
uma reflexão que chamava de filosófica. Uma doutrina lógica mais fundamental que a
ideografia que pudesse talvez guiar a uma complementação [amendement]. Não houce
terceira ideografia, as Investigações Lógicas e os escritos que lhe são contemporâneos
arruinou o postulado filosófico das duas primeiras ideografias, a identidade do cálculo
dos pensamentos e do cálculo dos conceitos. Enganado sem dúvida pelo exemplo
euclidiano, que servia a língua grega a um duplo ofício, o enunciado das proposições e a
inferência de uma proposição à outra, Frege esperava submeter à mesma abordagem na a
linguagem na qual se exprime o aparato demonstrativo da ciência e este onde é exposta a
matéria matemática ela mesma. Sem dúvida que substituiu a oposição clássica da forma e
do conteúdo da língua, que aparece ainda em seus primeiros escritos, por esta das funções
da língua: o cálculo e a característica. Mas, faltava distinguir mesmo neste cálculo duas
estruturas heterogêneas: estas do Tractatus que oporá como espaço das coisas e especo
dos fatos.
APÊNDICE
As Investigações Lógicas foram negligenciadas tanto pelos intérpretes de Frege
quanto pelos historiadores da lógica. Não sem motivo, pois é verdade que este texto
inacabado, questionador, não tem nenhuma das qualidades brilhantes da Begriffsschrift
onde Frege dará em algumas páginas magistrais e sem precedentes a primeira exposição
de um sistema logístico. Isto foi um ganho definitivo que a história reconheceu, se
precisarmos que a primeira ideografia não fazia ainda uso da noção de extensão do
conceito e que não dá lugar também à antinomia [paradoxos]. Por outro lado o sistema
das Principia Mathematica (1910), que se tornou uma referência para todos trabalhos
lógicos que viriam, é inspirado, no dizer de seus autores, da primeira ideografia fregeana
tanto quanto de Peano.
Frege não somente abriu a via para os sistemas logísticos, mas ele pressentiu dais
outros métodos que estão hoje em uso.
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(1) Dialog mit Punjer über Existenz, p. 60 a 75. Este texto foi datado pelos editores de antes de
1884. Verificamos que Os Fundamentos da Aritmética (1883) possui a análise da existência,
mas, a análise da identidade ainda não estava assegurada.
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– Alduisio M. de Souza – Versão, Digressões e Comentários –
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Em primeiro lugar, na primeira seção da Begriffsschrift e na terceira investigação o
functor [functor: função que mapeia objetos em objetos, e morfismos, nos
correspondentes morfismos (Houaiss)] proposicional binário da implicação, a partir do
qual serão definidos os outros é ele mesmo definido pela enumeração de seus casos de
verdade. Esta idéia está na origem das tábuas de verdade, mas só foram plenamente
elaboradas por Wittgenstein (Notebook e Tratactus logico-philosophicus, 1914-1919).
A tábua de verdade foi por outro lado empregada como um algoritmo – isto sem relação
com o trabalho de Frege – por Peirce em 1885 e por Post [1897-1954] (Introduction to a
general theory of elementary propositions) em 1921.
Em segundo lugar as Investigações antecipam a idéia que define o uso dos
conectores por regras operatórias mais que por axiomas. Este método foi desenvolvido
num contexto intelectual bastante diferente, por Gentzen (Untersuchungen über das
logische Schliessen, 1934-1935).
Estas Investigações Lógicas tem, pois um lugar na lenta história do cálculo das
proposições, o mais simples, mas também o que foi conhecido mais tarde. As duas
primeiras Pesquisas [Investigações] tocam nos princípios mesmo da lógica dos
pensamentos. A terceira Pesquisa [Investigação] nos dá seis regras de dedução, um
teorema de substituição, e enuncia a pretensão de ter examinado exaustivamente o
conjunto das operações binárias definidas sobre as proposições. Ele tem então uma
rigidez e um grau de elaboração suficiente para que possamos querer examinar de mais
perto a teoria da dedução que expõe.
Para as seis composições de pensamentos retidas, Frege associa seis regras de
dedução: (1)
Estas regras se aplicam unicamente aos argumentos bilemáticos [dois lemas](2).
Quando a Begriffsschrift se felicitava por ter reduzido as regras de inferência
bilemáticas ao único modus ponens, estas regras são aqui multiplicadas afim de conter
de forma mais fácil os casos efetivos de dedução que se apresentam na prática
matemática [Cf. o inédito: Logik in der Mathematik, p. 219]. As fórmulas da coluna da
direita da (1) à (6b) são esquemas de inferência. Frege escreve cada uma delas
verticalmente respeitando assim o princípio da ideografia que atribui a dimensão
vertical da página para a escrita da ordem da prova. O alinhamento cuidadoso das letras
A,B representam o lugar de proposições não asseridas quando estão em dependência
.............................................................................................................................................
(1) No quadro acima ―&‖simboliza a conjunção. ― ┐‖ a negação. ―V‖ a disjunção. ― ‖ a
implicação, ―↓‖ ou conector de Schefer a rejeição e enfim ―╟‖ a dedução.
(2) É bem possível que Frege reservava para a quarta pesquisa [Investigação] o exame das
inferências monolemáticas [único lema] para o qual o fundamento é a quantificação. P.S. Lema:
proposição preliminar cuja demonstração prévia é necessária para demonstrar a tese principal que
se pretende estabelecer. [Alduisio, in: Houaiss].
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– Alduisio M. de Souza – Versão, Digressões e Comentários –
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sob a dependência de um functor. Quando são escritas separadamente sobre uma linha
elas representam as proposições asseridas (hipóteses, premissas, e conclusão de
silogismo). Frege o torna preciso acrescentando a menção ‗é verdadeiro‘. Esta letras não
são então variáveis com valor em {V, F} elas servem unicamente para apresentação dos
esquemas de inferência. Devemos substituí-las por tal proposição da ciência no benefício
da qual se opera a dedução.
Se quisermos nos dar conta da ordem seguida por Frege, devemos nos servir da
tábua, aqui subentendida, dada pela Begriffsschrift. Frege utiliza esta tábua para definir os
operadores proposicionais. Ela se distingue nisto de uma tábua de verdade, hoje utilizada
como instrumento de cálculo. A tábua fregeana (T) permite uma análise de caso. Se A e B
são pensamentos, quatro eventualidades se apresentam:
(T)
α) A é verdadeira e B e verdadeira
ou
β) A é verdadeira e B é falsa
ou
γ) A é falsa e B é verdadeira
ou
δ) A é falsa e B é falsa
Em relação à verdade ou a falsidade das proposições A, B sua composição de
forma geral C (A, B), pode ser verdadeira para uma, duas, três ou quatro eventualidades
α, β, γ, δ. Frege não considera jamais o caso em que C (A, B) seria verdadeira nas quatro
eventualidades. Tal proposição composta, sempre verdadeira independente da verdade
ou falsidade das proposições A e B, não teria segundo Frege nenhum conteúdo, ela não
poderia ser premissa ou conclusão de qualquer raciocínio matemático interessante. Assim
como no caso no qual C (A, B) não fosse verdadeira em nenhuma das quatro
eventualidades.
Na terceira Pesquisa [investigação], Frege examina primeiramente o caso no qual
o composto C (A, B), é verdadeiro em uma única eventualidade e precisamente na
eventualidade α. Para definir este primeiro functor Frege faz a distinção entre a
conjunção da língua lógica (ainda chamada de produto lógico) e o ―e‖ da língua comum.
Este é uma conjunção entre julgamento e não entre pensamentos (1). Noutros termos,
Frege demanda que distingamos entre o ―e‖ da tábua (que escrevemos em itálico) e a
conjunção da proposição composta que escrevemos segundo o uso de hoje ―&‖. O
primeiro serve para definir o segundo dando as condições de verdade da proposição
composta. Segundo os termos aos quais Frege recorre no fragmento da quarta Pesquisa
[Investigação], o primeiro ―e‖ este da tábua pertence à língua de exposição [expositiva]
(Darleugungssprache) o segundo ―&‖ pertence à língua auxiliar (Hilfessprache) que
permite delinear os pensamentos. Esta linguagem é a língua característica, primeiramente
introduzida pela língua de exposição [expositiva], o alemão comum. Reconhecemos
inclusive facilmente na primeira inferência:
A, B ╟ (A & B)
a primeira regra de Gentzen na qual o sentido é de introduzir o símbolo lógico da
conjunção.
................................................................................................................................................
(1) O que é um progresso em relação à Begriffsschrift e às definições até então admitidas do
produto lógico. Lemos assim na Begriffsschrift: ―o sinal [signo] ideográfico da conjunção pode
ser traduzido pó ‗A e B’ são um e outro fatos‖. (§ 7).
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Se consideramos agora o conjunto dos functores binários definíveis da maneira
precedente nós encontraremos:
4 tais que a composição C (A, B) seja verdadeira em uma eventualidade,
6 tais que C (A, B) seja verdadeira em duas eventualidades.
4 tais que C (A, B) seja verdadeira em três eventualidades.
Ora, Frege considera somente três functores correspondendo a uma proposição composta
verdadeira em uma eventualidade, e três functores, duais dos precedentes,
correspondendo a uma proposição composta verdadeira em três eventualidades. Para
fazer aparecer as razões de suas exclusões, compararemos a escolha de Frege com a tábua
das dezesseis operações binárias definidas {V, F} e ao valor {V, F}.
p, q são aqui variáveis proposicionais que tomam seu valor em {V, F}. As colunas
correspondendo às seis composições examinadas por Frege estão impressas em
sombreado.
A escolha de Frege exclui:
— os functores binários degenerados [estados diferentes] 1 e 16 que não dependem
do valor de verdade das proposições A, B;
— os functores binários 4, 6, 11 e 13 nos quais o valor é idêntico a este do um e de
seus argumentos (respectivamente p, q ┐ p, ┐ q);
— os functores 3 e 14. Frege os identifica 5 e 12, os esquemas associados aos dois
primeiros, ou seja: ┐( ┐ A & B), ┐A & B, não diferem dos esquemas associados a 5 me
12, A ┐B se levarmos em conta da comutatividade da conjunção do fato que A, B têm
por único papel de marcar os lugares vazios de um esquema.
— Os conectores 7 e 10 – que chamamos de equivalência e incompatibilidade – por
duas razões que podemos adivinhar. A primeira é que Frege sabia de forma verossímil os
definir por meios dos functores já definidos. A segunda é que esta definição permite de
distinguir a equivalência enquanto que ela é um functor de identidade e assim banir o
sinal de igualdade, dos quais vimos os perigos, para a lógica dos pensamentos.
A escolha de Frege elimina judiciosamente as possibilidades combinatórias que
não correspondem a nenhum tipo de premissa usual nas deduções efetivas, ou que
correspondem às premissas (equivalência, incompatibilidade) que podem ser construídas
por meio dos seis maneiras da linguagem/objeto aqui propostas.
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– Alduisio M. de Souza – Versão, Digressões e Comentários –
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A pretensão que os ―seis gêneros de composição... formam um todo fechado sobre
si mesmo‖ significa que o alfabeto {┐, &, (,)}, [que será acrescido o número desejável de
letras, A, B, ..., é suficiente para descrever as seis fórmulas propostas, que por sua vez são
suficientes para representar todos os casos resumidos na tábua de análise (T).
Quanto à teoria da dedução ela mesma, Frege se contentou de dar grosso modo
algumas regras sem pretensão de que elas fossem suficientes para a formalização de toda
dedução nem que elas constituíssem um sistema lógico não contraditório. Pelo menos
nos deu ele com grande convicção que as composições de pensamentos aqui descritas
representam de forma adequada as composições de pensamentos matemáticos. Se
quiséssemos julgar com mais rigor esta história da dedução seria necessário
primeiramente fazer um apanhado das regras de deduções propostas nas Investigações
Lógicas, levando em consideração das regras concernindo a negação e implicitamente
dados da segunda pesquisa [Investigação]. Tais seriam, por exemplo, como a regra:
┐(┐A) ╟ A.
Deveria ainda aí acrescentar as regras concernindo a quantificação (estas da quarta
pesquisa [Investigação] teria podido fornecer, tacitamente ou explicitamente) se
quisermos comparar o esboço de Frege em memória de Gentzen.
Estas pesquisas [aqui Investigações Lógicas] parecem ter definitivamente
renunciado ao cálculo lógico [sob sua forma axiomática. Elas não utilizam nem mesmo
a tábua de verdade como um algoritmo]. Frege associa à língua/objeto as regras de
dedução nas qual a nitidez é pelo menos a garantia moral que elas são corretas. Esta
desconfiança em relação ao cálculo, e em geral o tratamento algébrico, isto é, cego da
lógica, é sem dúvida uma das razões pelas quais Frege não concebeu verdadeiramente
uma tábua de verdade. Wittgenstein, utilizando o princípio da bivalência – que uma
proposição é verdadeira ou falsa – reconhece no cálculo da implicação lógica um caso
particular de implicação probabilística. Post [já citado] por sua parte, declara ter-se
inspirado na álgebra lógica de Boole na sua inquietação para encontrar um fundamento
para o cálculo proposicional axiomático dos Principia Mathematica. É com este esforço
que a tábua de verdade, em outros autores, é uma representação adequada dos functores
lógicos, ao mesmo tempo em que, um instrumento de cálculo. Frege não teria visto em
todo caso, senão, o primeiro aspecto.
Encontraremos nos Fundamentos da Aritmética (Edições de Seuil, 1969) [Abril,
Pensadores 1972] a lista dos principais escritos de Frege. Para os trabalhos consagrados a
Frege, podemos nos reportar às obras de J. Largeault, Logique e Philosophie chez Frege
(Paris, Louvain, 1970), que analisa os aspectos técnicos da lógica de Frege e de C. Thiel,
Sinn und Bedeutung in der Logik der Gottlob Frege (Meisenhein am Glan, 1965 –
Tradução inglesa Dordrecht, 1968) que dá algumas indicações bibliográficas mais
recentes.
Agradecimentos de praxe a: G. G. Granger; J. Vuillemin e J. van Heijecort; J.
Largeault; A. Sinaceur; R. Martin.
Claude Imbert
Introduction a: Gottlob Frege, Écrits logiques et philosophiques.
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Curiosidades históricas:
Carta de Bertrand Russel, dirigida a Frege em 16 de junho de 1902.
Tradução de Sérgio Farias S. Filho [Google].
Friday‘s Hill, Haslemere, 16 de junho de 1902
Caro colega
Há ano e meio tomei conhecimento do seu Grundgesetze der
Arithmetik, mas apenas agora encontrei tempo para fazer um estudo
rigoroso, como era minha intenção, sobre seu trabalho. Estou em
completo acordo consigo no essencial, particularmente quando rejeita
qualquer elemento psicológico na lógica e quando atribui grande valor a
uma ideografia [Begriffsschrift] para os fundamentos da matemática e da
lógica formal, as quais, em boa verdade, dificilmente se podem distinguir.
Relativamente a muitas questões particulares, há no seu trabalho
discussões, distinções e definições que dificilmente se encontrarão no
trabalho de outros lógicos. Especialmente no que diz respeito à função, eu
próprio fui conduzido a observações que são as mesmas, mesmo nos
detalhes. O colega diz que uma função também, pode actuar como
elemento indeterminado. Eu acreditava nisto, mas agora esta perspectiva
parece-me duvidosa pela seguinte contradição. Seja W o predicado: para
ser predicado, não pode ser predicado de si próprio. Pode W ser predicado
de si prório? A cada resposta seu oposto segue-se. Portanto podemos
concluir que W não é predicado. Da mesma maneira, não existe nenhuma
classe (como uma totalidade) de classes que, sendo cada uma tomada
como uma totalidade, não pertença a si própria. Disto concluo que, sob
certas circunstâncias, uma coleção definível [Menge] não forma uma
totalidade.
Estou a acabar um livro sobre os princípios da matemática no qual gostaria de
discutir o seu trabalho muito aprofundadamente. Já tenho seus livros ou vou comprálos brevemente, mas ficar-lhe-ia muito grato se me pudesse mandar separatas dos seus
artigos de revistas. No caso de ser impossível obtê-los-ei numa biblioteca.
O tratamento exacto da lógica em questões fundamentais, onde os símbolos
falham, tem ficado muito para trás. Nos seus trabalhos encontro aquilo que de melhor
há no nosso tempo, razão pela qual me permito exprimir o meu profundo respeito por
si. É lamentável não ter sido publicado a segunda edição do seu Grundgesetze. Espero
que isto venha a ser feito. Muito respeitosamente este seu,
Bertrand Russel.
IMBERT, Claude – Introdução a Escritos lógicos e filosóficos de Gottlob Frege –
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FIM
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