ASSEMBLEIA DO RENOVAMENTO CARISMÁTICO DA DIOCESE DO PORTO 21 de Abril de 2012 “ Mantendo-vos, portanto, firmes, tendo cingido os vossos rins com a verdade, vestindo a couraça da justiça e calçando os pés com a prontidão para anunciar o Evangelho da paz” (Ef 6,14-16) “Cingi os rins com a verdade” 1.Contexto Paulo fala aos cristãos de Éfeso do combate do cristão e faz-lhes uma série de recomendações. Compara a vida do crente sobre a terra a um combate. O seguimento do Senhor passa por um combate. Não um combate qualquer, mas um combate com o Maligno que divide, que se opõe à comunhão dos homens com Deus e entre si. A luta, segundo S. Paulo assume dimensões cósmicas. Por isso, os cristãos devem revestir-se das armas da verdade e da justiça, da fortaleza do Espírito Santo, para estarem prontos a darem razões da sua fé e da sua esperança, e anunciarem o Evangelho da paz. “Cingi os rins”. Os «rins» na Bíblia traduzem muitas vezes o vigor físico do homem, o seu poder procriador. Designam a região da cintura, dos quadris, ou a sede das funções geradoras. Designam ainda a sede ou a fonte das paixões, dos pensamentos secretos, dos sentimentos. Aí acontece o apelo à ação. Também aí se pode manifestar o poder de Deus sobre a nossa personalidade mais oculta. 1 Assim como para a viagem ou para o combate é preciso prender à cintura a túnica, as vestes, o saco ou armas, assim para o serviço de Deus é preciso ter os rins cingidos. O discípulo de Jesus deve ter os rins cingidos e a sua lâmpada acesa (Lc 12,35), deve estar pronto e desperto com a luz da fé para enfrentar as dificuldades e as lutas próprias dos discípulos de Cristo, por isso S. Paulo exorta os cristãos a cingir os rins com a verdade e a vestir a couraça da justiça. (Ef 6,14). 2. S. Paulo exorta os cristãos a «cingir os rins com a verdade» De que «verdade» se trata? 2.1 Significado bíblico de «verdade». Na linguagem corrente chamamos verdadeiro um pensamento ou uma palavra que é conforme ao real, que é evidente ao espírito. A noção bíblica de verdade é diferente. Baseia-se na própria experiência religiosa do encontro com Deus. No Antigo Testamento a verdade é antes de tudo a fidelidade à Aliança. No Antigo Testamento a verdade significava fundamentalmente ser sólido, seguro, ser digno de confiança. A verdade é a qualidade daquilo que é estável, comprovado, sobre o qual nós nos podemos apoiar. Uma paz de verdade (Jr 14,3) é uma paz sólida, durável. Um caminho de verdade (Gn 24,48) é um caminho que conduz seguramente à meta. A expressão «em verdade» significa de modo estável, para sempre. Falar de «verdade» quer em relação a Deus quer em relação aos homens verdade é falar de fidelidade a algo ao alguém digno de confiança. Jesus nos seus ensinamentos usa frequentemente a expressão «em verdade, em verdade vos digo», para a firmar que aquilo que ensina é digno de fé, é digno de confiança, é verdadeiro. 2 2.2 No Antigo Testamento a verdade de Deus está intimamente relacionada com a sua intervenção na história em favor do seu povo. A verdade no AT designa o plano de Deus e a sua vontade. A verdade de Deus é a revelação do seu desígnio (Dn 9,13). “Javé é o Deus fiel” (DT 7,9): o Deus da Aliança, o Deus verdadeiro, cujo amor é fiel, permanece, é estável, mesmo quando o povo é infiel, não respeita a Aliança, se afasta de Deus e presta culto a outros deuses. A «verdade» carateriza ainda a “Palavra de Deus e a sua Lei”. David diz ao Senhor: “ As tuas palavras são a própria verdade” (2 Sm 7,28). Os Salmos celebram a verdade da lei divina. A verdade é o que há de essencial, de fundamental na Palavra de Deus, que é irrevogável e permanece para sempre. 2.3 No Antigo Testamento falar de verdade relativamente aos homens, é falar de fidelidade: fidelidade a Deus, à Aliança, à Lei divina. “Homens de verdade” (Ex 18,21; Ne 7,2) são homens de confiança, “tementes a Deus”, fiéis á aliança. A verdade carateriza o comportamento dos justos, daí o seu paralelismo com perfeição (Jos 24,14), com coração íntegro (2 Re 20,3), com o bem e o direito (2 Co 31,20), com o direito e justiça (Is 59,14), com a santidade (Zc 8,3). “Fazer a verdade” (2 Cro 31,20); Ez 18,9) e “caminhar na verdade” (1 Re 2,4;3,6; 2 Re 20,3; Is 38,3) é ser fiel observante da Lei do Senhor (cf Tb 3,5). 3. A verdade no Novo Testamento O apóstolo S. Paulo usa o termo «verdade» no sentido de sinceridade, de «dizer a verdade». 3 Com a expressão «verdade de Deus» S. Paulo designa a fidelidade de Deus às suas promessas, que são um «sim» em Cristo. A «verdade» deve caraterizar o comportamento dos cristãos. S. Paulo contrapõe a verdade à injustiça e à idolatria. Paulo prega a «verdade do Evangelho», a «Palavra da verdade» que os homens devem ouvir e converter-se, para chegarem ao «conhecimento da Verdade» e alcançarem a salvação. A aceitação da verdade do Evangelho faz-se mediante a fé. A fé requer o amor à verdade. «Chegar ao conhecimento da verdade» significa aderir ao Evangelho e abraçar o cristianismo. Os crentes são aqueles que conhecem a verdade, e esta não é senão a fé cristã. 4. Verdade e vida cristã, segundo S. Paulo. Os crentes são gerados para a vida cristã pela Palavra da verdade, pela obediência à verdade, ao Evangelho de Cristo. Há uma estreita ligação entre a verdade e Cristo. A mensagem do apóstolo S. Paulo não é uma doutrina abstrata, mas é a própria pessoa de Cristo: “Cristo manifestado na carne…justificado pelo Espírito, apresentado aos anjos, anunciado às nações, acreditado no mundo, exaltado na glória” (1 Tm 3,15). O Cristo verdade que o Evangelho anuncia é o Jesus morto e ressuscitado por nós e para nossa salvação. A verdade está em Jesus, diz Paulo aos Efésios: “Ao conhecerdes a Cristo, supondo que dele ouvistes falar e nele fostes instruídos conforme a verdade que está em Jesus “ (4,20). 5. A verdade segundo S. João. A verdade para S. João é Cristo a “Palavra do Pai” (Jo 17,17). Cristo proclama a verdade que ouviu do Pai e da qual dá testemunho. Diante de Pilatos, Jesus afirma “Eu sou rei! Para isto nasci, para isto 4 vim ao mundo: para dar testemunho da Verdade. Todo aquele que vive da Verdade escuta a minha voz” (Jo 18,37). A verdade é a palavra que o próprio Jesus nos dirige e que nos deve a levar a acreditar nele. No Antigo Testamento a Lei foi dada por intermédio de Moisés; no Novo Testamento a “graça e a verdade nos vieram por Jesus Cristo (1,17), revelação total e definitiva de Deus. Enquanto o demónio é o pai da mentira (8,44), Cristo proclama a verdade (8,45), está “cheio de graça e de verdade” (1,14). A grande novidade cristã é que o próprio Cristo é a Verdade (14,16). Ele é o Verbo feito carne, que traz em si a plenitude da revelação divina, que nos faz conhecer o Pai. Nele, Deus «mostrou-se», Deus «fez-se vez», Deus falou aos homens. Ele é “o caminho, a verdade e a vida”: é o caminho que conduz ao Pai, porque nos transmite a revelação do Pai (17,8.14), e porque transmitindo-nos a revelação do Pai ele nos comunica a Vida divina (1,4;3,16; 6,40.47.63; 17,2). 6. O Espírito de verdade. Terminada a sua revelação ao mundo (Jo 2,50), Jesus anuncia aos seus discípulos a vinda do Paráclito, o Espírito de verdade (Jo 14,17; 15,26; 16,13). Para S. João a função fundamental do Espírito é a de dar testemunho de Cristo (15,26; 1 Jo 16,13), conduzir os discípulos para a verdade total (16,13), trazer à memória deles tudo o que Cristo havia dito, fazendo-lhe compreender o verdadeiro sentido das suas palavras e dos seus gestos (14,26). A sua função é fazer compreender na fé a verdade de Cristo. O Espírito é chamado também “Espírito de verdade” (1 Jo 5,6). É ele na Igreja “aquele que dá testemunho” suscitando a nossa fé em Jesus. 7. Verdade e santidade. 5 S. João sublinha com vigor o papel da verdade na vida do crente: “ser da verdade” é ser de Cristo; “permanecer na verdade” é permanecer em Cristo; “viver na verdade” é viver sob a ação do Espírito da verdade. Aquele que nasceu do Espírito pelo Batismo deve permanecer na Palavra de Jesus, para conhecer verdadeiramente a verdade e ser libertado interiormente do pecado pela sua verdade, por Cristo (Jo 8,31ss): “Se permanecerdes fiéis à minha mensagem, sereis verdadeiramente meus discípulos, conhecereis a verdade e a verdade vos tornará livres” (Jo 8,31). 8. «Cingir os rins com a verdade» é estar revestido da Palavra de Cristo, é viver segundo o Espírito da Verdade, é fazer a verdade, caminhar na verdade (2 Jo,4) dar testemunho da verdade, de Jesus Cristo. «Cingir os rins com a verdade» é amar os irmãos “em verdade” (2 Jo, 1; 3 Jo,1) é amá-los por força da verdade - o amor de Cristo que foi derramado nos nossos corações pelo Espírito Santo no dia do nosso Batismo. «Cingir os rins com a verdade» é adorar Cristo no “Espírito e na Verdade” (Jo 4,23ss): uma adoração que brota do interior; um culto inspirado pelo Espírito e pela verdade de Jesus, que o Espírito Santo inspira nos corações daqueles que ele habita. «Cingir os rins com a verdade» do Evangelho, é acolher e dar pleno assentimento à palavra reveladora do Pai, presente em Jesus Cristo e iluminada pelo Espírito, que devemos aceitar na fé, para que ela transforme a nossa existência, para que a verdade de Jesus transpareça em nós, sejamos testemunhas do Evangelho da verdade e ela seja a força da nossa vida na luta contra Satanás que é o autor do mal e o pai da mentira. 6 9. Peçamos ao Senhor um olhar de fé límpido, aberto à verdade, aberto a Cristo, à sua Palavra, ao dom do seu Espírito. Reavivemos a disponibilidade para acolher a verdade. Para isso, é necessário livrar-se do orgulho e do egoísmo; alimentar com a oração a disponibilidade ao Espírito Santo que com os seus dons apoia a nossa caminhada espiritual; cultivar a familiaridade com a Palavra de Deus; acolher o magistério da Igreja; adquirir um suficiente conhecimento da ética cristã; cultivar a retidão de consciência, numa preocupação pela busca verdade e pelo bem e no empenho de ordenar a própria vida segundo as suas exigências. Aprofundar o conhecimento de Jesus através da leitura, do estudo e da meditação da Palavra de Deus e permanecer fiel à sua mensagem: “Se permanecerdes fiéis à minha mensagem, sereis verdadeiramente meus discípulos, conhecereis a verdade e a verdade vos tornará livres” (Jo 8,32). Deste modo poderemos “cingir os rins com a verdade” e assim travar com êxito o combate cristão, como recomenda o apóstolo S. Paulo. 7