PRESSUPOSTO INACIANO “Para que, tanto quem dá os exercícios espirituais como quem os recebe, mais se ajudem e tirem maior proveito, é necessário pressupor que todo bom cristão deve estar mais pronto a salvar a proposição do próximo do que a condená-la; e se não pode salvá-la, pergunte como ele a entende; e, se a entende mal, corrija-o com amor; se isto não bastar, busque todos os meios convenientes para que, entendendo-a bem, ela seja salva”. (EE. 22) As três peneiras “Um certo dia, alguém encontrou-se com Sócrates – filósofo grego, e lhe disse: - Sócrates, preciso te contar como teu amigo se comportou. - Espera! – interrompeu o sábio. Passaste o que queres me dizer pelas três peneiras? - Três peneiras? –disse o outro, tomado de espanto. - Sim, meu bom amigo: três peneiras. Examinemos se o que tens a me dizer pode passar pelas três peneiras. - A primeira é a da verdade. Tens certeza de que o que queres me contar é verdadeiro? - Não, ouvi dizer e... - Bem. Mas por certo o fizeste passar pela segunda peneira que é a da bondade. O que desejas me contar, embora não seja propriamente verdadeiro, é ao menos uma coisa boa? Hesitante, o outro respondeu: - Não, pelo contrário... - Hum! – disse o sábio. Tentemos nos servir da terceira peneira, e vejamos se é útil me contar o que queres me dizer... - Util? Não exatamente... - Pois bem – disse Sócrates sorrindo, - se o que tens a me dizer não é verdadeiro, nem é bom, nem útil, prefiro não saber; e a ti, aconselho que esqueças”. S. Inácio, antes de começar os Exercícios, nos propõe este “pressuposto” para nos indicar que: - devemos nos situar em um plano de total confiança e transparência de ambas as partes: daquele que “dá os Exercícios” e daquele que os “recebe”; - temos de nos mover em um plano de igualdade, sem a pretensão de superioridade de um sobre o outro; - devemos mudar nossa tradicional inclinação a condenar os outros, tomando uma atitude positiva de entendê-los. Este pressuposto, básico e absolutamente necessário, requer um esforço de ambas as partes por compreender “a comunicação do outro” em seu sentido profundo. O pressuposto, segundo S. Inácio, é o fundamento da mútua relação que se estabelece entre “aquele que dá Exercícios” e “aquele que os recebe”. Porque é de capital importância que ambos, livres de todo pré-juízo, idealizações ou reticências, se ponham a caminhar na busca incondicional da Vontade divina. A prontidão ou presteza para acolher e salvar a “proposição” alheia (sua intenção, sua atitude prévia...) é o princípio e fundamento da relação interpessoal: a busca constante, a todo instante, da verdade, no clima de aceitação e confiança mútua. O pressuposto básico, fundamento de toda relação na verdade, é acreditar que “o outro” busca claramente o bem, e, se existe o erro, é por engano, suposta sua absoluta boa vontade. Por isso, é preciso salvar essa disposição, a parte da verdade que o outro possui e defende. É preciso salvar, na medida do possível, a intenção e a interpretação que o outro oferece, para que, a partir dela se possa avançar na busca mais plena da verdade. A idéia central de que “todo bom cristão deve estar mais pronto a salvar a proposição do próximo do que a condená-la” revela uma posição contrária àquela de acusação e de defesa dentro de um tribunal; tal atitude desmascara o preconceito e esvazia a predisposição de julgar e de condenar sem conhecer e sem ouvir a intenção do outro. Considerado sob o enfoque do ouvir sem preconceitos, do conhecer a diferença e do amar a verdade presente no outro, o pressuposto supõe o diálogo fundado no amor. “Salvar a proposição do próximo” implica fazer todos os esforços para entender o que é que o outro me quer dizer e porque, e, por conseguinte, acreditar em sua “proposição”; e como, às vezes, é difícil acreditar nela, convém perguntar para ver se o entendi bem ou mal. Segundo o enunciado inaciano, o preconceito, a consciência julgadora, o juízo rápido, são incompatíveis com o bom senso evangélico, a liberdade, e o espírito de discernimento exigido. O “bom cristão” é aquele que vive segundo o bom senso de seu Mestre e Senhor, vencendo os impulsos da consciência julgadora. Esta não só se opõe à atitude inaugurada por Jesus Cristo, de ouvir, compreender e amar o outro, como também impossibilita o discernimento, condição para se encontrar a Vontade de Deus e colocá-la em prática. O adjetivo “pronto” (“estar mais pronto a salvar a proposição”), na mente de S. Inácio, revela a atitude interior (o “ânimo pronto”) que reage com presteza e positivamente ante uma situação que poderia ser conflitiva. É caminhar em direção à brandura de coração. O verbo “ajudar” refere-se a um complemente indireto (a outro) e significa contribuir, apoiar, assistir, auxiliar ou desempenhar uma ação em favor de alguém. Exercitar-se neste “pressuposto” leva a criar o hábito de acostumar-se a: * não condenar o outro sem provas evidentes; * olhar com bons olhos e escutar compassivamente a proposição do outro; * tentar compreender o que é que no fundo o outro quer dizer, ou ao menos compreender porque está dizendo. Este hábito combate o contrário, que é essa atitude tão comum em todos nós de nos inclinar a sermos desconfiados frente ao que nos vem do “próximo”, como por exemplo: - pressupor que detrás daquilo que nos dizem há segundas intenções ou coisas que nos ocultam; - não sermos honestos com a realidade e tender a olhá-la sempre a partir de nossa conveniência, a partir de nossa ótica, de nossos critérios...; - reforçar o negativo que vem da “proposição” do outro e prescindir do positivo. Evidentemente, por ser um princípio de alcance universal, o pressuposto tem inumeráveis aplicações em todas as situações da vida. Revela uma norma geral de caridade: a tolerância e a compreensão, próprias do amor, que todo fiel cristão deve acolher em seu interior. O pressuposto tem a ver, sobretudo, com a definição de um lugar a partir do qual ouvir, conhecer e amar tornam-se atitudes fundamentais da experiência mais profunda de encontro com o outro. O pressuposto de S. Inácio deve ir se convertendo, pouco a pouco, no tesouro precioso de que fala o Evangelho. Sua prática é muito útil na vida da comunidade e das famílias, com as amizades ou no trabalho, pois nos permite compartilhar nossos sentimentos e compromissos sem medo de más interpretações. Textos bíblicos: Mt. 7,1-5 Mt. 18,15-18 Lc. 6,36-45 FONTE: CEI-JESUÍTAS - Centro de Espiritualidade Inaciana Rua Bambina, 115 - Botafogo – RJ – 22251-050 [email protected] / www.ceijesuitas.org.br