Sérgio Ricardo da Mata, Helena Miranda Mollo & Flávia Florentino Varella (org.). Caderno de resumos & Anais do 2º. Seminário Nacional de História da Historiografia. A dinâmica do historicismo: tradições historiográficas modernas. Ouro Preto: EdUFOP, 2008. (ISBN: 978-85-288-0057-9) A História da História em Capistrano de Abreu Pedro Afonso Cristovão dos Santos Uma parte considerável da importância atribuída a João Capistrano de Abreu (18531927) na historiografia brasileira vem de seu trabalho com documentos históricos. Capistrano de Abreu participou da edição de alguns documentos, como a História do Brasil de frei Vicente do Salvador (editado com sua colaboração em 1886-87, 1889 e em 1918), e de pesquisas voltadas a apreciação crítica de documentos, descobrindo, por exemplo, a autoria de alguns textos (como Cultura e Opulência do Brasil, de João Antônio Andreoni, vulgo Antonil). Foi uma atividade que atravessou muitas décadas de sua vida, podendo ser rastreada, no mínimo, até sua entrada para o corpo de funcionários da Biblioteca Nacional, em 1879, indo a seus últimos dias (morreu em agosto de 1927). Capistrano recebeu menções diversas a esta faceta de seu trabalho por seus comentadores, contemporâneos e posteriores, mas nenhum estudo específico foi feito até aqui. Em função dessa ausência, qualquer estudo que se fizer deve ter, por certo, também um aspecto descritivo. Deve se propor a buscar, nos textos publicados e cartas de Capistrano, seus procedimentos, desde a tomada de conhecimento da existência de determinado documento, até sua obtenção (ou melhor, de uma cópia sua), os meios de realizar sua publicação, o preparo do texto para edição, a revisão, a publicação, a distribuição, até a remuneração de editor e copista, entre outros momentos deste trabalho. Mas, além do aspecto descritivo, propõe-se aqui também a uma análise que vise problematizar esta atividade desempenhada por Capistrano. Na bibliografia sobre ele, em geral a pesquisa documental é vista como evidência de seu pertencimento à escola histórica alemã, representada comumente por Leopold von Ranke, como no caso da análise de José Honório Rodrigues, importante editor, comentador e mediador da obra de Capistrano.1 Sua pesquisa documental seria entendida, então, dentro dos princípios normalmente atribuídos a este pensamento: primazia do documento escrito, devidamente criticado, tendo em vista o estabelecimento de sua autenticidade e da 1 Por exemplo, RODRIGUES, José Honório. “Capistrano de Abreu e a Historiografia Brasileira”, in: Correspondência de Capistrano de Abreu, volume 1; edição organizada e prefaciada por José Honório Rodrigues, 2 ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; Brasília: INL, 1977, pp. XLI-XLIII. 1 credibilidade de seu testemunho. Para outros autores, como Sérgio Buarque de Holanda, a forma como Capistrano tratava os documentos, ou melhor, abria um diálogo com eles, aproxima-o da escola dos Annales, em particular Marc Bloch, porque Capistrano teria sempre um problema prévio a orientá-lo em suas pesquisas.2 De forma geral, a bibliografia atribui à crítica documental de Capistrano um momento decisivo na história da História do Brasil, em que a disciplina passou a ser praticada com maior rigor, em função de um uso das fontes que se caracteriza por seu tratamento adequado, crítica interna e externa e sistema de referência (citações). Representaria um momento chave na especialização da disciplina histórica no Brasil. A questão do pertencimento de Capistrano a esta ou aquela “escola” de pensamento deixa de lado a importância de uma análise histórica de sua prática historiográfica: o que poderiam significar, para seus leitores imediatos, as críticas e apreciações de Capistrano a respeito de vários historiadores e instituições ligadas à produção e difusão de conhecimento histórico de sua época; o que ele buscava com a defesa de alguns procedimentos por parte dos historiadores, em detrimento de outros, com a reivindicação de determinadas idéias e práticas em história, como a edição de documentos (não qualquer edição, mas uma que seguisse princípios específicos). Em fins do século XIX, começos do XX, era comum aos autores de estudos históricos concorrerem para a divulgação de documentos históricos, de alguma forma: ou por meio de edições destes documentos; ou publicando-os (com ou sem aparato crítico) em periódicos científicos, como revistas de institutos históricos; ou transcrevendo-os no corpo de suas obras; ou organizando coleções de documentos, também chamadas ocasionalmente de crônicas. Capistrano praticou todas estas formas. Neste contexto, algumas iniciativas desta natureza foram ainda ganhando espaço e prestígio – por exemplo, as publicações de documentos em São Paulo, nas primeiras décadas do século XX. Assim, a atividade de Capistrano não era estranha a quem se dedicasse aos estudos históricos naquele momento; procuramos, neste trabalho, enxergá-la dentro deste contexto de opções e possibilidades. Se pensarmos no contexto latino-americano e europeu, é um momento, desde pelo menos a primeira metade do século XIX, de 2 HOLANDA, Sérgio Buarque de. “O Pensamento Histórico no Brasil” [1951], traduzido como “Historical Thought in Twentieth-Century Brazil”, in: BURNS, E. Bradford (ed. e introd.). Perspectives on Brazilian History. New York: Columbia University Press, 1967, p. 182. 2 difusão da noção de história nacional – a historiografia não só definia estas histórias, como definia que a elas correspondia um corpo específico de documentos que deveria ser assegurado por cada país, servindo de base para a escrita de sua história nacional (de acordo com a metodologia da História de então, que coloca nos documentos a fundação das obras de História). Capistrano cita como exemplo de país à frente do Brasil em produção historiográfica o Chile,3 pródigo em coleções de documentos ao longo do século XIX, e começo do século XX. Para os países da América Latina, em particular do Sul, o contexto parece sugerir uma forte integração entre a constituição dos Estados nacionais (pós-independências), a escrita de uma “história nacional” e a reivindicação de um corpus documental para esta história, que motivou inúmeros pesquisadores (ligados ou não a instituições governamentais) a buscarem nos arquivos europeus papéis agora vistos como fontes para as histórias de seus países (caso do IHGB no Brasil). Igualmente, difundiram-se os esforços de divulgação destes documentos, em geral pelos caminhos que mencionamos acima. De início, voltamo-nos para registros mais gerais deixados por Capistrano a respeito da importância de um determinado tratamento das fontes pelos historiadores, isto é: sua conservação, edição crítica, publicação (seguindo regras específicas) e uso adequado pelos historiadores (ou seja, leitura vagarosa, atenta e com citação à fonte usada - Capistrano criticava autores que, em seu julgamento, teriam lido apressadamente e usado sem reflexão as fontes). Destacamos do corpo de sua obra conhecida textos publicados na imprensa no final do século XIX, em que Capistrano faz a crítica de obras historiográficas publicadas então, estudos históricos curtos saídos em jornais e os balanços da obra de Francisco Adolfo de Varnhagen, o Necrológio de 1878 e os artigos de 1882 (que ajudaram, inclusive, a reabilitar sua imagem, colaborando para a construção de sua nova persona, como o maior historiador brasileiro do século XIX); além de suas cartas, adentrando, no caso da correspondência, as primeiras décadas do século XX. Encontramos, em diferentes momentos e possivelmente com diferentes propósitos, a reafirmação de uma postura do historiador diante dos documentos, bem como de novas abordagens à história (quase que uma nova hierarquia de valores, destacando como essenciais aspectos antes vistos por Capistrano como negligenciados, 3 Em artigo saído na Gazeta de Notícias, 2 de setembro de 1879, reproduzido em ABREU, João Capistrano de. Ensaios e Estudos, crítica e história, 4ª série. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; Brasília: INL, 1976, pp. 97-98. 3 a exemplo do estudo da família4 e da ocupação do território – dentro de uma história que era entendida como mais que um desfile de nomes, datas e querelas do poder; trabalho de renovação iniciado no Brasil, segundo Capistrano, justamente por Varnhagen).5 Qual seria, portanto, a postura reivindicada por Capistrano em relação aos documentos históricos? Em primeiro lugar, cabe assinalar que estes ganham maior importância específica. Quero dizer com isso que não deveriam servir apenas para comporem a narrativa que o historiador estivesse escrevendo naquele momento; o historiador deveria preocupar-se também com a possibilidade de consulta por outros estudiosos da mesma fonte que utilizava. Porque, antes de mais nada, Capistrano define um trabalho de história propriamente dito como aquele escrito a partir de fontes primárias, devidamente lidas e aproveitadas ( concepção presente nas críticas a Pereira da Silva, de 1877,6 e a Matoso Maia, de 18827): o historiador, ou autor de estudos históricos, deveria lê-las com cuidado, com vagar, e apurar devidamente os fatos, datas e nomes8 (sendo a fonte “fidedigna”, evidentemente, o que Capistrano também observa). A consulta às fontes poderia ser no original ou por meio de compêndios de transcrições (como algumas obras de Melo Morais) – desde que estes fossem feitos com rigor, isto é, a partir de uma boa cópia e com atenção às variantes do texto, para em última instância dispensar o historiador da consulta ao original, dispendiosa ou virtualmente inviável para muitos. Porém, Capistrano não considerava grande historiador aquele que se limitava a compor estas coleções de documentos (crônicas); 4 Caso da série de artigos “Gravetos de História Pátria”, saídos na Gazeta de Notícias entre setembro e outubro de 1881, e reproduzidos em ABREU, idem, pp. 291-303. 5 Como afirma no Necrológio de Francisco Adolfo de Varnhagen, Visconde de Porto Seguro, publicado no Jornal do Commercio de 16 a 20 de dezembro de 1878, reproduzido em Apenso à História Geral do Brasil, de Varnhagen, 4ª edição, e em ABREU, João Capistrano de. Ensaios e Estudos: crítica e história, 1ª. série, 2ª. edição. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; Brasília: INL, 1975, p. 88. 6 Saída em O Globo, 10 de março de 1877, e reproduzida em ABREU, João Capistrano de. Ensaios e Estudos, crítica e história, 4ª série. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; Brasília: INL, 1976, pp.37-41. 7 Em dois artigos na Gazeta de Notícias de 17 de abril e de 29 de julho de 1880, reproduzidos em ABREU, idem, pp. 131-139. 8 Ponto que reafirma em resenha de uma História do Brasil de Aníbal Mascarenhas, em artigo publicado na Gazeta de Notícias de 30 de março de 1898, reproduzido em ABREU, idem, p. 194. 4 deveria haver produção original de conhecimento (o que ele afirma haver em Varnhagen9). Mas faz também várias vezes menção a como o estado precário de conservação das fontes da história brasileira dificultava o trabalho dos historiadores (quem quisesse estudar, por exemplo, as viagens, as sesmarias, a ocupação do território, todos pontos fundamentais na sua hierarquia de valores, encontraria muitos obstáculos ao lidar com fontes ilegíveis ou fora do alcance de um estudioso sem recursos e condições para pesquisar nos arquivos europeus).10 Se não era sua função exclusiva, era para ele importante que os historiadores, ou instituições como o IHGB, realizassem edições de documentos. Estas, porém, não deveriam se limitar a transcrever os textos para uma grafia (impressa) legível (alguns documentos, para Capistrano, nem mereceriam transcrição administrativos); 11 completa, bastando um resumo, como documentos deveriam ser realizadas edições críticas, no sentido mesmo usado pelos estudos literários, isto é, compreendendo um texto estabelecido, uma introdução crítica, a história do manuscrito, estabelecimento da autoria, biografia do autor, justificativa de métodos do editor, glossário, notas explicativas, cronologia, índices - se não todos, ao menos alguns destes elementos. Para Capistrano, ninguém no IHGB, a principal instituição ligada à história no país, em 1881, seria capaz de fazê-lo.12 Entretanto, por diversos momentos ao longo de seus registros, Capistrano coloca esta tarefa de disponibilização de documentos, como a característica de sua geração, preparando caminho para uma nova história geral do fôlego da de Varnhagen (por exemplo, nos textos sobre o Visconde de Porto Seguro de 1882, ou em carta de 9 de julho de 1920, ao historiador português João Lúcio de Azevedo, em que diz que no Brasil, naquele momento, precisava-se de documentos, e não de histórias, muitos 9 Nos artigos saídos na Gazeta de Notícias, de 21-22-23 de novembro de 1882, reproduzidos em Apenso à História Geral do Brasil, de Varnhagen, 3ª. edição, e em ABREU, , João Capistrano de. Ensaios e Estudos: crítica e história, 1ª. série, 2ª. edição. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; Brasília: INL, 1975, p. 138. 10 Capistrano menciona as dificuldades associadas à documentação para o estudo destas questões históricas em artigos de 2 de setembro de 1881 e 9 de dezembro de 1881, ambos saídos na Gazeta de Notícias, e reproduzidos em ABREU, João Capistrano de. Ensaios e Estudos, crítica e história, 4ª série. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; Brasília: INL, 1976, pp. 280-283 e pp. 310-312. 11 Recomendação que aparece em artigo sobre a Crônica Geral e Minuciosa do Brasil, de Melo Morais, Gazeta de Notícias, 30 de outubro de 1880, em ABREU, idem, p. 167. 12 Afirma-o em artigo saído na Gazeta de Notícias de 2 de setembro de 1881, ABREU, idem, p. 282. 5 documentos, editados “por gente que saiba aonde tem o nariz”13). A edição bem feita de documentos e sua leitura adequada seriam decisivas para a realização de mais e melhores estudos monográficos, fundamentais para uma melhor compreensão da história brasileira como um todo, e para fundá-la em bases factuais mais sólidas, de modo que ela deixasse de ser “edificada na areia”.14 Portanto, em muitos momentos, Capistrano coloca como objetivo da edição de documentos a disponibilização de “materiais” para a realização de estudos históricos. Assemelha-se, assim, a um dos propósitos também mencionados por Washington Luís para publicar documentos históricos de São Paulo no começo do século XX: permitir que o estudioso que não tivesse tempo e/ou recursos para consultar os arquivos, pudesse ler as fontes no conforto de sua casa (sem contar que, estando elas em estado de deterioração, seu conteúdo poderia ser salvo com uma nova edição).15 Capistrano menciona propósitos semelhantes, atentando, inclusive, para o aspecto material das edições, no que marcaria o manuseio das mesmas; quando planeja a edição de 1918 da História do Brasil, de frei Vicente do Salvador, pela Weiszflog Irmãos, de São Paulo, imagina um livro que pudesse ser lido “na rede”,16 mobília que lhe apetecia mais que a escrivaninha; neste caso um sinônimo seu para o conforto de casa. Mas disponibilizar fontes para estudos históricos (ou “materiais” para obras de história) não resume esse trabalho, principalmente quando tratamos das edições críticas, que envolvem intervenções explícitas do editor. Os textos pelos quais Capistrano demonstrou interesse em editar não foram os primeiros que encontrou inéditos. Eram textos pelos quais tinha determinadas opiniões (como os de Frei Vicente ou Fernão Cardim), textos que julgava conterem contribuições importantes para questões específicas da história do Brasil, cujo valor vinha de sua interpretação. É possível discernir algumas expectativas de Capistrano em relação às fontes, expectativas que se 13 ABREU, João Capistrano de. Correspondência de Capistrano de Abreu, volume 2, 2ª edição. Rio de Janeiro: Civilização brasileira; Brasília: INL, 1977, p. 165. 14 Idem, p. 161, carta a João Lúcio de Azevedo, de 17 de maio de 1920. 15 SOUSA, Washington Luís Pereira de. Na capitania de São Vicente. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia; São Paulo: Ed da Universidade de São Paulo, 1980, p. 17. 16 ABREU, João Capistrano de. Correspondência de Capistrano de Abreu, volume 2, 2ª edição. Rio de Janeiro: Civilização brasileira; Brasília: INL, 1977, p. 74. Carta a João Lúcio de Azevedo, segundo Capistrano, “inconclusa e sem data: deve ser de novembro” de 1917 (p. 76) 6 relacionavam à sua interpretação histórica. A busca constante nos documentos por informações etnográficas sobre as tribos indígenas dos primeiros séculos da colonização portuguesa, muito deviam, certamente, a sua idéia a respeito da contribuição fundamental dos índios para a formação do povo brasileiro (polêmica dos anos 1870-80 com Silvio Romero),17 bem como da necessidade de se iniciar a escrita da história do Brasil pela população nativa aqui existente quando da chegada dos portugueses (plano que identifica ao francês D’Avezac,18 autor de uma crítica de 1857 à primeira edição da História Geral de Varnhagen, iniciada pelo contexto europeu do momento das grandes navegações; nas edições seguintes, Varnhagen partiria da descrição da terra americana e das populações nativas, como Capistrano faria nos Capítulos de História Colonial, de 1907, cujo primeiro capítulo é justamente “Antecedentes indígenas”). Nos anos 1910, por exemplo, planejou a edição de um compêndio que se chamaria Documentos para a História do Sertão do Brasil. Vislumbrava marcar a necessidade do estudo da ocupação do território do que futuramente seria o Brasil, oferecendo meios para tal, que Capistrano planejava fossem os mais amplos possíveis.19 Nisto, também havia uma seleção de que “interior” privilegiar nas pesquisas. Nestes casos, disponibilizava não só os materiais, mas também o projeto para a obra; uma interpretação e valoração prévias. Nas edições críticas, Capistrano incluía intervenções como panoramas da história do Brasil da época do documento, em que tratava dos assuntos que, em sua visão, deveriam ser salientados. Não fazia qualquer panorama, portanto: incluía uma interpretação específica, de certa forma orientando a leitura. Com a relação à ocupação do sertão, tinha uma questão específica em mente: o povoamento do rio São Francisco ao Parnaíba, rio que corre na divisa entre o Piauí e o Maranhão – povoamento sentido litoral-interior, L-O, talvez vindo do sul, então SE-NO, para ele a “questão máxima de 17 Artigos “História Pátria”, de 9, 10, e 13 de março de 1880, na Gazeta de Notícias, reproduzidos em ABREU, João Capistrano de. Ensaios e Estudos: crítica e história, 3ª série, 2ª edição. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; Brasília: INL, 1976, p. 104-123. 18 Em artigo de 22 de dezembro de 1894, saído n’A Notícia, sobre a obra Pernambuco e seu Desenvolvimento Histórico, de Oliveira Lima; ABREU, João Capistrano de. Ensaios e Estudos, crítica e história, 4ª série. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; Brasília: INL, 1976, p. 178. 19 Carta a João Lúcio de Azevedo, de 18 de março de 1918. ABREU, João Capistrano de. Correspondência de Capistrano de Abreu, volume 2, 2ª edição. Rio de Janeiro: Civilização brasileira; Brasília: INL, 1977, pp. 86-88. 7 nossa história”, como escreve em carta a João Lúcio de Azevedo20 (problema antigo em suas reflexões – menciona-o já em carta de 188721, e que reaparece em vários momentos de sua produção), provavelmente em função das dificuldades de comunicação por mar22, que fariam desta linha de povoamento a mais difícil, bem como uma exceção na história colonial, por sua ocorrência forçada pelo interior. Na carta a João Lúcio (da época em que planejava o compêndio sobre o sertão), Capistrano disse que pretendia destacar a importância desta questão justamente num prólogo de uma edição crítica, a História da Missão dos Padres Capuchinhos na ilha do Maranhão de Claude d’Abbeville, texto de 1614. A produção de Capistrano ligada a documentos históricos é fonte importante, nesse sentido, da sua escrita da História do Brasil, contendo pontos julgados essenciais por ele, ainda que possam aparecer sob a forma de hipóteses ou sugestões de pesquisa. Esta produção original contida nos trabalhos ajudaria a marcar uma diferença quanto a outros trabalhos de edição de documentos; Capistrano procuraria distanciar-se do mero compilador de textos, colocando problemas às fontes à medida que as apresenta, e mostrando uma produção autoral que o distingue da simples compilação.23 Alguns outros aspectos devem ser salientados quando tratamos da divulgação de documentos históricos por Capistrano de Abreu, tais como: aspectos da leitura e repercussão dos documentos publicados; a relação do pesquisador (Capistrano ou outro de seu conhecimento) com os arquivos possuidores do documento, fossem estes 20 ABREU, idem, p. 110, carta de 16 de setembro de 1918. 21 Carta ao Barão do Rio Branco, de 9 de abril de 1887. ABREU, João Capistrano de. Correspondência de Capistrano de Abreu, volume 1, 2ª. edição. Rio de Janeiro: Civilização brasileira; Brasília: INL, 1977, p. 111-113. 22 Mencionadas, por exemplo, em ABREU, João Capistrano de. Capítulos de História Colonial. 15001800. Belo Horizonte: Itatiaia, 1988, p. 138. 23 Em sua dissertação de mestrado, Maria da Glória de Oliveira investiga as intervenções de Capistrano nas edições de documentos como um “dilema” do historiador: “como escrever sem escrever?”. “(...) mesmo que alegasse a necessidade da acumulação de documentos, Capistrano já não escrevia a nossa história enquanto submetia manuscritos e crônicas à anotação crítica, instituindo-os como fonte histórica?”; OLIVEIRA, Maria da Glória de. Crítica, método e escrita da história em João Capistrano de Abreu (1853-1927). Dissertação de mestrado. UFRGS, 2006, p. 91. A autora muito bem coloca a questão, chamando a atenção para a produção original contida nestas edições, inerente à transformação de um texto em fonte histórica; no nosso entendimento, tal produção vinha de forma explícita e deliberada, servindo para diferenciar seu autor, como dissemos, do simples compilador de textos, legitimando-o como historiador. 8 particulares ou públicos; as dificuldades de impressão no Brasil; a ausência de público leitor-comprador para estes trabalhos, e a preocupação de Capistrano com a distribuição de exemplares entre conhecidos seus (configurando um público pessoal); o papel esperado do governo, entre outros pontos. Aqui, resumimo-nos à apresentação da questão. 9