Na Grécia, como em toda a parte, será o exercício da democracia compatível com a vontade das instituições da União Europei Extrait du CADTM http://cadtm.org/Na-Grecia-como-em-toda-a-parte Na Grécia, como em toda a parte, será o exercício da democracia compatível com a vontade das instituições da União Europeia? Date de mise en ligne : quarta-feira 3 de Junho de 2015 CADTM Copyleft CADTM Page 1/3 Na Grécia, como em toda a parte, será o exercício da democracia compatível com a vontade das instituições da União Europei Entrevista de Éric Toussaint para o semanário francês Politis, 1-06-2015 I. Considera a negociação com os credores da Grécia como uma questão política e económica europeia e se sim, porquê? Trata-se de uma questão política de primeira importância. É ou não possível a um povo fazer valer a sua vontade nas urnas a fim de rejeitar a austeridade? Será o exercício da democracia compatível com a vontade das instituições da União Europeia? A resposta a estas questões terá uma enorme repercussão em toda a Europa. II. Os credores do grupo de Bruxelas não estarão a exercer uma forma de chantagem política quando recusam os 7.200 milhões de euros do dito plano de «resgate» da Grécia? Sim. É evidente que o BCE (Banco Central Europeu), o FMI (Fundo Monetário Internacional), a Comissão Europeia e os governantes dos principais países da zona euro tudo fazem para convencer o governo de Alexis Tsipras a renunciar ao mandato que o povo lhe deu em 25 de janeiro. Alexis Tsipras e Yannis Varoufakis fizeram grandes concessões, nomeadamente dando seguimento a algumas privatizações e ao pagamento da dívida. Apesar disso os credores querem ir mais longe. III. As condições impostas pelo grupo de Bruxelas para a entrega da ajuda são um bom remédio para a crise económica grega? Pelo contrário. Há pelo menos quatro óbices: 1. Os credores querem que daqui a 3 anos todas as reformas sofram uma redução mensal de 130 Euros. As reformas já tiveram uma redução de 40 %, donde resulta que 45 % recebem uma reforma inferior a 660 Euros, o que os coloca abaixo do limiar de pobreza. Por seu lado, o Governo comprometeu-se a dar aos pensionistas com uma reforma inferior a 700 Euros (ou seja, 67 % dos reformados) uma pequena parte do que a Troika lhes roubou para reembolsar a dívida. 2. Os credores querem que o Governo vá ainda mais longe que os seus predecessores na precarização do «mercado» de trabalho, ao passo que o Governo começou lentamente a reverter certas medidas tomadas pelos governos anteriores. 3. Embora Tsipras já tenha cedido no prosseguimento da privatização do porto Pireu, os credores querem que ele recue ainda mais, ao que muitos dos seus ministros se opõem. 4. Os credores não querem anular uma parte substancial da dívida. Quando muito, se o Governo de Tsipras se rendesse, eles poderiam conceder a reestruturação de uma parte da dívida, que mais não faria do que prorrogar as prestações e obrigaria as autoridades gregas a vergar definitivamente às suas exigências. IV. A concessão de ajuda condicionada pelos credores não adia os problemas económicos com que a Grécia se debate, em vez de os resolver? O adiamento dos pagamentos (não se trata de uma ajuda) visa asfixiar a economia e o sistema financeiro gregos, a fim de fazer vergar o governo. V. Paralelamente à negociação com os credores, o Parlamento grego constituiu uma comissão para apurar a verdade sobre a dívida grega. Em que pé estão os trabalhos da comissão? A comissão para apurar a verdade sobre a dívida grega, da qual eu coordeno os trabalhos, avança rapidamente com as suas tarefas. As dívidas gregas, que foram acumuladas antes de 2010, são ilegítimas ou ilegais na sua maior parte: contratos de armamento eivados de fraudes e corrupção, grandes obras ligadas aos Jogos Olímpicos de 2004 semeadas de sobrefacturações e corrupção, benefícios fiscais para uma minoria privilegiada, resgates bancários, taxas exageradas. Salta à vista que as dívidas contraídas depois de 2010 estão viciadas. Os memorandos impostos pela Troika a partir de 2010, a reestruturação da dívida de 2012 e o processo de acumulação da dívida pública grega estão manifestamente manchados de irregularidades, de ilegitimidade, de ilegalidade e têm Copyleft CADTM Page 2/3 Na Grécia, como em toda a parte, será o exercício da democracia compatível com a vontade das instituições da União Europei muito possivelmente um carácter odioso. Os novos credores, com a cumplicidade das autoridades locais (os governos gregos), empurraram a Grécia para uma situação em que o reembolso é impossível. As políticas económicas e sociais que eles impuseram provocaram uma queda de 25 % do produto interno bruto (PIB), ao passo que a Grécia teve um crescimento contínuo e sustentado até 2008. Em 2009, pouco antes da crise, o crescimento tinha caído para zero, mas deve sublinhar-se que o PIB dos outros países da zona euro tinha caído 4 %. Os credores fizeram disparar o desemprego, reduziram o consumo privado e público. A dívida pública passou de 110 % do PIB em 2009, para 185 % em 2014. Os credores (a Troika) impuseram as famosas «condicionalidades» que de facto tinham dois objectivos essenciais: a) salvar os bancos privados estrangeiros (a começar pelos franceses e alemães) e gregos, os quais foram grandemente responsáveis pela crise; b) impôs políticas macroeconómicas neoliberais recessivas e regressivas (privatizações, despedimentos, redução radical dos salários, etc.), com a correspondente perda de direitos económicos, sociais e culturais, bem como civis e políticos, precarização e empobrecimento da população. Só no ano de 2015 os credores exigem à Grécia o montante de 23.000 milhões de euros. Já foram efectuados diversos pagamentos e, desde a assinatura dos acordos de fevereiro de 2015, o país aproxima-se duma situação financeira insustentável. VI. A anulação de uma parte da dívida grega é uma hipótese a considerar e é uma solução com futuro para os países europeus mais endividados? A anulação, ou, se não houver acordo, o repúdio unilateral de uma grande parte da dívida é uma condição necessária para a Grécia. O mesmo se pode dizer para os outros países. É uma condição necessária mas não suficiente. É preciso tomar outras medidas: socializar os bancos, taxar fortemente o património e os rendimentos do 1 % dos mais ricos, realizar uma reforma fiscal profunda e atacar a fundo a fraude de grande porte, controlar os movimentos de capitais, desprivatizar, reforçar os serviços públicos, criar empregos decentes e úteis... Tradução: Rui Viana Pereira Revisão: Maria da Liberdade Copyleft CADTM Page 3/3