Amigos, envio-lhes a avaliação pedida. Bom trabalho. Claudio
AVALIAÇÃO EQUIPE ITINERANTE - 15-21.11.04
Tratá-se de algumas reflexões pessoais de alguém que faz três anos está afastado da equipe e que só leu
os relatórios e participou do encontro. Saibam relativizá-las.
1) Escrevo essas páginas no início do Advento, tempo de esperança. Na vida de todo dia, a gente
sempre espera algo: os resultados do futebol, como será o tempo, cartas dos parentes e amigos, as
novidades do governo Lula, o emprego, novos caminhos de evangelização... De fato, não esperamos
nada, pois não acreditamos mais. Entramos na rotina, nos acostumamos às coisas de sempre, nos
tornamos cínicos e desanimamos. Nós de igreja, também em relação à nova evangelização e à
refundação da vida religiosa. Isso não acontece com a equipe itinerante: está sempre aberta, sempre à
procura de algo novo, sempre esperando... Vive a espiritualidade do Advento. Penso que isso seja
muito positivo e deve ser mantido, apesar do medo da insegurança. É um sinal importante que ajuda a
superar o cinismo e as afirmações sobre o fim da história que existem na sociedade, e também em
muitos agentes de pastoral, sobretudo entre os jovens.
Essa perspectiva histórica, menos estática e mais dinâmica, menos fundamentada sobre o ser do homem
e mais sobre o devir, permite superar a racionalidade da modernidade e incorporar outras dimensões
humanas: o desejo, a afetividade, o respeito do sujeito, e exige mais democracia.
2) Na primeira leitura da Missa do dia 19.11, o Apocalipse narra que João foi convidado a comer o
livrinho, "na boca, doce como o mel, amargo no estômago". A imagem da doçura pode representar a
situação do início da existência da equipe itinerante: novidade, entusiasmo, consolação interior, certeza
da Vontade de Deus... Depois há o momento da amargura, quando aparecem as dificuldades e a
necessidade de um mínimo de institucionalização. Não devemos estranhar, tudo isso faz parte do
processo.
3) Considero fundamental a vida em pobreza. Penso que seja essa que dá a leveza do agir, a
fecundidade da ação e a alegria interior que vocês demonstram. É a pobreza não somente da vida
comunitária, mas também da missão.
É o que o evangelho deseja. O fato de estar mais preocupado com o modo de vida, em primeiro lugar,
do que com tarefas e projetos, tem como consequência uma grande eficácia apostólica, que não sempre
pode ser constatada com dados sociológicos, mas que não é menos real. Esse andar em pobreza não
elimina a necessidade de utilizar técnicas e meios modernos a serviço do trabalho, tudo isso com
grande liberdade.
4) A questão do sujeito. Afirmar que os excluídos devem ser sujeitos da construção da nova
sociedade, é talvez o que há de mais grandioso e difícil; só na aparência é simples. Mais difícil ainda,
quando nós queremos lidar com aqueles setores sociais considerados do "IV mundo". Nisto, todo
mundo deve avançar mais. Uma constante avaliação será necessária para averiguar nosso objetivo. No
encontro vimos a necessidade de andar mais com os excluídos gratuitamente, de dar tempo para escutar
com empatia, de não julgar as pessoas, de ter uma atitude misericordiosa. Esse posicionamento pode
diminuir uma certa eficácia, pode retardar o processo, mas certamente, a longo prazo, o torna mais
radical e mais coerente.
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5) A itinerância, outra característica fundamental da missão da equipe, permite mais facilmente
favorecer a responsabilidade dos sujeitos. Exatamente porque se trata de uma intervenção leve, pelo
menos em relação ao tempo, é necessariamente menos autoritária e só pode contar com a iniciativa do
povo local. O responsável para toda iniciativa, e de conseqüência da continuidade, é o povo local com
seus animadores. Ele deve tomar suas decisões, sem depender da equipe itinerante. Essa é assessora,
quer dizer, favorece a iniciativa local, sem substituí-la. Isso não sempre é fácil. Diante das grandes
necessidades a tentação é de resolver os problemas com nosso poder e nossos recursos.
A equipe deve avaliar mais o tempo dedicado, de um lado, às andanças pelas bases e, do outro, à
participação nos fóruns, assembléias, encontros, articulações etc. Nos relatórios de vocês se levanta
essa questão, percebendo a necessidade de ficar mais em baixo. Concordaria com esta preocupação,
sabendo da grande facilidade com a qual, em geral, se privilegia o nível de cúpula.
6) O que afirmei até aqui não elimina a preocupação com a articulação. É mais do que evidente que
o povo deve organizar-se para poder modificar a atual situação. E nós assistimos a uma grande
variedade de organizações de todos os níveis, mais antigas e tradicionais ou mais novas e criativas. O
objetivo da equipe itinerante diz claramente que ela deve "apoiar a articulação com pessoas e entidades
afins". Será importante pensar a maneira de dar este apoio e avaliar seus resultados. Em princípio, diria
que a equipe deve favorecer a articulação por baixo, quer dizer, ajudar as experiências locais e isoladas
a se abrirem a outras; e incentivar as coordenações a articular descentralizando, quer dizer, a visitar, a
descer nas bases etc. É o que vocês chamam de "tecer redes".
7) Podemos ilustrar esses breves itens com as imagens que apareceram no encontro.
A imagem do beija-flor. O passarinho é bem itinerante, tanto que sua imagem é utilizada para indicar
iniciativas que pulam de galho em galho e não se preocupam com o problema da continuidade. Uma
itinerância pouco comprometida.
É evidente, quem produz o fruto é a flor ligada às suas raízes. No processo todo, ela ocupa o lugar
central. Mas é também claro que sem o beija-flor não haveria fecundidade. Seu papel é limitado, é uma
espécie de catalizador que desencadeia um processo que não é dele. Limitado, mas necessário e
fundamental. Não se trata de "tapar buracos", mas de cumprir uma tarefa necessária, aceita por poucas
pessoas e entidades, exatamente por não compreenderem sua função. O beija-flor, por ter um papel
limitado, pode passar de flor em flor, fecundando muitos lugares. Assim é a missão da equipe
itinerante: com sua leveza pode passar por vários lugares, comunidades e movimentos, funcionando
como um catalizador que desperta e aumenta o poder local, deixando a este último a responsabilidade e
a alegria de produzir frutos.
Contudo, é importante pensar e avaliar a continuidade das passagens da equipe pelo mesmo lugar. A
experiência poderá iluminar como e quando essa itinerância deva acontecer, para a maior vantagem dos
lugares visitados.
Podemos lembrar, também, a afirmação evangélica: um é aquele que semeia, outro aquele que colhe.
Parece-me que a tarefa da equipe itinerante seja mais aquela de semear, deixando a outros a consolação
da colheita.
Imagem do rebobinar. Não é muito poética, mas pode ajudar para indicar uma metodologia que
favoreça a palavra, a autoestima, a iniciativa dos interessados. As palavras e as histórias contadas pelas
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pessoas que nós chamamos de excluídos podem ser devolvidas aos interessados, para uma maior
compreensão deles. Retomando o que eles já disseram podem ser ajudados a descobrir os sinais de
libertação (presença da graça de Deus) na caminhada já feita e a compreender melhor as causas da
opressão padecida. Tal metodologia pode servir bastante para realizar nosso objetivo: os pobres se
tornarem sujeito, pois "rebobinando" vão descobrir que já são sujeitos.
Evidentemente, cada caso é um caso, quer dizer, devemos utilizar aquela metodologia que sirva para o
tipo de serviço que estamos prestando.
Por último a imagem do caos no trânsito. Quando no trânsito há um grande engarrafamento, não há
sinaleira e os guardas desapareceram, cria-se uma situação de enorme caos. Mas, habitualmente, os
motoristas não ficam parados.
Um carro avança um pouco, um outro retrocede, uma conversa entre uns motoristas consegue abrir
pequenas passagens, aos poucos o trânsito se organiza em fluxos provisórios, frágeis, mas que
permitem uma saída. É uma imagem que pode indicar a iniciativa do povo nas situações mais difíceis
em que se encontra. Ele toma a iniciativa, encontra seus caminhos e se articula aos poucos em
organizações bem frágeis, mas possíveis, criadas pelos próprios sujeitos e que representam maior
autonomia, quer dizer, maior poder, do próprio povo. A equipe itinerante deveria, em primeiro lugar,
saber reconhecer tais iniciativas, para poder apoiá-las e fortalecê-las e não enfraquecê-las com
propostas aparentemente mais eficazes, mas que não são do povo e esvaziam seu poder. É dentro dessa
exploração e opressão que o povo sobrevive e cria seu sentido, sua ordem e sua solidariedade.
8) A espiritualidade foi um tema pedido e não deu tempo para aprofundá-la. Não estaria
preocupado, pois vejo vocês dando bastante tempo à oração pessoal, à oração comunitária e às
celebrações, preparadas com carinho. Já sabem que, depois da Encarnação, Deus não se encontra no
céu, mas na terra, no meio dos homens e das mulheres, e aí deve ser procurado e encontrado.
Itinerância significa ser peregrino, tema fundamental da Escritura e da espiritualidade cristã. Ser
peregrino e ser estrangeiro, quer dizer, recusar toda lógica de pátria, de apego à própria terra, etnia,
povo, cultura... para amar a nova pátria, é condição fundamental para manter a solidariedade com as
pessoas. Isso permite ser companheiro dos homens: estar com eles no cotidiano, comer com eles,
caminhar com eles... E ser companheiro, comunicar com todos além das divisões, significa
cristianismo, significa viver a espiritualidade cristã, significa encontro com Deus. Gutierrez afirma que
o encontro com os pobres é algo eminentemente espiritual.
Essa perspectiva deve ajudar para realizar uma profunda unidade interior, superando as dicotomias
entre fé e justiça. Uma itinerância pode cansar fisicamente, mas deve alimentar do ponto de vista
psicológico e espiritual.
São Francisco, superando a resistência interior, foi ao encontro dos leprosos e voltou consolado. Apesar
de encontrarmos situações terríveis de exploração e opressão, temos o direito de pedir a Deus a graça
de voltarmos para casa consolados.
9) O problema da instituição. É por todos reconhecida a leveza da equipe itinerante. Concordo. Não
deve ser interpretada como falta de compromisso, superficialidade, irresponsabilidade ou facilidade de
missão. Ao contrário, essa leveza custa um contínuo despojamento de si e uma contínua abertura para
as novidades encontradas nos caminhos. Pode ser possível pela graça de Deus, por uma vocação
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particular e por um trabalho ascético contínuo que elimine nossas paixões desordenadas.
Contudo, deve ser reconhecida a estrutura institucional que permite essa leveza. A equipe não tem
estrutura jurídica, mas é respaldada pelas estruturas jurídicas das Congregações e das outras entidades.
A casa de moradia é muito pobre, mas há um escritório com computador e com a tecnologia mais
avançada.
Não se trabalha para arranjar dinheiro, mas recebemos três salários mínimos mensalmente, quantia
limitada, mas que permite uma certa segurança. A gente anda de barquinho pelos rios, igarapés e
paranás, visitando os ribeirinhos mais afastados do convívio dos centros urbanos, mas, no mesmo
tempo, quando necessário, participamos de encontros internacionais e andamos de avião.
Penso que tudo isso seja sinal de uma liberdade interior que coloca acima de tudo a Vontade de Deus,
prontos a utilizar os meios que mais podem servir para a missão: pobreza, em primeiro lugar, mas
também tecnologia. O fato de ter uma leveza permitida pela abertura das instituições, deve ser
reconhecido, do lado da equipe, com gratidão, aceitando com humildade a dependência que isso
representa; e, do lado das instituições, como um serviço que valoriza a própria instituição e lhe dá o
verdadeiro sentido apostólico.
Durante o encontro alguém falou do momento carismático da fundação de uma Congregação e do
necessário processo de institucionalização para a continuidade da experiência. Fazendo as devidas
proporções, isso vale também para a equipe itinerante. A equipe é mais conhecida, aparecem mais
membros, abre-se um novo núcleo... Tudo isso exige colocar um mínimo de normas, para um melhor
funcionamento. É bom ter a capacidade para inventar normas "novas", que dêem conta das novidades
que aparecem na vida comunitária e na missão. Sobretudo, é importante não absolutizar as normas: são
necessárias, mas relativas, e deve sempre ter a prioridade o bem da pessoa. É importante não deixar no
anonimato as tarefas de cada um. Explico-me. Falou-se da possibilidade de colocar um coordenador
das duas equipes ou um animador. O problema não é do nome. O inconveniente é ter alguém que na
prática cumpre tais funções e não é reconhecido por todos. Isso dificulta uma avaliação, uma critica e
pode favorecer inconscientemente um certo autoritarismo.
10) Termino essas observações, lembrando que há outros problemas que foram acenados e não se
aprofundaram, por falta de tempo, mas também porque a experiência da equipe ainda não favorecia
isso. Equacionar sempre melhor o desafio do encontro entre as diferentes culturas é fundamental para o
serviço que desejamos prestar e, mais ainda, no processo de evangelização. A relação da comunidade
com eventuais membros leigos e com membros externos terá que ser considerada melhor depois de
uma maior experiência.
Por último, relendo essas notas, percebo que há observações bastante pessoais que devem ser utilizadas
com prudência. A vocês o discernimento para utilizá-las na medida em que possam ajudar ou para
deixá-las numa... gaveta!
Bom trabalho.
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2004-11-15 III Enc InterInst Avaliacão Eq