UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA - UNEB
SEMINÁRIO INTERNACIONAL ACOLHENDO AS LÍNGUAS AFRICANAS - SIALA
LÍNGUAS E CULTURAS AFROBRASILEIRAS E AS NOVAS TECNOLOGICAS
22 a 26 de Setembro de 2014
Salvador – BA
O ALUNO NEGRO E A DISCRIMINAÇÃO RACIAL NA ESCOLA:
ACEITAÇÃO OU RESISTÊNCIA?
Sueli Melo Silva1
RESUMO: Este trabalho procura levantar a discussão dos problemas raciais, principalmente a
discriminação, pelos quais passam os (as) alunos (as) negros (as) inseridos (as) no sistema educacional
público, observando, através de sua fala, até que ponto ele (a) percebe a discriminação racial na escola e de
que forma reage a ela. A partir da revisão bibliográfica de obras que abordam o referido tema e da análise de
documentação oral, este estudo tem por objetivo analisar o comportamento de alunos (as) que passaram por
situações envolvendo discriminação racial, percebendo quais as implicações que as mesmas causam no
desenvolvimento psicossocial destes (as) jovens.
PALAVRAS-CHAVE: Aluno negro. Autoestima. Conflitos raciais. Desempenho escolar. Educação.
ABSTRACT: This paper aims at discussing the racial problems, especially discrimination, through
which pass the (the) students (the) black (as) entered (as) in the public education system, noting,
through their speech, to what extent (s) he perceives racial discrimination at school and how you
react to it. From the literature review of works that address the above issue and the analysis of oral
documentation, this study aims to analyze the behavior of students (those) who have been through
situations involving racial discrimination, realizing what implications they cause in the development
these psychosocial (as) youth.
KEYWORDS: Black student. Self-esteem. Racial conflicts. School performance. Education.
1
Graduada em História (UESB), professora da rede estadual e Municipal de ensino, mestranda no Mestrado
Profissional em História da África, da Diáspora e dos Povos Indígenas. Universidade Federal do Recôncavo da Bahia
(UFRB). [email protected]
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1 INTRODUÇÃO:
Diversos trabalhos já foram escritos abordando o tema da discriminação racial no Brasil,
desde a vinda dos primeiros escravos ao país até os dias atuais. No entanto, apesar de ser tão
discutido, só a pouco tempo entrou no âmbito da educação e no ambiente escolar.
A opção por esta linha de pesquisa vem do fato de ser professora e negra e de conviver com o
ambiente escolar de Vitória da Conquista desde 1994, quando ingressei na Rede Estadual de Ensino como
professora de História. Desde meu ingresso no ensino público, observo diversos comportamentos
discriminatórios de professores, alunos, funcionários e gestores a alunos (as) negros (as) e percebo o
despreparo dos profissionais da educação em lidar com situações que envolvem discriminação racial.
A observação dessas vivências fez surgir o interesse em desenvolver temas relacionados à educação
e ao aluno negro nas escolas de Vitórias da Conquista, principalmente os que se referem à discriminação
racial e suas implicações na vida escolar, social e familiar destes alunos.
Assim, esta pesquisa procurará contribuir na análise da discriminação racial como um dos fatores
causadores da baixa autoestima e consequentemente na sua interferência no ensino aprendizagem, visando
também abrir a discussão sobre a questão racial no cotidiano escolar para que os professores, alunos,
funcionários, gestores e a comunidade escolar, juntos, possam refletir e se preparar para enfrentar esta
situação, na busca de uma educação de qualidade para todos.
Além de constatar a presença de discriminação racial nas escolas será preciso também propor novos
caminhos para reverter esta situação.
A contribuição do projeto se dará ao perceber que nas escolas públicas da cidade somente há pouco
tempo discute-se a questão racial com seriedade, pois se fecha os olhos a uma realidade gritante e que pode
está prejudicando o desempenho social, educacional e humano destes alunos.
Este trabalho de pesquisa será realizado com alunos (as) negros (as) que estão inseridos (as) no
Sistema Público de Ensino de Vitória da Conquista.
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2 DESENVOLVIMENTO:
2.1 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
O racismo contra o negro decorre da escravidão colonial e, deste passado de exploração e preconceito,
herdamos a discriminação que se pratica ainda hoje contra negros (as), apesar disso, vigora a idéia de que
o Brasil jamais foi um país racista, criando assim duas realidades diferentes, a do Brasil real e a do Brasil
imaginário, que camufla a discriminação racial, sendo, portanto, mais difícil combatê-la. Segundo Maria
Luiza Tucci Carneiro, ”O racismo camuflado é traiçoeiro: não se sabe exatamente de onde vêm. Tanto
pode se manifestar nos regimes autoritários quanto nos democráticos" (CARNEIRO, 1997, p. 7).
Cinco séculos se passaram e os (as) negros (as) continuam sendo discriminados pelo “branco” e,
em diferentes momentos e sob diferentes justificativas, ainda são tratados como inferiores.
Na virada do século XX, o (a) negro (a) livre defrontou-se com o imigrante europeu, valorizado
pelos donos das terras como mão de obra mais eficiente. O emigrante simbolizava a idéia de progresso,
enquanto o (a) negro (a) representava o atraso. O negro passa a ser definido pelas novas teorias científicas
como incapaz para o trabalho livre e responsável pela desordem social e pelo crime.
Lilia Moritz Schwarcz em seu livro O Espetáculo das Raças, faz uma análise das doutrinas racistas
que circularam no Brasil nos finais do século XIX. Segundo Schwarcz:
[...] interessa compreender como o argumento racial foi política e historicamente
construído nesse momento, assim como o conceito de raça, que além de sua
definição biológica acabou recebendo uma interpretação, sobretudo social. O termo
raça, antes de aparecer como um conceito fechado, fixo e natural, é entendido
como um objeto de conhecimento, cujo significado estará sendo constantemente
renegociado e experimentado nesse contexto histórico específico, que tanto
investiu em modelos biológicos de análise (SCHWARCZ, 2005, p.17).
Poucos foram os intelectuais brasileiros no começo do século XX que condenaram as teorias
racistas importadas da Europa. Obras como as do baiano Nina Rodrigues e de Euclides da Cunha estão
repletas de conceitos racistas e estereótipos. Professor de Medicina na Bahia Nina Rodrigues considerava os
(as) negros (as) e os (as) índios (as) como raças inferiores. Para ele, os mestiços tinham mentalidade infantil e
não podiam receber no código penal o mesmo tratamento que os “brancos”. Euclides da Cunha, autor de Os
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Sertões, interpreta a História a partir do determinismo do meio e da raça. Considera a mestiçagem prejudicial
para o país, sendo os mestiços vistos como retrógrados e raquíticos, incapazes de ajudar no progresso
brasileiro. Defendia a segregação racial para que não houvesse novas fusões com os (as) negros (as).
(CARNEIRO, 1987, p. 7).
Nas décadas de 30 e 40, continuamos a buscar o ideal de “homem brasileiro”. A obra de Gilberto
Freyre: Casa Grande & Senzala, percorre o mundo levando notícias do submundo colonial povoado por
negros, mulatos, índios e judeus. A publicação de seu livro ampliou o debate para além da idéia de que o
mestiço simbolizava atraso. Freyre defendia a idéia de que o encontro das três raças havia resolvido o
problema racial brasileiro. Segundo Freyre, o brasileiro estava a caminho de produzir uma nova raça através
da miscigenação, sendo isto visto como um aspecto positivo para o progresso do Brasil. Assim, Gilberto
Freyre define a teoria da democracia racial:
Híbrida desde o início, a sociedade brasileira é de todas da América a que se
construiu mais harmoniosamente quanto às relações de raça: dentro de um
ambiente de quase reciprocidade cultural que resultou no máximo aproveitamento
dos valores e experiências dos povos atrasados pelo adiantado; no máximo da
contemporização da cultura adventícia com a nativa, da do conquistador com a do
conquistado. (FREYRE, 1999, p.443).
Segundo Octavio Ianni, a principal preocupação da obra de Gilberto Freyre é “encontrar o que
seria o caráter nacional de uma sociedade que as classes dominantes sempre pensaram como mestiça”.
Freyre e os intelectuais de sua geração, sempre estiveram preocupados com a miscigenação e os entraves ou
possibilidades que esta mistura de raças pudesse trazer para o progresso do país. Em seu livro Escravidão e
racismo, Ianni faz a seguinte colocação a respeito do mito da democracia racial:
Desde o término da escravatura, em 1888, instaurou-se na consciência das classes
dominantes no Brasil uma preocupação persistente, aberta ou dissimulada, com a
europeização e o branqueamento da sociedade brasileira. Foi no interior dessa
corrente de pensamento que se formou a preocupação com a singularidade, a
originalidade e o caráter positivo da mistura racial que havia resultado da
escravidão. Foi essa corrente de pensamento que conferiu legitimidade científica e
ideológica à miscigenação; que encontrou na mistura racial o segredo do ‘ethos
brasileiro’; e transformou o mito da democracia racial num dos núcleos da
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ideologia dominante, nas relações de dominação-apropriação internas e na imagem
diplomática do país no exterior. (IANNI, 1988, p. 112).
Em 1951, foi criada por Gilberto Freyre e Afonso Arinos uma lei que previa penalidades para atos de
discriminação de cor e raça em lugares públicos. Esta lei ficou conhecida como a lei Afonso Arinos e
admitia com clareza o racismo existente no Brasil.
A educação brasileira, entre 1946 e 1964, teve a atuação de educadores do porte de Anísio Teixeira e
Paulo Freire, entre outros, que deixaram seu legado na História da Educação por suas realizações. Depois
do golpe militar de 1964, muitos educadores foram perseguidos em função de seu posicionamento
ideológico, sendo presos, exilados ou demitidos.
A Ditadura militar é instalada pelo golpe de abril de 1964. O caráter antidemocrático de sua proposta
ideológica é marcado pelo autoritarismo, perseguição política, prisão e tortura dos que eram contrários ao
regime.
Foi um período em que as discriminações políticas e raciais marcaram o cotidiano brasileiro. O poder
exigia “ordem” mantida à custa de repressão. Pois, para o governo militar; revolucionários, grevistas,
comunistas, negros, etc., todos colocavam em perigo a ordem social, política e cultural do Brasil.
No nível legal, embora a coibição de manifestações de racismo seja importante, ela não
basta para transformar ideologias arraigadas no imaginário da população brasileira.
Por isso, muitos estudiosos têm apontado para a necessidade de se dar maior atenção ao processo
educativo que se desenvolve em várias instâncias da convivência humana. É neste processo que se
concretizam as falsas concepções a respeito do negro, que são, também, internalizadas pelo próprio grupo
étnico em questão, o que dificulta a construção de uma identidade positiva capaz de combater as
concepções negativas criadas pelo grupo branco dominante.
A estratégia da democracia racial brasileira, que nega o preconceito e a discriminação, dificulta a
percepção do mesmo por boa parte do grupo negro. A ausência da discussão do problema, por parte das
famílias, das escolas e da sociedade, em geral, cria uma visão limitada do preconceito, impedindo que, desde
criança, o segmento negro tenha uma visão crítica do problema, para que assim possa combatê-lo e construir
uma autoimagem e autoestima favorável.
O comportamento cognitivo do preconceito é formado por crenças relacionadas a um determinado
grupo de pessoas e que são resistentes a mudanças independente das informações contrárias recebidas. Esta
resistência origina-se no comportamento afetivo, pois os sentimentos hostis servem como uma defesa do eu.
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Assim, a tendência da pessoa comportar-se de forma discriminatória pode ir desde a reprovação até o desejo
de destruição.
Os psicólogos interpretam o preconceito, dentro da conduta humana e social, como
um afastamento da racionalidade, da justiça e da tolerância, porquanto supõe uma
tendência a prejulgar outras pessoas a partir de suas condições raciais, religiosas,
políticas, etc. e a se comportar em relação a elas de maneira discriminatória e
intolerante. (LLERA, 1998, p. 356).
Em uma sociedade como a brasileira, com alto grau de discriminação racial, onde negro (a) é
sinônimo de feio, fica difícil ser “atrativo” e construir uma autoestima positiva dentro do seu convívio social.
A discriminação racial no Brasil está presente em todos os setores da sociedade, entre eles na escola. Mas
para que ele seja percebido pela criança ou adolescente negro (a) é necessário um olhar crítico das próprias
vítimas de racismo. O que só será possível com um trabalho sério envolvendo família, escola e a sociedade
em geral.
Segundo Braden, a autoestima tem dois aspectos inter-relacionados que são a noção da eficiência pessoal
e a noção do valor pessoal, ou seja, autossuficiência e autorrespeito. A autossuficiência é a confiança na
própria mente, na capacidade de pensar, escolher e julgar. É a confiança na capacidade de entender os
fatos que ocorrem ao nosso redor e que condizem com nossos interesses e necessidades. Já o autorrespeito
é a certeza dos nossos valores e uma atitude afirmativa com relação a nós mesmos, é a sensação de bemestar, quando reafirmamos nossas vontades, necessidades, é o direito natural de se sentir feliz por estar
vivendo.
[...] Se falta a uma pessoa a sensação básica de autorrespeito, de valor pessoal, se ela
se percebe indigna do amor e do respeito dos outros e não qualificada para ser feliz,
se teme mostrar suas idéias, suas necessidades e vontades – reconhecemos uma
deficiência em sua autoestima independente de outros atributos positivos que possa
exibir [...] (BRADEN, 1995, p.18).
Os meios de comunicação, principalmente o livro didático, revista e TV, negam ao negro (a) a
possibilidade de se ver representado de forma digna e valorizado através de pessoas de sua raça, deixando
de ter assim elementos que favoreçam o desenvolvimento de sua autoestima.
A escola também não fornece nenhum elemento que venha auxiliar a formação da identidade
racial e, além disso, reforça de forma negativa alguns estereótipos que prejudicam o processo
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socializador, não havendo indicação de que a escola esteja preparada para lidar com todos estes
problemas.
Estudos feitos em convênio com a Fundação Carlos Chagas, a Secretaria de Educação de São
Paulo e o Conselho de Desenvolvimento da Comunidade Negra, comprovam que o rendimento escolar dos
segmentos raciais “brancos” é bastante diferenciado do rendimento dos segmentos raciais negros.
Os índices de repetência e exclusão são superiores entre os (as) estudantes negros (as). Também os
(as) negros (as) que permanecem na escola têm uma trajetória irregular maior que a de estudantes não
negros; o atraso escolar é menor entre os não negros e tende a aumentar à medida que aumenta a idade do (a)
aluno (a). (ROSEMBERG, 1987).
Estes dados chamam a atenção para a necessidade da sociedade e o sistema educacional
reconhecerem a questão da desigualdade racial, procurando acabar com o ritual pedagógico que exclui a
história de luta dos (as) negros (as), que impõe um ideal de egocentrismo “branco” e folcloriza a cultura
negra. A escola não utiliza como instância mediadora da transmissão do saber as particularidades culturais
dos alunos e alunas negros (as):
As práticas pedagógicas continuarão punindo as crianças negras que o sistema de
ensino não conseguiu ainda excluir, aplicando-lhes o seguinte castigo: reclusão,
ritualização em procedimentos escolares de efeito impeditivo, cujo resultado
imediato é o silêncio da criança negra, a curto prazo, e do cidadão, para o resto da
vida. (GONÇALVES, 1987, p.30).
Maria de Lourdes Teodoro destaca o processo de relação e confrontação de identidade de outros grupos
étnicos, que permite a configuração da própria identidade grupal. Para isso, é necessário que se crie um
pacto com valores de todos os grupos étnicos brasileiros, apoiados em material didático e pedagógico,
onde todos os segmentos tenham representadas suas imagens de brasileiros na execução de todos os tipos
de tarefas que nossa cultura pressupõe e requer. (TEODORO, 1987).
Para Conceição Correia das Chagas no livro, Negro, uma identidade em construção:
A escola que, para a criança é o início de inserção na sociedade já recebe a criança
negra segregando-a. A mesma prática é percebida nas igrejas, centros de lazer,
revistas infantis, enfim em todos os veículos de comunicação social. [...]
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Os livros didáticos e a televisão continuam mantendo o padrão discriminatório, ou
evidenciando em gravuras e textos a raça negra em desempenhos desvalorizativos
ou simplesmente omitindo a figura do negro. A mesma prática ocorre nos murais
dos corredores das escolas e salas de aula. Conclui-se que, alertando o dano que
essa prática provoca contra o negro, especialmente a criança negra, em pleno
momento de evolução, estaremos contribuindo para devolver ao negro o que lhe é
constantemente negado – o direito de ser diferente. (CHAGAS, 1997, p.29).
Segundo Célia Silva Barros (1988), a criança, no decorrer de seu desenvolvimento, vai modificando suas
reações emocionais, socializando e expressando suas emoções. Na idade escolar, ela já controla ou
mesmo disfarça suas reações.
Na meninice [...] suas emoções estão muito relacionadas com a afeição que a
professora lhe dispensa e com sua posição entre os colegas. Nesse período, as notas,
as classificações e a atenção do professor são causas de emoções. Vemos, portanto,
que na meninice o indivíduo é suscetível de emocionar-se por causas sociais. Na
adolescência, a suscetibilidade emocional já estará bastante socializada, isto é, o
rapaz ou a mocinha apresenta emoções conforme seja satisfeito ou frustrado o seu
desejo de aprovação social, principalmente por parte de elementos do seu grupo
etário. (BARROS, 1988, p. 129).
Esta criança, ao atingir a maturidade, terá, provavelmente, suas emoções relacionadas com o bem-estar ou
mal-estar do grupo social do qual faz parte. Portanto, faz-se necessário conhecer a qualidade do processo
de socialização, vivenciada pela criança em seu ambiente escolar ou familiar, pois, só assim, será possível
saber em que medida a escola e a família estão contribuindo para a construção de uma sociedade livre de
discriminação e preconceitos entre negros (as) e não negros, formando cidadãos com autoconceito e
autoaceitação positivos.
No Brasil, onde predomina a visão negativa e preconceituosa a respeito do negro, e onde, ao
contrário, se valoriza e identifica positivamente o não negro, gera na criança negra uma dificuldade em
construir uma identidade positiva, por falta de modelos e pela enorme quantidade de estereótipos negativos
sobre o negro. A criança negra interioriza durante seu processo de formação esta dualidade de desvalorização
da sua raça e valorização do “branco”, buscando, muitas vezes, o “embranquecimento” como forma de
autoafirmação social. O silêncio que envolve essa temática no sistema educacional impede o
desenvolvimento de relações étnicas positivas, favorecendo o entendimento “da diferença como
desigualdade e o negro como sinônimo de desigual e inferior”. (CAVALLEIRO, 2000).
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2.2 METODOLOGIA
A pesquisa educacional no Brasil, segundo Marisa Costa, vem passando por importantes
transformações no que diz respeito à concepção de ciência que embasa investigações. A prática de
professores e pesquisadores procura superar os desafios de uma produção de conhecimento
efetivamente criativo, revolucionário, que traga contribuições à solução dos problemas educacionais
que nos afligem. Neste ponto, vislumbram-se possibilidades e contribuições de uma pesquisa
educacional que leve em consideração as circunstâncias históricas do país no contexto de
“incertezas da contemporaneidade”. (COSTA, 1994).
Esta pesquisa pretende responder ao seguinte problema: De que forma o (a) aluno (a) negro
(a) das escolas públicas do Ensino Fundamental e Médio de Vitória da Conquista, percebe e
enfrenta a discriminação racial?
Na tentativa de responder às questões que envolvem esta problemática, alguns pressupostos
orientarão o diálogo com as evidências, entre eles: o (a) aluno (a) negro percebe a discriminação
racial, mas a aceita de forma passiva, ou ele a sente e a enfrenta de forma agressiva. De outro modo,
apesar de sofrer tal discriminação, ele busca superar as barreiras que lhe são impostas.
Assim, o principal objetivo deste trabalho é trazer à tona a experiência da discriminação
racial vivida pelos alunos (as) negros (as) das escolas públicas de Ensino Fundamental e Médio de
Vitória da Conquista, considerando-se os filtros e os silêncios das lembranças. Como assegura
Pollak:
[...] A história de vida ordena acontecimentos que banalizam uma existência. Além
disso, ao contarmos nossa vida, em geral tentamos estabelecer certa coerência por
meio de laços lógicos entre acontecimentos chaves, e de uma continuidade,
resultante da ordenação cronológica. Através desse trabalho de reconstrução de si
mesmo o individuo tende a definir seu lugar social e suas relações com os outros
(1989, p.11).
Vale ressaltar o que diz Benjamin sobre o narrador e a narrativa: “O narrador retira da
experiência o que ele conta: sua própria experiência ou a relatada pelos outros. E incorpora as
coisas narradas à experiência dos seus ouvintes” (BENJAMIN, 1996, p.201). O autor distingue a
narrativa da informação, ressaltando que a informação só vale quando é nova, ao contrário, a
narrativa se conserva e é capaz de se desenvolver depois de muito tempo:
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A narrativa (...) é ela própria, num certo sentido, uma forma artesanal de
comunicação. Ela não esta interessada em transmitir o ‘puro em si’ da coisa
narrada como uma informação ou um relatório. Ela mergulha a coisa na vida do
narrador para em seguida retira-la dele. Assim se imprime na narrativa a marca do
narrador, como a mão do oleiro na argila do vaso. Os narradores gostam de
começar sua história com uma descrição das circunstâncias em que foram
informados dos fatos que vão contar a seguir (...). (BENJAMIN, 1996, p.205).
Procurando perceber a influência da discriminação racial na escola e, consequentemente, na
autoestima do (a) aluno (a) negro (a), será necessária uma revisão bibliográfica do tema, e uma
leitura sistemática de algumas obras que trabalham com a temática.
A metodologia utilizada para a realização deste trabalho será, em um primeiro momento, a
observação e coleta de dados mediante fichas de identificação dos alunos, e da realização de
entrevistas com posterior análise, para confirmar, ou não, a ocorrência de discriminação racial,
envolvendo os entrevistados.
Será utilizado o método da história oral temática, procurando não usar categorias prévias e
sim categorias emergentes, que nasceram da própria fala dos entrevistados, analisando as diferentes
visões a respeito da discriminação racial, procurando entender até que ponto eles percebem,
encaram e enfrentam a discriminação. Portanto, será necessário reconhecer nas falas dos
entrevistados o que é relevante. Assim, segundo Pollak:
[...] Acredito que a história oral nos obriga a levar ainda mais a sério a crítica das
fontes. E na medida em que, através da história oral, a crítica das fontes torna-se
imperiosa e aumenta a exigência técnica e metodológica, acredito que somos
levados a perder, além da ingenuidade positivista, a ambição e as condições de
possibilidade de uma história vista como ciência de síntese para todas as outras
ciências humanas sociais (POLLAK, 1992, p. 08).
As entrevistas serão realizadas com
20 alunos (as) negros (as), do Ensino Fundamental e Médio
de duas escolas públicas de Vitória da Conquista.
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O principal objetivo é fazer um entrelaçamento entre o registro oral e o teórico acerca da
discriminação racial, tentando ser fiel, ao máximo, à visão do entrevistado, confrontando realidade com
teoria.
Após a coleta de dados será feita a análise e posterior redação com as conclusões da pesquisa.
REFERÊNCIAS
BENJAMIN, Walter. O narrador: considerações sobre a obra de Nikolai Leskov. In: Obras
Escolhidas. Magia e Técnica, Arte e Política. Ensaios sobre literatura e história da cultura. São
Paulo: Brasiliense, 1996.
BRADEN, Nathaniel. O que é autoestima? In: CLARET, Martin; (org.). O poder da autoestima. São
Paulo: Ed. Martin Claret Ltda, 1995. p. 09-20.
CARNEIRO, Maria Luiza Tucci. O racismo na História do Brasil – Mito e realidade. 5ª Edição. São
Paulo: Ed. Ática. 1997.
CAVALLEIRO, Eliane. Do silêncio do lar ao silêncio escolar: racismo, preconceito e discriminação
na educação infantil. 1ª ed. São Paulo: Ed. Contexto, 2000.
CHAGAS, Conceição Corrêa das. Negro, uma identidade em construção. 2ª edição. Petrópolis: Ed.
Vozes, 1997.
COSTA, Mariza C. Vorraber. Pesquisa em educação: concepção de ciência, paradigmas teóricos e
produção do conhecimento. In: ROSEMBERG, Fulvia; PINTO, Regina Pahim (org). Raça Negra e
Educação. São Paulo: Nov./1994, Cadernos de Pesquisa nº 90.
BARROS, Célia Silva Guimarães. Pontos de Psicologia do Desenvolvimento. 3ª Ed. São Paulo: Ed.
Ática, 1988. pg. 129-130.
FREYRE, Gilberto. Casa Grande & Senzala. 36ª ed. Rio de Janeiro: Ed. Record, 1999.
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GONÇALVES, L. A. Reflexão sobre a particularidade cultural na educação de crianças negras. In:
ROSEMBERG, Fulvia; PINTO, Regina Pahim (org.). Raça Negra e Educação. São Paulo:
Nov./1987, Cadernos de Pesquisa nº 63.p. 27 a 30.nº 32.
IANNI. Octavio. Escravidão e Racismo. 2ª edição. São Paulo. Ed. Hucitec, 1988.
LLERA, Jesús Beltrán de. Psicologia. 1ª ed. Petrópolis: Ed. Vozes, 1993. p. 101 a 120, 356 a 358.
Coleção Introdução e conceitos.
POLLAK, M. Memória, esquecimento, silêncio. In: Estudos Históricos, Rio de Janeiro: v. 2, nº 03,
p. 03-15, 1989.
SCHWARCZ, LILIA Moritz. O espetáculo das Raças: cientistas, instituições e questão racial no
Brasil-1870-1930. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.
TEODORO, Maria de Lourdes. Identidade, Cultura e Educação. In: ROSEMBERG, Fulvia;
PINTO, Regina Pahim (org). Raça Negra e Educação. São Paulo: Nov./1987, Cadernos de Pesquisa
nº 63. p. 46-48.
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