UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA - UNEB SEMINÁRIO INTERNACIONAL ACOLHENDO AS LÍNGUAS AFRICANAS - SIALA LÍNGUAS E CULTURAS AFROBRASILEIRAS E AS NOVAS TECNOLOGICAS 22 a 26 de Setembro de 2014 Salvador – BA O ALUNO NEGRO E A DISCRIMINAÇÃO RACIAL NA ESCOLA: ACEITAÇÃO OU RESISTÊNCIA? Sueli Melo Silva1 RESUMO: Este trabalho procura levantar a discussão dos problemas raciais, principalmente a discriminação, pelos quais passam os (as) alunos (as) negros (as) inseridos (as) no sistema educacional público, observando, através de sua fala, até que ponto ele (a) percebe a discriminação racial na escola e de que forma reage a ela. A partir da revisão bibliográfica de obras que abordam o referido tema e da análise de documentação oral, este estudo tem por objetivo analisar o comportamento de alunos (as) que passaram por situações envolvendo discriminação racial, percebendo quais as implicações que as mesmas causam no desenvolvimento psicossocial destes (as) jovens. PALAVRAS-CHAVE: Aluno negro. Autoestima. Conflitos raciais. Desempenho escolar. Educação. ABSTRACT: This paper aims at discussing the racial problems, especially discrimination, through which pass the (the) students (the) black (as) entered (as) in the public education system, noting, through their speech, to what extent (s) he perceives racial discrimination at school and how you react to it. From the literature review of works that address the above issue and the analysis of oral documentation, this study aims to analyze the behavior of students (those) who have been through situations involving racial discrimination, realizing what implications they cause in the development these psychosocial (as) youth. KEYWORDS: Black student. Self-esteem. Racial conflicts. School performance. Education. 1 Graduada em História (UESB), professora da rede estadual e Municipal de ensino, mestranda no Mestrado Profissional em História da África, da Diáspora e dos Povos Indígenas. Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB). [email protected] 1 UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA - UNEB SEMINÁRIO INTERNACIONAL ACOLHENDO AS LÍNGUAS AFRICANAS - SIALA LÍNGUAS E CULTURAS AFROBRASILEIRAS E AS NOVAS TECNOLOGICAS 22 a 26 de Setembro de 2014 Salvador – BA 1 INTRODUÇÃO: Diversos trabalhos já foram escritos abordando o tema da discriminação racial no Brasil, desde a vinda dos primeiros escravos ao país até os dias atuais. No entanto, apesar de ser tão discutido, só a pouco tempo entrou no âmbito da educação e no ambiente escolar. A opção por esta linha de pesquisa vem do fato de ser professora e negra e de conviver com o ambiente escolar de Vitória da Conquista desde 1994, quando ingressei na Rede Estadual de Ensino como professora de História. Desde meu ingresso no ensino público, observo diversos comportamentos discriminatórios de professores, alunos, funcionários e gestores a alunos (as) negros (as) e percebo o despreparo dos profissionais da educação em lidar com situações que envolvem discriminação racial. A observação dessas vivências fez surgir o interesse em desenvolver temas relacionados à educação e ao aluno negro nas escolas de Vitórias da Conquista, principalmente os que se referem à discriminação racial e suas implicações na vida escolar, social e familiar destes alunos. Assim, esta pesquisa procurará contribuir na análise da discriminação racial como um dos fatores causadores da baixa autoestima e consequentemente na sua interferência no ensino aprendizagem, visando também abrir a discussão sobre a questão racial no cotidiano escolar para que os professores, alunos, funcionários, gestores e a comunidade escolar, juntos, possam refletir e se preparar para enfrentar esta situação, na busca de uma educação de qualidade para todos. Além de constatar a presença de discriminação racial nas escolas será preciso também propor novos caminhos para reverter esta situação. A contribuição do projeto se dará ao perceber que nas escolas públicas da cidade somente há pouco tempo discute-se a questão racial com seriedade, pois se fecha os olhos a uma realidade gritante e que pode está prejudicando o desempenho social, educacional e humano destes alunos. Este trabalho de pesquisa será realizado com alunos (as) negros (as) que estão inseridos (as) no Sistema Público de Ensino de Vitória da Conquista. 2 UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA - UNEB SEMINÁRIO INTERNACIONAL ACOLHENDO AS LÍNGUAS AFRICANAS - SIALA LÍNGUAS E CULTURAS AFROBRASILEIRAS E AS NOVAS TECNOLOGICAS 22 a 26 de Setembro de 2014 Salvador – BA 2 DESENVOLVIMENTO: 2.1 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA O racismo contra o negro decorre da escravidão colonial e, deste passado de exploração e preconceito, herdamos a discriminação que se pratica ainda hoje contra negros (as), apesar disso, vigora a idéia de que o Brasil jamais foi um país racista, criando assim duas realidades diferentes, a do Brasil real e a do Brasil imaginário, que camufla a discriminação racial, sendo, portanto, mais difícil combatê-la. Segundo Maria Luiza Tucci Carneiro, ”O racismo camuflado é traiçoeiro: não se sabe exatamente de onde vêm. Tanto pode se manifestar nos regimes autoritários quanto nos democráticos" (CARNEIRO, 1997, p. 7). Cinco séculos se passaram e os (as) negros (as) continuam sendo discriminados pelo “branco” e, em diferentes momentos e sob diferentes justificativas, ainda são tratados como inferiores. Na virada do século XX, o (a) negro (a) livre defrontou-se com o imigrante europeu, valorizado pelos donos das terras como mão de obra mais eficiente. O emigrante simbolizava a idéia de progresso, enquanto o (a) negro (a) representava o atraso. O negro passa a ser definido pelas novas teorias científicas como incapaz para o trabalho livre e responsável pela desordem social e pelo crime. Lilia Moritz Schwarcz em seu livro O Espetáculo das Raças, faz uma análise das doutrinas racistas que circularam no Brasil nos finais do século XIX. Segundo Schwarcz: [...] interessa compreender como o argumento racial foi política e historicamente construído nesse momento, assim como o conceito de raça, que além de sua definição biológica acabou recebendo uma interpretação, sobretudo social. O termo raça, antes de aparecer como um conceito fechado, fixo e natural, é entendido como um objeto de conhecimento, cujo significado estará sendo constantemente renegociado e experimentado nesse contexto histórico específico, que tanto investiu em modelos biológicos de análise (SCHWARCZ, 2005, p.17). Poucos foram os intelectuais brasileiros no começo do século XX que condenaram as teorias racistas importadas da Europa. Obras como as do baiano Nina Rodrigues e de Euclides da Cunha estão repletas de conceitos racistas e estereótipos. Professor de Medicina na Bahia Nina Rodrigues considerava os (as) negros (as) e os (as) índios (as) como raças inferiores. Para ele, os mestiços tinham mentalidade infantil e não podiam receber no código penal o mesmo tratamento que os “brancos”. Euclides da Cunha, autor de Os 3 UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA - UNEB SEMINÁRIO INTERNACIONAL ACOLHENDO AS LÍNGUAS AFRICANAS - SIALA LÍNGUAS E CULTURAS AFROBRASILEIRAS E AS NOVAS TECNOLOGICAS 22 a 26 de Setembro de 2014 Salvador – BA Sertões, interpreta a História a partir do determinismo do meio e da raça. Considera a mestiçagem prejudicial para o país, sendo os mestiços vistos como retrógrados e raquíticos, incapazes de ajudar no progresso brasileiro. Defendia a segregação racial para que não houvesse novas fusões com os (as) negros (as). (CARNEIRO, 1987, p. 7). Nas décadas de 30 e 40, continuamos a buscar o ideal de “homem brasileiro”. A obra de Gilberto Freyre: Casa Grande & Senzala, percorre o mundo levando notícias do submundo colonial povoado por negros, mulatos, índios e judeus. A publicação de seu livro ampliou o debate para além da idéia de que o mestiço simbolizava atraso. Freyre defendia a idéia de que o encontro das três raças havia resolvido o problema racial brasileiro. Segundo Freyre, o brasileiro estava a caminho de produzir uma nova raça através da miscigenação, sendo isto visto como um aspecto positivo para o progresso do Brasil. Assim, Gilberto Freyre define a teoria da democracia racial: Híbrida desde o início, a sociedade brasileira é de todas da América a que se construiu mais harmoniosamente quanto às relações de raça: dentro de um ambiente de quase reciprocidade cultural que resultou no máximo aproveitamento dos valores e experiências dos povos atrasados pelo adiantado; no máximo da contemporização da cultura adventícia com a nativa, da do conquistador com a do conquistado. (FREYRE, 1999, p.443). Segundo Octavio Ianni, a principal preocupação da obra de Gilberto Freyre é “encontrar o que seria o caráter nacional de uma sociedade que as classes dominantes sempre pensaram como mestiça”. Freyre e os intelectuais de sua geração, sempre estiveram preocupados com a miscigenação e os entraves ou possibilidades que esta mistura de raças pudesse trazer para o progresso do país. Em seu livro Escravidão e racismo, Ianni faz a seguinte colocação a respeito do mito da democracia racial: Desde o término da escravatura, em 1888, instaurou-se na consciência das classes dominantes no Brasil uma preocupação persistente, aberta ou dissimulada, com a europeização e o branqueamento da sociedade brasileira. Foi no interior dessa corrente de pensamento que se formou a preocupação com a singularidade, a originalidade e o caráter positivo da mistura racial que havia resultado da escravidão. Foi essa corrente de pensamento que conferiu legitimidade científica e ideológica à miscigenação; que encontrou na mistura racial o segredo do ‘ethos brasileiro’; e transformou o mito da democracia racial num dos núcleos da 4 UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA - UNEB SEMINÁRIO INTERNACIONAL ACOLHENDO AS LÍNGUAS AFRICANAS - SIALA LÍNGUAS E CULTURAS AFROBRASILEIRAS E AS NOVAS TECNOLOGICAS 22 a 26 de Setembro de 2014 Salvador – BA ideologia dominante, nas relações de dominação-apropriação internas e na imagem diplomática do país no exterior. (IANNI, 1988, p. 112). Em 1951, foi criada por Gilberto Freyre e Afonso Arinos uma lei que previa penalidades para atos de discriminação de cor e raça em lugares públicos. Esta lei ficou conhecida como a lei Afonso Arinos e admitia com clareza o racismo existente no Brasil. A educação brasileira, entre 1946 e 1964, teve a atuação de educadores do porte de Anísio Teixeira e Paulo Freire, entre outros, que deixaram seu legado na História da Educação por suas realizações. Depois do golpe militar de 1964, muitos educadores foram perseguidos em função de seu posicionamento ideológico, sendo presos, exilados ou demitidos. A Ditadura militar é instalada pelo golpe de abril de 1964. O caráter antidemocrático de sua proposta ideológica é marcado pelo autoritarismo, perseguição política, prisão e tortura dos que eram contrários ao regime. Foi um período em que as discriminações políticas e raciais marcaram o cotidiano brasileiro. O poder exigia “ordem” mantida à custa de repressão. Pois, para o governo militar; revolucionários, grevistas, comunistas, negros, etc., todos colocavam em perigo a ordem social, política e cultural do Brasil. No nível legal, embora a coibição de manifestações de racismo seja importante, ela não basta para transformar ideologias arraigadas no imaginário da população brasileira. Por isso, muitos estudiosos têm apontado para a necessidade de se dar maior atenção ao processo educativo que se desenvolve em várias instâncias da convivência humana. É neste processo que se concretizam as falsas concepções a respeito do negro, que são, também, internalizadas pelo próprio grupo étnico em questão, o que dificulta a construção de uma identidade positiva capaz de combater as concepções negativas criadas pelo grupo branco dominante. A estratégia da democracia racial brasileira, que nega o preconceito e a discriminação, dificulta a percepção do mesmo por boa parte do grupo negro. A ausência da discussão do problema, por parte das famílias, das escolas e da sociedade, em geral, cria uma visão limitada do preconceito, impedindo que, desde criança, o segmento negro tenha uma visão crítica do problema, para que assim possa combatê-lo e construir uma autoimagem e autoestima favorável. O comportamento cognitivo do preconceito é formado por crenças relacionadas a um determinado grupo de pessoas e que são resistentes a mudanças independente das informações contrárias recebidas. Esta resistência origina-se no comportamento afetivo, pois os sentimentos hostis servem como uma defesa do eu. 5 UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA - UNEB SEMINÁRIO INTERNACIONAL ACOLHENDO AS LÍNGUAS AFRICANAS - SIALA LÍNGUAS E CULTURAS AFROBRASILEIRAS E AS NOVAS TECNOLOGICAS 22 a 26 de Setembro de 2014 Salvador – BA Assim, a tendência da pessoa comportar-se de forma discriminatória pode ir desde a reprovação até o desejo de destruição. Os psicólogos interpretam o preconceito, dentro da conduta humana e social, como um afastamento da racionalidade, da justiça e da tolerância, porquanto supõe uma tendência a prejulgar outras pessoas a partir de suas condições raciais, religiosas, políticas, etc. e a se comportar em relação a elas de maneira discriminatória e intolerante. (LLERA, 1998, p. 356). Em uma sociedade como a brasileira, com alto grau de discriminação racial, onde negro (a) é sinônimo de feio, fica difícil ser “atrativo” e construir uma autoestima positiva dentro do seu convívio social. A discriminação racial no Brasil está presente em todos os setores da sociedade, entre eles na escola. Mas para que ele seja percebido pela criança ou adolescente negro (a) é necessário um olhar crítico das próprias vítimas de racismo. O que só será possível com um trabalho sério envolvendo família, escola e a sociedade em geral. Segundo Braden, a autoestima tem dois aspectos inter-relacionados que são a noção da eficiência pessoal e a noção do valor pessoal, ou seja, autossuficiência e autorrespeito. A autossuficiência é a confiança na própria mente, na capacidade de pensar, escolher e julgar. É a confiança na capacidade de entender os fatos que ocorrem ao nosso redor e que condizem com nossos interesses e necessidades. Já o autorrespeito é a certeza dos nossos valores e uma atitude afirmativa com relação a nós mesmos, é a sensação de bemestar, quando reafirmamos nossas vontades, necessidades, é o direito natural de se sentir feliz por estar vivendo. [...] Se falta a uma pessoa a sensação básica de autorrespeito, de valor pessoal, se ela se percebe indigna do amor e do respeito dos outros e não qualificada para ser feliz, se teme mostrar suas idéias, suas necessidades e vontades – reconhecemos uma deficiência em sua autoestima independente de outros atributos positivos que possa exibir [...] (BRADEN, 1995, p.18). Os meios de comunicação, principalmente o livro didático, revista e TV, negam ao negro (a) a possibilidade de se ver representado de forma digna e valorizado através de pessoas de sua raça, deixando de ter assim elementos que favoreçam o desenvolvimento de sua autoestima. A escola também não fornece nenhum elemento que venha auxiliar a formação da identidade racial e, além disso, reforça de forma negativa alguns estereótipos que prejudicam o processo 6 UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA - UNEB SEMINÁRIO INTERNACIONAL ACOLHENDO AS LÍNGUAS AFRICANAS - SIALA LÍNGUAS E CULTURAS AFROBRASILEIRAS E AS NOVAS TECNOLOGICAS 22 a 26 de Setembro de 2014 Salvador – BA socializador, não havendo indicação de que a escola esteja preparada para lidar com todos estes problemas. Estudos feitos em convênio com a Fundação Carlos Chagas, a Secretaria de Educação de São Paulo e o Conselho de Desenvolvimento da Comunidade Negra, comprovam que o rendimento escolar dos segmentos raciais “brancos” é bastante diferenciado do rendimento dos segmentos raciais negros. Os índices de repetência e exclusão são superiores entre os (as) estudantes negros (as). Também os (as) negros (as) que permanecem na escola têm uma trajetória irregular maior que a de estudantes não negros; o atraso escolar é menor entre os não negros e tende a aumentar à medida que aumenta a idade do (a) aluno (a). (ROSEMBERG, 1987). Estes dados chamam a atenção para a necessidade da sociedade e o sistema educacional reconhecerem a questão da desigualdade racial, procurando acabar com o ritual pedagógico que exclui a história de luta dos (as) negros (as), que impõe um ideal de egocentrismo “branco” e folcloriza a cultura negra. A escola não utiliza como instância mediadora da transmissão do saber as particularidades culturais dos alunos e alunas negros (as): As práticas pedagógicas continuarão punindo as crianças negras que o sistema de ensino não conseguiu ainda excluir, aplicando-lhes o seguinte castigo: reclusão, ritualização em procedimentos escolares de efeito impeditivo, cujo resultado imediato é o silêncio da criança negra, a curto prazo, e do cidadão, para o resto da vida. (GONÇALVES, 1987, p.30). Maria de Lourdes Teodoro destaca o processo de relação e confrontação de identidade de outros grupos étnicos, que permite a configuração da própria identidade grupal. Para isso, é necessário que se crie um pacto com valores de todos os grupos étnicos brasileiros, apoiados em material didático e pedagógico, onde todos os segmentos tenham representadas suas imagens de brasileiros na execução de todos os tipos de tarefas que nossa cultura pressupõe e requer. (TEODORO, 1987). Para Conceição Correia das Chagas no livro, Negro, uma identidade em construção: A escola que, para a criança é o início de inserção na sociedade já recebe a criança negra segregando-a. A mesma prática é percebida nas igrejas, centros de lazer, revistas infantis, enfim em todos os veículos de comunicação social. [...] 7 UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA - UNEB SEMINÁRIO INTERNACIONAL ACOLHENDO AS LÍNGUAS AFRICANAS - SIALA LÍNGUAS E CULTURAS AFROBRASILEIRAS E AS NOVAS TECNOLOGICAS 22 a 26 de Setembro de 2014 Salvador – BA Os livros didáticos e a televisão continuam mantendo o padrão discriminatório, ou evidenciando em gravuras e textos a raça negra em desempenhos desvalorizativos ou simplesmente omitindo a figura do negro. A mesma prática ocorre nos murais dos corredores das escolas e salas de aula. Conclui-se que, alertando o dano que essa prática provoca contra o negro, especialmente a criança negra, em pleno momento de evolução, estaremos contribuindo para devolver ao negro o que lhe é constantemente negado – o direito de ser diferente. (CHAGAS, 1997, p.29). Segundo Célia Silva Barros (1988), a criança, no decorrer de seu desenvolvimento, vai modificando suas reações emocionais, socializando e expressando suas emoções. Na idade escolar, ela já controla ou mesmo disfarça suas reações. Na meninice [...] suas emoções estão muito relacionadas com a afeição que a professora lhe dispensa e com sua posição entre os colegas. Nesse período, as notas, as classificações e a atenção do professor são causas de emoções. Vemos, portanto, que na meninice o indivíduo é suscetível de emocionar-se por causas sociais. Na adolescência, a suscetibilidade emocional já estará bastante socializada, isto é, o rapaz ou a mocinha apresenta emoções conforme seja satisfeito ou frustrado o seu desejo de aprovação social, principalmente por parte de elementos do seu grupo etário. (BARROS, 1988, p. 129). Esta criança, ao atingir a maturidade, terá, provavelmente, suas emoções relacionadas com o bem-estar ou mal-estar do grupo social do qual faz parte. Portanto, faz-se necessário conhecer a qualidade do processo de socialização, vivenciada pela criança em seu ambiente escolar ou familiar, pois, só assim, será possível saber em que medida a escola e a família estão contribuindo para a construção de uma sociedade livre de discriminação e preconceitos entre negros (as) e não negros, formando cidadãos com autoconceito e autoaceitação positivos. No Brasil, onde predomina a visão negativa e preconceituosa a respeito do negro, e onde, ao contrário, se valoriza e identifica positivamente o não negro, gera na criança negra uma dificuldade em construir uma identidade positiva, por falta de modelos e pela enorme quantidade de estereótipos negativos sobre o negro. A criança negra interioriza durante seu processo de formação esta dualidade de desvalorização da sua raça e valorização do “branco”, buscando, muitas vezes, o “embranquecimento” como forma de autoafirmação social. O silêncio que envolve essa temática no sistema educacional impede o desenvolvimento de relações étnicas positivas, favorecendo o entendimento “da diferença como desigualdade e o negro como sinônimo de desigual e inferior”. (CAVALLEIRO, 2000). 8 UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA - UNEB SEMINÁRIO INTERNACIONAL ACOLHENDO AS LÍNGUAS AFRICANAS - SIALA LÍNGUAS E CULTURAS AFROBRASILEIRAS E AS NOVAS TECNOLOGICAS 22 a 26 de Setembro de 2014 Salvador – BA 2.2 METODOLOGIA A pesquisa educacional no Brasil, segundo Marisa Costa, vem passando por importantes transformações no que diz respeito à concepção de ciência que embasa investigações. A prática de professores e pesquisadores procura superar os desafios de uma produção de conhecimento efetivamente criativo, revolucionário, que traga contribuições à solução dos problemas educacionais que nos afligem. Neste ponto, vislumbram-se possibilidades e contribuições de uma pesquisa educacional que leve em consideração as circunstâncias históricas do país no contexto de “incertezas da contemporaneidade”. (COSTA, 1994). Esta pesquisa pretende responder ao seguinte problema: De que forma o (a) aluno (a) negro (a) das escolas públicas do Ensino Fundamental e Médio de Vitória da Conquista, percebe e enfrenta a discriminação racial? Na tentativa de responder às questões que envolvem esta problemática, alguns pressupostos orientarão o diálogo com as evidências, entre eles: o (a) aluno (a) negro percebe a discriminação racial, mas a aceita de forma passiva, ou ele a sente e a enfrenta de forma agressiva. De outro modo, apesar de sofrer tal discriminação, ele busca superar as barreiras que lhe são impostas. Assim, o principal objetivo deste trabalho é trazer à tona a experiência da discriminação racial vivida pelos alunos (as) negros (as) das escolas públicas de Ensino Fundamental e Médio de Vitória da Conquista, considerando-se os filtros e os silêncios das lembranças. Como assegura Pollak: [...] A história de vida ordena acontecimentos que banalizam uma existência. Além disso, ao contarmos nossa vida, em geral tentamos estabelecer certa coerência por meio de laços lógicos entre acontecimentos chaves, e de uma continuidade, resultante da ordenação cronológica. Através desse trabalho de reconstrução de si mesmo o individuo tende a definir seu lugar social e suas relações com os outros (1989, p.11). Vale ressaltar o que diz Benjamin sobre o narrador e a narrativa: “O narrador retira da experiência o que ele conta: sua própria experiência ou a relatada pelos outros. E incorpora as coisas narradas à experiência dos seus ouvintes” (BENJAMIN, 1996, p.201). O autor distingue a narrativa da informação, ressaltando que a informação só vale quando é nova, ao contrário, a narrativa se conserva e é capaz de se desenvolver depois de muito tempo: 9 UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA - UNEB SEMINÁRIO INTERNACIONAL ACOLHENDO AS LÍNGUAS AFRICANAS - SIALA LÍNGUAS E CULTURAS AFROBRASILEIRAS E AS NOVAS TECNOLOGICAS 22 a 26 de Setembro de 2014 Salvador – BA A narrativa (...) é ela própria, num certo sentido, uma forma artesanal de comunicação. Ela não esta interessada em transmitir o ‘puro em si’ da coisa narrada como uma informação ou um relatório. Ela mergulha a coisa na vida do narrador para em seguida retira-la dele. Assim se imprime na narrativa a marca do narrador, como a mão do oleiro na argila do vaso. Os narradores gostam de começar sua história com uma descrição das circunstâncias em que foram informados dos fatos que vão contar a seguir (...). (BENJAMIN, 1996, p.205). Procurando perceber a influência da discriminação racial na escola e, consequentemente, na autoestima do (a) aluno (a) negro (a), será necessária uma revisão bibliográfica do tema, e uma leitura sistemática de algumas obras que trabalham com a temática. A metodologia utilizada para a realização deste trabalho será, em um primeiro momento, a observação e coleta de dados mediante fichas de identificação dos alunos, e da realização de entrevistas com posterior análise, para confirmar, ou não, a ocorrência de discriminação racial, envolvendo os entrevistados. Será utilizado o método da história oral temática, procurando não usar categorias prévias e sim categorias emergentes, que nasceram da própria fala dos entrevistados, analisando as diferentes visões a respeito da discriminação racial, procurando entender até que ponto eles percebem, encaram e enfrentam a discriminação. Portanto, será necessário reconhecer nas falas dos entrevistados o que é relevante. Assim, segundo Pollak: [...] Acredito que a história oral nos obriga a levar ainda mais a sério a crítica das fontes. E na medida em que, através da história oral, a crítica das fontes torna-se imperiosa e aumenta a exigência técnica e metodológica, acredito que somos levados a perder, além da ingenuidade positivista, a ambição e as condições de possibilidade de uma história vista como ciência de síntese para todas as outras ciências humanas sociais (POLLAK, 1992, p. 08). As entrevistas serão realizadas com 20 alunos (as) negros (as), do Ensino Fundamental e Médio de duas escolas públicas de Vitória da Conquista. 10 UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA - UNEB SEMINÁRIO INTERNACIONAL ACOLHENDO AS LÍNGUAS AFRICANAS - SIALA LÍNGUAS E CULTURAS AFROBRASILEIRAS E AS NOVAS TECNOLOGICAS 22 a 26 de Setembro de 2014 Salvador – BA O principal objetivo é fazer um entrelaçamento entre o registro oral e o teórico acerca da discriminação racial, tentando ser fiel, ao máximo, à visão do entrevistado, confrontando realidade com teoria. Após a coleta de dados será feita a análise e posterior redação com as conclusões da pesquisa. REFERÊNCIAS BENJAMIN, Walter. O narrador: considerações sobre a obra de Nikolai Leskov. In: Obras Escolhidas. Magia e Técnica, Arte e Política. Ensaios sobre literatura e história da cultura. São Paulo: Brasiliense, 1996. BRADEN, Nathaniel. O que é autoestima? In: CLARET, Martin; (org.). O poder da autoestima. São Paulo: Ed. 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