ID: 53317896
07-04-2014
Tiragem: 34258
Pág: 29
País: Portugal
Cores: Cor
Period.: Diária
Área: 26,85 x 30,54 cm²
Âmbito: Informação Geral
Corte: 1 de 2
E se o sobreiro ajudasse a tratar
as feridas ao matar bactérias?
Cientistas portugueses extraíram da cortiça uma molécula complexa mantendo as suas propriedades
iniciais. Descobriram ainda que essa molécula é antibacteriana e antevêem várias aplicações industriais
DANIEL ROCHA
Biotecnologia
Nicolau Ferreira
O uso da cortiça para fabricar rolhas e placas isolantes é antigo. A
indústria do vestuário já faz malas,
chapéus ou sapatos com cortiça.
Arquitectos já construíram bancos, maçanetas e outras peças de
mobiliário com este material. Agora, talvez seja a vez de a medicina
aproveitar as propriedades da árvore que é símbolo nacional — o sobreiro (Quercus suber) — para ajudar
a curar feridas.
Uma equipa de investigadores, liderada por portugueses, acaba de
demonstrar que é possível extrair
da cortiça uma película de suberina — uma molécula vegetal que se
encontra em grande quantidade na
casca do sobreiro. E provou ainda
que esta película tem propriedades antibacterianas. A novidade
foi publicada na revista Biomacromolecules.
A suberina é um poliéster, o nome
de uma classe de polímeros em que
entram vários tipos de moléculas,
como os plásticos (estes provêm do
petróleo). A suberina é naturalmente produzida em árvores como o sobreiro ou a bétula. É um importante
constituinte da parede das células
vegetais — uma estrutura que está
à volta da membrana celular, dá rigidez aos tecidos e não existe nas
células animais.
A suberina acumula-se na cortiça,
onde pode chegar a constituir metade do seu peso. A casca do tronco
da bétula também pode conter até
50% desta macromolécula.
Até agora, nunca se tinha conseguido extrair a suberina de modo a
manter uma estrutura semelhante à
que forma na parede celular. O que
os investigadores químicos faziam
era cortar as cadeias de moléculas
de suberina. Ao estar organizada em
grandes cadeias, a suberina cria um
efeito de protecção, rigidez e isolamento no interior da parede celular
vegetal (que é formada por outras
moléculas). Mas estas propriedades
perdiam-se quando as reacções químicas utilizadas antes pelos cientistas partiam as cadeias de moléculas
de suberina nas suas unidades.
Este obstáculo foi ultrapassado
com o trabalho liderado por Cristina Silva Pereira, chefe de um grupo
do Instituto de Tecnologia Química
e Biológica (ITQB), em Oeiras. “Não
olhámos para o problema com a
abordagem de um químico”, disse
a investigadora ao PÚBLICO, referindo-se à ideia de que as moléculas podem ser partidas e reconstruídas dentro de um tubo de ensaio.
“Olhámos para o polímero como
um todo, tendo presente a função
que desempenha na planta. Queríamos aceder a este material mantendo essas funções.”
A equipa começou a trabalhar
com a suberina em 2008 e em 2010
conseguiu finalmente extraí-la da
cortiça, mantendo parte da estrutura que a molécula forma na parede celular da planta. Para isso, os
cientistas usaram um composto que
apenas partia certas ligações, e não
todas, entre as moléculas.
No artigo agora publicado, os cientistas demonstraram como se pode
criar uma película de suberina com
A película de suberina
é extraída do pó de cortiça
esse método. O trabalho teve ainda
a colaboração de investigadores de
outros grupos do ITQB, da Universidade de Aveiro, da Universidade de
Coimbra e ainda da Universidade de
Ratisbona, na Alemanha.
“A película tem um aspecto de
uma mica”, diz Cristina Silva Pereira, referindo-se às capas de plástico,
“com uma cor entre o amarelo-escuro e o acastanhado”. Depois, a equipa analisou as propriedades físicas
desta película, como por exemplo o
ponto de fusão e a permeabilidade
à água. Além de ser impermeável,
o material é liso.
Finalmente, os investigadores testaram os efeitos que a película de
suberina tem na sobrevivência de
duas espécies diferentes de bactérias que pertencem a dois grandes
grupos bacterianos (as Gram-positivas e Gram-negativas): constataram
que os pedaços da película matavam
mais de 90% dessas bactérias.
Cristina Silva Pereira explica que
há várias referências de medicina
tradicional sobre o uso de plantas
ricas em suberina que induzem a
cicatrização de feridas. Por isso, a
investigadora defende que esta película de origem biológica poderá vir
a ser utilizada para tapar as feridas
crónicas, como as que os diabéti-
cos desenvolvem, promovendo a
cicatrização e inibindo o desenvolvimento de bactérias. “Estamos a
pedir muito a um biomaterial, mas
acho que este desempenha todas
estas funções.”
Para a produção da película, a
equipa utilizou pó de cortiça, um
produto que resulta da transformação da cortiça e apenas é aproveitado para produzir energia através
da sua queima. Seria possível usar
suberina para substituir os sacos de
plástico que inundam o mundo? “O
uso da cortiça para este fim é limitado”, responde a investigadora.
Mas a equipa está a tentar repetir
o mesmo processo para extrair suberina e outros poliésteres naturais
da bétula, das cascas do melão, da
mandioca, da batata, da maçã ou do
tomate. “Se este processo for feito
com outras fontes, poderá ter todo
o tipo de usos, desde os mais mundanos aos mais sofisticados.”
ID: 53317896
07-04-2014
BIOTECNOLOGIA
E SE O SOBREIRO AJUDASSE
A TRATAR AS FERIDAS
AO MATAR BACTÉRIAS?
Ciência, 29
Tiragem: 34258
Pág: 1
País: Portugal
Cores: Cor
Period.: Diária
Área: 10,41 x 4,15 cm²
Âmbito: Informação Geral
Corte: 2 de 2
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