ENSAIO DE UMA PESQUISA SOBRE A TEMÁTICA DE GÊNERO EM DOIS EMPREENDIMENTOS DE ECONOMIA SOLIDÁRIA DE PONTA GROSSA - PR BOGDANOVICZ, Fabiane Kravutschke – Psicóloga, técnica da IESol. ABRAMI, Lorena Dantas - Acadêmica de Serviço Social da UEPG. LOPES, Igor Fabian de Goes - Acadêmico de Engenharia de Materiais da UEPG, estagiário da IESol. MIRANDA, Tereza Lopes - Graduada em Serviço Social e Mestra em Ciências Sociais Aplicadas pela UEPG. Técnica da IESol. SOPKO, Camila - Acadêmica de Serviço Social da UEPG, estagiária da IESol. RESUMO Este trabalho compreende Empreendimentos Solidários - dois grupos incubados pela Incubadora de IESol, que possuem associados em sua quase totalidade do sexo feminino, mas não possuem pauta de discussão de gênero em suas atividades. A Economia Solidária abrange o trabalho associado capaz de produzir novos valores e novas formas de vínculos sociais, sendo um rico espaço para discussão de questões transversais, como gênero. Assim, intencionou-se identificar e comparar aspectos relacionados às questões de gênero na organização de trabalho de duas associações incubadas pela IESol, de perfis socioeconômicos e educacionais distintos. Para isso, elaborou-se um questionário para verificar se há percepção de diferenças de gênero na divisão do trabalho dos grupos. Nos resultados, observou-se que os trabalhos apontados como preferencialmente femininos são relativos à organização, limpeza e trabalhos domésticos, enquanto trabalhos relacionados aos homens incluem carregar peso e dirigir. Apesar das diferenças elencadas nas respostas, a maioria das entrevistadas acredita que todas as funções podem ser exercidas por todos, igualmente. Esta pesquisa é um levantamento inicial e demonstra a relevância do debate da questão de gênero nos empreendimentos solidários, pois percebem-se divergências entre os diferentes questionários e entre as diferentes respostas de um mesmo sujeito. PALAVRAS CHAVE – economia solidária, gênero, produção. Introdução A Incubadora de Empreendimento Solidários – IESol, é um programa permanente de extensão da Universidade Estadual de Ponta Grossa – UEPG, localizado no município de Ponta Grossa (Paraná – Brasil), que tem por objetivo a concretização de grupos incubados, através de assessoria, fortalecimento e solidificação, visando à geração de renda guiando-se pelos princípios da Economia Solidária. Os grupos incubados são formados por pessoas que estão fora do mercado de trabalho formal tanto da cidade quanto no campo, que se organizam através de associações. As atividades realizadas pela IESol vão desde formação sobre Economia Solidária, compreendida como “o trabalho associado capaz de produzir vínculos sociais e novos valores, diferentes das relações de mercado capitalista” (Costa, 2007), até a prática do cotidiano desses grupos. A presente pesquisa compreende dois dos três grupos incubados pela IESol na época (abril 2013), que foram escolhidos considerando-se que não existe uma pauta de discussão de gênero nas duas associações, apesar de sua quase totalidade de associados do sexo feminino. Com a categoria gênero, compreendem-se as construções sociais, psíquicas e históricas sobre os papéis destinados aos homens e às mulheres, para além do equipamento biológico sexual (Costa, 2007). “Diferentemente do sexo, o gênero é um produto social, apreendido, representado, institucionalizado e transmitido ao longo das gerações” (Costa, 2007). A pesquisadora Ioli Gewher Wirth traz em sua dissertação de mestrado que a categoria gênero, cunhada nos anos 1970, “enfatiza a construção social do „ser homem‟ e do „ser mulher‟. Dessa forma, ela reafirma o que o movimento feminista declara desde a sua origem: homens e mulheres não são, simplesmente, resultado de uma condição biológica.” A autora cita que gênero é a organização social da diferença sexual. O que não significa que gênero reflita ou implemente diferenças físicas fixas e naturais entre homens e mulheres, mas sim que gênero é o saber que estabelece significados para as diferenças corporais (Scott, 1994, p.13, apud Wirth, 2010, p. 55). Segundo Wirth (2010), estudar as relações de gênero significa também estudar as relações de poder que se estabelecem a partir do sexo, pois o conceito de gênero contribui para colocar em evidência as diferenças socialmente construídas entre os sexos e para desocultar as hierarquias que se produzem a partir delas. Destaca ainda que é possível relacionar as relações de gênero com a ideia de autogestão defendida pela Economia Solidária, já que “(...) as relações de sexo são um dos pilares sob o qual a hierarquia é construída”. A autora propõe a consideração da “hierarquia de gênero”, no contexto de que “(...) a autogestão se propõe a unificar a planificação e a execução do trabalho e a desconstruir as hierarquias entre elas”. Segundo Wirth (2010), em empreendimentos de economia solidária, baseados na autogestão, a ausência do antagonismo entre proprietários dos meios de produção e empregados abre espaço para a compreensão das relações de poder estabelecidas em função do gênero no ambiente de trabalho. A mulher no mercado de trabalho No setor formal do mercado de trabalho brasileiro, a desigualdade de gênero vem sendo constatada por estudos de sociologia do trabalho por diversos pesquisadores desde os anos 1980 (Bruschini et al, 2008, p. 28-31, apud Wirth, 2010, p. 60), sendo que a diferença salarial entre homens e mulheres com o mesmo grau de instrução pode chegar a 30% (Pochmann, 2005, p.84 apud Wirth, 2010, p. 60) . A pesquisadora Cristina Bruschini (2000, p.16) diz que (...) transformações nos padrões culturais e nos valores relativos ao papel social da mulher, intensificadas pelo impacto dos movimentos feministas desde os anos 1970 e pela presença cada vez mais atuant e das mulheres nos espaços públicos, alteraram a constituição da identidade feminina cada vez mais voltada para o trabalho produtivo. A consolidação de tantas mudanças é um dos fatores que explicaria não apenas o crescimento da atividade feminina, mas também as transformaç ões no perfil da força de trabalho desse sexo (...). Bruschini reforça que o modelo de família patriarcal que atribui às mulheres as responsabilidades domésticas e socializadoras, e a persistência de uma “identidade construída em torno do mundo doméstico” condicionam a participação feminina no mercado de trabalho a fatores diferentes dos fatores a que os homens são condicionados. Enquanto para homens pesam a qualificação profissional e a oferta de emprego, para mulheres a necessidade de articular papéis domésticos e profissionais está presente como fator limitante, associados à idade e escolaridade da trabalhadora, bem como à estrutura familiar. Para a autora, “o trabalho das mulheres não depende apenas da demanda do mercado e das suas necessidades e qualificações para atendê-la, mas decorre também de uma articulação complexa, e em permanente transformação, dos fatores mencionados” (Bruschini, 2000, p. 1617). Bruschini cita que nos anos 1980-1990 ocorreram transformações no perfil etário da População Economicamente Ativa (PEA) feminina, sugerindo que as responsabilidades familiares não estariam mais constituindo um fator impeditivo ao trabalho feminino de mercado, como ocorria até os anos 1970: Movidas pela necessidade de complementar a renda familiar ou impulsionadas pela escolaridade elevada, menor número de filhos, mudanças na identidade feminina e nas relações familiares, as mulheres casadas procuraram cada vez mais o mercado de trabalho (Bruschini, 2000, p. 17). Contudo, a autora cita também que a persistência da responsabilidade das mulheres pelos cuidados com a casa e a família é um dos fatores determinantes da posição secundária ocupada por elas no mercado de trabalho, sendo a maternidade um dos fatores que mais interfere no trabalho feminino quando os filhos são pequenos (Bruschini, 2000, p.19). A maior presença da mulher nos postos do mercado de trabalho formal nas últimas décadas, por um lado, é consequência da pressão econômica que força a busca por trabalho e renda, porém também é afetado por outros importantes fatores culturais, como diz a autora: “(...) esse aumento também é fruto de um intenso processo de modernização e mudança cultural observado no Brasil a partir dos anos 1970, do qual faz parte a expansão da escolaridade, à qual as mulheres vêm tendo cada vez mais acesso” (Bruschini, 2000, p. 21). Gênero e trabalho associado Em empreendimentos capitalistas convencionais, as desigualdades de gênero, embora presentes principalmente no aspecto salarial, podem ficar mascaradas sob outros aspectos, devido à relação de poder mais proeminente estabelecida entre os proprietários dos meios de produção e os empregados. Weirth (2010, p. 52) discute em sua tese de mestrado que o papel da mulher nos momentos de contestação social e de luta pelas causas dos trabalhadores ficou oculto em grande parte da historiografia oficial. Conforme a autora, as propostas de sociedade do ponto de vista do socialismo utópico não compreendiam que a igualdade também deveria ser construída em termos de gênero. Assim, o sindicalismo e cooperativismo nasceram como “(...) formas de enfrentamento ao capitalismo, mas não tocam na questão da desigualdade de gênero ” (Nobre, 2003, apud Weirth, p. 53). Ela ressalta também que a categoria gênero, bem como as reivindicações feministas enquanto movimento, datam de período posterior; no entanto, cabe resgatar também o olhar histórico lançado sobre essas questões ao longo do tempo: Embora haja alguns sinais de que as práticas autogest ionárias tenham interferido nas relações de sexo, a desigualdade de gênero era uma questão teórica ausent e no cont exto histórico do século XIX. Na atualidade, a desigualdade de gênero está mais do que c omprovada. A lacuna teórica sobre a desigualdade de gênero no cooperativismo pioneiro é, portanto, justificável, mas é premente que ela seja preenchida no pres ente (Wirth, 2010, p. 55). Wirth também cita que a economia segundo o princípio do capitalismo teve papel importante na invisibilização do trabalho feminino, ao considerar o trabalho doméstico como improdutivo. A teoria econômica capitalista se preocupou em compreender a geração de riqueza através do trabalho assalariado e da distribuição de renda entre as classes, porém contribuiu para separar o trabalho da vida, transformando-o em sinônimo de emprego (Wirth, 2010, p. 53-54). Neste contexto, Wirth traz a definição dos termos traba lho “produtivo” e “reprodutivo”, definindo trabalho não apenas como aquele que gera valor para o mercado, mas todas as atividades cotidianas que dão sustentação à vida. Explica que: (...) no campo dos estudos de gênero, convencionou -se identificar dois âmbitos do trabalho: o produtivo, relacionado à produção de mercadoria, e o reprodutivo, relacionado à reproduç ão da vida. Para o primeiro, a referência socialmente estabelecida é a masculina, para o segundo é a feminina. O objetivo da separação dessas esferas é justamente a visualização de sua interdeterminação. Dessa forma se busca evidenciar como os acordos e normas estabelecidos em uma delas, em relação à divisão sexual do trabalho, incidem diretamente sobre a out ra (Wirth, 2010, p. 59). Wirth aponta que embora seja possível visualizar um hori zonte convergente para o diálogo entre a Economia Solidária com as questões feministas, no estágio em que se encontra atualmente existe um questionamento sobre a ausência da perspectiva de gênero nas políticas públicas da Economia Solidária e uma crítica ao mapeamento da Economia Solidária (SIES) que impossibilita a realização de uma análise mais precisa sobre as condições de gênero, do que por avanços significativos nesse âmbito. Segundo a autora, sinalizar essa possibilidade de articulação não significa que os empreendimentos prontamente se tornarão sexualmente igualitários; mas sim que existe mais esse desafio que deverá ser assumido por empreendimentos, agências de fomento e governo (Wirth, 2010, p.65). Gênero e Economia Solidária Observa-se, a partir do mapeamento da Economia Solidária no Brasil (Brasil, 2007), que entre os 1.687.496 trabalhadores dos 21.637 Empreendimentos Econômicos Solidários (EES), 630.382 são mulheres (cerca de 37,3%). Tem-se que 17,9% dos EES são compostos exclusivamente por mulheres, contra 9,4% apenas por homens. Nos empreendimentos com menor número de participantes (até 20), mais do que o dobro é composto por mulheres. Entretanto, a diferença se inverte nos empreendimentos com mais de 50 pessoas, vindo a ter também mais do que o dobro de participantes do sexo masculino (Brasil, 2007). Para Pessoa, Ramos e Peixoto (2006), esse indicador demonstra que às mulheres ainda estão relegados poucos espaços para a participação no campo econômico, apresentando na Economia Solidária a reprodução de um problema encontrado no mundo do trabalho capitalista. Há também uma tendência histórica de que grandes empreendimentos sejam hegemonicamente dominados por homens, mantendo as mulheres em atividades mais domésticas ou familiares. Os temas públicos, racionais e econômicos foram historicamente relegados aos homens, enquanto às mulheres restou a esfera privada (Specht, 2009). Nesse sentido, percebe-se também que a maior parte das políticas públicas voltadas para mulheres se encontra mais na área social do que na área econômica (Santos, [s.d.]). As propostas da Economia Solidária apresentam-se como uma solução a essa dicotomia econômico – social, daí a relevância de um olhar mais atento às questões de gênero dentro da Economia Solidária. Conforme relatório da Organização das Nações Unidas – ONU, de 2006 (Pessoa, Ramos e Peixoto, 2006), 2/3 de todo o trabalho do mundo é executado por mulheres, que recebem apenas 1/3 dos valores mundialmente destinados a salários. A Economia Solidária se propõe a romper a divisão social do trabalho, que compreende a separação entre o proprietário dos meios de produção e o trabalhador que vende sua força de trabalho. Entretanto, há também que se romper também com a divisão sexual do trabalho, que valoriza o trabalho do homem e subordina o da mulher, hierarquizando-os (Santos, [s.d.]). Wirth cita em seu trabalho, sobre a divisão sexual do trabalho: Mas o que é a divisão sexual do t rabalho? Há dois princ ípios praticados socialmente que a organizam. O primeiro é a existência de dois tipos de trabalho: um para homens e outro para mulheres. O segundo é relativo à hierarquização desses tipos de trabalho: o trabalho masculino é considerado mais importante e por isso é mais valorizado do qu e o t rabalho feminino (Kergoat, 2002, apud Wirth, 2010, p. 59). A autora ainda cita autores como Cockburn (1998) e Wacjman (1998) que estudam como as relações sociais de sexo e classe se expressam na construção da tecnologia. Segundo ela, Wacjman (1998) enfatiza que, historicamente, o domínio da técnica pelos homens é uma das formas pelas quais eles mantêm seu poder sobre as mulheres, mas assinala que os processos de inovação tecnológica consideram a crescente entrada das mulheres no mercado de trabalho, em funções onde passam também a manejar máquinas e a desempenhar outras funções técnicas. Porém, Wacjman observa que a tendência é que a feminização de um determinado setor geralmente vem acompanhada de perda de conteúdo técnico, de “qualificação” e de redução dos salários, significando que, se de um lado as mulheres rompem algumas barreiras e adentram em redutos antes considerados masculinos, de outro a hierarquia sexual se repõe, combinando nesse caso desqualificação e trabalho feminino (Wirth, 2010, p. 61). As mulheres ainda são minoria nos espaços de decisão e, em empreendimentos mistos, há uma naturalização do lugar das mulheres (V PLENÁRIA, 2012). As jornadas duplas ou triplas de trabalho realizadas pelas mulheres, a desigualdade nas responsabilidades domésticas e a falta de condições de trabalhos fora de casa (como ausência de creches, por exemplo) influenciam negativamente no rendimento no trabalho, bem como nas relações familiares, levando as mulheres a “optarem” por trabalhos com maior flexibilidade de horários, em tempo parcial ou informal. Além disso, o trabalho da mulher é comumente encarado como complementar ao do homem, que é o principal provedor da família e o trabalhador profissional. Esses fatos se somam para justificarem socialmente a baixa valorização e remuneração do trabalho da mulher (Magrini et al, 2010). Devido a isso, observa-se também o fenômeno da feminização da pobreza (Costa, 2007; Oliveira, 2004), sendo que 70% dos miseráveis do mundo são mulheres (ONU, 2006 apud Pessoa, Ramos e Peixoto, 2006). O trabalho na Economia Solidária conta com espaços de discussão, por se tratarem de empreendimentos embasados na organização autogestionária. Todavia, mesmo espaços privilegiados de debate podem reproduzir desigualdades naturalizadas na sociedade. Se as mulheres não vivenciam a igualdade em seus diferentes espaços de atuação em geral, essas desigualdades podem vir a ser reproduzidas dentro dos EES. É necessário, portanto, que se reflita em torno da atuação, protagonismo e participação feminina, objetivando a construção ativa de alternativas que superem as desigualdades históricas (Pessoa, Ramos e Peixoto, 2006), pois a sociedade pode ser compreendida como uma arena de conflitos, na qual, gênero, ciência, sexualidade e trabalho, entre outros elementos, se entrecruzam enquanto categorias históricas e acabam por tecer-se e transformar-se através da participação política dos sujeitos nos movimentos sociais (Miranda, 2011). Além de espaço potencial de desnaturalização e desconstrução das relações de gênero, a Economia Solidária pode proporcionar emancipação política e econômica da mulher, bem como auxiliar no debate e na reivindicação de políticas públicas de gênero (Magrini et al, 2010). Grupos pesquisados Um dos dois grupos que esta pesquisa abra nge é a Associação de Recicladores Rei do PET - ARREP. Composto por recicladores da região atendida pelos Centros de Referência em Assistência Social (CRAS), unidades Santa Luzia e Sabará, o grupo atualmente conta com doze membros, sendo onze deles mulheres. A Associação é localizada no município de Ponta Grossa, onde se situa o barracão. Nele é separado o material que é fornecido pelo programa Feira Verde, da Prefeitura Municipal de Ponta Grossa, e por algumas parcerias de coleta seletiva com outras instituições. Após a separação, o material é vendido resultando ou complementando a renda dos associados. Dados revelam que a categoria dos catadores de materiais recicláveis no Brasil é predominantemente feminina. O mapeamento do Sistema Nacional de Informações em Economia Solidária (SIES, 2007) apresentou 59% de mulheres no segmento da reciclagem. Já o Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR) estima que o quadro é composto em 75% por mulheres. A configuração dos empreendimentos de economia solidária do segmento da reciclagem como espaços de trabalho mistos, mas predominantemente femininos, se apresenta como um campo rico para as análises sobre as relações de gênero em experiências de trabalho associado (Wirth, 2011, p. 105), O outro grupo analisado é a Associação de Feirantes Solidários – AFESOL, grupo composto por seis mulheres, que desenvolvem artesanatos, como a confecção de porta-jóias, roupas para crianças, e produção de alimentos, como pães, pasteis, etc., sempre levando em conta os princípios da Economia Solidária. O grupo está com a IESol desde o final de 2005. Suas feiras acontecem três vezes por mês na UEPG - Campus Central e uma vez por mês na UEPG - Campus Uvaranas. Além disso, algumas associadas realizam suas vendas em outros locais, fazendo suas feiras na frente da Igreja São José nas quartas-feiras de novena, e também a Associação participa de eventos regionais como a Feira do Peixe, Feira de Natal, Festa da Maçã, entre outros, participando inclusive das edições da Feira Mundi al de Economia Solidária realizada em Santa Maria, no Rio Grande do Sul. Os produtos da associação são feitos individualmente; porém, a comercialização é realizada conjuntamente, compondo a renda familiar das associadas, ou parte dela. Os dois grupos apresentam características bastante distintas, tanto nos produtos e serviços gerados quanto no perfil socioeconômico dos associados. A ARREP reúne um grupo vulnerável socialmente, constituído por pessoas com baixa escolaridade, com idades e condições de vida diversas, que estão à margem do mercado de trabalho formal, assim como grande parte das associações e cooperativas de catadores de materiais recicláveis no Brasil. A AFESOL apresenta mulheres com nível de escolaridade mais elevado, possuindo também maior fai xa etária. Objetivos Compreendendo a realidade na qual os EES se encontram inseridos, observa-se a necessidade de se pautarem as questões de gênero, a fim de compreender e explicitar as desigualdades encontradas – e reproduzidas – nas práticas cotidianas. Nesse sentido, a pesquisa teve como objetivo identificar aspectos relacionados às questões de gênero na organização de trabalho de duas associações de economia solidária incubadas pela IESol, comparando essas características entre uma associação de artesanato e uma associação de catadores de materiais recicláveis, de perfis sociais, econômicos e educacionais distintos. Devido a isso, elaborou-se um questionário a ser aplicado em dois grupos incubados pela IESol para verificar como se percebem as diferenças de gênero na divisão do trabalho dos grupos, formados majoritariamente por mulheres. Metodologia Para a coleta de dados foi elaborado pela equipe um questionário com perguntas gerais sobre aspectos socioeconômicos e questões de gênero relacionadas às atividades e funções desenvolvidas nos grupos, para ser direcionado somente às mulheres de cada grupo. O mesmo questionário foi aplicado separadamente na AFESol e na ARREP, em dias de reunião de formação com a IESol. Na AFESol foram entrevistadas todas as associadas, totalizando 6 entrevistas. Na ARREP o questionário foi aplicado às associadas que estavam presentes no dia da atividade, resultando em 9 entrevistadas de um total de 12. As entrevistas foram realizadas no mês de abril de 2013. O questionário é composto de 5 perguntas: 1) Em todo o processo realizado, existem trabalhos ou funções realizadas apenas por homens? 2) Em todo o processo realizado, existem trabalhos ou funções realizadas apenas por mulheres? 3) Em todo o processo realizado, existem trabalhos ou funções realizadas preferencialmente por homens? 4) Em todo o processo realizado, existem trabalhos ou funções realizadas preferencialmente por mulheres? 5) Você acredita que existem funções que devem ser exercidos por homens e outros por mulheres, ou todos podem exercer qualquer das funções? Na primeira dupla de perguntas (1 e 2) buscou-se compreender a realidade concreta das divisões sexuais de trabalho nas duas associações, permitindo às entrevistadas elencarem os trabalhos e funções da associação que sejam realizados exclusivamente por homens ou por mulheres. A segunda dupla de perguntas (3 e 4) intencionou compreender também o caráter subjetivo da divisão sexual do trabalho, através da inclusão do termo “preferencialmente”. A última pergunta (5) também permite expressão da subjetividade e possibilita que se explicitem as construções pessoais implícitas quanto à divisão sexual do trabalho. Resultados Nas respostas ao questionário, observa-se que aparecem mais relacionadas ao homem as funções relativas a carregar peso e dirigir. Apesar de as mulheres afirmarem que, frente à falta de associados do sexo masculino, precisam se organizar para realizarem todas as funções. São elencados mais trabalhos preferencialmente femininos do que trabalhos preferencialmente masculinos. Uma das respostas, que afirma que qualquer tipo de serviço pode ser feito preferencialmente por homens, pode ser citada para se tentar entender o motivo dessa diferença quantitativa nos trabalhos elencados. Os serviços de organização, limpeza e trabalhos domésticos são algumas dessas tarefas apontadas como mais características de mulheres. Frente ao questionamento se existem funções que devem ser exercidas por homens e outras por mulheres, ou se todos podem exercer qualquer das funções, a maioria respondeu que todos podem, indicando uma tendência maior à igualdade ou busca dela. Apesar disso, algumas das entrevistadas que responderam pela igualdade indicaram, em questões anteriores, separações do serviço baseadas no gênero, demonstrando uma distância entre a teoria falada e a prática do cotidiano. Observam-se colocações que demonstram um binarismo na divisão sexual do trabalho, apontando construção civil e caminhoneiro como exemplos de trabalhos masculinos, apesar de poderem ser realizados por mulheres, e trabalhos como tricô, cozinha, limpeza e cuidar das crianças como trabalhos femininos, que também podem ser realizados por homens. As respostas, em geral, apresentaram opiniões bastante divergentes, demonstrando que não há homogeneidade quanto às questões de gênero nas associações, possivelmente devido à ausência dessa pauta nos debates. Nesse sentido, a IESol, enquanto entidade de apoio à Economia Solidária, tem um papel fundamental no enfrentamento da desigualdade de gênero. Segundo Guérin (2005 apud Vilasboas, 2011), a prática dos empreendimentos solidários seria capaz tanto de promover economicamente seus participantes quanto de promover transformação social através de relações mais igualitárias para melhor condição da vida das mulheres em vulnerabilidade social. Conclusões A partir do que foi apresentado, conclui-se que este ensaio de pesquisa sobre gênero nos empreendimentos incubados se trata de um levantamento inicial que traz apontamentos de temas a serem abordados em futuras pesquisas. Percebe-se a grande participação de mulheres, seja no processo de produção, seja na gestão do empreendimento. Isso aponta para a grande relevância do tema, que merece maiores estudos. Como mostra a teoria, as questões de gênero no espaço de trabalho são afetadas por diversos fatores históricos, sociais, econômicos e culturais; portanto, a percepção das questões de gênero nos empreendimentos pela ótica das próprias associadas pode ser investigada ainda pela correlação com outros fatores como, por exemplo, faixa etária das entrevistadas, situação socioeconômica, escolaridade, histórico familiar, entre outros. Essa percepção, ainda não muito clara, pode estar levando às divergências encontradas nas respostas dos questionários, sendo um indicativo de que o gênero ainda não é um tema bem esclarecido entre os grupos analisados. Nota-se também que as distinções de atividades masculinas e femininas no ambiente de trabalho apontadas pelos entrevistados nas respostas podem ser relevadas em alguns casos em função das demandas do processo produtivo e da sustentabilidade do empreendimento, o que também pode levar às divergências entre a forma como os entrevistados percebem o gênero e a prática dos grupos em relação às relações de gênero na produção. Conclui-se também que é preciso debater a questão de gênero dentro dos empreendimentos solidários, a fim de se evitar a reprodução das desigualdades encontradas no bojo da sociedade e de ampliar os espaços de protagonismo feminino, ainda restrito à esfera privada. Esse debate também se mostra relevante devido às divergências apresentadas não apenas entre os diferentes questionários, mas entre as diferentes respostas de um mesmo sujeito, indicando que a fala e a ação ainda se encontram distanciadas. Referências BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego. Atlas da Economia Solidária. (2007). Disponível em <www.mte.gov.br/Empregador/EconomiaSolidaria/Fase2/Relatorios/Empreendimento ResumoNacional.asp>. Acesso em 15 abr. 2013. BRUSCHINI, C. (2000). “Gênero e trabalho no Brasil: novas conquistas ou persistência da discriminação?”. Trabalho e Gênero – mudanças, permanências e desafios. Editora 34. COSTA, B. L. (2007) Em busca de autonomia: A trajetória de mulheres na economia solidária. Dissertação de Mestrado em Ciências Sociais. Universidade Católica de Minas Gerais.182 p. Disponível em <www.biblioteca.pucminas.br/teses/CiencSociais_CostaBA_1.pdf> Acesso em 12 abr. 2013. MAGRINI, P. R.; OLIVEIRA, A. L.; FIGUEIREDO, F. C.; KNUPP, M. E. G. 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