HUMANIZAÇÃO DA ASSISTÊNCIA À SAÚDE:
UMA PESQUISA A RESPEITO DA ATENÇÃO À SAÚDE DO IDOSO
Fernanda Pereira Souza1;
Marcia Regina Bortolanza2;
Hellin Cristina Bravo Galisteu Silva3;
Patricia Unger Raphael Bataglia4
Área do Conhecimento: Ciências da Vida.
Palavras-chaves: Saúde de Idosos; ambiente acadêmico; competência moral
INTRODUÇÃO
O projeto docente “A Humanização da
Assistência à Saúde do Idoso” gerou o desenvolvimento
de três projetos de Iniciação Científica que abordaram
dois aspectos envolvidos nesse tema, ou seja, a formação
do profissional que lida com o idoso e a avaliação que o
idoso faz a respeito da assistência que recebe. A prática
humanizada implica na compreensão da relação com o
outro como fim em si mesmo, o que exige do profissional
um comportamento ético e um nível de juízo moral pósconvencional. Em recente pesquisa em escolas de medicina
no Brasil, constatou-se que apenas 0,6% da formação
é dedicada ao estudo da ética e que não há em 75% das
escolas uma disciplina específica para tal estudo. Por outro
lado, a pesquisa mundial sobre avaliação da assistência à
saúde que teve sua fase brasileira realizada na FIOCruz,
obteve informações sobre o “desempenho do sistema de
saúde” e a “avaliação da assistência de saúde feita pelos
usuários”, evidenciando que 21,8% das pessoas se disseram
insatisfeitas e 36% muito insatisfeitas com o funcionamento
da assistência de saúde no país; mesmo entre os usuários de
planos de saúde, o percentual de insatisfação (insatisfeito
e muito insatisfeito) é alto, chega a 72% dos entrevistados
que têm planos privados. Tal insatisfação não se refere
apenas a questões técnicas, mas também às questões de
relacionamento interpessoal, que incluem os problemas
éticos. De acordo com a Organização Mundial de Saúde
(OMS), a saúde pode ser compreendida como um estado
de conforto e bem-estar pleno físico, psíquico e social. Mas
quem consegue alcançar esse suposto bem-estar? Em 1982,
Christophe Dejours (médico/psicanalista) veio ao Brasil e
proferiu uma palestra na qual fez uma crítica ao conceito
citado acima. Para isso, valeu-se de duas razões: a primeira
é que esse estado de conforto e bem-estar é impossível
definir, uma vez que, fundamenta-se em uma idéia vaga
Paschoal G. Pesquisa Mundial de Saúde apresenta os primeiros
resultados relativos ao Brasil. 2004. [Consultado em 30 de maio de
2004]. Disponível em: http://www.fiocruz.br/ccs/novidades/mai04/
pesquisa2_gab.htm.
e intuitiva; a segunda é “que esse bem-estar pleno não
existe”. Para fundamentar essas duas razões, Dejours se
baseia em três princípios: a fisiologia, a psicossomática
e a psicopatologia do trabalho. Estando o organismo em
constante renovação, transformação, não há estabilidade
suficiente para se definir um estado de conforto. Acrescese isso à influência das emoções no equilíbrio corporal e o
stress no trabalho que também alteram o bem-estar. A partir
dessas premissas, Dejours exclui esse bem estar pleno e
conceitua uma nova definição de saúde, ou seja, “saúde é,
portanto para cada homem, mulher ou criança ter meios de
traçar um caminho pessoal e original em direção ao bemestar, físico, psíquico e social.” (Dejours, 1982). Se saúde
é uma possibilidade de traçar um caminho, como podemos
entender essa possibilidade frente à crise do sistema de
saúde no Brasil, que está presente no nosso dia-a-dia,
podendo ser constatada, segundo Polignano (2005), por
meio de fatos amplamente conhecidos e divulgados pela
mídia tais como filas freqüentes de pacientes nos serviços
de saúde, falta de leitos hospitalares para atender a demanda
da população, escassez de recursos financeiros, materiais e
humanos para manter os serviços de saúde operando com
eficácia e eficiência, atraso no repasse dos pagamentos do
Ministério da Saúde para os serviços conveniados, baixos
valores pagos pelo SUS aos diversos procedimentos
médicos-hospitalares, formação de profissionais tecnicistas
que não atentam o quanto deveriam para o aspecto da ética
e do cuidado com o outro, dentre outros. Segundo Viacava
(2004), em meados de 1980, gestores dos sistemas de
serviço de saúde de todo o mundo deparavam-se com o
desafio de reformar a organização e o funcionamento
dos sistemas de saúde, junto com a busca de alternativas
que possibilitassem o alcance de serviços melhores
frente a situações, tais como a desigualdade e a piora das
Estudante do Curso de Psicologia; e-mail:[email protected]
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Professor da Universidade Bandeirante de São Paulo; e-mail: patriciabat@terra.
com.br4
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condições de vida e saúde da população. A estruturação do
sistema de saúde é complexa, pois se compõe de distintos
elementos, segundo as características de cada país, que se
inter-relacionam para dar alguma resposta aos problemas
de saúde de determinada população. Entretanto, essas
relações não são harmônicas, mas sim dialéticas, fazendo
com que os sistemas de serviços de saúde funcionem de
forma conflituosa. Em geral, buscam a consecução de um
conjunto de objetivos compartilhados, o que lhes imprime
uma direção intencionada (Mendes, 2001 in Viacava
2004: 6). Faz-se fundamental a implementação de um
programa de humanização da assistência à saúde, uma vez
que esta corresponde a uma demanda atual, que emerge
a partir dos maus tratos a vítimas da crise da Saúde no
Brasil. Hoga (2003) coloca como fator importante a equipe
multiprofissional ou o conjunto de trabalhadores atuantes
na Instituição de saúde, pois permite a participação dos
membros e promove uma boa relação, administrando as
necessidades de cada profissional com o fim de executar
um trabalho de forma harmoniosa. Mazzetti (2005) diz que
o movimento de humanização nos hospitais com idosos
é voltado para o processo de educação e treinamento dos
profissionais de saúde, mas também para intervenções
estruturais que façam a experiência da hospitalização ser
mais confortável para o idoso. A participação em equipe
multiprofissional contribui para que a equipe interaja mais,
favorecendo melhor disponibilidade dos profissionais para
com os clientes e, a partir disto, os clientes se sentem com
maior liberdade para expor os seus problemas, promovendo
assim a qualidade no acolhimento perante o paciente, além
da responsabilidade que a equipe demonstra, também deve
ter ciência das características da pessoa a ser atendida,
contribuindo para o vínculo profissional/paciente.
OBJETIVOS
O objetivo dos projetos desenvolvidos foi
levantar, junto a idosos, qual a avaliação que fazem do
sistema de saúde público que freqüentam e levantar
junto aos médicos residentes qual a avaliação que fazem
do ambiente acadêmico no que se refere à oportunidade
de assunção de responsabilidades e reflexão dirigida,
correlacionando isso ao desenvolvimento da competência
moral. Um objetivo secundário foi o de comparar os
resultados obtidos com os dados da Pesquisa Mundial de
Saúde realizada pela OMS.
METODOLOGIA
Foi selecionada uma Unidade Básica de Saúde
do município de Barueri. Tal escolha foi intencional e
por conveniência para a realização de um estudo de caso.
Nessa unidade, o responsável clínico foi contatado. A
pesquisa foi apresentada e foi disponibilizado um dia para
a pesquisadora entrevistar os idosos que compareceram
ao ambulatório. Foram contatados 40 idosos, sendo
62,5% mulheres e 37,5 homens. Essa divisão não foi
proposital, mas refletiu a demanda da UBS. Os idosos
foram convidados a responder a entrevista após assinarem
o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Os
dados foram analisados e comparados aos da Pesquisa
Mundial realizada no Brasil. Paralelamente, uma escola
de residência médica de São Paulo foi contatada para que
os residentes dos cursos de otorrinolaringologia e geriatria
fossem entrevistados, visando recolher sua avaliação sobre
o ambiente acadêmico e correlacionar tal avaliação ao
grau de competência moral desses sujeitos participantes.
A escolha da escola de residência médica foi também
intencional e por conveniência dado que o objetivo era a
análise qualitativa dos dados. Os instrumentos utilizados
para a coleta de dados foram: 1) o ORIGIN_u, questionário
de avaliação do ambiente de aprendizagem que utiliza
o aluno como fonte de informação ao mesmo tempo em
que apresenta um componente “objetivo” expresso pela
média de respostas a uma escala de Likert; 2) O MJTxt, teste de competência do juízo moral que propõe ao
sujeito a avaliação de dilemas morais com argumentos a
favor e contra sua própria opinião, fornecendo um índice
de coerência de respostas; 3) Questionário elaborado pela
OMS e adaptado para os idosos a respeito da avaliação dos
serviços de saúde.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Iniciaremos a colocação dos resultados obtidos
pela avaliação da formação médica. As respostas ao
questionário de avaliação do ambiente acadêmico
evidenciaram que os residentes identificam poucas
oportunidades de assunção de responsabilidades na
formação. Esse resultado é interessante principalmente
se nos lembrarmos que a formação do residente é
eminentemente voltada para a prática, entretanto, o que
os sujeitos apontam é que muitas vezes assumem tarefas
em excesso sem o devido suporte, ou seja, a assunção de
responsabilidades sem oportunidade de reflexão dirigida
não é vista como construtiva. Talvez como conseqüência
disso, o desenvolvimento da competência moral, ou
capacidade reflexiva em situações adversas, mostrou
índices muito baixos. A média do escore obtido foi de
10,5 numa escala de 0 a 100. Vale ressaltar que esse
resultado não é diferente dos resultados de outros estudos
desenvolvidos no Brasil e em outros países no curso de
medicina (SCHILLIGER, 2006). Na Unidade Básica de
Saúde onde foi aplicado o questionário sobre avaliação da
assistência à saúde, participaram 40 idosos, sendo 25 do
sexo feminino, totalizando 62,5% e 15 do sexo masculino,
37,5%. Dos entrevistados 32,5% tinham idade entre 50 e
60 anos; e 67,5% correspondem à faixa etária entre 60 e
85 anos. Desse grupo, apenas 17,6% possuem plano de
saúde e 82,5% utilizam o Sistema Único de Saúde (SUS).
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30% dos entrevistados freqüentaram a escola por até 4
anos. Boa parte 60% não concluiu o Ensino Fundamental
e apenas 10% concluíram o Ensino Fundamental. Nenhum
dos entrevistados chegou a cursar o Ensino Médio. Em
relação á situação profissional, 47,5% dos entrevistados
são aposentados, 27,5% donas de casa. A menor parte
corresponde aos trabalhadores manuais com 7,5% e boa
parte 17,5% não tem aposentadoria e estão desempregados.
No que se refere à avaliação da saúde, 50% a avaliam
como mediana e 40% dizem estar animados com relação
aos tratamentos. A grande maioria, 85% dos entrevistados
considera os equipamentos hospitalares adequados. Em
uma escala de 0 a 3, a habilidade do médico é avaliada
por 52,5% com nota 2. Esse resultado é curioso porque
apesar da avaliação ter sido boa, em média, 40% dos
participantes levantaram problemas com relação à respeito,
à intimidade, respeito no tratamento, explicações obtidas
a respeito do quadro clínico, tempo para fazer perguntas,
informações obtidas, participação na tomada de decisões
e manutenção do sigilo profissional, ou seja, tal avaliação
pode ser distorcida pelo respeito e submissão do paciente à
autoridade médica. Um aspecto importante na humanização
da assistência à saúde é, como já foi citado anteriormente,
o trabalho da equipe interdisciplinar. Essa amostra avaliou
a equipe, composta por médicos, enfermeiros, psicólogos,
fonoaudiólogos, fisioterapeutas e assistentes sociais com
nota 2. Todos esses dados permitiram que traçássemos
um perfil dessa unidade de saúde e concluíssemos que
os pacientes valorizam e elogiam a atuação profissional,
embora percebam deficiências sérias no que se refere ao
sistema de atendimento, marcação de consultas, obtenção
de medicamentos e com relação aos tempos de espera na
unidade. Retomando o conceito de saúde esboçado por
Dejours (1982), que propõe que a saúde se traduza como a
busca de caminhos, diríamos que os pacientes entrevistados
expressam essa busca e relatam as dificuldades apresentadas
como uma forma de clamor ao direito que possuem.
mediana. Na Pesquisa da Saúde do Idoso, 82,5% utiliza
o Sistema único de Saúde (SUS), valor similar à Pesquisa
Mundial da Saúde em que 59,7% fez o pagamento através
do SUS. As enfermidades mais presentes nos entrevistados
são esquizofrenia e angina, enfermidades essas que nem
foram citadas no grupo da pesquisa mundial. Fica a questão
aberta a respeito da necessidade de se compreender as
especificidades não só nacionais, mas também locais para
que a humanização da assistência à saúde de fato atenda à
população de cada região específica.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BATAGLIA, P.U.R. Ética na formação do Psicólogo
– Teoria e Prática. 2001.102 f. Tese (Doutorado em
Psicologia Social) – IP_USP. São Paulo, 2001.
DEJOURS, C. Por um novo conceito de saúde. Revista
Brasileira de Saúde Ocupacional, nº34; vol14, abr-maijun, 1986.
HOGA, LAK. A dimensão subjetiva do profissional na
humanização da assistência à saúde: uma reflexão. Ver. Ex
Enferm USP 2004; 38(1):13-20.
VIACAVA, F. et al. Uma Metodologia de avaliação do
desempenho do sistema de saúde brasileiro. Rev. Ciência
e Saúde Coletiva, vol 9, nº3,2004.
CONCLUSÕES
Pudemos chegar à conclusão de que há
fragilidades na formação dos residentes segundo a
avaliação deles próprios e que talvez isso afete os resultados
obtidos na construção da capacidade reflexiva e, portanto,
da competência moral. Os dados obtidos nas entrevistas
com os idosos da UBS, em comparação com os dados
da pesquisa mundial, chegam a resultados diferentes,
desde o grau de escolaridade até as enfermidades mais
tratadas mensalmente. Em relação à pesquisa da Saúde
do Idoso, 60% dos entrevistados não concluíram o Ensino
Fundamental, porém na Pesquisa Mundial da Saúde a
maior parte completou o Ensino Fundamental e tiveram
o Ensino Médio incompleto ou completo. Em relação à
auto-avaliação da saúde, os resultados de ambos foram
semelhantes, classificando-se entre avaliação boa e
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