PAPILLON
Albuquerque frequenta a academia duas a três noites por
semana, vício em nadar, contínuas braçadas, relaxar antes de
dormir. Certa noite depois da natação, dormiu feito um menino,
roncou feito um bode, teve um sonho, surreal, quase pesadelo.
Ele se aproxima por trás de uma mulher, costa nua, na nuca
tatuada uma borboleta colorida, asas abertas, num impulso ele
estende a mão tentando alcançar a mulher, de repente a
borboleta tatuada levanta voo batendo as asas por cima de seu
nariz, nesse momento a mulher vira-se, não tem rosto definido,
falta-lhe nariz e boca, apenas dois olhos cinzas olham nos seus
olhos, ele se assusta. Acordou-se ofegante, excitado, o nariz
irritado, coçando. Sonhou algumas noites seguidas, a mesma
mulher, a borboleta, o nariz coçando. O sonho ficou nítido em
sua mente, coisa rara, durante o dia tentava interpretar a
história, tinha certeza, conhecia aquela tatuagem, tinha visto a
borboleta colorida num pescoço, não recordava a pessoa.
À noite custava a adormecer pensando no sonho. Tentou
relaxar, apelou para cinema, andar na praia, escrever, saiu com
casais amigo, bebeu além da conta, dormiu feito um príncipe,
entretanto, o mesmo sonho veio-lhe na madrugada. Consultou
a um psicólogo amigo, a conversa de uma hora não deu
resultado prático. A nuca tatuada não lhe saía da cabeça
durante o dia,nem nos sonhos durante a noite.
Foi à natação relaxar, a academia repleta de jovens, velhos,
mulheres, exercitando ou nadando. Albuquerque nadou
ininterruptamente oito piscinas, ao terminar 200 metros, boa
marca para um sessentão, segurou-se na borda, pequeno
descanso. Ele notou na raia vizinha uma mulher fazendo
exercício de respiração, mergulhava, soltava o ar, emergia,
respirava novamente. Seu coração disparou, entre surpreso e
emocionado, avistou por trás do pescoço da mulher, a
tatuagem, a borboleta colorida. Encantado, extasiado ao ver a
nuca tatuada, tentou conter a emoção, não pode conter o olhar
insistente à nadadora, mulher madura, bem conservada, nem
bonita, nem feia, ele olhava fixamente a borboleta. Certo
momento ela tirou os óculos, olhos cinzas, segurou a escada
da piscina, subiu. Albuquerque teve certeza, era a mulher do
sonho. Ele também subiu, acompanhou-a discretamente,
aproximou-se, num impulso puxou conversa.
- Essa borboleta tatuada me lembrou um livro, Papillon, a
história de um preso fugitivo na Guiana Francesa, ele tinha
uma borboleta tatuada, era conhecido como Papillon, borboleta
em francês.
- Interessante, eu gostaria de ler, qual livraria tem esse livro ?
- Posso lhe emprestar, a senhora vem quando por aqui na
academia?
- Toda noite eu nado a partir das sete horas.
- Amanhã trago o livro, a senhora vai gostar, tenho certeza.
Fizeram um filme com o Dustin Hoffman.
- Até amanhã, despediu-se a nadadora entrando no carro.
Albuquerque ao chegar em casa tomou um bom café,
conversou com Natália, a esposa, estava tranquilo, satisfeito.
Procurou "Papillon", não encontrou, ficou especulando,
lembrou, havia doado alguns livros a uma Biblioteca
Comunitária. Nessa noite teve o mesmo sonho, mudou um
detalhe, o rosto da mulher era visível, a nadadora.
Dia seguinte pela manhã foi à biblioteca, estava o livro, a
bibliotecária emprestou-lhe. À noite, antes das sete ele nadava,
ao avistar a mulher, alegrou-se, cumprimentaram-se, trouxe o
livro, disse-lhe arrancando um sorriso, saíram juntos da
piscina, conversaram na lanchonete por meia hora. Na outro
dia conversaram mais. Ela, professora de música, divorciada,
dois filhos, não queria compromissos, gostava de ler, estava
adorando o livro. Nessa noite, durante o sonho ele abraçou a
nadadora, acordou-se excitado, agarrado à esposa, Natália
gostou.
De conversa em conversa à beira da piscina, tornaram-se
amigos, dois adultos, ele não teve dúvida em contar a história
do sonho, confessou, só deixava de ter o sonho quando
beijasse a borboleta, ela gargalhou. Marcaram encontro na
outra tarde. Amizade colorida, sem compromisso, assim
acertaram. Albuquerque não sonha mais com a mulher sem
rosto, entretanto, em algumas tardes deliciosas, ao vivo e a
cores beija a borboleta tatuada. Com carinho sussurra ao
ouvido da nadadora, "Minha Papillon".
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