Promovendo Saúde na Contemporaneidade:
desafios de pesquisa, ensino e extensão
Santa Maria, RS, 08 a 11 de junho de 2010
ADOLESCENTES E O CRACK: UMA RELAÇÃO DE DOR E SOFRIMENTO
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MOCELIN, C. E. ; MOREIRA, N. da S.
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Assistente Social/UNICRUZ, Especialista em Gestão Escolar/UCB, Mestranda do Programa de PósGraduação em Extensão Rural, Universidade Federal de Santa Maria (UFSM),
[email protected].
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Acadêmica do 5º Semestre do curso de Serviço Social/UNICRUZ. [email protected]
RESUMO
Este artigo apresenta o resultado da pesquisa que teve como temática a dependência química do
crack. Objetivou identificar quais as expressões da questão social que desencadeiam a grande
demanda de adolescentes usuários de crack e em segundo momento analisar como ocorre o trabalho
em rede entre as diferentes políticas públicas. Utilizou-se como procedimentos metodológicos a
pesquisa qualitativa, ancorada no método crítico dialético. A coleta de dados se deu no período de
outubro e novembro de 2009. Os resultados obtidos com a pesquisa apontaram a dificuldade que as
políticas públicas possuem em identificar o número certo de adolescentes usuários de crack, não
somente no município de Júlio de Castilhos, mas essa falta de estatística é uma realidade nacional,
ademais essa realidade atinge todos os adolescentes de diferentes classes sociais que possuem
tempo ocioso e que os laços de convivência familiar estão rompidos, principalmente com a ausência
paterna.
Palavras-Chave: Crack. Adolescentes. Dependentes.
INTRODUÇÃO
O uso de substâncias psicoativas acompanha o homem desde a Antiguidade, variando com
o tempo e com a cultura nas últimas décadas, tem se observado crescimento vertiginoso de quadros
de abuso e dependência química, o que constitui, hoje, problema mundial de Saúde Pública. Desse
modo, torna-se necessário o desenvolvimento de estratégias de tratamento para quadros de abuso
de drogas como cocaína, maconha e o álcool (FOCHI, et al 2001).
Não trago afirmativas conclusivas, mas, na perspectiva a que se propõe
esse colóquio, traço um pensamento reflexivo e especulativo (....) Não dá
para combater as drogas apenas colocando policias à procura de usuários e
traficantes. A sociedade como um todo deve questionar-se que fenômeno e
esse? Não tenho respostas e acho que esta duvidas nos bastam
(CAVALCANTE, 2003).
Pelo menos ¼ da população mundial usa algum tipo de droga, segundo uma pesquisa
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publicada em Nova York .
A dependência química e uma das mais serias questões da atualidade, se
não a maior dela, por aprisionar e envelhecer a emoção, o que é inaceitável.
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No Brasil, a motivação para o uso de substâncias ilícitas foi investigada em dois estudos
multicêntricos, que contaram com a participação de especialistas da Fiocruz. As pesquisas que
abordam fatores associados ao uso de drogas na adolescência e ao uso de cocaína nos presídios
foram divulgadas recentemente nos periódicos científicos Revista de Saúde Pública da Universidade
de São Paulo (USP) e Ciência e Saúde Coletiva da Associação Brasileira de Pós-Graduação em
Saúde Coletiva (Abrasco), respectivamente.
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O uso contínuo de drogas pode queimar etapas na vida de um jovem,
fazendo com que ele envelheça no único lugar em que não é permitido
envelhecer no território da emoção. Infelizmente, a dependência de drogas
tem gerado velhos em corpos de jovens (CURY, 2000).
Sabe-se que as drogas, em suas mais variadas formas, é uma problemática evidenciada na
vida de muitas pessoas, especialmente de adolescentes. Umas das causas da disseminação das
drogas entre eles pode ser explicada pelo fato destes se encontrarem numa fase de crescimento e
desenvolvimento, e como sinaliza o Estatuto da Criança e do Adolescente, estes, nesta fase da vida,
não tem condições de discernimento sobre suas ações e/ou omissões.
Nesta perspectiva, muitos despertam para o interesse em conhecer, desvendar coisas
diferentes, inclusive as que podem lhes trazer consequências prejudiciais à saúde e a sua
convivência social, como é o caso das drogas.
As drogas ilícitas despertam uma maior curiosidade entre os jovens devido à sua ilegalidade
e também porque nessa fase da vida o interesse em experimentar coisas proibidas torna-se mais
evidente.
Nos últimos tempos vem sendo evidenciado um alto índice de adolescentes viciados em
crack, este não é somente um problema local, que está preocupando a comunidade de Julio de
Castilhos, mas sim, toda a sociedade, a tal ponto de os meios de comunicação da região estarem
fazendo campanhas publicitárias para erradicar o consumo da droga no estado como o grupo RBS,
que criou a campanha “Crack Nem Pensar”. Todos os dias, jornais, noticiários e demais meios de
comunicação apresentam dados que evidenciam o aumento do consumo de craque no município e
em diversas outras regiões, como é possível observar na seguinte notícia. "A explosão do consumo
de crack no Rio Grande do Sul, que dobrou o número de vitimas em apenas três anos, é agravada
por deficiência em áreas como proteção das fronteiras, a repressão interna ao tráfico e o atendimento
clínico aos usuários" (Diário de Santa Maria, 2009, p.14).
O crack é uma droga tão devastadora que pode viciar logo na primeira vez.
O cérebro sofre danos irreparáveis, a saúde fica debilitada e a vida se
transforma em momentos intermináveis de dor e sofrimento. São comuns as
mortes causadas diretamente pelo uso do crack, como também são comuns
os assassinatos nos acertos de conta entre traficantes e usuários, além dos
inúmeros casos de violência doméstica em que não faltam histórias de
horror protagonizadas por filhos batendo em suas mães e mães
acorrentando seus filhos na tentativa desesperada de livra-los do vício. Por
uma pedra, o usuário é capaz de mentir, de roubar e de se desfazer de
qualquer objeto que possa ser trocado pela droga. Inclusive o próprio corpo,
quando já não há mais nada o que vender (Diário de Santa Maria, 2009, p.
6).
Diante do exposto, evidencia-se que as drogas e especialmente o crack vem sendo
considerado um dos maiores problemas de saúde pública do estado e a principal causa da violência
nos centros urbanos. Torna-se aqui imprescindível, analisar de que forma este fenômeno está
relacionado as diferentes expressões da questão social, sendo estas resultado de uma sociedade
desigual, fundada no sistema capitalista de produção.
Considerando ser a drogadição uma expressão da questão social bem como uma
problemática que pode ser decorrente de outras expressões da questão social vivenciadas por estes
adolescentes e suas famílias, sendo estas expressões decorrentes das relações sociais
estabelecidas na sociedade capitalista, o estudo justificou-se também, por ser este problema social
uma demanda do Serviço Social. Considerando ser a questão social o objeto de trabalho do Serviço
Social, os profissionais Assistentes Sociais podem estar contribuindo não só no atendimento e
acompanhamento de adolescentes em situação de drogadição, bem como de suas famílias. A maior
contribuição do profissional refere-se a grande possibilidade que este tem, a partir de uma leitura
crítica da realidade social, buscar as causas e/ou razões que contribuem para este fenômeno, ou
seja, reconhecer as diferentes expressões da questão social, que decorrentes do conflito suscitado
entre capital X trabalho, que gera as desigualdades sociais, se materializam nas relações sociais dos
sujeitos pertencentes a esta sociedade.
Por questão social entende-se
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o conjunto multifacetado das expressões das desigualdades sociais
engendradas na sociedade capitalista madura, impensáveis sem a
intermediação do Estado. A “questão social” expressa desigualdades
econômicas, políticas e culturais das classes sociais, mediadas por
disparidades nas relações de gênero, características étnico-raciais e
formações regionais, colocando em causa amplos segmentos da sociedade
civil no acesso aos bens da civilização (IAMAMOTO, 2007, p. 177).
A questão social constitui-se o objeto de trabalho do Serviço Social, sendo que esta se
manifesta nas suas diferentes expressões múltiplas expressões, pobreza, exploração do trabalho,
violência domestica, sexual, religiosa, de gênero, drogadição, entre outros. Contribui para que o
adolescente comece a participar do mundo das drogas, experimente muitas vezes por influência dos
amigos, pela relação familiar que não possui uma estrutura adequada dentro dos padrões
estabelecidos pela sociedade, vitimizado por situações de desemprego próprio ou familiar, também é
um fator devido ao sentimento de frustração por não conseguir se inserir no mercado que o sistema
capitalista expõe. Assim sem muita noção do que pode acontecer, das consequências e do alto poder
de destruição da droga eles acabam experimentando com o pensamento de que será apenas por um
momento e em pouco tempo tornam-se dependentes químicos, pois o alto poder de dependência da
pedra de crack faz com que o usuário fique dependente logo na primeira vez de consumo.
METODOLOGIA E/OU MATERIAL E MÉTODOS
A base de fundamentação é o método dialético-crítico, que trabalha basicamente com as
categorias da contradição, historicidade e totalidade. O tipo de pesquisa que foi utilizada neste estudo
foi a pesquisa qualitativa que busca aprofundar a análise, tanto quanto possível e não apenas
conhecer os fatos de forma sumária, a partir de uma primeira aproximação. Trabalha basicamente
com a experiência social dos sujeitos expressa no seu cotidiano, ou seja, com a expressão de sua
cultura, o que inclui modo de vida, significados atribuídos, valores, sentimentos, linguagem,
representações, práticas sociais (PRATES, 2005).
No que se refere a seleção dos sujeitos, que conforme Marconi e Lakatos (2002, p.42)
corresponde a “uma porção ou parcela, convenientemente selecionada da população”, destaca-se
que seriam entrevistados 5 adolescentes viciados em crack, caracterizando-se assim por uma
amostra não probabilística do tipo intencional.
No decorrer da realização da pesquisa, e após entrevistas com os profissionais que atuam na
prevenção ao uso do crack no município de Júlio de Castilhos/RS, tais como: a assistente social da
Secretaria de Assistência social, a enfermeira do CAPS, a enfermeira do ESF do bairro Centro Baixo
(onde existe alto índice de usuários), e a estagiária de enfermagem/UNIFRA, foi advertido que a
entrevista com os adolescentes não seria possível de ser realizada, por questões éticas no que se
refere à indicação dos adolescentes por parte dos profissionais e também em relação à segurança e
violência, já que o bairro escolhido é o que possui o mais alto índice de usuários de drogas no
município.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
O estudo apontou a dificuldade que as políticas públicas possuem em identificar o número
certo de adolescentes usuários de crack, não somente no município de Júlio de Castilhos, mas essa
falta de estatística é uma realidade nacional.
A maioria dos adolescentes usuários de crack do município de Júlio de Castilhos não são
atendidos pelas Unidades Básicas de Saúde, eles são encaminhados ao centro de Atenção
Psicossocial – CAPS, serviço especializado em saúde mental. Nesse sentido, poucos foram os
encaminhamentos que o CAPS realizou no ano de 2009, os quais obtiveram poucos resultados, pois
muitas vezes o usuário não se reconhece como dependente químico. Aliado a essa situação, a falta
de leitos destinado aos tratamentos de dependentes químicos são uma realidade que compromete
qualquer tipo de atendimento ou tratamento em saúde mental. Essas clínicas, ainda poucas,
geralmente são em outras cidades, dificultando o acesso do município aos leitos disponíveis pelo
SUS.
Os profissionais entrevistados que compõem a rede de atendimento das diversas políticas
públicas no município de Júlio de Castilhos, destacaram que os adolescentes usuários de crack são
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de várias classes sociais, possuem tempo ocioso e os laços de convivência familiar estão rompidos,
principalmente com a ausência paterna.
Os profissionais do programa Estratégia Saúde da Família do bairro Centro Baixo, bairro
escolhido na delimitação da pesquisa, destacam como que as seguintes situações contribuem para a
procura por drogas pelos adolescentes: baixa renda, precariedade em moradia (moradia,
saneamento), grande número de membros na família, tempo ocioso, desestrutura familiar, também
devido ao bairro se encontrar na zona de prostituição, ideologia dos pais ou irmãos que são viciados.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante dos resultados da pesquisa, bem como de todas as discussões e reflexões feitas
anteriormente e que contribuíram para a compreensão da problemática estudada, há que se tecer
algumas considerações no que se refere a situação de adolescentes usuários de drogas.
Ressalta-se inicialmente que a problemática da drogadiação vem assumindo a cada dia que
passa maiores proporções, visto ser um problema que está intimamente relacionado as diferentes
expressões da questão social que atingem a sociedade como um todo e de forma mais específica a
família, que vem tomando uma nova forma e com laços mais corrompidos. O sistema capitalista, que
traz a satisfação pelo "ter" possui total influência para que os adolescentes se tornem usuários de
drogas.
Sendo evidenciados assim que o alto índice de drogadição que se apresenta em todas as
regiões, é resultante do atual modo de produção, que gera novas estruturas, conceitos e influencia no
cotidiano da população, transfigurando o cotidiano de todos.
É necessário que os profissionais da rede de atenção à adolescência, tenham maior
articulação, tracem políticas de atendimento e estratégias de ação que realmente incidam sobre o
problema da dependência do crack pelos adolescentes.
A problemática do crack não requer somente ações dos serviços de saúde, mas sim da
política de educação, assistência social, enfim, é o conjunto das políticas públicas que poder
modificar essa realidade social.
Várias são os estudos que apontam para a necessidade de ações de educação em saúde,
que visem a prevenção dos agravos da saúde biopsicossocial de qualquer indivíduo, sabe-se que a
lógica da prevenção custa muito menos que a da reparação ou recuperação que é extremamente
onerosa econômica e socialmente.
REFERÊNCIAS
Diário de Santa Maria, dia 29 de maio de 2009, p. 14.
Diário de Santa Maria, dia 1º de junho de 2009, p. 6.
CAVALCANTE, A. M. O Ciúme Patológico, Esse Barato sai Caro. Trabalho Apresentado no II
Colóquio Internacional Sobre a idéia de Felicidade. Fortaleza: Ed. Record, 2003.
CURY, J. A. A pior prisão do mundo. 3. ed. Editora Academia de Inteligente, 2000.
FOCCHI, G. de A. et al. Dependência Química: Novos Modelos de Tratamento. São Paulo: Roca,
2001.
IAMAMOTO, M. V. As Dimensões Ético-Políticas e Teórico-Metodológicas no Serviço Social
Contemporâneo. In: MOTA, A. E. et al. Serviço Social e Saúde. 2. ed. São Paulo: OPAS, OMS,
Ministério da Saúde, 2007, p. 161-196.
MARCONI, M. de A.; LAKATOS, E. M. Técnicas de Pesquisa. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2002.
PRATES, Jane. Polígrafo Didático de Pesquisa Social. Porto Alegre, 2005.
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