V Congresso Internacional de Psicopatologia Fundamental e XI Congresso Brasileiro de Psicopatologia Fundamental- 2012 Martha Ribeiro da Fonseca I. A beleza e o desejo de reconhecimento: A beleza e o discurso capitalista Sou Nutricionista formada há 21 anos formada pela Universidade Federal Fluminense / RJ e Tecnóloga em Estética e Cosmetologia há quatro anos. Minha trajetória na Nutrição foi sempre de atendimento clinico em Dietoterapia onde oriento nutricionalmente pacientes com desordem nutricionais e também aqueles que desejam uma alimentação saudável com o objetivo de qualidade de vida. Assim, para o organismo estar nutrido ele deve seguir as leis que regem a boa alimentação. Segundo Pedro Escudeiro, estas leis favorecem a organização da ingesta alimentar que ira favorecer o indivíduo saudável e na melhora dos estados de saúde nos mais debilitados, sendo divididas em (SCHILLING,1998): 1) Lei da Qualidade: Nutrientes necessários ao organismo. 2) Lei da Quantidade: Total calórico e de nutrientes. 3) Lei da Adequação: Peso, altura, clima, sexo, estado fisiológico, coletividade, etc. 4) Lei da Harmonia: Distribuição de macro e micronutrientes. Deste modo, o individuo no momento em que apresenta alterações bioquímicas, patológicas ou estéticas procura o profissional de nutrição para ajudar com sua alimentação. Assim pude perceber que muitas questões inconscientes estavam envolvidas e influenciavam o seu insucesso em dietas e tratamentos estéticos já feitos anteriormente. Foi então, baseada na observação do meu atendimento dietoterápico em consultório, ao longo dos anos, e também dos últimos quatro anos, onde passei a associar o tratamento estético com minhas clientes, que surgiu o desejo de estudar de modo mais científico as questões que influenciam o inconsciente e que levam o individuo a atitudes e comportamentos diferentes da realidade que almejam, porém sempre colocando seus objetivos e desejos no outro ou para o outro. Assim, em agosto de 2011, ingressei no Mestrado Profissional em Psicanálise, Saúde e Sociedade da Universidade Veiga de Almeida – RJ. Ao longo da história o homem sempre se preocupou com a forma e a beleza do corpo. Os egípcios, Astecas, Maias e outras culturas antigas já usavam adornos e pinturas como 2 forma de atrair seus parceiros. Na China os pés das mulheres eram quebrados em prol da beleza. Na África, em determinada tribo se utiliza colares de ferro para alongar seus pescoços como sinal de beleza (Gorender, 2008). Freud, em “O mal estar da civilização” [(1930) 1976:102] afirma: “A atitude estética em relação ao objetivo da vida oferece muito pouca proteção contra ameaça do sofrimento, embora possa compensá-lo bastante. A fruição da beleza dispõe de uma qualidade peculiar de sentimento, tenuemente intoxicante. A beleza não conta com um emprego evidente; tampouco existe claramente qualquer necessidade de cultura sua. Apesar disso, a civilização não pode dispensá-la. Embora a ciência da estética investigue as condições sob as quais as coisas são sentidas como belas, tem sido incapaz de fornecer qualquer explicação a respeito da natureza e da origem da beleza, e tal, como geralmente acontece, esse insucesso vem sendo escamoteado sob um dilúvio de palavras tão pomposas quanto ocas,” Sendo um dos sofrimentos do homem a sua imagem óptica, a se ver no espelho, vê o outro, uma imagem que se estabelece no registro do imaginário, como Lacan em seu “Seminário 1” [(1953-1954) 1975:96] afirma: “ [...] se vê, se reflete e se concebe como outro que não ele mesmo – dimensão essencial do humano, que estrutura toda a sua vida de fantasia”. Assim o sujeito ao buscar seus desejos se lança a procurar uma imagem criada no registro imaginário que o constitua. Sendo o sujeito escravo da linguagem, ele busca na fala do grande “Outro” a realização de seu desejo, sendo a palavra do registro do simbólico vai endereçar sua demanda ao ideal do eu. Ao procurar a imagem especular que considera ideal, o sujeito cria uma imagem escópica que ficara registrada no real, porém esta busca será constante, pois a captura do eu ideal é inatingível. Recordando a mitologia greco-romana, encontra-se o mito de Narciso. Muito conhecido e usado para exemplificar a paixão de Narciso por sua imagem especular. Após ter sido recusada por Narciso, a ninfa Eco foi exilar-se em cavernas e sem alimentar-se foi definhando ate morrer. Nêmeses, para puni-lo condenou-o a um trágico fim que foi apaixonarse pelo reflexo de sua imagem nas águas. Porém ao descobrir que seu objeto de amor era sua própria imagem, foi se consumindo deixando de beber e comer ate morrer. Sabendo de sua morte, as ninfas construíam uma pira, mas ao buscarem seu corpo apenas encontraram uma 3 flor na qual a batizaram de Narciso. Varias versões encontram-se para o mito de Narciso, porém todas elas falam de sua paixão pela imagem especular do outro. Assim a busca narcísica pela beleza do corpo leva o sujeito à procura de várias soluções para que se estabeleça uma harmonia em seus conflitos internos. Freud (1914) coloca que o narcisismo baseia-se na visão em que o sujeito contempla seu próprio corpo, tornando-o objeto de desejo para sua satisfação sexual; corpo este possuidor de varias zonas erógenas que vão permitir que ao admirar sua imagem direcione para si uma energia libidinal, para posteriormente direcionar esta energia para o exterior. Lacan em seu “Seminário 1” [(1953-1954) 1975:148] afirma: O outro tem para o homem valor cativante, pela antecipação que representa a imagem unitária tal como é percebida, seja no espelho, seja em toda realidade do semelhante. O outro, o alter ego, confunde-se mais ou menos, segundo as etapas da vida, com o Ich-Ideal, esse ideal do eu invocado o tempo todo no artigo de Freud. A identificação narcísica – a palavra identificação, indiferenciada, é inutilizável -, a do segundo narcisismo, é a identificação ao outro que, no caso normal, permite ao homem situar com precisão a sua relação imaginária e libidinal ao mundo em geral. Esta aí o que lhe permite ver no seu lugar, e estruturar, em função desse lugar e do seu mundo, seu ser. Em Escritos, no capitulo do “Estágio do espelho” Lacan (1966), descreve que ao comparar uma criança de seis meses e um chipanzé que se olham no espelho, observa-se que a criança é a única que reconhece a própria imagem refletida no espelho e também dos objetos e pessoas que estão em sua volta. O chipanzé como na experiência de Pavlov, responde ao estímulo através dos treinos pelo condicionamento, porém não se reconhece no espelho. A criança se identifica em seu eixo imaginário e se compraz com sua imagem refletida fazendo gracinhas para ela mesma. Em Os outros em Lacan, Quinet (2012, p.13) afirma: Ao partimos do princípio de que no inicio não há unidade, o corpo do indivíduo pode ser concebido como um corpo retalhado, despedaçado, fragmentado pelas pulsões auto-eróticas, as pulsões ditas parciais. A unidade do corpo é, em seguida, prefigurada pela imagem do outro ou pela imagem do espelho, pois ambos não se distinguem como nos ensina o mito de Narciso. As pulsões autoeroticas convergem para a imagem do corpo tomado por um outro: imagem com a qual o sujeito se identifica para constituir o seu eu. Essa imagem é o eu ideal, formado como imagem do outro, i(a), que dará a unidade do eu. Essa prefiguração da unidade corporal é acompanhada de uma jubilação que corresponde à satisfação narcísica sobre um corpo. O eu é, assim, constituído por uma imagem que se corporifica: corpo unificado, corpo em sua totalidade, em suma, corpo humano. 4 Observamos então que o “eu” é constituído por uma soma de significantes dados pelo grande outro, no qual o inconsciente estabelece um discurso marcado por significantes derivados de seus desejos. Desse modo para o grande Outro o “eu” é visto como sujeito. Nos Escritos, Lacan [(1966) 1998:498] “o sujeito pode parecer servo da linguagem”; mesmo antes de seu nascimento ele já existe, a exemplo quando um casal quando pretende constituir uma família, mesmo antes do matrimonio, já fala de sua vinda, sobre criação e destinos deste sujeito, que já esta constituído. Assim, o bebe ao nascer induz aos pais e aos outros parentes a darem vários significantes ao sujeito, e dependendo destes significantes o sujeito vai formando uma visão simbólica e imaginária de si, trazendo-os ao longo do tempo, de modo que estes atributos às vezes podem proporcionar felicidade ou angustia. Então o sujeito durante o convívio com seus pais, parentes, amigos e conhecidos, vai se moldando de acordo com os significantes que lhe foram sendo dados pelo Outro. Assim, o sujeito desejante, o Outro, formado por uma cadeia de significantes recalcados de um sujeito que manifesta um desejo, no qual permite transparecer no sonho seu desejo inconsciente. Este desejo não atendido vai ficar no inconsciente produzindo recalques e uma série de sintomas, dando origem a vários desejos de outras coisas, originando o desenvolvimento de alterações de natureza da neurose: fóbica, histérica ou obsessiva. Neste momento, observo que o ser não ocupa o lugar do eu, pois o ser ocupa um lugar deixado pelo próprio verbo, encontra-se no lugar do imaginário, logo o eu influenciado pelas percepções sensorial-motoras depara-se com uma resistência imaginária, uma inércia levando o sujeito a manifestar mecanismos de defesa criando figuras de palavras encobrindo o discurso do real e mantendo-o recalcado. Nos Escritos, Lacan [(1953) 1998:525] faz o seguinte comentário: Ao se obstinarem em qualificar por uma permanência emocional a natureza da resistência, para torná-la estranha ao discurso, os psicanalistas de hoje apenas mostram sucumbir ao impacto de uma das verdades fundamentais que Freud resgatou através da psicanálise. É que a uma nova verdade não podemos contentarnos em dar lugar, porque é de assumir nosso lugar nela que se trata. Ela exige que nos mexamos. Não se pode atingi-la por uma simples habituação. Habituamo-nos com o real. A verdade, nós a recalcamos. Então o que dizer sobre os sintomas, se estes já eram vistos por Freud como “produtos idiopáticos” como no caso das histéricas, ou seja, criações inconscientes. Foi com sua paciente Emmy Von N, que ao tentar colocar a mão em sua fronte para hipnotizá-la, que a 5 mesma reagiu e não permitiu, pois desejava ficar de olhos abertos e apenas falar. Assim, Freud mudou a estratégia de ação em seus tratamentos e permitiu que o discurso do analista fosse submetido ao desejo do cliente. Portanto, ao reportarmos para nossa vida diária na sociedade, convivemos com um numero bem grande de pessoas que fazem parte de nossa rotina e de outras que mal conhecemos. Deste modo, que formamos laços sociais com os indivíduos que nos rodeiam, onde Lacan intitula de aparelhos de gozo, pois através desta troca vamos dar vazão a atender nossos desejos. Este vínculo é formado por um agente e um outro, onde um se estabelece como dominante que é o agente e o outro dominado, sempre necessitando haver um individuo que renuncie a sua pulsão. Devido à dimensão deste vinculo que muitas vezes existe mesmo sem ocorrer à troca de comunicação falada que Lacan o intitula em laços sociais dos discursos. Entre estes estão: discurso do mestre (senhor e escravo); o discurso universitário ( professor e aluno); o discurso da histérica ( histérica e o medico); o discurso do analista ( o analista e o analisante) ; o discurso capitalista ( derivação atual do discurso do mestre) (Quinet,2012). No Discurso Capitalista não se faz laço social, pois o objeto a ocupa o lugar da produção sendo exemplificado como a indústria, a tecnologia e a ciência. $ _____ S1 S2 _____ consumidor ciência ________________ __________ Capital gadget a Observamos que o Discurso Capitalista apresenta-se em ordem inversa produzindo no consumidor uma constante insatisfação em todos os aspectos de sua vida, pois este se nutre pelo constante vazio produzido por falta de gozo. A tecnologia e a globalização levam em todos os lugares do planeta todas as novidades que vão surgindo para que a população fique informada. Com a necessidade de atender ao desejo do outro, o sujeito busca as ofertas estabelecidas pelo discurso capitalista mesmo que não proporcione o gozo. As propagandas para a divulgação de produtos cosméticos são cada vez mais sedutoras, pois demonstram à melhora das rugas, a redução mágica da celulite e da gordura localizada em apenas 30 dias. Assim homens e mulheres que precisam acreditar nesta verdade, adquirem estes produtos para ficarem mais bonitos, esguios e desejáveis. A cada dia, vários profissionais se especializam para atender esta demanda do culto ao corpo. As clínicas de cirurgias plásticas promovem tratamentos parcelados para intervenções cirúrgicas e disponibiliza a todos os clientes a condição que tantos desejam que seja de 6 atender a necessidade do sujeito de mostrar para o outro que ele não esta excluído do grupo e que também pode pagar sua cirurgia plástica, sendo esta demonstração de status. Com o avanço tecnológico e um grande interesse em aperfeiçoamento das formas corporais, as empresas de aparelhos de ginástica oferecerem um número bem grande de aparelhos revolucionários, onde as melhores academias adquirem os mais variados tipos. Para impressionar o grande público, as propagandas são cada vez mais elaboradas e despertam o seu consumo, pois utilizam como modelos mulheres “saradas” e homens com grande hipertrofia muscular relatando que adquiriram todo o desempenho através do seu uso. A mídia televisiva vende uma imagem de felicidade que na realidade muitas vezes é falsa. Ela exalta a beleza de mulheres magras, esguias e às vezes anoréticas, no qual ao serem exaltadas permitem aflorar seu narcisismo levando-as muitas vezes abrir mão inconscientemente da saúde por um gozo proporcionado pela mídia, que cruelmente as julga como ideal de beleza sem avaliar a qualidade de saúde por elas apresentadas. Assim, sendo o corpo visto em forma de fetiche, o sujeito vai à busca de resolver a angustia de transformação de seu corpo e lança a mão de soluções rápidas para adquirir o corpo tão desejado, pois a necessidade de transformar este desejo em vários significantes leva ao sujeito a se perder em sua própria demanda. Elia em “Corpo e sexualidade” (1995, p.104): Se são os significantes (elementos da ordem simbólica) que medeiam a relação do sujeito com o corpo, já esvaziado de órgão, são também eles que organizam, para o sujeito, a relação com a imagem de seu corpo, e, a partir deste patamar, as imagens de seus semelhantes, dos objetos da realidade com os quais o sujeito ira estabelecer suas relações. Temos, assim, além do registro do simbólico, o registro do imaginário, de grande importância para a questão do corpo em psicanálise. A ciência vem proporcionando o desenvolvimento de próteses de silicone para várias partes do corpo, porém nem sempre esta solução é tão imune ao corpo, pois à medida que a procura destes produtos aumentam, a qualidade esta diminuindo, levando ao desenvolvimento de produtos de péssima qualidade o que esta proporcionando ao sujeito grandes problemas de saúde física e psíquica. Portanto, o grande mal estar provocado por não ser psiquicamente (a imagem de seu eu ideal) o que realmente deseja, leva ao sujeito a grande frustração, pois ao não dar conta de toda a transformação almejada entra em mais angustia recalcando seu desejo. 7 Referências Bibliográficas: Elia,L. Corpo e sexualidade em Freud e Lacan. Rio de Janeiro: UAPÊ, 1995. Freud, S. (1915 / 1976). Introducción del Narcisismo. Em Obras Completas, vol. XIV. Buenos Aires, Amarrortu, 1986. Freud, S. (1930/1974). O mal estar da civilização. Edição Standard Brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. 1ª ed. Rio de Janeiro: Imago, Vol. XXI. Gorender,ME. Estéticas do corpo: técnicas de modificação corporal. Cogito. Salvador, n. 9, p. 39 – 41. Outubro. 2008. Lacan, J. (1953 /1998). O estádio do espelho como formador da função do eu. In Escritos (pp.93-103). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed. Lacan, J. (1953 /1979). O Seminário, 1:Os escritos técnicos de Freud. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed. Quinet, A. Os outro de Lacan. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed. 2012 "Eu Martha Ribeiro da Fonseca autora do trabalho intitulado “A beleza e o desejo de reconhecimento: A beleza e o discurso capitalista”, o qual submeto à apreciação da Comissão Executiva do V Congresso Internacional de Psicopatologia Fundamental e XI Congresso Brasileiro de Psicopatologia Fundamental, concordo que os direitos autorais a eles referentes se tornem propriedade exclusiva da Associação Universitária de Pesquisa em Psicopatologia Fundamental - AUPPF, sendo vedada qualquer reprodução total ou parcial, em qualquer outra parte ou meio de divulgação impressa ou virtual sem que a prévia e necessária autorização seja solicitada por escrito e obtida junto à AUPPF. Rio de Janeiro, 27 de agosto de 2012. ___________________________________________________________________________ 8 Assinatura.