PERSPECTIVA DE ANÁLISE MICRO DA ESTRUTURA DA ATIVIDADE MATEMÁTICA EM SALA DE AULA Maria Manuela David Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil [email protected] Vanessa Sena Tomaz Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil [email protected] RESUMO No presente trabalho utilizamos conceitos das perspectivas teóricas histórico-culturais da atividade para aprofundar a análise de um aspecto que tinha sido apenas apontado em estudos anteriores, que passamos a chamar de mobilidade dos componentes da atividade em curso. Nesses estudos discutimos o papel da representação visual por meio de desenhos na estruturação da atividade matemática em sala de aula e como algumas práticas de ensino podem facilitar a visualização de objetos matemáticos pelos alunos. Nossas conclusões se centraram na: descrição da complexidade da estrutura da atividade em sala de aula; identificação das tensões percebidas nos sistemas de atividades; e nas potenciais aprendizagens expansivas que essas tensões impulsionaram. Ao retomar os episódios de sala de aula, o foco passou a ser a grande movimentação e superposição das regras que regem a atividade e, consequentemente, das ações dos sujeitos que elas orientam. Discute-se como essa movimentação pode ter uma dimensão positiva, pelas aprendizagens que impulsiona desde que não se perca o foco no objeto principal da atividade; e como as mudanças com momentâneas superposições de regras é um aspecto que parece característico da atividade matemática escolar e merece ser mais bem investigado. Palavras-chave: atividade matemática escolar; perspectiva históricocultural da atividade; mobilidade e mudanças de regras. V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA 28 a 31 de outubro de 2012, Petrópolis, Rio de janeiro, Brasil ABSTRACT In previous studies we have discussed the role of visual representations for structuring classroom mathematical activity and how some teaching practices can facilitate students’ visualization of mathematical objects. In these studies we have used concepts from historical-cultural theoretical perspectives on activity to analyze some classroom episodes, focusing our conclusions on the description of the complexity of the classroom activity structure, on the identification of the tensions perceived in the activity systems, and on the potential expansive learning that those tensions have promoted. In this paper, we use the same theoretical perspective to revisit the same episodes, making a deeper analysis of one aspect that we had only briefly pointed out in the previous studies, now named as the mobility of the components of the ongoing activity. The focus now is on the mobility and superposition of the rules that govern the activity and, consequently, of the actions of the subjects under those rules. We discuss how this mobility may have a positive dimension, by the learning opportunities it can promote if the focus on the main object of the activity is not lost, and how these changes and superposition of rules is an aspect that seems characteristic of school mathematical activity deserving further investigation. Keywords: school mathematical activity; historical-cultural perspective; mobility and rules’ changing. 1 Introdução Em nossas pesquisas em sala de aula, realizadas com o propósito de investigar o quê se aprende de matemática e como se aprende em escolas públicas brasileiras de Educação Básica, identificamos algumas situações nas quais dois professores, Roberto e Telma, apesar de não planejado, foram levados a discutir e ensinar explicitamente algumas regras que regulam o uso do desenho na atividade matemática escolar. Em trabalhos anteriores (DAVID; TOMAZ, 2012; TOMAZ; DAVID, 2011) focamos na discussão do papel que a representação visual por meio de desenhos tem na estruturação da atividade matemática em sala de aula e em como determinadas práticas de ensino, 2 V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA 28 a 31 de outubro de 2012, Petrópolis, Rio de janeiro, Brasil adotadas pelos professores, podem facilitar a visualização de objetos matemáticos pelos alunos. Em David & Tomaz (2012) investigamos como a representação visual estruturou uma atividade em sala de aula e discutimos práticas de ensino que podem facilitar a visualização de objetos matemáticos por estudantes do ensino fundamental. Utilizamos a perspectiva teórica da Teoria da Atividade (LEONT’EV, 1978; ENGESTRÖM, 1987) para analisar um episódio de sala de aula em que se discutia o cálculo de área de uma figura geométrica, caracterizando-o como um sistema de atividades interconectadas. Discutimos as mudanças e transformações percebidas naquele sistema impulsionadas pelo professor ao chamar a atenção dos alunos para as regras e normas de uso da representação visual na matemática escolar. No artigo Tomaz & David (2011) tomamos os mesmos referenciais teóricos e também investigamos o papel da representação visual na estruturação da atividade matemática a partir de um episódio de cálculo da medida de um ângulo formado pelas bissetrizes de dois outros ângulos adjacentes dados. Neste caso, a discussão sobre as regras e normas que regem o uso do desenho na matemática escolar foi provocada por uma estudante e socializada para os demais alunos pela professora. Nós concluímos nos dois artigos que algumas transformações na atividade matemática escolar sugiram por influência do desenho e que essas estavam associadas à contradição entre ideias matemáticas abstratas e suas representações empíricas reveladas pelas tensões percebidas na atividade de cálculo de área e de medida do ângulo. As tensões percebidas nas situações analisadas nos dois artigos desviaram a atividade em sala de aula do curso previamente planejado, mas potencializaram uma expansão da aprendizagem, em direções também não planejadas inicialmente. Focando nas mudanças de papéis e posições do artefato desenho, foi possível perceber momentos de potenciais expansões da aprendizagem por parte dos alunos. Concluímos que, se os professores passarem a desenvolver práticas em que as tensões provocadas pelas diferentes formas de se interpretar os desenhos na matemática sejam enfrentadas, em vez de simplesmente ignoradas, podem ocorrer desdobramentos bastante positivos para a aprendizagem dos alunos. Mais recentemente, quando analisamos os dois trabalhos anteriores conjuntamente percebemos que a mobilidade das componentes da atividade matemática escolar poderia ser uma decorrência da interferência de elementos que trazem algo de novo para a atividade, como ações dos sujeitos, artefatos mediadores (nesses casos desenhos), etc. 3 V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA 28 a 31 de outubro de 2012, Petrópolis, Rio de janeiro, Brasil Isto nos alertou também para a não previsibilidade das aprendizagens que ocorrem na atividade matemática escolar, associadas a essa mobilidade. Do ponto de vista teórico, os estudos anteriores concluíram pela necessidade de se fazer uma revisão da estrutura da atividade, conforme proposta por Engeström (1993), de tal forma que passe a permitir uma melhor visualização da mobilidade dos componentes nessa estrutura, soltando mais as amarras e considerando todas as associações e transformações possíveis entre os seus componentes. Entretanto, parecenos que isso deve ser feito sem negar e abandonar de vez essa estrutura, para não perder a sua dimensão operacional que viabiliza a análise da atividade humana. No presente trabalho, aprofundamos a discussão sobre essa mobilidade retomando as situações previamente analisadas, e usando o mesmo referencial teórico, mas focando na mobilidade dos componentes; nas mudanças das regras adotadas inicialmente para a atividade e nos desdobramentos desses dois aspectos no sistema de atividades como um todo. 2 Referencial Teórico O desenvolvimento dos trabalhos citados foi baseado na perspectiva histórico- cultural da atividade (LEONT’EV, 1978; ENGESTRÖM, 1993) e na teoria da aprendizagem expansiva de Engeström (1987). Esta perspectiva teórica ainda está sendo pouco utilizada em pesquisas em sala de aula, mas seus conceitos mostraram-se adequados para ‘iluminar’ o papel desempenhado pelos desenhos nessas situações. De acordo com Leont’ev, uma atividade consiste em um grupo de pessoas (sujeitos) engajadas em um mesmo propósito, com uma direção para o seu trabalho (objeto ou motivo da atividade). A atividade emerge de uma necessidade, que direciona os motivos para um objeto relacionado. Para satisfazer os motivos, ações são necessárias. Essas, por sua vez, são realizadas de acordo com as condições da atividade que determinam as operações relacionadas com cada ação. Assim, na estrutura proposta por Leont’ev, no primeiro nível temos a atividade, direcionada a um motivo, em um segundo nível temos as ações, direcionadas a objetivos específicos e no terceiro nível vêm as operações, ou rotinas, que mantêm o sistema funcionando e que dependem das condições. Engeström (1987) retoma e amplia o modelo de estrutura de Leont’ev que, por sua vez, é baseado no modelo de Vygotsky, para representar um sistema de atividade coletiva acrescentando novos componentes no modelo triangular. 4 V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA 28 a 31 de outubro de 2012, Petrópolis, Rio de janeiro, Brasil Figura 1- Modelo triangular para um Sistema de Atividades - Fonte: Engeström (1987, p. 78) Em cada vértice desses triângulos é colocado um dos componentes da atividade: sujeito, objeto, ferramentas/artefatos, divisão do trabalho, comunidade e regras. Nesse modelo o sujeito consiste em um indivíduo ou grupo de pessoas engajadas em um único propósito, cujo poder de ação é o foco da análise; objeto é o “espaço problema” na direção do qual a atividade é desenvolvida; ferramentas são artefatos mediadores e signos; comunidade refere-se às pessoas que partilham o mesmo objeto; divisão do trabalho diz respeito à divisão das tarefas e ao status entre os membros da comunidade, e as regras se referem-se às normas e convenções explícitas e implícitas que regulam as ações e interações dentro do sistema de atividades. Engeström (2001, p.134) defende que as ações orientadas ao objeto são sempre, explícita ou implicitamente, caracterizadas por ambiguidade, surpresa, interpretação, atribuição de sentido e potencial para mudança. O círculo na (Fig.1) em torno do objeto chama atenção para essas características. No modelo (Fig. 1), Engeström também ressalta o papel central das contradições, como impulsionadoras de mudanças e desenvolvimento da atividade humana. Contradições são mais do que problemas ou conflitos, são, na verdade, tensões historicamente acumuladas dentro de e/ou entre sistemas de atividades. As contradições provocam questionamentos das práticas por parte dos sujeitos, causando rupturas, que podem originar transformações expansivas da atividade. Uma transformação expansiva ocorre quando o objeto e o motivo da atividade são modificados para abarcar um horizonte de possibilidades mais vasto do que no modo anterior da atividade. Isto é, a transformação ocorre quando as tensões e contradições são superadas. Engeström (1987) desenvolveu uma teoria da aprendizagem expansiva 5 V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA 28 a 31 de outubro de 2012, Petrópolis, Rio de janeiro, Brasil em que a aprendizagem emerge como resultado de um tratamento multidimensional do aprendiz: como um indivíduo e como uma comunidade. Nesse sentido, a aprendizagem expansiva é uma abordagem que, no que se refere à aprendizagem, pretende ser qualitativamente diferente da perspectiva da aquisição e da participação. Nela supõe-se que os aprendizes constroem um novo objeto e motivo para a sua atividade e o implementam na prática. As contradições são um motor necessário, mas não suficiente, para a aprendizagem expansiva num sistema de atividades. Ao desenvolver essa perspectiva de aprendizagem, Engeström (2000) redefiniu o conceito de zona de desenvolvimento proximal (Vygotsky) como um espaço para transições expansivas das ações para uma atividade. Entretanto, para identificar essas expansões torna-se necessária uma ferramenta analítica adequada. Engeström e Sannino (2010) examinaram alguns estudos baseados na Teoria da Aprendizagem Expansiva (ENGESTRÖM, 1987) e identificaram as diferentes ferramentas de análise em que eles se apoiaram. Entre elas, neste trabalho, destacamos os ciclos de ações de aprendizagem ou mini ciclos de aprendizagem potencialmente expansiva. Para esses autores, um ciclo expansivo de aprendizagem em larga escala envolve numerosos ciclos de ações de aprendizagem de menor escala, que podem ocorrer no espaço de alguns dias ou mesmo de horas de intensa colaboração ou resolução de problemas. Esta noção tem se mostrado apropriada para a discussão de momentos de potencial expansão das aprendizagens em atividades de curta duração, como as de sala de aula, por meio da observação de pequenas mudanças em determinados componentes da atividade em curso. Essas mudanças se configuram em torno da mobilidade dos componentes da atividade, dentro do sistema de que ela faz parte. 3 Situações Analisadas Como já afirmamos, neste trabalho vamos retomar dois estudos anteriores, em que se discutiam práticas de professores que dão abertura para que os alunos participem da discussão em sala. O primeiro estudo, cujo detalhamento pode ser encontrado em David e Tomaz (2011) trata de uma aula do professor Roberto desenvolvida com 25 alunos de 5ª série (atualmente 6º ano) com idades entre 11 e 12 anos de uma escola pública municipal em Belo Horizonte. Roberto é um professor experiente (quase 30 anos de trabalho), tem um relacionamento bem amigável com os alunos e promove uma participação ativa deles 6 V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA 28 a 31 de outubro de 2012, Petrópolis, Rio de janeiro, Brasil nas atividades matemáticas em sala de aula. Propõe problemas para os alunos resolverem, incentivando que partilhem suas soluções com os colegas. O professor geralmente percorre as carteiras dando orientações e fazendo desafios aos alunos e, na sequência, abre a discussão para toda a turma, convidando os alunos para apresentarem suas soluções oralmente, e muitos deles indo ao quadro para mostrar a solução. A maioria dos alunos participa espontaneamente do diálogo em sala de aula, sendo evidente o cuidado do professor em dar voz a seus alunos, mesmo quando não tenham produzido uma solução correta. Na aula em análise, Roberto discute um problema de cálculo da área de um triângulo inserido em um retângulo, sendo dadas algumas medidas, como mostra a figura abaixo: Figura 2 - Desenho proposto por Roberto para cálculo da área do triângulo sombreado. Apesar de os alunos já terem resolvido vários problemas de cálculo de área fazendo reconfiguração de figuras geométricas, o problema acima se tornou um caso especial por causa do desenho apresentado, que poderia levar à visualização de um triângulo retângulo (sombreado) inserido dentro do retângulo. Realmente os alunos tiverem dificuldade de resolver o problema. Ao analisar este momento da aula, identificamos um sistema de atividades que nomeamos como “Cálculo de Área” (cujo objeto é o “cálculo da área de um triângulo”) que se estrutura por meio de várias atividades, fruto de mudanças em seus componentes. Esse sistema de atividades surgiu a partir de tentativas dos alunos para resolver o problema proposto. Como a posição do triângulo e do retângulo que compõem a figura não correspondia exatamente aos tipos de desenhos que os alunos estavam acostumados a visualizar, eles criaram uma complexa sequência de ações para reconfigurar o desenho e adequá-lo a algo que eles pudessem reconhecer, rodando ligeiramente o suposto triângulo retângulo, de tal forma que seus supostos catetos coincidissem com os lados do retângulo. No curto período de tempo decorrido na discussão desse problema, identificamos um sistema de atividades formado por uma constelação de quatro atividades que, quando analisadas historicamente, podem ser caracterizadas como mini- 7 V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA 28 a 31 de outubro de 2012, Petrópolis, Rio de janeiro, Brasil ciclos de aprendizagem (ENGESTRÖM; SANNINO, 2010): 1) cálculo da área por reconfiguração de figuras geométricas (completar retângulos com triângulos retângulos), como se vinha fazendo nos exercícios anteriores; 2) momentaneamente, o professor e duas alunas focam na interpretação inadequada que estava sendo dada ao desenho; 3) a maioria dos alunos permanece seguindo o padrão de cálculo como na atividade 1; 4) retorno ao cálculo da área, com o novo procedimento (que acaba sendo sugerido pelo professor). Essas tentativas dos alunos fazem surgir tensões na atividade, pois enquanto os alunos querem resolver o exercício utilizando o que a percepção visual lhes sugere, ou seja, que o triângulo é retângulo, o professor insiste que essa leitura da figura não é adequada porque eles “não sabem nada” sobre esse triângulo. As tensões geram mudanças na atividade sem, entretanto, chegar a uma transformação da mesma a ponto de gerar outro sistema de atividades. Foram várias as mudanças, ocasionando em determinado momento o redirecionamento do foco de atenção para as normas que regulam o uso e a interpretação de desenhos na matemática, em vez do cálculo da área do triângulo. Assim, o desenho, dadas as suas particularidades, desviou a atividade do curso inicialmente previsto e levou o professor a, momentaneamente, tomar as normas que regulam o uso de desenhos de figuras geométricas como objeto de ensino. Nesse processo, surgiram diversas oportunidades de uma expansão da aprendizagem por parte dos alunos, sendo que algumas não pareciam estar previstas no planejamento do professor. Por exemplo, aprender sobre novos procedimentos para fazer o cálculo de áreas, sobre as normas e regras para o uso e interpretação de um desenho na matemática, sobre a caracterização e representação de um triângulo retângulo, sobre a notação para ângulos retos, e sobre a conservação de áreas. No segundo estudo, apresentado em Tomaz e David (2011), analisamos a aula da professora Telma, desenvolvida com 35 alunos de 7ª série (atualmente 8º ano) com idades entre 12 e 13 anos de uma escola pública estadual da região metropolitana de Belo Horizonte. Telma também é uma experiente professora de matemática atuando na escola básica por mais de 23 anos. Ela é considerada uma boa professora de matemática por seus alunos e pelos membros da comunidade. Telma tem um bom relacionamento com os estudantes e cria muitas oportunidades para que participem ativamente das atividades em sala de aula. 8 V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA 28 a 31 de outubro de 2012, Petrópolis, Rio de janeiro, Brasil Na aula em análise, a professora discutiu com os alunos um problema, proposto como tarefa de casa, que pedia a medida do ângulo formado pelas bissetrizes de dois ângulos adjacentes dados, usando a figura abaixo: Figura 3 - Desenho proposto para o cálculo da medida do ângulo formado pelas bissetrizes de dois ângulos adjacentes dados. Anteriormente, a professora introduziu a noção de bissetriz de um ângulo e sua medida, por meio de uma atividade em que os alunos formavam ângulos fazendo dobraduras em folhas de papel, de modo que as marcas permitissem visualizar retas e ângulos. Para levar os alunos a perceberem que dado um ângulo as medidas dos ângulos formados pela sua bissetriz eram iguais, a professora sugeriu aos alunos que utilizassem o transferidor para comparar as medidas encontradas. A discussão em torno do problema acima, proposto depois da atividade de dobraduras, surgiu quando uma aluna disse que não conseguiu resolver o exercício em casa porque não tinha transferidor. Isso gera uma discussão e cria uma tensão na sala quanto à forma de resolver o problema (usar o transferidor ou fazer um cálculo usando a informação da figura?). Nesse momento o desenho torna-se particularmente importante, porque existe uma informação essencial que só pode ser encontrada nele (RVS e SVT são ângulos adjacentes – Fig. 3). No período de tempo em que decorre essa discussão, identificamos do mesmo modo um sistema de atividades formado por uma constelação de quatro atividades que, quando analisadas historicamente, também podem ser caracterizadas como mini-ciclos de aprendizagem potencialmente expansiva (ENGESTRÖM; SANNINO, 2010): 1) uso do transferidor para medir os ângulos formados por uma bissetriz; 2) determinação da medida do ângulo formado pelas bissetrizes de dois ângulos adjacentes dados; 3) identificação das características de um objeto matemático por meio de sua representação visual (exemplo: diferença entre quadrado e retângulo); e 4) retorno à atividade 2 9 V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA 28 a 31 de outubro de 2012, Petrópolis, Rio de janeiro, Brasil usando novas regras para o cálculo da medida do ângulo formado pelas duas bissetrizes dos ângulos adjacentes dados. Neste caso, o padrão estável da atividade 2 se perde quando a professora partilha a dúvida da aluna com a turma e momentaneamente desvia os alunos da atividade principal, passando a ensinar as normas que regem o uso de desenhos na atividade matemática escolar, usando uma figura auxiliar particular, considerada mais simples para os alunos (quadrado/retângulo) - identificada como atividade 3. Figura 4 - Desenhos de figuras geométricas usados pela professora para diferenciar a representação visual de um quadrado em relação ao retângulo. A instabilidade gerada pela tensão presente na atividade promoveu mudanças nas posições dos componentes da atividade, fazendo com que as regras que governam o uso do desenho na matemática escolar passassem a se configurar com o objeto de ensino. Também neste caso, foram criadas novas oportunidades, aparentemente não previstas pelo planejamento da professora, para uma expansão do conhecimento dos alunos sobre diferentes formas de encontrar a medida de ângulos, sobre as normas que regem o uso de desenhos na matemática escolar, e sobre a diferenciação entre quadrados e retângulos. Nas duas situações descritas acima, podem-se perceber mudanças no curso da atividade. Na primeira situação, a mudança foi provocada pelo professor, o primeiro a perceber a particularidade do desenho proposto. No segundo caso, a mudança foi provocada pela intervenção de uma aluna, que levou Telma a fazer um desvio mais radical do que no caso de Roberto, porque ela lança mão de um desenho auxiliar distinto do que gerou a dificuldade da aluna. Entretanto, em ambos os casos, a mudança de curso não desviou o foco da turma da atividade principal, que foi retomada logo em seguida pelos professores. Como já afirmamos, nos dois casos foram criadas novas, e não planejadas, oportunidades de aprendizagem sobre as normas que regulam o uso de desenhos na matemática escolar, além de outras. Para representar os dois sistemas de atividades fizemos uma adaptação no diagrama proposto em Engeström (1987) para evidenciar a sobreposição das atividades e a mobilidade dos componentes, o que aparentemente configura uma instabilidade na atividade. Identificamos nos diagramas com índices alfabéticos as mudanças e 10 V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA 28 a 31 de outubro de 2012, Petrópolis, Rio de janeiro, Brasil permanências de papéis e as posições dos componentes em uma atividade em relação à outra dentro do mesmo sistema. Figura 5 - Diagrama do Sistema de Atividades Cálculo de Áreas - Fonte: David e Tomaz (2012) 11 12 V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA 28 a 31 de outubro de 2012, Petrópolis, Rio de janeiro, Brasil Quadro 1: Componentes do Sistema de Atividades Cálculo de Áreas Atividade 1 Oa- Cálculo de áreas de figures geométricas. Objeto Atividade 2 Ob - Interpretação de um desenho na aula de matemática. Sb - Professor e momentaneamente duas estudantes. C - Professores de matemática, matemáticos, estudantes, autores de livros didáticos e elaboradores de currículos, etc. Da- O professor é a autoridade. Atividade 3 Oa -Cálculo de áreas de figures geométricas. Sc- Estudantes. Atividade 4 Oa -Cálculo de áreas de figures geométricas. Sa- Estudantes e professor C - Professores de matemática, matemáticos, estudantes, autores de livros didáticos e elaboradores de currículos, etc. Db- Os estudantes ocupam uma posição de autoridade. Ta - Desenhos de figuras geométricas e formulas para cálculo de áreas. Tb- Desenhos de figures geométricas. Ra- Uso de reconfiguração de desenhos; considerar o desenho como uma figura real possível de ser representada; qualquer cálculo aritmético necessita ser explicado. Rb- Pode-se usar do desenho somente as informações que são reconhecidas como certas. Ta- Desenhos de figures geométricas e formulas para cálculo de áreas. RcUsar a reconfiguração do desenho para movimentar o triângulo interno dentro do retângulo; qualquer cálculo aritmético necessita ser explicado oralmente. C - Professores de matemática, matemáticos, estudantes, autores de livros didáticos e elaboradores de currículos, etc. Dc- O professor e estudantes se movem em direção a uma distribuição mais horizontal de distribuição de papéis. T b - Desenhos de figuras geométricas. Sa- Estudantes e professor Sujeitos Comunidade C Professores de matemática, matemáticos, estudantes, autores de livros didáticos e elaboradores de currículos, etc. Da- O professor autoridade. é a Divisão do Trabalho Ferramentas Regras R dUsar a reconfiguração do desenho, considerando os triângulos externos para obter as informações necessárias para o cálculo da área; qualquer cálculo necessita ser explicado oralmente. Como podemos ver no detalhamento do Quadro 1, no caso de Roberto (Fig.5), o objeto principal era o cálculo de áreas e a descoberta de novos procedimentos para fazer tal cálculo. Paralelo ao objeto principal, outras ideias matemáticas também foram discutidas e potencialmente aprendidas pelos alunos: a representação do triângulo retângulo por meio do desenho e a noção de que nem todos os triângulos que parecem retângulos são retângulos; as normas e regras para uso e interpretação de um desenho em matemática; a notação para ângulo reto e conservação de áreas. V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA 28 a 31 de outubro de 2012, Petrópolis, Rio de janeiro, Brasil Figura 6 - Diagrama do Sistema de Atividades "Cálculo da medida do ângulo formado pelas bissetrizes de dois ângulos adjacentes" - Fonte: Tomaz e David (2011) 13 14 V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA 28 a 31 de outubro de 2012, Petrópolis, Rio de janeiro, Brasil Quadro 2 – Componentes do Sistema de Atividade Medida do ângulo formado pelas bissetrizes de dois ângulos adjacentes. Objeto Atividade 1 Oa- medida do ângulo formado pela bissetriz de um ângulo dado. Atividade 2 Ob – Medida do ângulo formado pelas bissetrizes de dois ângulos adjacentes. Sujeitos Sa-Estudantes e professor Sa - Professor e estudantes. C - Professores de matemática, matemáticos, estudantes, autores de livros didáticos e elaboradores de currículos, etc. Db- uma estudante trabalha sozinha e os outros estudantes e a professora trabalham juntos. Tb - Desenhos de ângulos e semirretas bissetrizes dos ângulos. Comunidade Divisão do Trabalho C Professores de matemática, matemáticos, estudantes, autores de livros didáticos e elaboradores de currículos, etc. Da - O professor é a autoridade. Ta – transferidor, folha de papel, régua, caneta, lápis Ferramentas Regras Ra- Medir o ângulo usando o transferir ou fazendo dobraduras na folha de papel e sobrepondo as partes dobradas para comparar as medidas dos ângulos. Rbusar o transferidor para medir o ângulo ou o desenho para obter a informação necessária para obter a medida do ângulo. Atividade 3 Oc - Regras para identificação das características de um objeto matemático a partir de sua representação visual. Sa- Estudantes e professora. C - Professores de matemática, matemáticos, alguns estudantes, autores de livros didáticos e elaboradores de currículos, etc. Dcestudantes e professor trabalham juntos, mas o professor é a autoridade. Tc -Desenhos de um retângulo ou de um quadrado. Rc- usar o desenho extraindo as informações necessárias para diferenciar quadrado de um retângulo. Atividade 4 Ob – Medida do ângulo formado pelas bissetrizes de dois ângulos adjacentes. Sa- Estudantes e professor C - Professores de matemática, matemáticos, estudantes, autores de livros didáticos e elaboradores de currículos, etc. Dc- Estudantes e professora trabalham juntos, mas professora é a autoridade. Td - Desenhos de ângulos e semirretas bissetrizes dos ângulos;medidas dadas para cada ângulo. Rd- Usar o desenho para obter as informações necessárias para o cálculo da medida do ângulo. No caso de Telma (Fig.6), o objeto principal da atividade em sala de aula, detalhado no Quadro 2, era a medida do ângulo formado pelas bissetrizes de dois ângulos adjacentes. Para além desse objeto principal, percebemos como as ações foram redirecionadas para a identificação do quadrado/retângulo por meio da visualização de um desenho, passando pela caracterização geral de quadrados/retângulos como objetos matemáticos; seguindo dando destaque para as normas e regras para uso e interpretação de desenhos em matemática e, ao final, para a notação usada para a representação de ângulos de mesma medida. Nos estudos brevemente descritos acima, nossas conclusões se centraram na: descrição da complexidade da estrutura da atividade em sala de aula (constelação de sistemas de atividades interligadas.); identificação das tensões percebidas nesses sistemas de atividades; e nas potenciais aprendizagens expansivas que essas tensões impulsionaram. V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA 28 a 31 de outubro de 2012, Petrópolis, Rio de janeiro, Brasil Foi assim que começamos a perceber algumas mudanças de papeis e de posições assumidas pelo artefato desenho na estrutura da atividade em sala de aula, o que chamamos de mobilidade dos componentes dentro do sistema de atividades. No primeiro caso, concluímos que o artefato (desenho do triângulo inserido no retângulo) mostrou ter agency (poder de ação) e, portanto, poderia ser considerado como sujeito da atividade. No segundo caso, vimos que o artefato (desenho dos ângulos adjacentes) momentaneamente se transformou no objeto da atividade. Os dois casos juntos nos mostraram como um artefato (desenho), pelas tensões que provoca, pode modificar as ações dos sujeitos e a própria atividade em curso, impulsionando assim potenciais aprendizagens expansivas. Embora não se possa afirmar que a mobilidade, evidenciada a partir da percepção de mudanças nos papéis do artefato desenho ao longo da atividade, tenha levado a transformações expansivas dessas atividades, porque o objeto principal se manteve como sendo respectivamente o “cálculo da área de uma figura geométrica” e o “cálculo da medida do ângulo formado pelas bissetrizes de ângulos adjacentes”, foi possível reconhecer flutuações ou pequenas alterações nos seus objetos. Por outro lado, também fomos gradualmente percebendo que as mudanças em um componente são acompanhadas de mudanças em outros. Como se pode ver nos diagramas, entre os componentes que mais tiveram mudanças, as regras se destacam nesses dois casos. Esse aspecto só se tornou mais perceptível para nós após a análise conjunta das duas situações mencionadas. A análise desses dois sistemas de atividades nos revelou ainda que a mobilidade e as mudanças das regras dentro desses sistemas parece ter sido influenciada pelo fato de neles estar instalada uma contradição histórica entre as ideias matemáticas abstratas e suas representações empíricas (desenhos). Essa contradição fez surgir tensões que originaram mais instabilidade no conjunto de regras existente do que em outros componentes. As tensões se concentraram nas regras que regem o sistema porque há uma superposição de regras diferentes dentro do mesmo sistema, orientando ações diferentes direcionadas para o mesmo objeto. Essas tensões impulsionam mudanças nas regras que, por sua vez, podem promover flutuações no objeto (como no segundo caso) e mudanças de papéis de determinados componentes da atividade (como no primeiro caso), e redirecionam as ações dos sujeitos para novos objetos de aprendizagem (neste caso, relacionados à aprendizagem de novas regras e normas que regulam o uso da representação visual na matemática escolar). 15 V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA 28 a 31 de outubro de 2012, Petrópolis, Rio de janeiro, Brasil No presente trabalho, nosso objetivo é aprofundar a análise de um aspecto que tinha sido apenas apontado nos trabalhos anteriores, que passamos a chamar de mobilidade dos componentes da atividade em curso. A mobilidade a partir da flutuação do objeto parece poder ser baseada nas ideias de Engeström e Sannino (2010) quando afirmam que é necessário distinguir entre o objeto generalizado da evolução histórica dos sistemas de atividades e o objeto específico, como ele aparece para um sujeito particular, em um dado momento, em uma dada ação. (ENGESTRÖM; SANINNO, 2010, p.6) Em especial, nas situações analisadas o que passou a se destacar foi a mobilidade que pode estar ligada às mudanças e superposição das regras que regem a atividade e, consequentemente, das ações dos sujeitos que elas orientam. Essas mudanças, por sua vez, parece ter sido muito influenciadas nesses casos pelo poder de ação (agency) dos artefatos mediadores da atividade (o exercício, o desenho, as situações específicas de ensino). No primeiro caso, da aula do professor Roberto, antes, os alunos podiam se apoiar na movimentação de partes do desenho porque as regras permitiam a manipulação mental de figuras apoiada na própria representação visual, em desenho. Entretanto, no caso especifico do cálculo da área solicitada não se pode garantir que o maior ângulo do triângulo se encaixe perfeitamente no ângulo do retângulo, supondo que ambos teriam 90º, o que obriga os alunos a usar novas regras para a interpretação de um desenho, de tal forma que ele represente a ideia matemática abstrata e não somente o que é perceptível visualmente. Quando momentaneamente, de um lado temos o professor e duas alunas redirecionados para o questionamento do procedimento de reconfiguração da figura, tendo em vista a especificidade do desenho e do outro os outros alunos mantendo-se no procedimento historicamente incorporado, pode-se perceber a distinção entre objetos, porque um novo padrão da atividade surge porque o objeto generalizado historicamente é questionado. No segundo caso, da professora Telma, antes, a medida encontrada empiricamente com o transferidor retratava (a menos de um grau de aproximação aceitável) a medida do ângulo, e correspondia ao registro expresso ou ao que era visível aos olhos. Entretanto, no problema proposto, o registro das medidas no desenho não conferia com as medidas reais encontradas com o transferidor, ou não foram reconhecidas pelos alunos como as medidas dos ângulos do desenho,o que também mostra a distinção entre 16 V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA 28 a 31 de outubro de 2012, Petrópolis, Rio de janeiro, Brasil objeto generalizado (usar transferidor para medir ângulos) e o objeto específico que sugere um novo padrão de atividade (usar a informação do desenho). Perante as situações enfrentadas, a atuação dos dois professores se deu de forma diferenciada. A professora Telma promoveu, momentaneamente, mudanças mais significativas no sistema de atividades, quando ela cria um desvio radical do objeto principal para explicar porque os alunos não deviam usar o transferidor para medir os ângulos, e sim usar o registro do desenho. Apesar desse desvio, a professora conseguiu manter a estrutura geral do sistema, sem perder o foco no objeto principal, talvez por se tratar de um procedimento já sedimentado em sua prática que é de sempre explicitar e fazer uma sistematização dos conceitos que estão sendo utilizados. As aulas da Telma, apesar de permitirem intensa participação dos alunos e diálogos calorosos, eram mais estruturadas quando comparadas às de Roberto. Ela consegue chamar os alunos de volta ao problema inicial, mesmo quando abre “parênteses” para explicações de aspectos e detalhes que envolvem os problemas. Já o professor Roberto, não explicita de forma tão clara o foco da atividade para os alunos, não ficando tão evidenciados os momentos de sistematização do conhecimento em sala, mas sempre recorre aos alunos pedindo que façam uma síntese do que foi discutido ou como entenderam e resolveram uma determinada situação, como ocorreu na atividade do cálculo de área. Como já mencionado, a mobilidade das componentes da atividade, retratada nas duas situações, gerou aprendizagens não previstas, fruto ou não, da instabilidade do sistema. Essa instabilidade, se levada ao extremo, pode chegar, temporariamente, a uma fragmentação do sistema de atividades, pela superposição de diferentes atividades que o compõem. Nos casos analisados, entretanto, o risco de fragmentação parece ter sido pelo menos parcialmente superado, uma vez que os professores, de formas diferentes, assumiram papéis ativos como autoridade principal na atividade, controlando a distribuição da divisão do trabalho no curso da atividade. À medida que a divisão do trabalho vai se tornando mais horizontal e menos hierárquica, os alunos vão simultaneamente ganhando poder de ação e convergindo para a atividade direcionada pelos professores. Os professores, por sua vez, também se movimentam em direção aos novos padrões de participação impostos pelos alunos, culminando em uma atividade em que professor e alunos, tornam-se sujeitos (coletivo), todos com ações direcionadas para o mesmo objeto. Isso parece garantir o foco no objeto da atividade principal do sistema e mantê-lo coeso. 17 V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA 28 a 31 de outubro de 2012, Petrópolis, Rio de janeiro, Brasil 4 Considerações Finais A mobilidade dos componentes de uma atividade, como se viu nos trabalhos anteriores, tem uma dimensão positiva pelas aprendizagens que pode impulsionar. Porém, em casos extremos, que não identificamos nas duas situações analisadas, pode originar um rompimento da estrutura do sistema de atividades quando, em vez de flutuações do objeto da atividade, ocorre uma transformação desta e não há um retorno ao objeto inicial da atividade. Por exemplo, quando a professora Telma faz um desvio radical e momentaneamente direciona a atividade para a representação visual como objeto de ensino, poder-se-ia ter perdido totalmente o vínculo (mediação) com a discussão central, que era o cálculo da medida do ângulo formado pelas bissetrizes de dois ângulos adjacentes, o que não ocorreu. Este estudo traz, portanto, implicações importantes para a prática docente em matemática. Por outro lado, esse novo refinamento da nossa análise dos dois sistemas de atividades nos permitiu perceber que as mudanças e a momentânea superposição das regras que regem esses sistemas é um aspecto interessante, que merece ser mais aprofundado. Ele nos parece característico da atividade matemática escolar, porque está associado a uma outra contradição histórica dessa atividade, no caso específico da matemática, em que procedimentos que eram considerados válidos antes deixam de o ser depois (como nos casos analisados), e ações que não podiam ser realizadas antes passam a sê-lo depois (como nas sucessivas ampliações dos campos numéricos). Sobre a ampliação dos campos numéricos, Caraça (1998) argumenta que determinadas necessidades, umas de ordem prática, outras de ordem teórica, levaram o homem a percorrer um longo caminho que fez ruir vários sistemas filosóficos (como o dos gregos), alterando as matrizes do pensamento. Esse caminho não foi feito sem que dificuldades fossem enfrentadas e, na maioria das vezes, a tendência de fazer generalizações e potencializá-las ao máximo, explorando metodicamente todas as suas consequências, fez com que se produzissem novos pensamentos sobre os campos numéricos. Na visão de Caraça (1998), “todo o trabalho intelectual do homem é, no fundo, orientado por certas normas, certos princípios” (p.9, grifo do autor). Assim, diante de uma dificuldade/impossibilidade operatória no interior de um campo numérico, identificada dentro do conjunto de normas vigente para funcionamento desse campo, sucessivos processos de generalização que operam naquele campo são 18 V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA 28 a 31 de outubro de 2012, Petrópolis, Rio de janeiro, Brasil reestruturados pela negação das regras existentes, podendo dar origem a um novo campo numérico ou a uma ampliação do mesmo. Em trabalho mais recente, em preparação, estamos confrontando nossa hipótese de que esse é um aspecto característico da matemática escolar, com outros episódios de nossas observações em salas de aula de matemática. Agradecimentos As autoras agradecem, em primeiro lugar, a disponibilidade dos professores e alunos envolvidos nos trabalhos apresentados. Gostaríamos de agradecer também o apoio financeiro concedido pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq e da Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais – FAPEMIG. Referências CARAÇA, B. J. Conceitos Fundamentais da Matemática. Portugal/Lisboa: Gradiva, 2ª Ed. 1998. DAVID, M. M.; TOMAZ, V. S. The role of visual representations for structuring classroom mathematical activity. Educational Studies in Mathematics. v.80 , p. 413431,.2012. ENGESTRÖM, Y. Learning by expanding: an activity-theoretical approach to developmental research. Helsinki, Finland: Orienta-Konsultit, 1987. _______________. Developmental studies of work as a testbench of activity theory: The case of primary care medical practice. In CHAIKLIN; LAVE (Eds.), Understanding practice: Perspectives on activity and context. Cambridge: Cambridge University Press, 1993, p.64-103. _______________. From individual action to collective activity and back: developmental work research as an interventionist methodology. In P. Luff, J. Hindmarsh, & C. Heath (Eds.), Workplace studies. Cambridge: Cambridge University Press, 2000. _____________. Expansive Learning at Work: toward an activity theoretical reconceptualization. Journal of Education and Work. Vol. 14, Nº 1, 2001. p. 133-156. ENGESTRÖM, Y; SANNINO, A. Studies of expansive learning: Foundations, findings 19 V SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA 28 a 31 de outubro de 2012, Petrópolis, Rio de janeiro, Brasil and future challenges. Educational Research Review, 5, 2010, p. 1-24. LEONT’EV, A .N. Activity, consciousness, personality. Englewood Cliffs, New Jersey: Prentice-Hall, 1978. TOMAZ, V. S.; DAVID, M. M. Classroom activity promoting students’ learning about the use of drawings in geometry. In B. Ubuz (Ed.), Proc. 35th Conf. of the Int. 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