Selic a 10% em 2007 após ciclo de afrouxamento monetário?
Paulo Tenani | Valor Econômico - 14/02/2006 - edicão nº 1450
Para quanto poderá cair a taxa básica de juros (Selic) ao final deste ciclo de afrouxamento monetário?
Para o Brasil esta é uma questão complicada. Afinal, nos últimos três ciclos de cortes de juros, uma Selic ao redor dos 17%
levou, no final das contas, a uma bolha especulativa no mercado de câmbio.
A lembrança de 2002 é particularmente traumática. Na época, uma sobreposição explosiva de afrouxamento monetário
com eleição presidencial resultou em uma corrida tão violenta contra o real que a moeda depreciou-se 45% em apenas
cinco meses, atingindo R$ 4 para cada dólar. Porém, desta vez, - e a despeito do cenário político complicado - as coisas
podem funcionar de maneira diferente. Na nossa opinião, existe uma forte possibilidade de a Selic ceder abaixo dos 14%
ainda em 2006. E então, para 10% já em 2007. Parece muito otimista não é? Mas talvez nem seja tanto! E nosso
argumento é o seguinte.
Comecemos com as estatísticas. Desde 1996 - período em que se inicia a série histórica do risco-Brasil - a Selic oscilou
entre 15,25% e 46%, mantendo-se, em média, ao redor dos 22%. Na amostra existem dois sub-períodos distintos. No
primeiro, entre 96 e 98, o Brasil ainda vivia em um regime de bandas cambiais, em que a Selic compensava por uma
desvalorização programada de 8,5% ao ano. Neste período, a Selic média foi bem alta, ao redor de 28%, oscilando entre
19% e 46%. A partir de 1999, com o Brasil já em câmbio flutuante, a taxa básica de juros média cedeu um pouco, para 20%
ao ano, mantendo uma oscilação entre 43% e 15,25%.
Bem, os dados estatísticos são importantes por três motivos. Primeiro para ilustrar que, apesar da mudança do regime
cambial em 99 - e quando ajustada pela desvalorização programada do real - a Selic média manteve-se relativamente
estável nos períodos pré e pós desvalorização; e em um patamar bastante elevado.
Em segundo lugar, são estes dados - juntamente com as taxas de juros em dólares da dívida externa soberana (os "yields")
- que determinarão o "diferencial de juros de neutro": aquela diferença entre a Selic e os "yields" que compensaria
exatamente por todos custos e riscos de investir-se localmente em reais.
Finalmente, os dados alertam que uma Selic a 10% em 2007, enquanto uma possibilidade concreta, é também uma aposta
agressiva: 1) está muito abaixo do mínimo histórico de 15,25% - em que coincidentemente estão as apostas do mercado; e
2) está à dois desvios padrões abaixo da Selic histórica de 22%.
Vamos então aos "yields". Entre 1996 e 2004, o Brasil pagou, em média, "yields" de 13,5%, que oscilaram entre 10% e
23%. Na verdade, com um "yield" de 13,5% não é de surpreender que a Selic média tenha permanecido tão elevada - tanto
no período pré quanto pós desvalorização cambial. Além do mais, também não é de surpreender que toda a vez que a Selic
cedesse para um patamar próximo aos 17% - e o diferencial de juros ficasse muito apertado - ficasse muito barato apostar
contra o real e uma bolha especulativa estourasse no mercado de cambio.
Bem, a realidade mudou! O cenário de liquidez internacional é hoje muito favorável e os "yields" brasileiros despencaram
para 6,7%, seu mínimo histórico. A Selic, no entanto, em 17,25%, ainda não cedeu na mesma proporção desta queda dos
"yields". E é justamente neste sentido que acreditamos que existe espaço para uma taxa básica de juros a 10% já em 2007.
Afinal, com "yields" assim tão baixos, esta Selic de 10% ainda representaria um prêmio considerável - de 50% - sobre os
6,7% que o Brasil está pagando, em dólares, no mercado internacional. Ou seja, ela mais do que compensaria os custos e
riscos de investir-se localmente em reais e, portanto, por mais surpreendente que possa parecer, não causaria uma bolha
especulativa no mercado de câmbio.
Para concluir, com "yields" de 6,7%, a aposta em uma Selic a 10% em 2007 é uma possibilidade concreta. Riscos com
certeza existem: o cenário político complicado e os desbalanceamentos globais. Porém, na medida em que a volatilidade
política não deve alterar a tendência positiva para o Brasil e que a Selic deve cair devagar - para 14% em 2006 - tornando
ainda caro apostar contra o real durante o ciclo eleitoral, existem razões para mantermos nosso otimismo.
Quanto ao cenário global, a visão do UBS é de que os riscos estão do lado de uma desaceleração econômica e, portanto,
de taxas de juros mundiais ainda baixas - não mais altas. Nada mal para o cenário de Selic a 10% em 2007!
Paulo Tenani é Estrategista do UBS Wealth Management e Professor de Finanças Internacionais da FGV
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